A Rainha da Quadra escrita por Bela Barbosa


Capítulo 3
A Melhor Decisão


Notas iniciais do capítulo

Oi genteee! Primeiramente queria dizer que to mt feliz com os comentários ♥
Desculpem q o capítulo ficou enorme, mas espero que vcs gostem, sábado eu posto o próximo! Boa leituraaa



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POV Akira

 

Independente da escolha que eu viesse a tomar, não seria importante agora. Eu devia ao menos curtir meu momento de caloura no time e aproveitar para conhecer meus outros colegas, que chegariam em breve.

— Quanto tempo até os outros chegarem?

— Menos de cinco minutos, eu acho – Sugawara respondeu minha pergunta.

— Dá tempo de fazer um lanchinho? – Indago com os olhos enormes de drama.

— Se você correr, dá sim!

Serelepe, corri em direção à minha mochila e peguei o sanduíche que estava na lancheira. Por causa do nervosismo com o teste, não tinha conseguido comer nada durante o dia na escola e precisava ao menos de um pouco de energia para treinar.

Começo a devorar o sanduíche tal qual um porco que passou o dia amarrado, atraindo olhares atônitos dos quatro que estavam ali comigo. Se eles estivessem suspeitando que eu fosse uma menina, com certeza não estariam mais.

— O que foi? – Questiono com um pedaço de peito de peru pra fora da boca.

— Nada! – Os quatro exclamaram em uníssono, com sorrisos amarelos para disfarçar o espanto.

Apesar de estar segurando, queria muito rir das carinhas esquisitas deles. Mas para o alívio dos quatro, um homem alto de cabelos loiros passou pelos portões do ginásio parecendo diluir a vergonha que eles sentiam.

Daichi corre na direção dele e conversa alguma coisa enquanto olha na minha direção. Os dois sorriem e caminham até onde eu estou, ficando bem à minha frente.

— Então você é o novo membro do time? – O loiro perguntou de braços cruzados e com um sorriso faceiro.

Assinto enquanto mordo um pedaço de pão maior do que a minha boca.

— Eu sou o treinador Ukai.

No mesmo instante, arregalo os olhos e corrijo minha postura, jogando o sanduíche de volta na lancheira que estava ao lado. Já que ele não parecia ser muito mais velho, acabei assumindo que era o irmão de alguém ou coisa parecida, e por isso até então havia feito pouco caso de sua presença. Além de me sentir culpada por não ter demonstrado mais respeito, logo que ouço seu nome, tenho a impressão de que me soa familiar, mas não sei muito bem o motivo.

— SENSEI! – Exclamo enquanto faço diversas reverências consecutivas.

Tanaka e Sugawara riem da minha reação enquanto Asahi e Daichi ficam assustados com meu pulo.

— É um prazer conhecer você, desculpe não ter te cumprimentado antes! Sou Akira Miyazaki, à sua disposição – Falo, ainda encarando o chão.

Ukai dá uma gargalhada que ecoa por toda a quadra.

— Pode ficar tranquilo, não sou nenhum velho antiquado – Respondeu bem-humorado – Só queria te conhecer antes de te apresentar pro resto do time. Daichi falou que você é da defesa, certo?

Sorrio para ele em resposta por sua compreensão.

— Sim, sensei! Jogo de líbero desde sempre.

— Nós temos um bom líbero, mas quanto mais jogadores bons, melhor para multiplicar nossa força em quadra. Você veio de qual escola, Miyazaki-kun?

— Instituto Shiratorizawa. Mas eu juro que não sou uma máquina sem coração na hora de jogar – Me justifico, lembrando da postura em jogo da escola que eu frequentava.

O treinador e os outros riem moderadamente.

— Jogar com o coração é realmente importante. Mas só de você ter vindo do Shiratorizawa já é um bom sinal, eles são muito exigentes.

Mordo o lábio inferior e desvio meu olhar para o canto. Ele estava certo? Sim. Mas esperar que eu fosse jogar melhor por ter vindo do Shiratorizawa provavelmente seria muito frustrante quando me visse em quadra. Eu não queria deixar que isso acontecesse.

— Eu costumava jogar melhor quando fui admitido lá, mas agora estou... – Penso em alguma justificativa verdadeira que possa dar para o meu desempenho atual – passando por uma fase de muitas mudanças. Não estou tão bom quanto antes, mas tô disposto a melhorar.

— Então o Karasuno é o lugar certo pra você – Ukai responde com um sorriso largo e seu polegar levantado.

Por mais que não tivesse sido um abraço, eu sentia como se houvesse sido um. O apoio de Daichi e Asahi, o acolhimento de Tanaka e Sugawara e as palavras do treinador me davam a mesma sensação de estar sentada numa lareira numa noite fria de inverno, tanto por me aquecer quanto por trazer segurança. Era incrível como em menos de um dia eu já me sentia em casa perto daquele time.

Repentinamente, todos ouvimos um grito partir do meio da quadra e nos viramos para olhar. O baixinho ruivo cujo discurso havia me convencido a vir para o Karasuno jogar vôlei estava acompanhado de um rapaz alto e magro com cabelos curtos e escuros.

— PARA DE ROUBAR, FUI EU QUE CHEGUEI PRIMEIRO! – O pequeno protestou, ofegante.

— HINATA, É FÍSICA! SE SUAS PERNAS SÃO MENORES, VOCÊ CORRE MAIS DEVAGAR! – O moreno rosnou para ele com uma careta digna de vilão da sessão da tarde.

Ainda rindo da discussão deles, girei os olhos pelo ginásio e percebi que este agora estava cheio, com rostos que eu ainda não tinha visto, exceto por um. No meio de tantas fisionomias masculinas, haviam duas femininas, sendo uma muito familiar.

A menina baixinha e loira que se sentava ao lado da garota de cabelos negros estudava na mesma sala que eu, a turma avançada do primeiro ano. Por mais que eu não soubesse seu nome ou mesmo quem ela era, era bom encontrar um rosto conhecido.

No mais, todos os outros, com exceção de Hinata, me eram estranhos. Sinto meu coração errar o ritmo das batidas e minha barriga esfriar, mas dessa vez por uma razão muito, muito boa. Esses seriam meus melhores amigos por muito tempo.

