Academia de Poderes Inúteis escrita por Creeper


Capítulo 9
A onda de azar


Notas iniciais do capítulo

Olá! Começando aqui nas notas agradecendo a Ahelin pela primeira recomendação da história, muito obrigada ♥, eu fiquei felizona! Também agradeço a quem comentou/acompanhou até aqui, vocês são quem me motivam a continuar!

Sem mais delongas, boa leitura.



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Em meio ao meu sentimento de satisfação, notei com o canto dos olhos uma figura ao meu lado. Especificamente falando, sentada ao meu lado.

O rabo-de-cavalo castanho escuro caía em seu ombro e sua cabeça abaixada concentrava-se em um bloco de desenho onde dava rápidas e precisas passadas de lápis. Pelo modo como suas sobrancelhas estavam franzidas, parecia com raiva.

Um calor intenso espalhou-se pelo meu rosto ao me dar conta de que eu não usava fones de ouvido. Devo ter feito um som esganiçado de vergonha para que a garota me olhasse. 

Quando nossos olhares se cruzaram, a reconheci como uma das garotas do Super Gatinhas. Ela estava no meio do grupo no dia que Bianca surtou pela blusa de cor diferente. 

— O que você acha? – ela perguntou repentinamente e colocou o caderno na altura dos meus olhos. Não estava mais tão brava.

Observei a folha de papel marcada por traços fortes que formavam bancos e mesinhas sobre um chão liso. Desviei o olhar do caderno e foquei na paisagem à minha frente, notando que foi aquilo que ela desenhou.

— Ficou bom. – balbuciei.

Ela assentiu brevemente e levantou-se dando tapinhas na saia xadrez para desamassá-la.

— E desculpe, só sentei para desenhar. Era o único ângulo que faltava. – passou as folhas de seu caderno rapidamente e o fechou. – Juro que não prestei atenção no seu celular. – negou com a cabeça.

Não consegui responder aquilo, parecia que minha garganta havia se fechado de constrangimento. A garota deu um sorriso amarelo e virou-se, correndo para o outro lado do pátio.

Soltei o ar que nem sabia que prendia, perplexo. Eu dei uma de sonso na frente de uma garota. Linda, por sinal.

Guardei o celular e afundei o rosto nas mãos. Era melhor eu ir e ficar no meu quarto até a hora do jantar, já que não faria amigos.

>>>

No dia seguinte, por mais que eu pudesse escolher quais aulas fazer, todas foram um tédio. Meu lápis batia constantemente no caderno e eu só conseguia olhar para a janela, vendo as nuvens moverem-se lentamente no céu. 

A conversa no esconderijo não saía de minha cabeça, atordoando-me por toda a manhã. Estávamos ali para sermos observados

Foquei-me na professora de matemática por um instante, ela havia dado alguns minutos para resolvermos um exercício e sentou-se em sua mesa, escrevendo sem parar em sua caderneta enquanto vigiava os alunos.

Kaíque fazia aquela aula comigo. Seu corpo pendia para trás na cadeira, deixando as pernas dianteiras suspensas e todo o peso nas traseiras. Ele amarrou os cabelos, rasgou um pedaço de papel, fez uma bolinha e jogou em uma garota sentada nas carteiras da frente.

Ela virou-se para trás com as sobrancelhas levemente franzidas e os lábios rosados em linha reta. Foi então que me dei conta de que se tratava da mesma garota do dia anterior, estava tão distraído que sequer a notei na sala.

Fitei Kaíque, perguntando-me o que ele queria com ela. O garoto deu um sorriso presunçoso e moveu a boca sem emitir nenhum som, formando uma frase para a garota, a qual eu não consegui entender. Por outro lado, ela respirou fundo e voltou-se para a lousa, ignorando-o.

A aula terminou e eu perdi os dois de vista, apesar da curiosidade sobre o que estava acontecendo entre eles. 

Conferi meu celular, enxergando uma mensagem inesperada na barra de notificações.

