Academia de Poderes Inúteis escrita por Creeper


Capítulo 40
Aqui acaba um pesadelo


Notas iniciais do capítulo

Hey! Espero que gostem e tenham um bom restante de domingo ♥



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Nossa reação instantânea foi paralisar e dar espaço aos mais nervosos dos sorrisos. Kaíque levantou as sobrancelhas, divertindo-se em meio ao cansaço.

— Eu ouvi a conversa de vocês no final do Sarau, assim como ouvi a declaração do... – desviou o olhar, receoso. – Bem, era uma das coisas que eu queria contar para vocês na hora do incêndio. A outra deixa pra depois.

Não conseguimos dizer nada, o que fez Kaíque prosseguir:

— Não vou contar isso para ninguém, é problema de vocês.

Eu e Milena nos entreolhamos em um misto de perplexidade e alívio. O garoto suspirou, colocou a mão livre debaixo da cabeça e fechou os olhos.

— Pode dormir também. – Milena assentiu para mim. – Eu vou ficar acordada, não quero soltar as mãos de vocês.

— Eu fico acordado com você. – fixei meu olhar em uma folha de papel que flutuava livremente. 

A garota deu uma risada abafada e continuou sentada olhando para frente e balançando os pés. O moletom que usava tinha ganhado alguns rasgos e manchas.

Não cumpri com minha palavra, minhas pálpebras começaram a ficar pesadas e a visão embaçou-se até que eu finalmente adormecesse. Não sonhei com nada e tive a impressão de que acordei logo. Abri os olhos assustado e subitamente ergui meu torso, lembrando-me de onde estava. Milena continuava sentada e Kaíque lhe fazia companhia cantarolando baixinho.

— Você acordou. – ele me fitou. – Falta uma hora para sairmos pelo que a café com leite disse.

— Pare de me chamar assim. – ela bufou. – E seu pai? Acha que ele vai estar na academia? – pareceu continuar uma conversa que existia durante meu sono.

— Se alguém tivesse o poder de necromante, talvez. – Kaíque respondeu.

— O quê? – Milena inclinou a cabeça, confusa.

O garoto abaixou o rosto, soltou um suspiro e mostrou um sorriso fraco.

— Meu pai morreu antes mesmo de eu nascer. O nome dele era Gabriel. Ninguém sabe, mas meu nome é Kaíque Gabriel, só depois vem o Nunes. Minha mãe quis fazer uma homenagem. – dobrou um dos joelhos e apoiou o braço nele.

Sabia que Milena havia ficado sem palavras e o modo como ela encolheu os ombros me fez dizer em seu lugar:

— Sinto muito.

Ele negou com a cabeça como se não tivesse importância, mas seu semblante dizia totalmente o contrário.

— Certo, agora que o incêndio humano acordou, ele conversa com você. Vou voltar a dormir. – deitou-se outra vez e virou a cabeça na direção oposta à nossa.

A garota o encarou por mais um tempo, balbuciou alguma coisa e então voltou-se para mim.

— Acha que nossos pais já foram chamados? – sussurrou.

— Provavelmente. – dei de ombros evitando imaginar o desespero de minha mãe. – Você disse que… Essas são as metades úteis dos poderes? – pigarreei, mudando de assunto.

Milena confirmou devagar e focou o olhar em seus pés machucados e sujos.

— Talvez devêssemos tentar achar a metade do seu poder algum dia. Para ver o que acontece. – ela sugeriu. – Não tem como tirar nada do corredor, claro. Mas podemos tentar alguma coisa.

Ponderei quanto àquilo. Como seria ter a outra metade do meu poder? Talvez fosse impossível, já que Milena mesmo disse que nada saía dali. Dei de ombros e concordei.

Pela próxima uma hora, conversamos sobre diversas coisas, desde nossa família nos aguardando até o sequestro pelo qual passamos. Milena me contou que viveu apenas com os pais durante a vida inteira, não tinha nenhum colega por ser extremamente tímida na escola, além de raramente poder brincar com algum na rua. Sua única amiga de verdade era a tia Neusa, a qual revelou minha existência.