— Pessoal, todo mundo aqui no canto! – A voz do treinador se destaca e ecoa pela quadra.

— E vocês dois, sem briga! – Daichi aponta para Hinata e o outro, com uma cara fechada que eu ainda não tinha visto partir dele. Ambos protestam, mas obedecem.

Em resposta, todos começam a se organizar sentados no chão, formando um semicírculo, exatamente próximos ao banco em que eu e os outros estávamos. Noto alguns rostos me encarando e não consigo deixar de corar, sentindo um pouco de vergonha por ser o centro das atenções.

Quando todos estão organizados, Daichi, Tanaka, Asahi e Sugawara também sentam e eu me direciono para fazer o mesmo, mas sou impedida quando o treinador me segura pelo braço.

— Akira-kun, eu vou te apresentar agora, não é pra você sentar! – Ele explica, rindo do quão desajeitada eu sou.

Fico, então, em pé ao lado de Ukai e sorrio com as bochechas avermelhadas para o resto do time, que me encara receptivamente.

— Garotos, esse é o Akira Miyazaki. Ele estudava no Shiratorizawa, mas veio pro Karasuno e vai se juntar ao nosso time a partir de hoje na defesa. Espero que vocês recebam ele tão bem quanto me receberam – Ele termina com um sorriso e me dá um tapinha nas costas enquanto aceno na direção do time.

Logo ao abrir a boca para agradecê-lo, tenho minha voz abafada por um berro em uníssono vindo do time.

— SHIRATORIZAWA?! – Todos dizem em coro.

O impacto de todas as bocas se abrindo e falando ao mesmo tempo faz com que eu sinta uma mecha do meu cabelo se movimentar para cima e para baixo.

— S-sim, mas... eu tô muito mais feliz de ter vindo pra cá – Desajeitada, tento amenizar o choque com um sorriso tímido.

De repente, Tanaka pula do meio do círculo e coloca um dos braços ao redor dos meus ombros, usando o outro para apontar de volta para o time.

— É por isso que vocês vão ter que se esforçar muito se quiserem o título de meu calouro preferido de volta, ouviram?

Ouço algumas risadas de fundo e vejo dois garotos pequeninos se destacarem dos outros num salto, como duas pipocas no meio de uma panela de milho. Como eu sabia que um deles era Hinata, assumo que o outro deve ser Nishinoya, o líbero.

— Seja bem-vindo, Miyazaki-kun! – Os dois baixinhos berram com animação.

— Você vai se enturmar rápido. A Yachi chegou aqui outro dia e já somos todos amigos dela! – Um garoto gentil, de cabelos pretos ligeiramente esverdeados, se faz ouvir apontando para a menina loira que eu conhecia.

Ela sorri para mim com as bochechas avermelhadas e pareceu muito amigável. Sorrio de volta e fico ainda mais feliz por ter a oportunidade de me aproximar de meninas aqui no Karasuno.

— Você tá na minha sala! Vai ser ainda mais fácil sermos amigos – Yachi se pronuncia.

— Eu espero que sim. Nós garotas temos que nos apoiar, né? – Abro um sorriso largo, que logo se desfez devido às expressões confusas que me rodeavam em absolutamente todos os rostos ali.

Levei alguns segundos até entender o porquê de estar sendo olhada daquela forma até cair a ficha e eu engolir em seco, paralisada da unha do pé ao fio de cabelo da franja. Ser burra tudo bem, mas ser isso aqui já é demais.

— Quer dizer, vocês garotas têm que se apoiar. Você e ela. – Friso ao dizer “vocês”, apontando para Yachi e a menina mais velha e depois para mim acenando negativamente com a cabeça - Não eu. Porque eu não sou uma garota. Definitivamente não sou uma garota.

Eu mal respirava enquanto esperava que as caras atônitas se diluíssem, esperançosamente por eu ter sido convincente o suficiente de que não era uma menina. O tanto de bola fora que eu dei só hoje deve ser algum tipo de recorde.

— Espera.... aquilo é uma lancheira do Naruto? – Tanaka indaga apontando na direção da minha mochila.

Agradeço mentalmente por ele dizer qualquer coisa capaz de suspender o clima de apreensão que eu havia gerado e mudar o foco da atenção do time.

— Aham, essa é a do Minato, mas em casa eu também tenho uma da Sakura – Respondo com uma mão na cintura e um sorriso mais orgulhoso do que deveria por ainda ter coisas de criança.

— EU TENHO A DO KAKASHI! – Hinata grita com um sorriso de orelha a orelha.

— E EU, A DO ROCK LEE! – Nishinoya completa com os olhos brilhantes – E se a gente usasse os gestos de jutsu pra combinar as jogadas?

— Noya-san, você é genial! – O ruivo arregala os olhos – Mas eu sou o mais rápido do time, então eu que sou oficialmente o Rock Lee! – Completa com um sorriso convencido.

— Eu bati a cabeça ou realmente existem quatro deles? – Um loiro alto, de cabelos bagunçados e óculos, disse sem muita animação.

Enquanto eu, Tanaka, Noya e Hinata fazíamos jutsus e combinávamos jogadas, podíamos ouvir risadas ao fundo. E quem podia dizer que eles estavam errados em rir, não é mesmo? Até que todo esse movimento foi quebrado pela voz bem-humorada apesar de séria do treinador:

— Tudo bem, ninjas, vocês podem usar os jutsus que quiserem desde que comecem a treinar agora! – Ele finalizou tocando uma bola de vôlei diretamente para o centro da quadra, para onde todos gradualmente começaram a se dispersar – Começando pelos saques.

Ordenadamente, nos dividimos pelas extremidades da quadra e começamos a praticar os saques, supervisionados pelo treinador e observados pelas gerentes do time. Por mais que eu não estivesse na minha melhor forma, o ambiente me fazia sentir que eu poderia crescer muito ali. Dessa vez, realmente sem pressa. No meu tempo. E isso fazia toda a diferença.