Yara: Estou livre no almoço. [12:20]

Até o mais simples “ponto final” conseguia transparecer toda a seriedade que ela aplicava em dizer que topava fazer algo comigo.

Eu: Jardim? [12:21]

Yara respondeu com um emoji de um polegar erguido.

Sentei-me debaixo de uma árvore e abri um pacote de salgadinhos. Não estava a fim de almoçar direito no refeitório, precisava me encher de um pouco de besteiras para aliviar a cabeça.

Avistei a garota de coques dirigindo-se a mim enquanto agitava uma garrafa de suco na mão e olhava para os lados como se estivesse se escondendo de alguém. Ela suspirou ao me alcançar e acomodou-se a pouco menos de um metro de mim.

— Está fugindo por qual crime? – observei as folhas verdes e iluminadas da copa acima de mim.

— Não pelo da invasão, ao menos. – Yara dobrou os joelhos próximos ao peito. Estendi a mão com o pacote, oferecendo salgadinho para ela. – Eu fiz o que a Ienaga pediu. – pegou um pouco e assentiu agradecendo.

— E então? – encostei a cabeça no tronco da árvore e a olhei de soslaio.

— Tentei puxar conversa com minha colega de quarto. – contou.

— “Tentou puxar conversa”? Não haviam conversado desde que se conheceram? – arqueei uma sobrancelha, incrédulo.

— Deveríamos? – deu um gole no suco e esticou a garrafinha para mim, mesmo que sem me olhar. 

Dei de ombros e aceitei. Mantive o gargalo distante da boca e abaixei a garrafa para despejar o líquido arroxeado na garganta, já havia percebido que uva era o sabor favorito dela.

— É o comum, sabia? – engoli e devolvi a garrafa para ela. 

— De qualquer forma. – Yara franziu o cenho. – O poder dela é atrair azar. Pensei que ela só fosse desajeitada, mas é realmente parte do poder dela. E parece que coisas ruins acontecem com quem fica muito perto dela. Tipo estar contigo.

— Uau, obrigado pela parte que me toca. – ironizei e voltei a esticar o salgadinho para a garota.

— E agora eu tenho uma coisa pesada no peito por ter despistado ela no final da aula. – Yara apertou a gola de seu uniforme.

— Se chama sentir remorso. – dei uma risada abafada.

— Fazer amigos é mais complicado do que pensei. – ela mastigou e me passou a garrafa.  

Yara tinha facilidade em se empenhar para abrir portas com grampos, mas aparentemente não sabia fazer amigos. É, eu não estava muito atrás.

— E onde ela está agora? – notei os outros alunos sentando-se na grama para passarem o intervalo.

— Basta encontrar a onda de azar. – Yara arrepiou-se. – E quanto a você?

— E o que tem eu? – tomei o suco. 

— Está com uma cara pior do que o normal. – ela levantou as sobrancelhas, cínica.

Bufei frustrado e coloquei a garrafa na grama. Refleti um pouco e decidi me abrir com Yara, contando a ela sobre o vídeo de Stefanie (ela ficou feliz pela Siri estar bem) e como uma garota havia ouvido.

— E você quer ser amigo dela. – Yara concluiu. 

— Pode se dizer que sim. – balbuciei sem jeito.

— Vá em frente e converse com ela.  –  ela levantou-se e bateu no short-saia para retirar a grama.

— Não é tão simples assim. – retruquei e me ergui amassando a embalagem de salgadinho. 

Um ruído seco fez as folhas farfalharem acima da minha cabeça, inclinei o rosto a tempo de ver um galho desconectando-se do tronco por uma rachadura que ficava maior a cada segundo. Algo espalmou-se em meu peito e meu corpo foi bruscamente lançado para trás e a perda de equilíbrio e o susto me fizeram cair de bunda no chão. 

O barulho transformou-se em um estrondo e folhas espalharam-se pelo ar assim que o galho atingiu o chão onde eu estava há pouco tempo. Ofegante, subi o olhar, encontrando Yara de olhos arregalados e com a mão estendida para frente, a qual provavelmente usou para me empurrar.