— Seus pais parecem superprotetores. – falei como se seu pai não fosse o mesmo que o meu.

Foi a vez da pequena dar de ombros e dobrar seus joelhos.

— Mamãe sempre disse que eu era especial. – sussurrou. – Tia Neusa fez um sacrifício para convencê-la a me deixar vir. E agora as duas devem estar malucas porque eu sumi. E se me tirarem da academia? – me olhou apavorada.

Torci a boca e instintivamente apertei sua mão mais forte. Milena era especial, mas isso não se tornava um motivo para mantê-la tão afastada do mundo e o que aconteceu conosco definitivamente não foi culpa sua.

— Isso não vai acontecer. Confia em mim. – franzi as sobrancelhas.

Milena arregalou os olhos por um instante, todavia, desviou o olhar e falou baixinho:

— É hora de ir. O sol já deve ter nascido.

— Espera, o que acontece quando sairmos? 

— Vocês esquecem tudo. – ela sorriu inocente e acordou Kaíque ao chamar por seu nome. 

Seu sorriso era feito unicamente de dor. Ela olhou para cada um de nós, assentiu e soltou nossas mãos delicadamente.

A primeira coisa que vi foi o céu azul e completamente limpo sem nenhuma nuvem. Escutei o som de um motor, o que fez minhas pernas se prepararem para correr, contudo, tratava-se de um caminhão que passava pela estrada, igual muitos outros e alguns carros. Os pássaros planavam metros acima de nossas cabeças e o cheiro de orvalho era fresco.

— O que aconteceu mesmo? – semicerrei os olhos e senti um estalo na cabeça. – Estivemos dentro do seu poder todo esse tempo?

Milena afirmou com a cabeça sem dizer nada.

— Isso foi estranho, eu não me lembro de nada. – Kaíque colocou a mão na testa para barrar o sol. – Ah... De qualquer forma, enquanto eles nos traziam para cá, vi um posto de gasolina. Acho que em vinte minutos chegamos lá.

Meu estômago roncou em protesto, dizendo que meu corpo não aguentaria dar mais um passo. Mas teria de aguentar, por isso, após checarmos os arredores e concluirmos que não havia nenhum sinal da van, iniciamos nossa trajetória até o posto.

Arrastamos nossos chinelos pelo asfalto, afastamos nossos cabelos suados da testa e nos contentamos com o zunido que os carros faziam ao passar rapidamente por nós. Escutamos algumas buzinas insinuantes, motivando-nos a andar mais rápido.

Em certa parte do caminho, Milena sentiu tanto calor que jogou seu moletom na grama que ladeava a estrada, alegando que não havia mais conserto para os rasgos feitos no arame e toda aquela sujeira. 

Chegamos ao posto derramando litros de suor e mal conseguindo falar por causa da garganta seca. Fomos para os fundos onde havia um banheiro feminino e um masculino e apesar de só haver uma cabine, eu e Kaíque entramos juntos.

Abrimos a torneira no máximo, jogamos água em nossos rostos, bebemos um pouco e ficamos um tempinho ali para recuperar as forças. Para nossa sorte, o banheiro cheirava a cloro por ainda ser cedo. 

Escutamos algumas batidas na porta de ferro e tememos ser algum funcionário, porém, a voz feminina e infantil apenas queria nos avisar que havia terminado e que estava com medo de ficar sozinha. Saímos e nos reunimos em círculo para decidir o que fazer.

— Precisamos ligar para a academia. – Kaíque exclamou. – Mas não podemos dizer a ninguém que somos de lá, é perigoso ter poderes fora dos muros.

Mordi o lábio inferior e concordei.

— Por isso, vou fingir que me perdi dos meus pais e pedir para usar o telefone. – ele falou baixinho. – Vocês fiquem aqui. E… Cuidado. 