Quando o treino acabou, eu, Nishinoya, Tanaka e Hinata apostamos quem conseguia andar mais tempo com o pneu da bicicleta levantado no pátio da escola, sendo os três mais velhos os jurados. Tanaka e Nishinoya perderam rápido porque Shimizu deu tchau e distraiu os dois logo que começamos, deixando só eu e Hinata na disputa. Estávamos praticamente juntos quando meu pneu traseiro ficou preso numa pedra, me fazendo desequilibrar e sair da posição. No entanto, quando Hinata parou pra me olhar, ele também deixou de empinar a bicicleta praticamente no mesmo instante. Depois de muitos protestos, aceitei ficar com o segundo lugar, mesmo ainda me considerando moralmente num empate técnico com o ruivinho.

Nos despedimos e então segui meu caminho de bicicleta até em casa, que não era muito longe do Karasuno. Antes de entrar, pego um pacote de lenços umedecidos que guardava na mochila e passo um no meu rosto para tirar quaisquer resquícios de maquiagem que me deixassem mais masculina. Entro em casa e sou coberta de lambidas por Choko, que quase me derruba de tantos pulos.

— Também senti sua falta, amigão – Faço voz de bebê ao mesmo tempo em que acaricio a barriga do bichinho que me cumprimentava animado.

Noto que a casa está bastante silenciosa, mas antes mesmo de formular qualquer pergunta, observo um post-it grudado na borda da mesa com a grafia do meu pai.

 

Estou em escala até 04 da manhã, mas deixei ramen pronto na geladeira

Me ligue se precisar de qualquer coisa ou vá para a casa dos seus avós

Te amo

Papai

 

Sorrio ao perceber o cuidado que ele tinha comigo, mesmo tendo uma rotina bastante puxada no trabalho. Pelo fato do meu pai ser bombeiro, seus horários nem sempre eram os mais convencionais, mas ele fazia questão de estar presente na minha vida em todos os momentos. Ainda assim, eu havia aprendido a me virar muito bem sozinha e por isso conseguia ser bastante independente. Além disso, tinha também desenvolvido um certo apreço pelos meus momentos sozinha em casa com Choko.

— Vou colocar nossa playlist, combinado? – Olhei sorridente para ele, que latiu em retorno – Alexa, toca a playlist show da Akira no chuveiro.

Subo correndo para o meu quarto ao som do início de Levitating, da Dua Lipa. Tiro minha roupa com certa pressa e pulo pra dentro do chuveiro a tempo de cantar o refrão da música com o frasco de shampoo como se fosse um microfone.

— I want you, baby. My sugarboo, I’m levitating – Canto apontando para Choko, que me encarava com a língua para fora.

Algumas músicas e um banho muito relaxante depois, durante o qual não parei de sorrir devido ao ótimo dia que tive, desligo o chuveiro e respiro bem fundo, envolvendo uma toalha ao redor do corpo. Enquanto uso outra toalha para secar meu cabelo, tenho a sensação de que todo aquele peso que eu carregava desde que saí do Shiratorizawa estava finalmente começando a se desmontar. Mesmo mentindo sobre quem eu era, percebia que Daichi tinha razão: eu finalmente estava conseguindo ser eu mesma.

Limpo o vapor no espelho e não preciso forçar um sorriso porque ele já está ali. No instante em que inalo o ar para conversar com meu próprio reflexo, ouço o som da música que tocava no meu celular falhar por alguns segundos consecutivos e vibrar simultaneamente. Confusa, junto minhas sobrancelhas e tomo o aparelho em mãos.

 

KARASUNO - VÔLEI

Sugawara adicionou você ao grupo

Asahi: bem-vindoooo calourinho

Asahi: já vi que vamos trocar várias dicas de remédio pra ansiedade ♥

Nishinoya: LÍBEROS DO KARASUNO >>>>

Kiyoko: Bem-vindo! Me fala se precisar de algo ^^

Tanaka: Kiyoko eu preciso...... to carente L

Kiyoko: que pena

Sugawara: kkkkkkkk toma distraído

Tanaka: ok não vamos perder o foco

Tanaka mudou o nome do grupo

BEM-VINDO MELHOR CALOURO!

Hinata: não gostei apaga tá me dando gatilho

Tsukishima: se o hinata não gostou pra mim tá ótimo ^^

Yamaguchi: Kageyama corre aqui!!!!!!!

Kageyama: o hinata que lute

Nishinoya: eu protejo vcs meus calourinhos hiperativos!!!

Daichi: só a turma do TDAH anda contigo, noya

gente quanta mensagem

pelo visto ngm tem que estudar não né

Yachi: aaah, falando nisso, ukai pediu pra avisar que amanhã não tem treino

Yachi: pros bbs poderem estudar pra última prova

se precisarem de ajuda pra estudar podem me chamar

Nishinoya: você é inteligente???

Tanaka: nossa aí não vale, vamos te kickar do nosso grupo

Asahi: tá vendo hinata era assim que vc tinha q ser, doido mais inteligente

minhas costas doem por carregar o peso de já ser o melhor membro do time

Kageyama: de ousado aqui já basta o hinata

Sugawara: inclusive pq ele tá calado??

Yachi: ele some toda vez q o assunto é prova kk

 

Rio das mensagens trocadas e consigo já me sentir parte daquela sinergia estranhamente funcional que formava o Karasuno. Era muito fácil ser “só mais um dos caras” entre eles. Pra garantir que essa interação funcionasse tão bem assim, vou até as configurações do grupo e já começo a me familiarizar com os rostos e nomes de todo mundo. Nesse movimento, passo os olhos pelos nomes de Asahi, Sugawara e Daichi. Meus dedos hesitam por um momento sem saber exatamente sobre o contato de quem eu deveria clicar. Respiro fundo. Fecho os olhos por alguns segundos. É agora, Akira. Você já pensou o suficiente sobre isso. Só vai.

 

daichiii, tudo bem? *-*

 

Abaixo a guarda e envio a mensagem para ele. Logo depois, jogo o celular para longe e enterro minha cabeça embaixo do travesseiro. Meu coração acelera e sinto meu estômago revirar de ansiedade, me perguntando se tomei a decisão certa. Me questiono até sobre o conteúdo da mensagem. 2 minutos e ainda sem resposta. Será que escrevi algo de errado?

Pego o celular que havia ido parar na cama de Choko e confiro a conversa, ainda não visualizada. Meu Deus Akira, pra que tanto “i”? Você não é uma menina, coloca isso na sua cabeça!!