Ao redor, alguns alunos colocaram-se surpresos e começaram a cochichar entre si, além de tirarem fotos do galho recém-caído. 

— Obrigado. – sussurrei atordoado.

— É a onda de azar. – Yara cerrou os dentes.

— O quê? – fiz uma careta de desentendimento.  – Quer dizer que sua colega fez isso? Impossível! – rebati indignado.

— Yara! – uma voz feminina gritou.

Virei a cabeça por cima do ombro, avistando uma garota de curtos cabelos azuis escuros decorados por uma faixa branca. Ela interrompeu seus passos ao me ver e automaticamente cobriu a boca, incrédula.

— Ai, meu Deus! – os olhos da garota tremeram. – Não me diga que fui eu...  – encolheu os ombros.

Yara não respondeu nada, causando ainda mais decepção na expressão da recém-chegada. Aquilo me deixou terrivelmente desconfortável.

— N-Não! – fiquei de pé subitamente, apesar de ainda estar abalado. – Claro que não foi você, esse galho já devia estar podre! – ri nervosamente.

— Tem certeza? – ela esfregou o braço, constrangida.

Minha nuca queimou. Tinha certeza de que Yara estava me fuzilando com o olhar. Dane-se.

— Óbvio. Seu poder não pode ir tão longe, né? – coloquei as mãos na cintura, fingindo convencimento.

Eu sabia muito bem o que era se sentir mal e excluído por causa da magnitude de seu poder.

— Na verdade, é chamado de “onda” por isso mesmo. – Yara interferiu em um sussurro.

— Yara! – a repreendi.

— N-Não… Ela tem razão. – a garota colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha. – Desculpe. Eu apenas estava agitada porque alguém finalmente quis conversar comigo. – seus olhos verdes ficaram marejados.

Foi minha vez de castigar Yara com um olhar repreensivo. 

— Esquece. É melhor eu ficar sozinha. – a de cabelos azuis abaixou a cabeça, cerrou os punhos e correu para longe.

— Érica, espera! – Yara exclamou apreensiva. Tarde demais, a garota sequer olhou para trás. 

— Faltou um pouquinho de sensibilidade da sua parte, não acha?  –  aproximei o polegar e o indicador, deixando um espaço entre eles. Tive receio dela me bater.

— Ah, droga, eu fui horrível com ela. Acho que… Fiquei nervosa. – Yara andou de um lado para o outro, inquieta. – Essa coisa de fazer amigos não é para mim. – balbuciou arrependida, focando o nada.

Vê-la daquele jeito me causou uma pontada de dó, nem mesmo eu sabia como havíamos virado amigos, porém, não queria que Érica tivesse uma má impressão de Yara.

— Sabe de uma coisa? – suspirei. – Acho que você precisa surfar nessa onda. – isso saiu da minha boca sem pensar (muito), eu juro. 

— Espero que seus conselhos sejam melhores que suas piadas. – ela relaxou os ombros e revirou os olhos.

— É como você me disse: vá em frente e converse com ela. – gesticulei e sorri de modo sincero.

Yara suspirou, me fitou uma última vez como se buscasse por apoio e caminhou apressada na direção que Érica foi.

Peguei a garrafinha largada na grama e a joguei no lixo mais próximo junto com a embalagem do salgadinho. Em minha mente, criei pensamentos positivos sobre as próximas aulas, mesmo sabendo que seriam um tédio. 

No fundo, torci para que Yara conseguisse conversar com Érica.

>>>

Eu fui capaz de reduzir os números de espirros para um ou nenhum por aula (os prendendo ou olhando para a luz). Não podia contar com o antialérgico todos os dias ou eu realmente não espirraria. Por estar morto. 

Deixando a sala de sociologia, avistei Eduardo no corredor rodeado por três garotas que visivelmente o paqueravam. Pelo visto, ele era realmente popular. Tentei passar reto para não atrapalhar, entretanto, sua voz invadiu meus ouvidos:

— Ei, eu estava te esperando!

