Heracleia - canto I escrita por gurudorock2
Eu narrarei, inspirado na graça do Deus sempiterno,
Todos os doze trabalhos de Alcides, o herói legendário
Originado de Zeus, quando a forma emulou de um varão
Para enganar-lhe a consorte e com ela se unir, fornicando.
5 Desde os seus dias de infância, mudaram-lhe o nome primevo,
Para que, em graça da deusa das bodas e esposa de Zeus,
Novo apelido aplacasse-lhe a cólera contra o menino,
Sendo que assim, doravante, em tributo, chamavam-no de Héracles[1].
Mas, quando Héracles, moço, deixou a sua casta terrena
10 E se casou com a bela Megara, gerando-lhe filhos;
Hera, que houvera esquecido a perfídia e poupado a criança,
Torna a sofrê-la, queimando em seu peito, mordaz e sem trégua.
Enceguecida de inveja, em razão da alegria de Alcides,
Determinou à deidade da insânia que olhasse em seus olhos,
15 Ela lhe impôs o seu rosto de górgona e, ensandecido,
Assassinou a família com golpes de clava e flechadas,
Desde esse instante aviltando-se aos deuses e aos povos da terra.
Não foi por menos que o vate de Delfos lhe deu o conselho
De que expurgasse o pecado ao render um tributo à madrasta,
20 Quem detestava com toda a expressão que animava o seu ser:
“Vai e sujeita-te àquilo que te é a pior penitência!
Serve Euristeus de Micenas, pupilo de Hera, dez anos.
Só desfazendo-te inteiro da tua feroz ufania,
Dignar-te-ás a viver outra vez sem o estigma da culpa.”
25 Héracles, pois, se entregou aos ditames do primo Euristeus,
Rei de Micenas e servo da deusa, pilar de seu reino,
Essa, porém, se apressara e já houvera encontrado o monarca,
Recomendando-lhe a troca dos anos propostos por lides.
Dez inclementes trabalhos, pediu-lhe que lhos entregasse,
30 Para que em um dentre os dez sucumbisse ou, quem sabe, no mínimo,
Não conseguindo qualquer terminar maculassem-lhe a glória.
“Tu vens a mim me pedir que eu te deixe servir por dez anos?
Não to consinto, senão se trocarmos os anos por lides.
Serve-me, pois, desta forma e te entrego o que quer que procures.”
35 “Pois concordamos”, responde-lhe Alcides mui calmo e de pronto.
“Dê-me um momento a que eu pense e te entrego o primeiro trabalho.”
Foi-se dali Euristeus, invocar a divina cronida
E ela informou-lhe qual prova devia ordenar para o primo:
“Manda que vá a Neméia e que a livre da besta que a assola,
40 Um ardiloso e robusto leão de couraça indelével,
Filho do monstro Tifão, inimigo mortal de seu pai:
Ponha-se os dois em combate e se acaso a linhagem de Zeus
For derrotada, hei de em seu desprestígio ser mais desforrada.”
Volta, portanto, Euristeus para o trono e convoca o seu primo:
45 “Já decidi qual vai ser o primeiro trabalho prescrito:
Há, habitando nos bosque nemeus, um leão ardiloso,
Esse animal chacinou os pastores e o gado do entorno,
Já remeti combatentes e nunca um sequer retornou,
Mata-o e traz-me a cabeça, será teu primeiro trabalho.”
50 Vai-se dali o varão poderoso, rebento de Zeus,
Cata o seu arco, o seu coldre e porrete, deitados na entrada,
Parte à procura da fera, nos bosques do vale nemeu,
Ronda e transita nas brenhas, sem nunca a encontrar, e se cansa...
Senta-se à borda de um pé-de-oliveira, gozando da sombra,
55 Pela folhagem, resvalam-lhe feixes de luz furta-cor,
Foi ao buscar evitá-los que viu uma marca no chão,
Quatro dedinhos cravados na terra e no centro um maior.
Vê que não há uma apenas, mas várias, singrando um caminho,
Segue-as e, cada vez mais evidentes, encerram-se próximas
60 De uma caverna que jaz escondida no topo do vale.
Mal ele entrou e um fedor amargado irritou-lhe as narinas,
Pô-las nas mãos, encobrindo-as, e então caminhava adiante.
A atra caverna mantinha um lampejo amarelo no topo,
Só foi por isso que via espalhadas no chão, entre as pedras,
65 Várias ossadas mescladas, de cabra, e de vaca, e de humanos,
Umas ainda repletas de tiras de músculo e pele.
E, caminhando, pisava as ossadas no chão, que estalavam,
Té que esse som se mesclou ao rangido contíguo de um rasgo,
Uma figura nas sombras, mordendo uma rês, alertou-se
70 E ao se volver, a sua juba brilhante farfalha nos ombros;
Olha-lhe estática, o sangue a manar de seu queixo em filetes
E, com um salto, exprimiu-lhe as suas garras e o vasto tamanho,
“Eis o leão!” Refletiu, vendo a luz derramar-se em seu corpo,
E então rojou sobre solo, esquivando-se a tempo do ataque,
75 Tal animal superava o tamanho de um urso crescido,
Mesmo o seu fôlego, sôfrego e rouco, igualava um rugido;
Héracles rapidamente lhe impôs o seu arco, munido da seta,
Retesa a linha, dispara-a na fera e a flecha espatifa-se.
Vem-lhe o leão em seguida, açulado, uma sanha assassina!
80 Sem se assustar, o mais nobre mortal, predileto de Zeus,
Cata n’aljava as suas setas restantes e, tendo-as nas mãos,
Aguilhoou-as com todas as forças no colo do monstro,
Mas, como o esforço baldou-se de novo – quebraram-se todas
Contra a couraça duríssima em torno da fera terrível –,
85 Héracles viu-se no solo, acimado da besta, que ruge,
Atordoando-o, tamanho o barulho explosivo expelido.
Eis que está tonto e sentiu se inflamarem as suas clavículas,
Sobre elas duas as unhas da pata felina, saltadas,
Introduziram-se fundo, rasgando-as dali ao seu peito;
90 Grita de dor e o barulho equivale ao rugido da fera,
Que intimidada agravou o seu urro e tremeu-se a caverna.
Louco de dores, Alcides a apalpa, nos dois antebraços,
Ergue-os de si e os premendo co’as mãos, esmagou-lhes,
Fê-lo ulular – o leão – e tombar convulsivo e prostrado.
95 Sem que em Alcides, porém, se extinguisse a pulsão assassina,
Ele se ergueu e, tomando o porrete à cintura, num cinto,
Pôs-se a espancar o leão que, no entanto, jamais sucumbia.
Tendo, depois, se cansado de dar-lhe pauladas à toa,
Larga o tacape e se atira, cingindo a cerviz do animal,
100 Que relanceia a queixada, debalde, tentando mordê-lo,
Não tem apoio, quebrados os braços, contudo, atrapalha
Com esse moto o rebento de Zeus, que o queria enforcar.
Esse, destarte, irritando-se, vira-o no chão, ressupino,
Fecha-lhe agora a garganta co’as palmas das mãos, esganando-o;
105 Ouve-o gemer, rouquejar e os seus olhos turbarem-se em sangue,
Tanto forçou que estourou sua traqueia, abatendo-o, enfim.
E, dessa forma, cumpriu o primeiro dos doze trabalhos.
[1] Glória de Hera
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