Miss Americana escrita por natkimberly


Capítulo 1
Expresso 242




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1981

As pálpebras contraídas por uma falha tentativa de cair no sono e braços finos entrelaçados implorando por um pouco de quentura numa manhã congelante. A jovem viajante sentada no sofá da cabine de seu trem mal podia esperar para se encontrar pisando em terra firme e correndo para alguma fonte de calor

Daria tudo para estar de volta no avião, pensa. O que não é mentira. Passar quatro longos anos morando no outro lado do oceano teve suas consequências, ela já não estava acostumada com o clima do país em que nasceu. Da sua terra natal, que tanto amou viver. De seu lar. Todos os seus pensamentos são desviados da órbita quando a porta se arrasta com um chiado que fez a jovem dar um pulo.

A senhorinha que estava segurando a maçaneta de madeira pede desculpas imediatamente, se soubesse que a moça estava dormindo não a teria incomodado.

— Não se preocupe, eu já estava acordada – responde, com os lábios tremendo.

A senhora do carrinho de comida pergunta se ela vai querer comprar algo, quando percebe os seus dentes batendo interruptamente, ela lhe oferece uma xícara de chocolate quente por conta da casa. 

Nossa, como eu devo estar parecendo uma miserável. De fato, estava. Aquele monte agasalhos escuros cobrindo todo o seu corpo não estavam a ajudando a manter sua dignidade. Aceita o chocolate, mas insiste em pagar por ele. Quando tomou o seu primeiro gole foi como se um vulcão estivesse entrando em erupção dentro de seu corpo, mas o calor da bebida demoraria para se espalhar pelos seus braços e pernas. Talvez, nem chegaria.

— Obrigada. – Esperava que essa palavra fosse suficiente para fazer a velhinha fechar as portas e seguir seu caminho, mas ela parecia estar ponderando sobre algo. – Aconteceu alguma coisa?

— Estive pensando sobre a sua situação, senhorita…

— Diana – completa.

— Senhorita Diana, não acha que o frio está lhe incomodando muito?

— Bem... mais do que eu me lembrava aguentar – responde, com um sorriso enquanto toma outro gole.

— Bom, a sua cabine é a primeira de todas, tecnicamente, é a mais quente de todo o trem. – Quando ela disse isso, a jovem quase engasgou-se com seu chocolate. Isso é o mais quente?— Por estar mais próximo da cabine do maquinista, o vapor do carvão acaba que a favorece em relação aos demais. Senhorita Diana, há viajantes hospedados nas últimas cabines que devem estar congelando, e a senhorita está sozinha aqui, com três lugares vagos. Poderia lhe perguntar se a senhorita aceita…

— Pode trazê-los para cá – retribui, firmemente. – Afinal, com o calor humano deles podemos acabar nos aquecendo todos juntos, quem sabe?

A vendedora pareceu ficar lisonjeada com tamanha humildade vindo de alguém que tem condições suficientes para pagar para ficar sozinha na cabine mais cara do expresso. Diana não se importa em compartilhar seus bens. Depois de alguns minutos, sua cabine foi preenchida pela presença de duas pessoas. Uma idosa baixinha e cheia de papéis em suas mãos gorduchas e de um homem esbelto. Ele era negro, alto, tinha cabelos pretos e olhos escuros, seu maxilar era quadrado e sua feição carregava um ar de cansaço. Diana se perguntava se eles dois eram parentes, mas sua dúvida foi logo esclarecida:

— Prazer para vocês dois – diz a velha, se sentando. – Qual o seu nome, mocinha de bom coração?

— Diana, e o seu?

— Sra. Taylor. E, agora, você, jovem militar?

— Mark.

Mark não parece estar no humor para conversas. Deveria ser porque estava se recuperando do frio, cogitou Diana, ou, por ser um soldado, devia estar pensando sobre guerras e treinamentos. A sra. Taylor estava em um humor completamente diferente do de seu novo parceiro de cabine, a senhora já foi tirando a sua tulha de casacos e se acomodando. Pegou o seu jornal e começou a ler. 

Diana se perguntava como ela não estava conseguindo nem sequer tirar a sua touca de lã da cabeça, após esvaziar sua xícara ainda estava com as mãos tremendo. A sra. Taylor se endireitou para ver a moça melhor e soltou:

— Se eu pudesse, apostaria o bode mais saudável de meu marido de que você não é daqui.

— Ainda bem que não fez isso, pois perderia uma ótima fonte de renda.

Mesmo que tivesse apostado, Diana o devolveria imediatamente porque não tem nenhuma razão para criar um pastoreio. Não era uma mulher do campo.

— De onde é?

— Londres. – A velha deu uma risada abafada.

— É londrina mas não está aguentando esse arzinho refrescante? Conte-me outra.

— Estive muito tempo fora.

— Aonde?

Aquele diálogo acabou deixando a parceira de cabine de Diana muito curiosa a seu respeito, até porque não é comum uma velha senhora humilde do campo encontrar com uma viajante de classe alta que não se importa em dividir seu chique espaço com pessoas como ela e Mark. Diana resolveu prosseguir com o assunto, pois era óbvio que ambos não a reconheciam, então ela pensava que seria formidável ser tratada como alguém comum:

— Estava nos Estados Unidos, fazendo faculdade de jornalismo. Agora que acabei, estou de volta ao meu lar.

— Bem que eu senti que seu sotaque inglês estava muito enfraquecido, esses americanos estragam tudo que tocam! Devem ter sido anos difíceis pra você lá.