Segurei no pulso de Milena e nos apoiamos na parede, observando o garoto tirar o cabelo do rosto e passar pelas portas automáticas do posto. Pelo vidro, pudemos vê-lo conversando com um funcionário e gesticulando. O homem fez um meneio com a cabeça e levou-o até um telefone.

Kaíque discou algum número de maneira rápida e apoiou a cabeça na caixa telefônica, deixando os cabelos caírem novamente sobre o rosto. Sua conversa durou menos de três minutos, ele agradeceu ao funcionário e saiu pelas portas automáticas. Suas olheiras profundas e a pele pálida carregavam uma expressão de pura exaustão.

Ele cambaleou de volta para onde estávamos e antes de dizer qualquer coisa, curvou-se para frente e vomitou. Eu e Milena arregalamos os olhos, minha reação instantânea foi colocar as mãos em suas costas e a da garota foi de buscar papéis toalha no banheiro.

— Oh, não gosto de vomitar na frente de garotos. – Kaíque fingiu timidez.

— Você está mal. – franzi as sobrancelhas, não achando a menor graça de sua brincadeira.

— Experimente ser sequestrado… Ah, você foi. – ele limpou a boca com os papéis toalha.

— Não tem que ficar fazendo o “descolado” o tempo todo. – passei seu braço por meus ombros, dando-lhe apoio.

— Eu só faço isso porque senão todos entram em colapso. – Kaíque encarou-me no fundo dos olhos. Prendi a respiração e desviei o olhar, envergonhado.

Ouvimos o som de papel sendo amassado e olhamos para Milena que fazia algumas bolinhas com as toalhas e deixava lágrimas pesadas rolarem por seu rosto. Abri a boca para perguntar o que havia acontecido, entretanto, a resposta veio de imediato:

— Os poderes não são uma bênção. São uma maldição.

Seus ombros tremeram e ela soltou alguns gritinhos esganiçados misturados a soluços. 

— Eu queria que tivesse um jeito de nos livrarmos deles. – jogou as bolinhas no chão e esfregou os pulsos nos olhos – Só estamos assim por termos poderes.

Minha boca secou e eu não tive o que falar. Ela tinha toda a razão. Meu estômago revirou e eu tive a impressão de que seria o próximo a vomitar. Estar tão longe da academia me preencheu de desespero. 

— Se tiver um jeito de nos livrarmos desses poderes… – Kaíque resmungou. – Pode ter certeza de que eu vou apoiar você. E faço a academia inteira te apoiar também.

— Como? – Milena murmurou desacreditada.

— Acredite em mim. Não adianta apenas nós três perdermos os poderes ou meia dúzia de alunos. Todos têm que abrir mão dos poderes. – ele disse em um tom sério.

— Tudo bem. Então eu vou descobrir como perder os poderes. – ela fungou e agitou a cabeça em afirmação. 

Naquele momento, tive vontade de chorar junto com Milena. Estávamos todos aos pedaços e no menor dos toques, quebraríamos. Eu apenas queria abraçar ambos e ser abraçado.

Se houvesse uma forma de acabar com os poderes, eu aceitaria.

— Para quem você ligou? – levei Kaíque até a parede para encostar-se.

— Para o Eduardo. – ele deu uma risada abafada. – Já haviam percebido que sumimos, só precisavam de uma pista de onde estávamos. Os adultos devem chegar logo, passei o endereço.

Os adultos. 

Eu tinha medo dos adultos.

 

>>> 

 

Um carro preto e uma viatura chegaram ao posto quinze minutos depois, estacionando bruscamente ao lado das bombas de gasolina e abrindo as portas de modo tão abrupto que parecia que não iriam mais usá-las. Fábio retirou os óculos escuros e correu até nós, exalando preocupação. Atrás de si, Miguel e Vitória também correram. Heitor bateu sua porta em um baque surdo e caminhou seriamente pelo pátio.

— Meu Deus, vocês estão bem?! – o loiro segurou nossos ombros, desesperado.

— Na medida do possível. – Kaíque analisou seus arranhões e a poça de vômito.