 

mensagem apagada

fala daichi, tudo bom?

 

Apressadamente, apago a mensagem enviada e redijo uma outra, buscando na minha entonação de voz masculina um cumprimento que soasse mais natural entre dois garotos. Entro num pequeno momento de pânico em meio a tantos segundos pensamentos até sentir o celular vibrar, fazendo com que toda a ansiedade até então não parecesse nada perto do meu nervosismo agora.

 

Daichi: e aí novato!

Daichi: tudo sim, e vc?

 

O coração erra o ritmo das batidas. Suspiro em posição de meditação, me convencendo de que ficaria tudo bem.

 

tudo ótimo

queria conversar uma coisa meio urgente com você

mas tem que ser pessoalmente

Daichi: eita, falando assim deu até medo

Daichi: ctz que tá tudo bem?

tá sim, é só uma dúvida que eu acho que vc pode ajudar a resolver

Daichi: então tranquilo

Daichi: vc pode passar aqui em casa depois da escola

Daichi: é no caminho da casa do tanaka, daí vc já vai pro grupo de estudos direto

pode ser

tem certeza que não vou incomodar?

Daichi: se vc vier sem o trio red bull, não dá trabalho nenhum

trio redbull? amei kkkkk

Daichi: se bem que agora que vc chegou virou quarteto red bull

fazer o que se a gente carrega o time nas costas

Daichi: localização

Daichi: ap 302

Daichi: quando tiver na porta é só me dar um toque

Daichi: e quem carrega o time é o capitão aqui

Daichi: tem que respeitar o senpai

valeu, vc é o melhor capitão de todos

nunca critiquei

 

Desligo a tela do celular e o trago junto ao peito, finalmente respirando aliviada. As coisas, de um modo geral, sempre acabam sendo mais simples do que eu as imagino, mas nunca havia sido tão grata por isso quanto agora. Por mais que a conversa realmente séria e importante ainda não tivesse ocorrido, eu sentia que Daichi estava ao meu lado e iria me ajudar como pudesse, ainda que discordasse de mim. Eu estava certa da minha decisão e feliz pelo caminho que tinha escolhido seguir.

 

Acendo meu abajur e me jogo na cama, exausta mas com uma ótima sensação de dever cumprido. Amanhã tem mais, mas hoje já valeu por si só. Obrigada, ruivinho, por ter desafiado Ushijima e me convencido a ir pro Karasuno. Te devo essa.

 

 

*

 

 

Tu... tu... tu...

 

Ouço o telefone chamar o número de Daichi e depois volto minhas mãos para as alças da mochila, ficando por vezes na ponta do pé enquanto aguardo uma resposta dele. Em seguida, escuto um barulho elétrico e vejo o portão gradeado se abrir na minha frente.

Depois de subir alguns lances de escada e encontrar o número do apartamento indicado por ele, bato na porta e esboço um sorriso amigável para quando ele abrisse, o que não demora muito a acontecer.

— Akira!

Ele acena e sorri, gesticulando que eu entrasse na casa com a porta bem aberta.

— Ei, capitão! Licença.

Ao cumprimenta-lo, entro na casa de forma tímida, retirando meus tênis e deixando-os ao lado da porta. Num relance, passo os olhos por seu apartamento observando o quão parecidas com Daichi sua casa e a atmosfera dali são. Tudo parecia em perfeita ordem, desde as mobílias muito bem posicionadas até a paleta de cores claras e neutras no ambiente. A decoração era simples e modesta, mas tornavam o lugar ainda mais aconchegante e convidativo.

Ao entrar, o primeiro cômodo que se via era a sala de jantar, seguida pela sala de estar com um sofá enorme cheio de almofadas. A mesa estava posta com alguns pães, molhos e um bule do qual saía bastante vapor acompanhado de um cheirinho de chá fresco, tudo no centro de dois pratos e xícaras cuidadosamente posicionados um ao lado do outro.

— Aw, Daichi, não precisava! – Movida pelo esforço dele em me receber, minha voz fica um pouco mais melosa, voltando a ser o que ela é originalmente, o que rapidamente corrijo pigarreando e seguindo em frente – Mas agradeço a hospitalidade.

— Que isso, sempre vai ter um chá quentinho pra vocês do time aqui em casa. Quer ir pro sofá pra gente conversar melhor?

Balanço a cabeça positivamente, deixando a mochila no chão ao lado dos tênis. Sentamos um ao lado do outro no sofá ligeiramente virados para podermos nos ver de frente. Daichi sorria bastante calmo e eu tentava parecer tão tranquila quanto, me perguntando como soltar a bomba que eu tinha em mente.

Subitamente, sinto uma massa felpuda passar por entre minhas pernas e solto um grito agudo, pulando para o lado de Daichi enquanto ele me encarava assustado.

— Akira-chan, o que aconteceu? – Ele pergunta, tentando não rir de mim.

— A-alguma coisa passou pelas minhas... – Começo a formular a frase, mas no meio vejo um pequeno gatinho preto bem na nossa frente, a nos olhar com seus grandes olhos verdes – Pernas.

Daichi solta uma gargalhada capaz até de acordar um defunto.

— Akira, não acredito que você tá com medo do Azuki! – O moreno, ainda rindo, se abaixa e chama o bichano com as mãos, pega-o no colo e o traz para perto do meu rosto – Ele tá só querendo te conhecer.

Ao me recuperar do susto, sinto o rosto esquentar de vergonha por ter pulado de medo de um bichinho tão pequeno e indefeso. Faço carinho nele e o gatinho aconchega sua cabeça em minhas mãos, enquanto dou um sorriso amarelo na direção de Daichi. Ele dá um beijinho afetivo em seu gato, me proporcionando uma bela cena, e depois coloca-o no chão.

— Tá preparado pra estudar com os meninos? Confesso que nunca vi o Tanaka realmente interessado em estudar – Iniciou a conversa em seu típico tom amistoso assim que nos sentamos no sofá.

— Preparado é uma palavra forte – Pausei para rir um pouco - Mas eles estão se esforçando muito pra jogar em Tóquio, então não acho que vai ser tão difícil.

— Tá todo mundo super animado mesmo. Você já foi a Tóquio?