Não tinham sido difíceis, mas Diana não estava com paciência para rebater as falas preconceituosas da sra. Taylor. A velha depois de um tempo voltou a questionar a jornalista sobre seu paradeiro:

— Mas, me responda uma coisa, se você é de Londres, o que está fazendo nesse trem? Estamos indo para o Norte.

— Vou para Derby.

— Meu Deus! – exclamou sra. Taylor. – Este soldado também.

Diana se virou para encarar Mark, que parecia indisposto a conversar.

— Para onde vai? – perguntou.

— Passarei um tempo em Matlock – retrucou friamente. – A trabalho.

— E você, senhorita americana, para onde vai? 

— Baslow. Fica a uma razoável distância de Derby, e é próximo de Matlock.

Na verdade, o destino de Diana era mais específico que isso. O seu lugar de almejo era a Chatsworth House, mas, é claro que ela não ia lhes falar isso. O assunto se encerrou e Mark foi tirar um cochilo, Diana pediu outro chocolate quente e a sra. Taylor estava lendo o seu jornal. Antes de Diana conseguir adormecer, a velha suplicou algo para ela:

— Pensem em como são sortudos.

— O quê? – a moça ainda estava confusa, quando se ergueu para não cair no sono. – Não entendi.

— Esses dois. São tão jovens e tão abençoados. – Sra. Taylor virou a folha do jornal e lhe mostrou a foto de um casal de jovens adultos lado-a-lado no que parecia ser um passeio no parque. – A princesa Madeline é a dama mais afortunada desse país. Bela, rica e com um homem lindo desses ao seu lado.

Diana deu um leve sorriso interno. 

— Não acho que sejam um casal, olhe como estão distantes.

— Mas eles estão andando juntinhos, olhe aqui.

— Porém, eles não parecem estar muito contentes com suas presenças, Madeline está de braços cruzados e olhando para Martin, já Charles parece estar no mundo da lua e só querendo o conforto de sua casa. Acredito que esse suposto “casal” seja só especulação da mídia, os paparazzis sabem o que estão fazendo.

— Você parece saber demais da realeza, mocinha. Bom, mesmo assim, torço para que fiquem juntos. Meu Deus, eu me sinto uma idosa olhando para ela. Me lembro do país inteiro parar no dia de seu nascimento, para saber se o herdeiro seria uma menina ou um menino. Muitos ficaram incontentes quando souberam que o país um dia seria governado por uma mulher.

— Você ficou chateada?

— Claro que não. Sexo não define competência. A princesa será uma ótima rainha, mas precisa arrumar a parceria certa para lhe fazer companhia. Visconde Charles me parece ser uma boa pessoa, seria um bom príncipe.

Talvez ela estivesse certa.

Depois de algumas horas após a última pausa em Manchester, onde a sra. Taylor desembarcou, foi a vez de Diana e Mark se deslocarem juntos para a saída. Os dois acabaram se esbarrando e um dos broches do militar se espatifou no chão. Rodopiando para perto de seus pés, Diana fez a gentileza de se agachar e pegá-lo. Quando o agarrou ficou surpresa com a beleza dele.

— Uau, isso foi alguma recompensa por bom desempenho em alguma missão? – indagou a Mark. – É realmente um broche muito bonito.

Parecia ter algumas pedras de rubi, o que Diana estranhou. Tinha estampado o símbolo do Exército Inglês e embaixo as siglas MM.

— O que significa? – perguntou Diana, devolvendo o broche vermelho e caminhando ao seu lado pelo corredor. – Esses M’s entrelaçados.

Magnificent Merit.

Então, era uma medalha. Diana pensou em o questionar se era feita de rubi verdadeiro, mas pensou que seria muito indelicado. O que importava era que Martin obtinha uma grande coleção de medalhas estampadas pelo seu lado direito do uniforme, deveria ser um ótimo soldado. 

Os dois se despediram formalmente e seguiram seus respectivos caminhos. Diana foi em busca de um táxi para a levá-la a seu destino, porém foi surpresa com a presença de um homem alto ao seu lado.

— Srta. Dunster?

— Sim? 

— Fui enviado aqui para lhe buscar. Como foi a viagem?

Diana observou a sua vestimenta e percebeu que estava segura. O empregado a guiou até o seu belo carro preto e os dois seguiram pelas estradas com destino à Baslow.

Depois de 45 minutos de viagem, o homem desceu o vidro da janela do carro e acenou para os senhores abrirem os portões.

— Faz muito tempo, não é, srta. Dunster?

— Eu sinto como se nunca tivesse partido. Para mim, tudo vai estar exatamente como antes.

— Mas muita coisa mudou, srta. Dunster. 

— E eu torço para não ter problemas com isso.

Atravessando a entrada, Diana pode perceber a imensurável beleza do castelo de Chatsworth através da janela. Os empregados fizeram uma reverência e pegaram suas malas, porém ficaram reclusos a fazer perguntas sobre sua viagem por medo de estar incomodando. Diana odiava essa frieza que eles tinham que se submeter por ela ser teoricamente alguém “superior”, tudo por causa de um maldito berço.

Passando pelas portas, Diana viu uma silhueta de uma garota no topo das escadas. Ela tinha uma altura média, era magra, com cabelos louros e de uma beleza facilmente admirada pelo país inteiro, literalmente.

— Pensei que você tivesse desistido e resolveu continuar morando naquele fim de mundo – disse a loira.

— E eu pensei que você estaria mais bonitinha depois desses quatro anos.

Descendo as escadas correndo, as duas quando se encontraram deram um abraço apertado, que o tempo de distância exigia para ser recompensado. 

— Senti sua falta, tonta – disse Diana.

— Eu também senti a sua, idiota – respondeu sua prima, princesa Madeline.


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