— Crianças, entrem no carro, vou colocar alguns curativos e deixar o resto com a enfermeira. – Vitória engoliu em seco ao ver nosso estado.

Miguel entregou uma garrafa de água e barras de cereais para cada um com seu jeito afobado de sempre. Sentamos nos bancos de trás do carro preto e nos hidratamos e alimentamos depois que Vitória limpou nossas feridas e colocou alguns esparadrapos.

Olhando pelo vidro de insulfilm, pude enxergar Heitor e a polícia conversando, o que chamou a atenção dos funcionários do posto de gasolina. Encolhi-me no banco e deixei um suspiro escapar, estava seguro, poderia ver a lua novamente.

Assim que chegamos à academia, avistamos mais duas viaturas, um carro prata que eu reconheceria de longe e uma moto preta, todos estacionados e com seus respectivos donos para fora, os quais viraram as cabeças automaticamente ao nos verem.

Eu ainda me sentia fraco quando desci do carro, então desabei nos braços de minha mãe que se encontrava aos prantos. Fechei os olhos fortemente e relaxei os ombros, apenas escutando sua voz preocupada dando graças a Deus por eu ter aparecido. Ao abrir os olhos, visualizei Stefanie cruzando os braços em frente a barriga. Ela estava com os olhos inchados e vermelhos e a pele pálida.

Sem dizer uma única palavra, a garota juntou-se a nós passando seus braços por nossos ombros e afundando sua cabeça entre as nossas.

— Olha onde você se meteu… – sua voz saiu embargada e ela me puxou para mais perto.

Sentindo o calor de minha família, pude enfim respirar livremente e retribuir o gesto. Se aquilo havia sido um pesadelo, aquela era a hora de acordar.

Fomos interrompidos por Heitor junto de um dos policiais que tinha perguntas para fazer. Observei por cima de seus ombros a dona da moto preta: uma mulher extremamente alta e magra de curtos cabelos castanhos e olhos oliva que vestia um pijama cinza. Ela segurava o rosto de Kaíque entre as mãos e esboçava aflição.

Um policial aproximou-se deles, todavia, isso não foi o suficiente para que a mulher largasse o garoto, na verdade, ela o puxou para um abraço apertado e começou a chorar compulsivamente.

De soslaio, vislumbrei Milena acompanhada de Vitória, Miguel e uma mulher que não consegui enxergar o rosto. Era baixa e o cabelo coberto por luzes desmanchava-se em um coque no topo da cabeça.

Após a comoção de nossos familiares, adentramos a academia e nos instalamos na sala de informática para darmos nossos depoimentos aos policiais, já que a diretoria estava restrita por se tratar de uma cena do crime. Por mais que a situação fosse recente, revivê-la fazia minha cabeça latejar. Logo que terminei minha parte, deixei a sala a passos pesados e mantive o olhar fixo em meus pés, entretanto, algo me fez erguer a cabeça: quatro pares de sapatos correndo em minha direção. 

— Norte! – Amanda berrou em meu ouvido ao se jogar em mim para um abraço.

— Céus, tinha que ser você, não é? – Ienaga passou os braços por meu pescoço, quase me sufocando.

— Sabe o quanto ficamos preocupados? – Eduardo choramingou apertando uma de minhas bochechas.

— Ainda bem… Que você… V-Voltou. – Érica falou entre soluços e abraçou minhas costas.

Paralisei no lugar e deixei que suas palavras em tom choroso preenchessem meus ouvidos, apesar de que minha mente estava longe daquele lugar. Meus olhos focavam-se no que estava mais a frente: uma garota parada no meio do corredor, cujo longos cabelos pretos caíam soltos por seus ombros. Algumas lágrimas percorreram discretamente seu rosto delicado e a boca entreabriu-se devagar.

— É, teve alguém que se preocupou mais do que nós. – Eduardo enxugou seu nariz.