Me virei lentamente, recebendo olhares de desaprovação das garotas que o acompanhavam.

— Sinto muito, meninas, preciso ir.  –  segurou o queixo de uma delas e deu um sorriso de canto. Elas emitiram murmúrios de descontentamento, mas entenderam o recado e foram embora pelo outro lado do corredor.

— Se é tão amado, como não consegue mais membros para a União?  – segurei a alça de minha mochila em um dos ombros.

— Elas gostam de mim, não da minha causa. – Eduardo arrumou seu cabelo e me deu uma piscadela. – Enfim, a Ienaga quer todo mundo na sala de culinária, por isso vim te buscar. Sinta-se especial. 

— Ah, sim, eu estou me sentindo muito especial. – assenti entediado. Tão especial quanto aquelas três.

Chegamos rapidamente à sala de culinária, jogando conversa fora durante o percurso como as aulas e o progresso da “missão amigos”. Não entrei em muitos detalhes e com isso quero dizer que não cheguei a comentar sobre a tal garota.

Adentramos o lugar, percebendo que as cortinas estavam devidamente fechadas e o cheiro dos ingredientes abertos pairava no ar. Ienaga encontrava-se atrás de uma das bancadas, usava o avental branco comum das aulas e mexia com força a colher de pau em uma vasilha de plástico cheia de massa.

Ao seu lado Yara também vestia um avental e segurava um papel que provavelmente continha a receita. E nenhum sinal de Érica ou da onda de azar.

— Chegaram em boa hora. – Ienaga moveu a cabeça rapidamente, jogando a franja para o lado. 

— Já colocou o veneno nos biscoitos?  –  Eduardo foi até a pia no canto para lavar as mãos.

— Nesses não.  – a líder apoiou a vasilha na bancada. – Esses são para Norte e Yara fazerem amigos.

— Hein? – arqueei uma sobrancelha e larguei a mochila no chão.

— Decidi ajudar vocês. E nada melhor do que comida para fazer amigos. – Ienaga colocou as mãos na cintura, convencida.

— Me senti de volta ao primário agora. – Yara colocou o dedo na massa e levou-o direto para a boca.

— De certa forma, vocês são os bebês do grupo. – Eduardo vestiu um avental. 

— Todos temos quinze anos. – me sentei em uma das banquetas de madeira, decidindo manter uma distância segura da massa. 

— Detalhes. – o garoto desconversou e encostou-se na bancada de Ienaga. 

— E como está indo seu progresso, Norte? – Ienaga indagou sem me olhar, estava checando o forno.

— Ele quer se aproximar de uma garota. – Yara respondeu em meu lugar.

— Yara! – ruborizei até as orelhas.

— Uma garota, é? – a líder riu maliciosa.

— Ele não me contou isso. – Eduardo segurou o queixo e me fitou interessado. – Sabe o nome dela?

— Nem ideia. – balancei a cabeça negativamente. – Ela usa um rabo-de-cavalo na lateral da cabeça. Tem o cabelo castanho escuro. E desenha. – fui abaixando a voz a cada palavra.

— Conhece alguém assim, Romeu? – Ienaga perguntou para Eduardo, batendo uma mão na outra.

— Tem uma. – o garoto cruzou os braços, pensativo. – A Amanda Dias. Ela fica indo de um grupo para o outro, mas nunca para o nosso. E não, eu não tentei nada com ela.

— Então essa é a chance perfeita para trazer ela para o nosso lado. – Ienaga lambeu a ponta do polegar.

— O problema é que eu não sei como chegar nela. – cobri minhas bochechas para que eles não percebessem que estavam vermelhas.

— Eduardo, coloque esses biscoitos para assar enquanto eu e Yara ensinamos esse pobre garoto a se comunicar com o sexo oposto sem que corra o risco de apanhar. – Ienaga limpou as mãos no avental.

Por que eu fui abrir minha boca?