— Já fui algumas vezes, mas só com meus pais. Faz tempo que não viajo com amigos, principalmente pra me divertir.

Daichi mistura uma risada com um leve engasgo quando termino minha frase, parecendo estranhar com bom humor o que eu havia dito.

— Então sua definição de se divertir é passar um fim de semana inteiro treinando com um monte de macho? – Ele gargalha enquanto toca no meu ombro - Ou sua orientação sexual é vôlei, que nem o Hinata, ou então tá precisando arrumar uma namorada, hein, Akira-kun!

Rio um tanto quanto desajeitada, sem jeito por causa de sua proposição. Ele tinha um ponto de razão, mas eu precisava chegar ao motivo de ter vindo parar aqui, no sofá da casa dele, que passava pelo fato de que eu não iria de forma alguma arrumar uma namorada.

— Então, já que você tocou nesse assunto... – Comecei um tanto tímida, entrelaçando meus dedos uns nos outros e procurando as palavras certas - É mais ou menos sobre isso que eu queria conversar com você...

— Pera, a decisão que você tava falando era sobre uma namorada? – Daichi me encara com as sobrancelhas levantadas e uma expressão cômica - Sei que o Karasuno tem meninas bonitas, mas eu tô lá procurando há três anos e ainda não achei ninguém, depois me ensina como você fez isso tão rápido!

— N-não, não, Daichi-san, não é isso, não! – Imediatamente o corrijo, fazendo gestos negativos compulsivamente com as mãos e com semblante sério, para que o fio da conversa não se perdesse - Na verdade, é quase que o contrário... A verdade é que eu não vou nunca arrumar uma namorada, porque... eu não gosto de meninas. Pelo menos não desse jeito.

Minhas bochechas ficam vermelhas, fico com uma mão acariciando o braço oposto na tentativa de trazer algum conforto para mim mesmo nesse instante. Ao passo que a pele da minha boca fica cada vez mais fina com o atrito contra os meus dentes, o rapaz à minha frente faz um bico de curiosidade com a boca e é quase possível ver interrogações brotando em seus olhos, que denotavam confusão sob um arco franzido de sobrancelhas.

— A-Akira-kun... você é gay? – Ele indaga baixinho, com a voz mais lenta que o normal e apontando para mim.

Meus olhos por um segundo pulam para fora do meu rosto e minhas bochechas definitivamente ficam mais ruborizadas do que jamais estiveram.

— NÃO! Ai meu Deus, Daichi, não era isso que eu queria dizer, eu... – Me perco entre as palavras que queria usar, extremamente nervosa por estar causando uma confusão maior do que a prevista - Eu não sou gay, quer dizer, eu gosto de meninos, mas... – Enquanto meus neurônios quase que literalmente dão um nós, percebo Daichi mais desorientado a cada segundo - Quer dizer, eu sou hetero, mas eu não gosto de meninas, é porque...

Calo a boca por alguns segundos, fechando os olhos e expirando o ar dos meus pulmões com certa força. Calma, Akira. Organizo o que eu tenho a dizer da forma mais simples que poderia ser dita, retornando meus olhos aos de Daichi com um pouco mais de confiança do que tinha antes.

— Eu sou uma menina.

Os olhos do moreno à minha frente parecem ligeiramente menos confusos, mas isso não é um avanço tão grande levando em conta que sua expressão ainda se coloca bastante embaralhada.

— Então você nasceu num corpo de menino, mas acabou percebendo que...

— DAICHI-SAN, EU SOU UMA MENINA! – Ele começa a formular sua frase, mas a fim de evitar desentendidos, o interrompo com a voz um pouco alterada – Uma menina num corpo de uma menina. Isso que você tá vendo – Começo a passar as mãos pelo meu corpo inteiro, apontando para cada parte especificamente – essas roupas, esse cabelo, isso é tudo uma fraude. Eu sou uma menina que tá se fingindo de menino.

Finalmente Daichi aparenta ter entendido o que eu queria dizer. Sinto minha respiração, que estava pesada e descompassada, se realinhar enquanto ele faz silêncio por alguns instantes, movimentando os olhos pela sala inteira. Mordo meus lábios um pouco mais forte, mas dessa vez, por saber que a bomba já foi detonada, fico surpreendentemente calma, sabendo também que só me restava agora ouvir a resposta dele.

— P-por que você tá fazendo... isso?

Suspiro, por um lado feliz de não ter sido expulsa da casa dele, por outro tentando estruturar como revisitaria todos os fatores que me levaram até ali.

— Porque eu preciso jogar vôlei – Resumi, com um sorriso sem muito humor.

Passo as mãos nas minhas pernas, com os olhos um tanto vagos mirando meus pés. Essa era a primeira vez que eu contaria minha história em voz alta. E ela poderia parecer boba, poderia parecer simplória, mas ainda assim, era a minha história. Meu escudo. Relembrando todas as encruzilhadas pelas quais passei, enfim tomo um novo fôlego e volto meu olhar para Daichi.

— Minha mãe morreu há alguns meses e ela era meu maior exemplo no vôlei. Desde que ela se foi, eu nunca mais consegui jogar bem como antes – Mesmo sem perceber, minha voz masculina se desfaz e subitamente estou conversando como sempre fiz, como Akira, a que eu realmente sou – Mas as coisas começaram a se ajeitar. Eu fui pro Shiratorizawa, comecei a namorar o Ushijima, estava no time reserva de vôlei e achei que ia ter tempo pra me recuperar, até que... – Fecho os olhos por um instante - Eu tive que jogar e coloquei tudo a perder. Passei o maior vexame da minha vida e nem consegui me olhar no espelho depois disso.

Volto meus olhos para o chão para evitar ver qualquer resquício de julgamento nos olhos de Daichi, ainda que não acreditasse que ele fosse esse tipo de pessoa. Aquelas lembranças ainda doíam e eu precisava me proteger.

— Eu nem ia voltar a jogar, mas... uma coisa aconteceu e eu senti que precisava ir pro Karasuno. Só que o time feminino tava cortado, então eu não tinha como jogar a não ser que fosse um menino. E foi isso que eu fiz... – Finalizei, com as mãos e os ombros mais estreitados que o normal.