As garotas largaram-me lentamente e deram um passo para o lado, abrindo espaço. Engoli em seco, senti um calor crescer em meu peito ao mesmo tempo em que as palavras fugiram.

Yara cerrou os punhos ao lado do corpo, torceu a boca e andou pesadamente até mim. Quando a única distância existente entre nós era menor do que um centímetro, ela pressionou os lábios nos meus, arrancando suspiros de surpresa dos nossos telespectadores.

Antes que eu tivesse tempo de raciocinar, Yara afastou-se e olhou no fundo de meus olhos.

— Se for ser sequestrado, precisa chamar a União inteira. – disse seriamente.

— Vou me lembrar disso. – balbuciei sem jeito com o coração palpitando.

Movemos nossas cabeças para o lado, registrando as feições abobadas de nossos amigos e ruborizando automaticamente. Amanda deu um sorriso sem graça e puxou Érica (que batia palmas) para conversar com Milena. Já Eduardo e Ienaga fizeram sinal de positivo com os polegares e se distanciaram para falar com Kaíque.

Pensei em formular alguma frase, contudo, fui interrompido por um afago brusco em meus cabelos já desgrenhados. 

— Não foi dessa vez que você desapareceu do meu caminho. – Victor retirou a mão de minha cabeça e deu um sorriso de canto. – É bom que esteja bem ou ia me fazer sentir remorso. – franziu as sobrancelhas.

Pisquei os olhos lentamente e fiquei boquiaberto, mal acreditando que ele estava falando comigo normalmente. Ou quase.

— Quer dizer que vai me tratar melhor agora? – ousei perguntar.

— Não apresse as coisas. – ele deu um tapinha em meu ombro e afastou-se.

— Retiro o que eu disse, você não é mais tapado. – Breno sorriu solidário e colocou a mão em meu antebraço de modo gentil. 

Retribui com um sorriso amarelo, agradeci e o observei ir falar com Kaíque. Voltei minha atenção para onde Milena estava, vendo que as garotas a ajudavam a secar as lágrimas.

— Você viu os pais da Milena? – indaguei receoso.

— Eles não vieram. – Yara balançou a cabeça negativamente.

— Como não? – arregalei os olhos.

— O R.C.E. convocou a pessoa que fez a matrícula de Milena. – ela sussurrou. – Parece que é a tia dela.

Instantaneamente, procurei por minha mãe e Stefanie. Elas estavam conversando com um dos policiais e ora ou outra me lançavam um olhar de proteção e acenos discretos. Se mamãe e tia Neusa eram (ou foram) amigas, será que haviam conversado sobre Milena? O que mamãe achava sobre eu ter uma meia-irmã que também estudava na API?

Não. Não parecia que mamãe estava sabendo de alguma coisa. Talvez ela e tia Neusa não tivessem se trombado.

Outros alunos passavam pelo hall e nos fitavam curiosos, alguns até mesmo nos questionavam sobre o sequestro, todavia, eram repreendidos pelos inspetores e voltavam para o lugar de onde saíram. 

Apenas sei que entrei em modo automático e sequer me lembro do que aconteceu no resto do dia.

 

>>> 

 

Kaíque cortou o cabelo.

Aconteceu no nosso quarto, após um anúncio no auditório de que guardas de segurança seriam contratados para vigiar os portões dia e noite. O RH do R.C.E. teria muita cautela ao selecionar os candidatos, pois ao que parece, Sérgio e Olívia haviam sido alguns dos reprovados para a vaga de inspetores da API. 

Isso gerou certo receio dos inspetores que trabalhavam na academia, apesar de sempre brigarem conosco, fazerem cara feia e nos darem advertências, eu nunca senti que pudessem ser pessoas ruins. 

De qualquer forma, a vice-chefe do R.C.E. achou melhor refazer a entrevista com todos os contratados, afinal, todos precisaram ficar alertas com a situação.

— Por que está fazendo isso? – analisei o garoto que cortava o próprio cabelo em frente ao espelho.