— Preciso saber como está sua situação. Então treine com a Yara para eu ver.  

A líder segurou Yara pelos ombros e a empurrou em minha direção, depois deu a volta e arrastou-me até ficar a centímetros de distância da garota de coques. Yara cruzou os braços e me fitou, as sobrancelhas retas e os lábios em uma linha de tédio. Estando tão próximo dela, pude finalmente notar algo.

Ela era mais alta do que eu, um ou dois centímetros. Torci para que ela não reparasse nisso.

— A Amanda parece mais agradável.  – provoquei.

— Também não é muito agradável olhar para você tão de perto.  – Yara rebateu.

— Sem brigas, crianças. Norte, pode começar. – Ienaga estalou os dedos e afastou-se. – Yara, não economize nas palavras caso ele soe muito idiota. Quero ver o quanto ele aguenta.

Respirei fundo, cerrei os punhos e uni a coragem necessária para olhar fundo em seus olhos escuros. Vasculhei em minha cabeça como se iniciava uma conversa.

— Então, você vem sempre aqui? – engoli em seco.

— Mané, isso é uma escola, é claro que eu venho. – Yara respondeu.

Certo, foi idiotice da minha parte.

— Desculpe, vamos tentar de novo. – inspirei. – Oi, não te vi aí…  – massageei a nuca.

— Você é cego? – ela perguntou em um tom apático.

— A Yara não está colaborando! – reclamei manhoso e busquei por Ienaga.

— Ela quem me pediu para fazer isso! – Yara defendeu-se indignada.

— É, já vi o suficiente. – Ienaga voltou para perto de nós e colocou uma mão no ombro de cada um.  – Realmente, teremos de apelar para os biscoitos. 

E isso significava que eu era péssimo em iniciar conversas.

Durante o tempo que os biscoitos levaram para assar, me sentei perto de Yara em uma das banquetas. Ela desamarrou seu avental gentilmente e o dobrou, ignorando que eu estava ao seu lado.

— Não vai me contar o que houve com a Érica?– indaguei brincando com um fuê.

— Não achei que se interessasse… – Yara murmurou cabisbaixa.

— Você sabe que sim. – inclinei a cabeça até conseguir ver seu rosto por baixo.

Yara tocou minha bochecha com a palma aberta e afastou-me, suspirando em seguida.

— Eu me desculpei. – ela contou.

— Sabe fazer isso? – brinquei.

— Engraçadinho. – revirou os olhos. – Disse a ela que não me importava com sua onda de azar e que ela podia se juntar ao nosso grupo. 

Fiquei em silêncio, fingindo estar analisando o fuê e esperando que ela prosseguisse por vontade própria. Pelo tom de suas palavras, concluí que estava sendo verdadeira e fiquei orgulhoso por isso.

— Ela disse que iria pensar. – Yara apertou o avental em seu colo.

— É melhor do que um não. – comentei na tentativa de consolá-la.

— E menos que um sim. – ela respondeu duramente.

Coloquei os cotovelos na bancada e respirei fundo, formulando em minha mente uma frase que não saísse embaralhada ou tosca demais.

— Não fez isso só por causa da missão, né? – perguntei. Ela mordeu o lábio inferior e não se pronunciou. – Vamos, eu sei que você é uma pessoa legal. Pode ser difícil de acreditar à primeira vista, mas é.

Ela me olhou de soslaio e pude identificar o reflexo de um sorriso tentando aparecer em sua face. Apesar de tudo, exalava hesitação e nervosismo, tendo em vista sua perna que não parava de balançar e a postura encolhida.

— Você tem razão. – Yara confessou soltando o ar. – A missão foi só uma desculpa para eu ter coragem de falar com ela. E eu a quero por perto, porque… – interrompeu-se subitamente.

— Por quê? – curioso, a incentivei.

A garota cravou as unhas pintadas de preto no avental, produzindo dobras repuxadas. Sua perna parou de mexer-se e as costas curvaram-se sobre as coxas. Ela conferiu o outro canto da sala onde Ienaga e Eduardo riam de conversas só deles, esquecendo-se do forno ligado.