Olho para Daichi novamente, dando a ele tempo para entender, processar e responder as notícias que havia acabado de escutar. O capitão pisca diversas vezes, parecendo atônito ao juntar as peças do quebra-cabeça que sentava na frente dele. Suas mãos fazem diversos gestos, até que finalmente param e ele me encara com o cenho franzido.

— Você namorava o Ushiwaka? – Questiona, legitimamente perplexo.

Solto um barulho de riso pelo nariz e reviro meus olhos.

— Isso foi tudo que você pegou do que eu disse?

— N-não, me desculpe, Akira-kun, eu só... – Ele tenta se explicar de maneira gentil, como geralmente é - Fiquei curioso. Ele não parece o tipo de cara que namora. Na verdade, ele não parece fazer nada que um ser humano normal faz... – Comenta o resto mais para si mesmo do que pra mim.

Rio um pouco sem graça, esperando ansiosamente que ele falasse alguma coisa sobre o assunto principal da conversa. Daichi balança a cabeça como que para espantar quaisquer pensamentos periféricos e torna sua expressão compreensiva de volta para mim.

— Mas enfim, o foco aqui é você, não ele. Eu sinto muito pela sua mãe, Akira... – Com pesar em seu rosto, a mão de Daichi procura a minha sem que seus olhos deixem os meus - Esse é seu nome mesmo?

Assinto com a cabeça, retribuindo o toque afetuoso em minha mão.

— Eu nunca pensei que fosse ser uma vantagem ter um nome neutro – Digo, sem muito humor - Você... não me odeia agora? – Abaixo minha guarda, genuinamente preocupada com a reação dele.

Daichi era o capitão do time, se quisesse ele podia muito bem me tirar. E ele teria razão se o fizesse. Mas ao contrário das minhas expectativas, seus olhos crescem e sua boca se retorce num sorriso cortês.

— Odiar? Akira-kun, você é meu herói! – Ele fala alegremente - Quer dizer, minha heroína. Eu queria ter a sua coragem, o que você tá fazendo é incrível!

Involuntariamente, um sorriso se esboça em meu rosto. Sinto meu peito arder em euforia, como se houvessem flores crescendo dentro de mim.

— Então você não vai contar pra todo mundo quem eu sou de verdade? – Indago, mas dessa vez com o coração leve.

— Mas essa é você de verdade, não é? – Daichi aproxima seu rosto do meu, buscando sempre que nossos olhos estivessem alinhados, me reconfortando - Alguém com muita coragem, que ama vôlei, corre atrás dos seus sonhos... você ser homem ou mulher não muda isso.

Aperto sua mão, que ainda estava junto à minha, me sentindo definitivamente segura. Por mais que tivesse sido difícil escolher entre ele, Asahi e Suga, não vejo como poderia não ter vindo falar com Daichi

— Obrigada, Daichi-san – Minha voz ligeiramente emocionada tira um sorriso ainda maior dele.

— Eu que agradeço por você confiar em mim – Ele responde, passando seu polegar carinhosamente sobre a mão que segurava - Mas se não se importa, por que você veio me contar isso justo agora?

Inspiro o ar, que agora parecia entrar em meu corpo sem nenhum impedimento, soltando-o em seguida dando-me o tempo necessário para iniciar a segunda parte da conversa com as melhores palavras.

— Bem, eu... não sei o que dizer pro meu pai sobre o fim de semana em Tóquio. Ele sabe que o time feminino acabou, mas não sabe da minha nova identidade. Eu tenho medo de contar pra ele e ele me proibir de jogar e me fazer contar a verdade pra todo mundo. Mas também tenho medo de mentir e tudo acabar virando uma bola de neve maior do que eu posso aguentar... não sei o que fazer e queria pedir sua ajuda.

Daichi leva sua mão ao queixo, desviando seu olhar para o lado e molha seus lábios.

— Akira-chan, você também estava com medo de me contar, não é? Mas eu não reagi mal. Pode ser que seu pai também lide bem com essa notícia – Ele dá de ombros.

Sorrio, recordando-me do pensamento que tive hoje mais cedo sobre as coisas acabarem sendo mais simples do que parecem. Mas pelo menos para mim, falar com meu pai tanto mentindo quanto dizendo a verdade não iria ser tão fácil.

— Mas Daichi, se você ficasse chateado, no máximo poderia me tirar do time ou me denunciar na diretoria, mas se meu pai descobrir, as consequências podem ser bem piores...

Argumentei tendo em mente que meu pai estava passando por um momento difícil também e que ele poderia acabar descontando isso em mim.

— Eu entendo, mas seu pai vai acabar descobrindo mais cedo ou mais tarde. Por que não agora? Se você contar de uma vez, já tira essa ansiedade do seu peito, mas se levar adiante, vai ficar por muito tempo se corroendo por dentro. E ele também pode achar muito pior se descobrir que não foi apenas uma mentira, mas várias.

Levo meus olhos para o canto da sala, tomando alguns segundos para pensar. Daichi tinha tocado num ponto sobre o qual eu não havia refletido. Meu pai era tudo o que eu tinha da minha família e a tendência era nos aproximarmos por isso, mas se eu mentisse, só iria me distanciar dele.

Eu havia pensando tanto em mim, em me proteger e defender meus objetivos que não havia considerado que ele poderia se magoar caso descobrisse que eu não estava lhe falando toda a verdade. Sempre fomos próximos e sem a minha mãe, só tínhamos um ao outro. Desde que comecei meu plano, só pensei no que era justo para mim e não para ele.

Me perco em divagações, mas sou trazida de volta ao momento pela voz doce de Daichi, atraindo também meu olhar diretamente para ele.

— Você já foi tão corajosa tomando essa decisão de jogar vôlei disfarçada, de contar pra mim seu segredo... por que não tomar só mais um ato de coragem e contar pro seu pai também? – Ele agarra minha mão com um pouco mais de força, me fazendo sentir que eu realmente era capaz de lidar com aquela situação como um todo.

Eu precisava ser justa com meu pai, sobretudo agora que ele era minha única família, e não teria pensado nisso se não fosse pelo capitão. Sorrio para ele e solto sua mão, abruptamente envolvendo ele num abraço apertado. Daichi é pego de surpresa, mas ouço um pequeno sorriso próximo ao meu ouvido ao passo que ele carinhosamente retribui o gesto.

