Bad Kids escrita por belle_epoque


Capítulo 1
Capítulo 1 - As Três Regras da Família O'Neil


Notas iniciais do capítulo

Estou decidindo sobre o que quero escrever, então vou postando histórias até alguém comentar e me disser que está gostando hauhauhauhau

Sou carente.

Bisou ♥

Belle.Époque



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Essas são as três regras da família O'Neil:

1) Chegou em casa, sálvia.

2) Atire primeiro, faça perguntas depois.

3) Encrenca? Chame a tia Carol.

 

.

— Você não odeia... humpf... quando a gente fica... com a pior parte? — James O'Neil perguntou à sua irmã gêmea, entre arfadas, enquanto cavava. — Meus braços... doem.

Jessica olhou para o irmão de um jeito bem debochado, enquanto ela própria continuava cavando. Os braços dela doíam também, mas a garota não iria choramingar para ele. Na maior parte do tempo, gostava de se fazer de forte porque isso fazia James agir como forte também.

— Pelo menos a gente não está brigando com algum espírito homicida — ela respondeu com o seu característico toque de bom humor. — Isso é... — a garota fez uma pausa para recuperar o fôlego e limpar um suor que sentia escorrendo por sua testa. — ... praticamente o trabalho burocrático.

James meneou com a cabeça, escondendo um sorriso divertido, e voltou a cavar.

— Eu daria tudo para estar no meio de uma papelada agora — disse.

— Eu não. Nasci para isso — a garota continuou, sem se levar a sério. — O cheiro de terra e vermes que comem restos humanos... Aquele corvo esquisito naquela árvore seca que me olha como se quisesse comer o meu fígado...

O irmão ergueu o olhar para as árvores, mas não encontrou nenhuma “seca” e nenhum com algum corvo os encarando. Realmente, cemitérios podem ser assustadores durante a noite, mas nenhum deles é como num filme de terror. Eles ainda estavam no verão, seria no mínimo surpreendente se tivesse alguma árvore morta ou hibernando por perto.

— Licença poética — ela brincou para o irmão. — Você acreditou?

— Engraçadinha — James soltou, antes de sentir sua pá bater em algo duro.

O som chamou a atenção de Jessica que o sentiu com a própria pá. Eles trocaram olhares, cheios de expectativa, e soltaram ao mesmo tempo:

— Aleluia.

A garota pulou para fora do buraco que os gêmeos haviam cavado e deixou seu irmão fazer o trabalho de demolir a madeira do antigo caixão. Ele podia reclamar de cavar, mas demolir coisas era o passatempo preferido de James. O fazia, literalmente, com um sorriso no rosto.

Jessica achou ter ouvido alguma coisa e olhou ao redor. Pegou a lanterna que os jovens haviam trazido e olhou ao redor. Vendo o estado alerta da irmã, James parou de quebrar e olhou para ela, pedindo explicação.

— Você ouviu isso? — perguntou ao irmão.

— Não...

Eles tentaram ouvir, por mais alguns segundos, mas só tiveram o silêncio. Jessica o encarou e deu de ombros, antes de mandá-lo continuar com a destruição da tampa do caixão.

O cheiro de corpo em decomposição atingiu os dois e eles taparam o nariz quase que imediatamente no instante em que seu irmão revelou o cadáver. Jessica havia lido uma vez num livro de biologia que o corpo humano produzia gazes quando estava em estado de decomposição, mas ela nunca iria se acostumar com o quão fedorento eles poderiam ser. Pelo menos ela já havia se acostumado com o aparência deles.

Estendeu a mão para ajudar seu irmão a sair do buraco fundo e o puxou de lá.

— Muito bem — elogiou, abaixando-se e pegando o sal grosso. — Pronto?

Seu irmão pegou o antigo livro que sua mãe lhes emprestara e assentiu com a cabeça. A garota, então, começou a jogar quase todo o sal grosso, que havia trazido dentro de uma sacola de papelão, sobre o cadáver enquanto seu irmão recitava uma oração em galês.

Quando ela começou a jogar a gasolina, a lanterna que ambos haviam trazido começou a falhar. E não era simplesmente por conta de algum defeito na pilha.

Os irmãos trocaram olhares, em silêncio, até que a lanterna se apagou de vez.

Jessica sentiu aquele conhecido arrepio em sua espinha e percebeu um vulto que não estava ali antes, recortado contra a luz da lua. Perto do túmulo que eles haviam desenterrado. Ou seja, perto deles. Encarando-lhes com perigosos olhos vermelhos.

