A ironia em amar você escrita por SS Saibot


Capítulo 3
Que fúteis cata-ventos somos nós.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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 Isabella chegou em casa úmida da chuva que caía na cidade. Era outono e um dos mais chuvosos de acordo com os jornais Baltimore News e Bath City, agora além de sua constante agitação, outra coisa que sempre parecia igual era o tempo. Era impossível voltar para casa com as meias secas e um cabelo decente.  

Arrancou o sobretudo e o pendurou no gancho que ficava atrás da porta, livrou-se da touca que usava e prendeu seu longo cabelo avermelhado em um rabo de cavalo com o prendedor que mantinha no pulso. Enquanto se desfazia de suas botas encharcadas e as colocava na entrada, ouviu risadas e seguiu para a sala.  

Sua mãe estava assistindo Orange Is The New Black e ria de algo que Laura Prepon, interpretando Alex Vause, havia dito. Tinha uma taça de vinho sobre a mesa de centro, embora fosse pouco mais que três da tarde, e o laptop aberto em seu colo, mas perceptiva como era, se deu conta da chegada da filha enquanto Isabella se aproximava.  

— Olá, querida. 

— Oi, mãe — cumprimentou de volta, jogando sua mochila na base da escada.  

— Chegou cedo hoje — Renée constatou, pondo as pernas cobertas pela manta de crochê bordô para baixo ao se sentar.  

— A Srta. Chaiperman passou mal e nos dispensou da aula de educação física.

Sua mãe piscou como se houvesse lembrado de  algo.

— A propósito, Mr. Eleazar ligou, disse que contraiu uma virose e não se sente bem, mas que irá repor a aula na semana que vem.

Isabella  não sabia se deveria demonstrar seu alívio na frente da mãe. O fato era que ela não conseguia pensar em ter aulas de violino quando estava quase surtando com a sentença de ter que refazer vários parágrafos de uma  crítica negativa demais.

— Tudo bem, eu não estou com vontade de tocar hoje, de qualquer maneira, e ainda faltam dois meses para o concerto. Irei ficar bem.

O sorrisinho que sua mãe abriu a fez pensar se ela queria lhe contar alguma coisa pecaminosa, mas logo a mulher emendou:

— Michael também ligou.  

Isabella fez uma careta. Ela não sabia como aquele garoto havia conseguido seu número, mas aquilo soava estranhamente perseguidor.

— O que você disse?  

— Que está ocupada arrumando as malas para passar o feriado na casa em Vermont.  

Um suspiro audível se formou em seu diafragma e foi exalado com grande satisfação por sua boca.  

— Ótimo.  

— Sabe, acho que você deveria dar uma chance ao Newton.  

— Está dizendo isso como minha mãe ou como a Dra. Dwyer?  

— Como a sua mãe, sempre. Além disso, você sabe que não há diferença entre os dois papéis. Só quero o que é melhor para você. Não irei forçá-la a seguir minhas abstrações sexuais, se sei perfeitamente que não é como eu.

Isabella bufou.

— Eu estou bem, mãe.  

 — Sei que está bem, mas poderia estar melhor — Renée balançou a cabeça como um bibelô. — Você estuda muito e quase não tem nenhuma diversão, querida.  

— Terei muita diversão quando estiver na universidade dos meus sonhos, mãe. Não preciso de um namorado.  

— Não estou falando em ter um namorado, estava pensando mais em uma válvula de escape. Estou conjecturando colocar algo sobre isso no meu novo livro. Algumas pessoas, como você, de fato não se encaixam muito bem em um relacionamento, então podia começar aos poucos, envolvendo-se com alguém sem uma promessa de retorno. Uma organização sem fins lucrativos que beneficiaria ambos com o orgasmo.  

Isabella revirou os olhos e passou a língua pelos lábios ressecados, não acreditando que a falta da Srta. Chaiperman havia a colocado naquela situação. Seus professores, nenhum deles, estava favorável aos desejos dela nos últimos tempos. Esperava que eles estivessem cientes da anedota.  

— Mãe, você sabe que eu não transo — falou com um sorriso irônico e grande, sem mostrar os dentes.  

Sua mãe fez um gesto de descaso, como se aquele fosse um pequeno detalhe a ser resolvido.   

— Deveria tentar, de acordo com as minhas pacientes e alunas é muito bom. Desestressa e faz bem para pele, cientificamente comprovado — Crispou as sobrancelhas bem-feitas e balançou a cabeça novamente. — Mas, tem que ser com a pessoa certa, caso o contrário, só traz decepção e frustração.  

Isabella caminhou na direção das escadas, sabendo que era hora de bater em retirada. Quando sua mãe e o assunto sexo entravam pela porta, ela saia pela janela.  