— Daichi-san, você é muito precioso! Obrigada por tudo, de verdade. Você me fez pensar em coisas que nem tinham me passado pela cabeça... – Agradeço com o rosto ainda enterrado em sua nuca.

Ao nos distanciarmos, o moreno ruboriza suavemente, o que potencializa sua expressão compreensiva.

— É pra isso que um capitão serve, né? – Ele diz, coçando o cabelo com uma das mãos.

— Você é mais do que só um capitão, Daichi.

Inesperadamente, dou-lhe um beijo na bochecha e percebo o tom de vermelho em suas bochechas saturar. Ainda sem jeito, ele se levanta e me convida para finalmente tomarmos nosso chá. Aceito, acalorada, me sentindo plenamente confortável em sua presença para falar com minha voz habitual, agir e me comportar como geralmente faço. Daichi também agia com naturalidade perto de mim, sem qualquer estranheza ao descobrir meu verdadeiro sexo.

Podia parecer pouquíssima coisa, mas para mim, estar sentada na sala de jantar de Daichi conversando e rindo com ele como eu faria com qualquer amigo, era uma conquista maior do que escalar o Everest. Não tinha como minha escolha de aliado ter sido diferente.

Ao sair da casa de Daichi, eu sabia que deveria ir para a casa de Tanaka estudar com ele e os meninos, mas ao tocar no guidão da bicicleta, eu sabia que não poderia fazer isso. Avisei no grupo que havia surgido um imprevisto e não poderia aparecer lá. Mesmo com o telefone vibrando diversas vezes, provavelmente devido a protestos por eu descumprir o combinado, não me importei. Simplesmente subi na bicicleta e fui para o único lugar possível nesse momento.

 

 

*

 

 

— Pai, acorda! – Berro após abrir a porta do quarto dele com o pé – Acorda!

Meu pai dá um salto de sua cama, colocando seus óculos de maneira caótica e respirando fora de qualquer harmonia.

— Akira, o que foi? – Ele pergunta, ofegante – Aconteceu alguma coisa?

Balanço a cabeça em negação, também esbaforida por não ter descansado um segundo após sair da casa do capitão. Espero meu pai se sentar, ainda com a expressão confusa e completamente desorientada, gesticulando com os ombros e com as mãos que não estava entendendo bulhufas.

— Eu preciso conversar com você – Anuncio.

Depois de respirar profundamente, começo a explicar para ele detalhe por detalhe tudo o que havia acontecido na minha vida desde o jogo contra o Aoba Johsai. Ando o quarto inteiro, de um lado para o outro, sem focar o olhar em qualquer coisa que fosse, deixando apenas minha mente ir dizendo tudo o que pensava impulsivamente. Sem preparação, sem treino, sem nada. Apenas os fatos e minhas decisões diante deles, da forma mais pura possível, antes mesmo que a ansiedade pudesse me pegar.

Depois de um bom tempo de caminhada, voz trêmula e muitos gestos com as mãos para enfatizar cada um dos passos que eu havia tomado, me sento ao lado do meu pai e fito-o.

Para minha surpresa, ele não parecia atônito ou bravo, mas também não parecia feliz. Estava completamente indiferente e apático. Uma tensão começa a se formar no ar por conta disso, e quando eu já estava prestes a difundi-la falando algo, a expressão ambígua do meu pai se desfaz num sorriso delicado, solto por uma lufada de ar vindo de seu nariz.

— Eu já contei pra você quem é o senhor daquela foto? – Ele pergunta, ainda mirando o chão, enquanto aponta para a mesinha lateral da cama do lado que costumava ser usado pela minha mãe.

Olho para o porta-retrato em questão e vejo uma foto da minha mãe um pouco mais jovem do que ela era quando faleceu. Na imagem, ela estava sorridente como usual, abraçando um homem mais velho que também sorria. Eles pareciam estar numa festa da qual eu vagamente me recordava.            

Volto meus olhos para o meu pai e, aflita, mexo a cabeça fazendo que não. Por que raios eu tinha acabado de contar que tava me disfarçando de menino e ele tava mostrando um porta-retrato antigo?

— Sua mãe era doida por vôlei, mas na época mulheres serem atletas era ainda mais difícil – Ele começou, com o tom de voz calmo de sempre e a mesma expressão tranquila e doce que ostentava anteriormente – Pouquíssimas escolas tinham times femininos. Seus avós a colocaram no Karasuno porque era mais perto de casa, sem nem saber que o time deles estava se tornando o mais forte da região.

Ele, então, se levanta e caminha vagarosamente até o outro lado da cama. No meu peito, uma angústia começa a se formar sem entender onde ele queria chegar com aquela história.

— Ela ficou muito animada, mas por ser mulher, não podia jogar. Então ela fingiu ser um menino por oito dias – Meu coração parou ao ouvi-lo dizer isso - É claro, não ficou tão convincente quanto você, ela tinha só doze anos e nem tinha pensado direito em nada, apenas que queria jogar, então acabou sendo desmascarada muito rápido – Meu pai finalizou, rindo brandamente.

Eu podia ter acabado de ver a Medusa na minha frente de tão paralisada que estava. Como assim minha mãe também tinha feito isso? E como eu não sabia disso?

— Seus avós ficaram bravos, mas entenderam que vôlei era muito importante pra sua mãe. Puseram ela no Date Kou, que tinha o melhor time feminino de Miyagi – Pegou a fotografia da minha mãe com aquele senhor enquanto começou a traçar o caminho de volta até onde eu estava sentada - Mas o treinador do Karasuno ficou tão impressionado que mesmo depois que ela foi descoberta e expulsa da escola, ele continuou acompanhando e treinando sua mãe regularmente. Todas as coisas que sua mãe fez você estudar? Balé, futebol, tênis... ele ensinou tudo isso pra ela também. Pra que ela fosse tão boa ou melhor que os meninos daquela época.

Ele chegou, sentou-se ao meu lado e encarou-me com sua típica tranquilidade, mas eu não conseguia esboçar emoção alguma.