Diferente do que muita gente achava, Jessica e James nunca haviam visto um espírito que parecesse humano como quando a época em que morreu. Todos eram como figuras disformes e humanoides. Como se dissessem: sim, já fomos humanos, mas nem nos lembramos mais de como era.

James parou com sua oração e o encarou também.

— Jessica.

A garota assentiu com a cabeça e riscou um fósforo, antes de jogá-lo no túmulo.

O corpo pegou fogo quase que instantaneamente e algo naquilo fez os gêmeos se perguntarem como seriam as antigas fogueiras de povos celtas e seus druidas, exatamente como as histórias que sua mãe lhes contara. Seu irmão começou outra oração em gaélico, dessa vez de purificação.

Ele pegou um pouco de sálvia que trouxera e atirou no fogo, preenchendo a noite com o perfume maravilhoso da erva.

O vulto que os observava continuou encarando os gêmeos, até que seu espectro começou a pegar fogo também. E ali, no meio das chamas que devoravam sua silhueta humanoide, era possível se ter um vislumbre de quem ele costumava ser: um homem, de meia idade, completamente “normal”. Alto e magro, de cabelos castanhos e olhos escuros, que sorriu para os gêmeos minutos antes de desaparecer.

Mesmo assim, os gêmeos permaneceram onde estavam por alguns segundos, olhando ao redor, certificando-se de que o fantasma havia mesmo sido exorcizado. Eles já foram enganados desse jeito por pelo menos umas três vezes. Os bichos dos olhos vermelhos são os mais ardilosos e piores de todos.

— É. Acho que é isso — Jessica disse, guardando tudo na mochila.

— Espero que tenhamos conseguido fazer antes que essa coisa tenha quebrado a nossa mãe — James resmungou, mais para si mesmo.

— É mais provável mamãe tê-lo quebrado primeiro — Jessica retrucou, colocando a bolsa sobre o ombro de um jeito bem torto para rápido acesso. — Além disso. Fomos mais rápidos dessa vez. Seu gaélico está bem melhor que o meu.

Jamie sorriu com o elogio.

De repente, feixes de luz atingem os dois adolescentes com tanta força que poderia tê-los deixado cegos. “Eu sabia que havia sido fácil demais” a garota pensou consigo mesma, metendo a mão na mochila e pegando mais um punhado de sal grosso. Devido à luz forte jogada em seu rosto, ela apenas conseguia ver um vulto negro caminhando em direção deles.

— Jamie! Um, dois... três! — Jessica jogou o sal em direção do vulto que soltou um “aaaargh” e empurrou o irmão, gritando: — Corre! Jamie! Corre!

E eles correram.

Deixam o túmulo em chamas para trás e pularam por cima de outros, recém-tocados, e lápides com a rapidez de um velocista especializado em corridas de obstáculos. Eles haviam deixado suas bicicletas escondidas atrás de uma grande árvore frondosa perto da entrada do cemitério.

Atrás deles, ouviram gritos de:

— Seus moleques! Parados aí! Vou pegá-los!

Ah, meu deus, não era o fantasma.

— Jess! — seu irmão a chamou. — Não é um espírito!

— Então corra mais rápido! — ela respondeu.

Se havia algo que assustava a garota e seu irmão, mais do que fantasmas, sem dúvida eram os seres vivos. Por quê? Bem, porque eles eram incrivelmente mais petulantes do que fantasmas. Fantasmas eram indiferentes. Você poderia tentar contar-lhe sobre o mundo dos vivos e tudo o que fariam seria lhe encarar com uma expressão de puro desinteresse (ou te atacar, se você tocar em alguma ferida). Agora... humanos?

Se você lhes contasse que estava tentando exorcizar um espírito mal, seria como assinar um atestado e dizer: “sim, eu sou completamente piradinho das ideias”.

Mesmo que essa fosse a mais pura verdade.

Eles conseguiram chegar na árvore onde guardaram suas bicicletas e as pegaram antes de chegar ao portão e...

... Se deparar com uma viatura da polícia com os faróis ligados. Onde dois policiais os esperavam com suas portas abertas, apontaram-lhe suas armas e gritaram:

— Parados! Mãos ao alto!

.

— Então, eu estava fazendo a ronda no cemitério quando ouvi barulhos — o zelador, que chamou a polícia e havia recebido uma boa quantidade de sal grosso no rosto, disse aos policiais. — Eu liguei para vocês de imediato e fui averiguar o que era. Encontrei esses dois delinquentes profanando um dos túmulos e tacando fogo nele!

O homem olhou para os dois jovens com raiva e indignação.