— Porque ela me lembra aquela minha amiga da outra escola. – Yara disse baixinho e cerrou os dentes.

— Aquela amiga que você ajudava? – abaixei o tom de voz também.

Ela apenas afirmou, as sobrancelhas curvadas de apreensão. Não entendi o porquê de sua expressão, afinal, não devia ser tão ruim ter alguém parecido com uma antiga amiga por perto.

— Isso é bom, não? Talvez vocês três fizessem algo juntas ao saírem daqui. – quis descontrair.

Outro pico de hesitação e tensão. Sua feição dura tornou-se melancólica e quase vazia. Yara podia estar calada, mas seu corpo gritava. Tinha algo para dizer e não sabia como ou não queria.

— Eu disse algo errado? – ousei questionar. 

— Ela morreu.

Essas únicas duas palavras adentraram minha mente de modo a me deixar atordoado por pelo menos alguns segundos antes de registrar o sentido daquilo. Pisquei pausadamente, perplexo e incrédulo. Pensei na possibilidade de não ter ouvido direito, contudo, aquelas palavras pesaram dentro de mim, o que me fez ter certeza de que eram reais. 

Tudo ficou em silêncio dentro da minha cabeça, nem mesmo as vozes da líder e do vice existiam naquela sala. Eu não sabia exatamente o que responder, os pensamentos embaralharam-se de forma grotesca e agonizante. Todavia, Yara esperava por minha resposta, olhando-me ansiosa, corroída por minha quietude. Engoli em seco e balbuciei perdido:

— E-Eu… Sinto muito. De verdade.

Ela desviou o olhar e abaixou a cabeça, ainda apertando o avental, cada vez mais forte. 

— Faz um ano e meio. – Yara disse tão baixo que foi quase inaudível. – O nome dela era Lorena.

— Não precisamos falar disso se não quiser. – quis tocar seu ombro e mostrar que estava ali por ela, porém, hesitei.

Recordei-me do dia na biblioteca: Yara não se limitou e tocou minhas mãos para me acalmar. Eu podia fazer aquilo por ela.

Pousei a mão em seu ombro calorosamente, esperando que ela pudesse se sentir um pouco melhor ao saber que podia contar comigo. Eu nunca substituiria a pessoa que um dia a Lorena foi, a única coisa que podia fazer era oferecer meu apoio.

Houve um momento esquisito de silêncio entre nós, eu focava-me em transmitir calor e boas energias para Yara seja lá como fizesse isso e ela mantinha-se cabisbaixa. Pensei em quantos sentimentos e memórias haviam presas dentro de si, lutando para serem libertas. 

Eu queria que ela soubesse que podia ouvi-la. Mas sua frase seguinte não foi um desabafo.

— Melhor nos concentrarmos nos biscoitos. – Yara desconversou.

Aquela garota continuaria sendo uma casca grossa. Tudo bem, eu teria a paciência necessária.

Respirei fundo e agarrei sua mão sem aviso prévio, não tendo a menor intenção de soltá-la, mesmo que ela tivesse se levantado e feito menção de ir até o forno. Mostraria que ela podia se abrir para mim, por mais idiota que eu fosse. 

— Você… – ela balbuciou surpresa, arregalando os olhos.

E algo em sua feição me fez perceber que ela entendeu minha mensagem, algo como um breve alívio. Pude então soltar sua mão, sabendo que voltaria a segurá-la quando ela se sentisse bem para conversar. 

 


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Notas finais do capítulo

Amanda e Érica, será que elas serão rebeldes? Um fato interessante é que se vocês voltarem no capítulo 4, a Amanda realmente aparece no meio das Super Gatinhas.
E essa conversa final da Yara e do Norte? Que dor...

Agora, vamos ver no que resultarão esses biscoitos no próximo capítulo (26/06): O chão é lava

Beijos.
—Creeper.



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