— Quem aquele cara pensa que é para puxar o meu cabelo? – ele apertou a tesoura. – Aquilo doeu. – cerrou os dentes e pouco se importou com as mechas que se espalharam pelo chão.

Deitei a cabeça no travesseiro e continuei a avaliá-lo, ignorando completamente os sons de notificação do meu celular. Minha família e os membros da União Rebelde não paravam de me mandar mensagens, com exceção de Milena.

Pensei na minha meia-irmã. Ela estava completamente abatida durante o jantar e o anúncio, não disse nada desde o nosso depoimento e manteve-se cabisbaixa o tempo inteiro.

Eu conversaria com ela no dia seguinte.

 

>>> 

 

Aquele lugar nunca esteve tão movimentado. Membros da equipe do R.C.E. transitavam pelos corredores carregando montanhas de papéis e tinham o rosto marcado por olheiras escuras. Vi alguns policiais também e o telefone da secretária não parava de tocar, os boatos diziam que eram pais querendo tirar seus filhos da academia ou somente saber se estavam realmente seguros.

Absorto na nova atmosfera da API, sequer prestei atenção no caminho e acabei me chocando com alguém. 

— Vai fazer isso sempre? – Milena resmungou e esfregou sua testa.

Esbocei um sorriso sincero ao vê-la e afaguei seus cabelos, perguntando como ela estava. A garota apenas torceu o nariz e abaixou o rosto.

— Preciso te mostrar uma coisa. – balbuciou e olhou para os lados.

Também olhei, reparando que alguns inspetores nos vigiavam de soslaio, mas que logo voltavam a conversar uns com os outros. A frase “estamos aqui para sermos observados” do Eduardo nunca fez tanto sentido.

Em um impulso, agarrei o braço de Milena e a puxei pelo corredor, obrigando-a a correr para me acompanhar. Um dos inspetores gritou para não corrermos por ali, porém, já estávamos longe o suficiente quando sua frase terminou.

Virei a cabeça para fitar a garota, reparando em seus olhos arregalados e a respiração ofegante. Ela me fitou de volta e assentiu, permitindo que eu apertasse sua mão.

Aquela cena aconteceu novamente. A cena daquele meu sonho. A cena que Milena disse que vivi várias vezes. 

— Eu sempre vou ficar surpreso, não é? – reparei nas coisas que flutuavam pelo espaço branco.

— Sim, já está me cansando. – Milena bufou. 

— O que queria me mostrar? – segurei uma foto polaroid que vagava próxima a minha cabeça. 

— A outra metade do seu poder. – ela olhou para frente. – Eu encontrei.

Adquiri um semblante incrédulo e esperei por alguma explicação, contudo, Milena apenas fez um sinal para que eu a seguisse. Caminhamos por entre as fileiras de portas do corredor, reparando na particularidade de cada uma: eram baixas, altas, largas, estreitas, com molduras extravagantes ou maçanetas que nunca veríamos em lojas de construção.

— É aqui. – Milena apontou.

A porta não estava grudada em nenhuma parede e não havia nada atrás de si, estava somente ali, existindo. Sua moldura alta era envolta por chamas laranjas que crepitavam e mudavam de tamanho a cada minuto, hipnotizando-me.

— Como você sabe? – engoli em seco.

— Você é o único com poder de fogo. – ela encarava fixamente a forma alaranjada. – É uma porta, talvez você devesse...

— Passar por ela? – completei em um sussurro, ainda fascinado.

— Não sei o que vai acontecer se você passar. – Milena balançou a cabeça negativamente.

Meus ombros enrijeceram e o frio em minha barriga me fez entrelaçar nossos dedos. Estava com medo. Diante da luz das chamas e sentindo o calor do fogo a me chamar, anunciei:

— Então vamos descobrir.


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Notas finais do capítulo

Chegamos ao capítulo 40, o que significa que nossa história acaba daqui a seis semanas, pessoal. Estão preparados? Porque eu estou, ashaushau.

Até semana que vem, onde teremos algumas revelações.
Beijos.
—Creeper.



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