Jessica e Jamie sem dúvida sentiam raiva e indignação também. Não pelo mesmo motivo que o zelador do cemitério, mas, principalmente, porque ambos haviam sido algemados mesmo sem mostrarem um pingo de resistência... Quer dizer, não mais do que tacar sal grosso no rosto de um homem, mas quem liga?

E, para completar, sentaram os dois no meio fio, ao lado da viatura. Como se fossem dois bandidos. Tudo o que haviam feito fora invadir um cemitério de noite e tacar fogo e sal grosso num corpo antigo. Não havia sido nada de mais ou perigoso.

— Então... — um dos policiais se aproximou dos jovens, apoiando as mãos na cintura e se estufando. — Qual dos dois vai se explicar primeiro?

James e sua irmã trocaram olhares.

— Eu falo primeiro? — ela perguntou.

— Por favor. Você é melhor nisso do que eu — respondeu.

— O.K. — a garota limpou a garganta, e olhou para os dois policiais mais o zelador. — Olha, eu entendo, que pode parecer incrivelmente suspeito dois jovens invadindo um cemitério na calada da noite, cavando um túmulo e tacando fogo nele. Assim, sem mais nem menos... Mas só é porque você não está olhando pelo nosso lado.

— Ah, é mesmo? — ele perguntou, com um sorrisinho, olhando para o parceiro.

— É claro. Veja bem... — Jessica começou. — Tudo começou quando éramos bem pequenos. Nosso pai, que o diabo o tenha, era um homem horrível. Horrível de verdade. Ele batia na gente, na nossa pobre mãe, no nosso cachorrinho Cockie Spainel... — James concordou com a cabeça. A garota olhou para dentro do carro e viu de relance uma foto do policial com seu gatinho. Acrescentou: — Até mesmo matava os gatinhos da vizinhança!

— Horrível — Jamie enfatizou.

— Só. Por. Diversão — Jessica enfatizou aos homens.

O policial inflado arqueou uma sobrancelha, mas seus ombros relaxaram.

— Aí, há seis meses ele morreu, do nada. Um aneurisma...

— Foi carma —James acrescentou.

— E então você pode ter achado que tudo melhorou em casa, né? A verdade é que não! Meu caro irmão James aqui começou a ter sonhos esquisitos e a ficar extremamente perturbado! — Jamie olhou para a irmã de olhos arregalados. — Sem saber o que fazer, procuramos uma psicóloga para ele... Achei que poderia ser algum estresse pós-traumático ou que ele se sentia culpado por alguma coisa... Mas quando ele saiu de lá, disse-me que precisava queimar os restos do nosso pai.

O garoto assentiu com a cabeça e suspirou:

— Salgar a terra e queimar.

— Perguntei para a psicóloga o que isso significava e ela me disse: “veja bem, seu irmão é um garoto muito religioso, não é?” e eu disse: “muito, muitíssimo mesmo”, aí ela disse: “e seu pai foi um homem mau, não foi?”, e eu disse: “tão mal que deve estar agora sentado no colinho do capeta”, e então ela explicou: “ele acha que está sendo assombrado pelo seu pai. E acha que dar um fim ao seu pai, como os antigos cristões faziam quando se é uma pessoa muito ruim, vai fazer com que isso passe”.

Os policiais trocaram olhares de novo.

— Eu sei, isso é muito absurdo. Quer dizer, pff... — Jessica se inclinou para frente e murmurou: — Fantasmas cara? Quem acredita numa coisa dessas? — e soltou uma risada. — Mas a questão é que meu irmão acredita. E aí eu perguntei à psicóloga: “você acha que passa?”, e ela disse: “Seu irmão precisa de um fim para o seu pai. Um fim de acordo com a religião dele. É provável que funcione”. E eu, como a boa irmã que sou, iria negar ao meu querido irmão de salgar e pôr fogo nos restos de uma pessoa tão ruim assim? Ainda mais se isso significasse que ele enfim tivesse uma boa noite de sono?

O policial desarmou sua postura intimidadora e soltou um suspiro, antes de encarar o parceiro com um olhar que perguntava o que ele achava de tudo isso. Como ele não parecia convencido o suficiente, Jessica completou dizendo:

— Tudo bem. Pode nos prender. Mas saibam que se eu cometi algum crime, policiais, foi o de amar demais a minha família.

Enfim, o segundo policial soltou um suspiro e disse:

— Vamos soltá-los logo. O susto que levaram vai bastar.

— O quê?! — O zelador perguntou, estupefato.

— Eles são só crianças, Isiah — um policial disse.

— Crianças fazem besteira — o outro concordou.

— Eles colocaram fogo em um túmulo! — o zelador, Isiah, insistiu. — Perturbaram o sono dos mortos! Profanaram seu local de descanso! Eles não passam de jovens saqueadores de túmulos!