— Vou terminar um trabalho do Sr. Langford — avisou, subindo os degraus de dois em dois.  

— Bons estudos, querida! — Escutou a voz de sua mãe, pouco mais que um sussurro já do alto da escada.  

Às vezes, e isso Isabella não podia negar, ser filha de uma psiquiatra e terapeuta sexual era muito bom. Ser filha de Renée Swan, na totalidade da questão, era maravilhoso. A mulher não era invasiva, respeitava os limites de Isabella e uma vez, no colegial, seduzira um professor dela e fizera ele mudar a nota da filha de um ridículo A- para um A+.

Ser uma Swan era absolutamente perfeito até sua mãe seguir uma linha diferente em sua carreira. Aos quarenta e oito anos, ela havia publicado seu primeiro livro em formato de guia sexual. Para surpresa de ambas, havia sido um sucesso, e logo Renée estava dando palestras atrás de palestras no estado e, depois, no país, consequentemente levando Isabella a frequentar a maior parte delas. Isso, é claro, fazia de Isabella a virgem mais sagaz no sexo de Maryland. 

Ela e sua mãe, na verdade, formavam uma curiosa dupla de mulheres sexualmente informadas. Uma não queria fazer sexo nem tão cedo e a outra não sentia vontade alguma. 

Percebeu que divagava sobre isso enquanto encarava, estática, sua análise crítica devolvida pelo Sr. Langford e isso não podia ser um bom sinal. Aos seus pés, houve um miado de concordância e ela levantou a cabeça para encarar Phineas, seu gato mesclado que sempre parecia um pouco chateado com vida e era muito silencioso.  

— Você não quer fazer uma análise para mim, Phineas?  

O felino abanou a calda contra a sola de seus pés e saltou da cama, desaparecendo no interior de seu closet, onde provavelmente voltaria a traçar seus planos maquiavélicos para a noite.  

Isabella olhou para o seu relógio digital que acabava de marcar quatro horas. Não queria ficar em casa e prometer a si mesma que faria o trabalho de literatura quando sabia que não faria. Essa foi a segunda desculpa mais esfarrapada que encontrou para ir até a biblioteca. Vestiu um cardigã pêssego, soltou os cabelos e voltou a pôr sua mochila nas costas enquanto descia rapidamente as escadas.  

— Mãe, vou até a biblioteca — avisou enquanto se enfiava nas botas novamente. — Volto para o jantar.  

 

Naquela terça-feira, Isabella não se sentou em sua mesa de costume. Em vez disso, levou a folha com pauta e caneta para o espaço entre as fileiras quatro e cinco, acomodou-se no chão, de joelhos e naquele corredor ébrio e solitário, espiou entre Shakespeare e Austen.

Ela não sabia porque não tinha coragem de simplesmente dar a volta nas prateleiras, parar ao lado dele, como alguém que não quer muita coisa, mas definitivamente quer algo.  

Não era tímida e também não era por medo da rejeição, ela já havia percebido. Era porque gostava da sensação de antecipação. Isabella era como um voyeur que apreciava todos os passos da conquista e não o gran finale.  

Seus olhos o encontraram imediatamente e ela esqueceu seus pensamentos de uma só vez, como se o garoto da biblioteca fosse o vento que derrubava as peças de um dominó em perfeita ordem vertical.  

Observou os mínimos detalhes, consumindo-os devagar e enquanto escrevia sobre a intrepidez de Romeu e a paixão atemporal de Julieta, viu algo que uma romântica incurável escreveria em seu lugar. Descreveu a beleza da antiga Itália moldada nos olhos verde absinto que havia conhecido quase quatro semanas antes. O opalescente brilho da morte por amor naquele cabelo indecifrável e os desejos dos amantes alcançando seu ápice na altura de um metro e oitenta e seis centímetros, ela diria.  

Ao terminar, sem tomar tempo para repensar o que escrevera, fez suas anotações referentes ao único livro de Emilly Brönte. Escreveu sobre tudo que achou interessante até que o garoto da biblioteca devolveu seu livro a estante — pela primeira vez em semanas, antes dela.  

Isabella supôs que havia, inconscientemente, vencido o sujeito pelo cansaço, mesmo que ele nem sequer soubesse de sua existência, e ainda ficou algum tempo ali, com aquela imagem gravada em suas retinas.  

Observando o garoto da biblioteca pela sua fresta reveladora, a receita do desastre estava sorrindo sem ter consciência de que era olhado. Isabella agradeceu a ele internamente pela inspiração e levantou de seu lugar, pondo a alça de sua mochila nos ombros e dando as costas para o mistério. Que fúteis cata-ventos somos nós, diria Brontë. 

Ela concordava.  

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!

Um beijo imenso >>>



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