— Você ainda era pequena quando essa foto foi tirada. Foi há uns seis, sete anos, quando sua mãe veio comemorar o aniversário dela aqui com alguns amigos antigos e o treinador Ukai foi também. Foi ele o responsável por sua mãe chegar tão longe.

Eu tentava ainda que minimamente processar o choque que havia acabado de levar. Ukai? Igual o meu treinador? Se vestir de menino pra poder jogar? Não havia forma simples de digerir tanta coisa nova. Eu conhecia minha mãe, sabia que ela era tão corajosa e nada convencional quanto eu, mas eu não fazia ideia do quão parecidas nós duas éramos.

— U-Ukai? Esse é o nome do treinador? – Foi a única coisa que consegui balbuciar, ainda com alguma dificuldade.

Meu pai assentiu e levou uma de suas mãos até o meu cabelo, que acariciou afetuosamente. Ele me olhava e sorria de uma forma que quase dava para sentir no ar uma ponta de orgulho, em meio a tanta saudade que seu rosto emanava.

— Ele acreditou na sua mãe, quando quase ninguém acreditou. Que ela tinha potencial sendo ela mesma, sem precisar se disfarçar de nada. E eu acredito em você, filha – Terminou tocando em meu queixo, levantando-o e dando um beijo cálido em minha testa.

Ainda incapaz de entender a dimensão de tudo o que ele havia me contado, não consegui segurar as lágrimas que se formavam em meus olhos, liberando-as por todo o meu rosto.

— Pai, eu... – Gaguejei, me lançando ao seu peito.

Recebi em resposta um abraço apertado, confortável, que me cobriu inteira como uma manta. Eu chorava tal qual uma criança, com um misto de sentimentos no peito que palavra nenhuma poderia explicar.

Após me consolar por um tempo, meu pai tomou meu rosto em suas mãos e limpou minhas lágrimas, exibindo um sorriso compreensivo.

— Toda vez que eu olho pra você, que ouço sua voz, é como ter o melhor pedaço da sua mãe ainda aqui do meu lado. Você não precisa seguir o mesmo caminho que ela. Você deve fazer o seu – Ele dizia enquanto passava a mão pelo meu cabelo – Mas saiba que eu vou te apoiar em qualquer direção que você decidir caminhar.

Novamente, cingi meus braços ao redor dele, trazendo-lhe pra perto de mim. De todas as reações que eu poderia esperar, jamais teria previsto essa. Nós realmente éramos a única família um do outro e, pela primeira vez em muito tempo, eu realmente sentia cada uma dessas palavras como sendo verdade.

 

 

 

*

 

 

— AKIRA-KUN! – Nishinoya berra quando vê que eu me aproximava do ônibus da viagem.

De longe, aceno para ele e os outros meninos, que se organizavam entre malas e pacotes para entrar ordenadamente no nosso transporte.

Deixo minha bicicleta de lado e corro até eles, que me esperam sorridentes do outro lado do estacionamento.

— Akira, você chegou bem na hora! A gente já ia entrar no ônibus pra começar a competição de quem consegue peidar mais fedido – Um Tanaka animado me recebe, com uma das mãos por dentro da parte de trás da calça.

Ok, talvez não fossem exatamente esses perrengues que eu achei que fosse passar me fingindo de menino. Dou um pulo para trás, mas sorrio, tentando não demonstrar o quão enojada realmente estou.

— Eu ainda não acredito que não recebo um salário por fazer parte desse time – Tsukishima comenta, comprovando minhas suspeitas de que ele fica de fones de ouvido apenas para manter a pose, mas na verdade não ouve nada além das conversas do time.

— Você só diz isso porque iria perder a competição de pum – Yamaguchi dá de ombros e os outros riem.

— Tadinho do Akira-san! Ele não parece um porco que nem vocês!

Yachi toca em meu ombro ao me defender com as bochechas coradas, fazendo-me sorrir de volta na direção dela.

— Tá vendo, Yachi, é por isso que eu gosto de você – Bagunço o cabelo dela com delicadeza, para não machucá-la.

— Você vai adorar o pessoal do Nekoma, a gente combinou de fazer um campeonato com eles de quem consegue fazer xixi mais longe, vai ser incrível! – Noya exclama, fazendo pouco caso de Hitoka e levando as mãos para o alto de tanta animação.

— E TODO CALOURO É OBRIGADO A CONSEGUIR O NÚMERO DE TRÊS MENINAS PRA MIM! – Tanaka ressurge, com um olhar galateandor, enquanto dá uma piscadinha na tentativa de ser sensual, mas que no máximo é cômica.

— Eu e o Asahi trouxemos jujubas, se você não quiser ser um troll nojento com eles, a gente vai ver quem consegue falar “três tigres tristes” com mais jujubas dentro da boca! – Sugawara e Asahi aparecem abraçados, o de cabelos claros com um sorriso enorme e um pacote de 2kg de doces em mãos.

Informação. Em. Excesso.

Confusa e completamente perdida em meio a tantas falas simultâneas e ideias mirabolantes, tento forçar um sorriso, mas sem muita convicção. Estar no Karasuno e ao mesmo tempo conviver com um monte de meninos bonitos podia parecer um sonho, mas na realidade era impossível acompanhar o fluxo de informação e loucura que acontecia nesse time na mesma velocidade em que tudo ocorre. Campeonato de xixi? Pum mais fedido? Jujubas e travalínguas? De onde que isso tudo tinha brotado?

De repente, me dou conta de todos os aspectos dessa loucura que ainda não tinha considerado. Viajar para Tóquio com um time masculino significava dormir, acordar e tomar banho com um bando de adolescentes sem noção. Será que eu acabaria vendo eles pelados? E como eu faria pra me esconder? Vários passos da minha farsa haviam escapado do meu planejamento, de modo que eu não sabia como daria conta de muitas coisas. Isso sem contar no excesso de energia que quase todo mundo desse time parecia ter, e ainda somado com as outras escolas.

Por Deus, onde eu fui amarrar meu bode.


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Notas finais do capítulo

AAAAH e aí, o que vcs acharam?? O que querem q aconteça em Tóquio? Pfvr me falem o que tão achando, sábado eu posto o próximo então até lá ainda pode mandar sugestão kk beijossss



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