— Opa, espera aí! Saqueei túmulo nenhum senhor! — Jess respondeu.

— Oh, é mesmo? Então me diga: quando foi que o seu pai morreu mesmo?

— Há seis meses.

— Bem, então porque vocês mexeram no túmulo de um homem que morreu em 1920? — perguntou, com um sorriso espertinho, antes de passar o celular, de onde tirara uma foto da lápide e o buraco pegando fogo. — Aqui, eu tirei foto.

Os policiais olharam na tela do celular e então olharam para os dois jovens como se houvessem sido traídos, já que ambos haviam acreditado em toda aquela ladainha. Jess poderia ter soltado um palavrão de tão frustrada que ficou. Não esperava que ele houvesse visto a data de quando o fantasma morreu.

— Então...? — o policial voltou a colocar as mãos na cintura e a estufar o peito. Agora, parecia incrivelmente furioso. — O que vocês tem a dizer sobre isso?

— Ops! — Jessica soltou, com um sorriso amarelo.

Dessa vez, James que respondeu:

— Vocês não poderiam nos interrogar sem a presença de um responsável ou de nosso advogado. Vou falar isso aos seus superiores.

E então os dois riram.

Aquela risada de dois adultos ferrando com um adolescente espertinho.

— Vamos ter que ligar para Carol — seu irmão resmungou.

— Aham...

.

Os gêmeos acabaram numa sala de interrogatório na delegacia. Trancados como se fosse uma cela. Mas pelo menos eles haviam se livrado das algemas. O policial amante de gatos revirou a mochila que Jessica levara para o cemitério, encontrando sal grosso, sálvia, e várias outras coisas que ele não devia nem saber o que era.

Até que encontrou o livro de estudos de Jess e Jamie.

Seu irmão ficou imediatamente tenso ao ver o home folheá-lo.

— Em que língua é isso? — perguntou.

— Galês — Jess respondeu.

O homem lhe olhou como se não soubesse se deveria confiar nas crianças, e então voltou a folhear. Até que parou numa página. A que havia um pentagrama desenhado e soltou uma risada sarcástica.

— É disso que se trata? — perguntou, em tom cético. — Vocês o que? Estão tentando entrar num culto satanista? Numa seita de adoradores do diabo? Botar fogo num corpo morto há mais de cem anos foi só o começo?

James soltou um suspiro, irritado.

— O quê? — o policial perguntou, irritado.

— Você está confundindo — Jessica é quem disse. — Isso ai é um pentagrama. É um símbolo de proteção. Os cinco elementos: ar, água, fogo e terra, cada qual em seu canto, mas interligados no mundo, representado pelo círculo. O pentagrama que os satanistas usam é de cabeça para baixo, representando um bode. Nada a ver.

— A orientação desse símbolo é só um detalhe — o homem desdenhou.

— A diferença de uma cruz suástica budista para uma suástica nazista também é só um detalhe — James resmungou, em tom sarcástico.

O policial olhou para o garoto, com raiva, atirou o caderno sobre a mesa e se inclinou ameaçadoramente para cima das crianças, dizendo:

— Escute aqui, estou de saco cheio dessa sua atitude merda, viu moleque?

Graças à Deus, justo nessa hora tia Carol apareceu, abrindo a porta da sala.

Jessica não se surpreendeu nenhum pouco ao perceber que, como sempre, a mulher parecia uma dona de casa suburbana, rica e feliz (pelo menos, de séries antigas). Seus cabelos loiros estavam soltos e perfeitos, os olhos azuis claros sem nenhuma ruga ao redor deles (mesmo que tivesse uns quarenta anos) e sua roupa era bonita demais para alguém que “estava dormindo quando ligaram da delegacia”.

— Crianças! — ela disse, indo de encontro aos garotos e os abraçando. Eles soltaram um “tia Carol” incrivelmente ingênuo e inocente. Então ela perguntou ao policial: — Mas o que está acontecendo aqui, Bart?!

O homem pareceu incrivelmente confuso.

— Eles são seus filhos? — perguntou.

— Não. Meus sobrinhos! — ela respondeu.

— Cadê a mamãe? — James perguntou, num tom incrivelmente alarmado. — Ela estava... estava cuidando de alguns assuntos... — olhou cheio de significado à mulher — e ainda não conseguimos falar com ela.

A mulher fez um gesto rápido com a mão.

— Não se preocupem, a mãe de vocês está bem. Eu acabei de falar com ela na sala ao lado — a mulher respondeu. Com um sorriso gentil demais, que não se desmanchou nem mesmo quando ela completou: — Ela também acabou sendo presa.


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