Race in Heels - Corrida em saltos escrita por badgalkel


Capítulo 20
Dix-neuf




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15 de Julho

Circuito de Monte Carlo – Mônaco

Um final de semana de corrida em Mônaco é uma loucura, completamente diferente do calmo e seguro ambiente que Liza havia conhecido no final do ano.

Não são apenas os fãs de Fórmula 1 que acompanham a corrida, o mundo inteiro fica interessado no Grande Prêmio no pequeno país porque é onde a nata está.

A elite se junta para esbanjar luxo em barcos, no porto, nos casinos, nas festas e tem um grande elenco de celebridades em camarotes com vista exclusiva para a pista que desfrutam do ronco dos motores. O ambiente exala dinheiro e glamour, é um evento grandioso mesmo sendo em um espaço pequeno.

A corrida é a mais antiga e prestigiada do calendário e estava entre as favoritas dos pilotos. Principalmente Charlie, quem era nascido no país e assistia às corridas da janela de seu quarto quando criança.

A pressão e o prestígio que vêm com a corrida, se um piloto fica no topo e ganha esse Grande Prêmio, é maior que qualquer outra.

Liza tem isso na cabeça quando para com suas malas na sala do apartamento de Charlie.

Estava tudo tão igual, mas tão diferente ao mesmo tempo.

Na sua última visita ao país ela não havia sido seguida por paparazzo desde o desembarque no avião até a porta do carro, não fora necessário um batalhão de seguranças para afastarem os fãs com barricadas e ela não tinha precisado se esconder. Mas, ainda sim, Mônaco sempre impressionava.

— A vista daqui é incrível, adoro esse lugar. – Daniel diz passando pela pilota e seguindo na direção da varanda, que se iluminava com a luz do sol que refletia no mar.

— Vocês sempre ficam no apartamento do Charlie quando correm em Mônaco? – Liza pergunta seguindo o australiano, Carlos vem em seu encalço logo depois de deixar as malas sobre o sofá.

— Cinco suítes, videogames, terraço com mini golf, espaçoso para cacete e com uma vista espetacular. – Orlando declara apoiando-se no parapeito – Porque ele iria querer ficar aqui sozinho?

— É uma ótima forma de escapar dos fotógrafos. – Mike comenta cruzando os braços e admirando a vista.

— Vocês já sabem onde ficar. – o monegasco aparece na porta da varanda depois de uma conferida no ambiente – Mike, como você é novato aqui deixei o primeiro quarto da esquerda para você. Boa sorte com o nascer do sol. – o grupo ri e Mike dá de ombros risonho – A governanta deixou tudo arrumado, mas se comportem e não destruam a minha casa.

Os cinco riem fraco.

— Quando tempo daqui até o Paddock da McDraguen? – Liza pergunta a Orlando.

— Levando em consideração que todos os Paddocks são à beira-mar e estamos literalmente de frente para o mar, suponho que uns cinco minutos de carro. – o rapaz responde.

— Já te chamaram? – Daniel a questiona – Os compromissos só não começam amanhã?

— Temos uma entrevista às seis da manhã com Will Smith e a Cris está preocupada porque não estou no quarto ao lado dela para ela me acordar. – Liza dá de ombros – Apesar de ela estar feliz de eu não estar no hotel, porque diz que a portaria está um pandemônio de tanta gente famosa que entra e sai, fotógrafos e etc., ela tem medo de eu me atrasar.

— Will é hilário. – Carlos relata – Na última corrida aqui nós jogamos tênis junto, Houston quem me convidou. Passei o jogo inteiro sem fôlego de tanto rir.

— Tom Brandy já arremessou uma bola para mim de um barco ao outro. – Daniel diz e rostos confusos se viram para ele.

— Por que dessa informação aleatória? – Liza questiona risonha.

— Também foi na última corrida aqui. – ele dá de ombros. – Nunca é demais ressaltar o quão bom o cara é.

— Tá legal. – Charlie diz rindo e vira-se para Liza. – Eu vou à casa da minha mãe dar um alô. É quinta-feira, então ela está livre. Você vem?

Ela olha com dúvida à Charlie.

Max não havia falado mais nada desde quando deixara seu quarto em Silverstone, sequer havia mudado o seu comportamento com a pilota. Levando em consideração que a diretoria da FIA ainda não havia declarado punições para ela e Charlie, ou a polêmica de dois pilotos estarem namorando ter aparecido nas páginas de fofoca até então, ela deduzira que o holandês havia finalmente tomado uma atitude sensata: ficar de bico fechado.

Contudo, exatamente pelas coisas não terem sido jogadas aos ares, ela ainda estava relutante em ser flagrada com Charlie em qualquer tipo de situação – uma vez que ele tinha sido apontado como o affair da pilota mais de uma vez. Ela queria ter o dobro de cuidado.

Liza queria rever a adorável sogra, mas seu receio era ainda maior.

O monegasco parece entender o que se passa em sua cabeça, pois fala: - É a menos de dez minutos daqui, vamos de carro com insufilm saindo diretamente da garagem à outra e aposto que a mídia está mais interessada em seguir Will Smith, Kim Kardashian, as dezenas de outras celebridades ou, no máximo, o Luís do que prestar atenção em nós.

Ela sorri.

Que mal uma saidinha rápida faria, certo?

— Tá bom.Vamos lá. – ela entrelaça os seus dedos, dada por convencida.

— Fiquem a vontade e, mais uma vez, não destruam a minha casa. – ele diz aos rapazes e a guia porta afora.

(...)

Não, Lando! – Liza esbraveja enquanto o rapaz ri alto. – Isso com certeza foi falta!

Na tela da televisão da sala do apartamento o personagem do jogo virtual de futebol está caído na grama do estádio, fazendo movimentos sequentes indicando a perna, que fora alvo de um chute de outro jogador controlado por Orlando.

— Não aguenta jogo de corpo, vai jogar xadrez. – o rapaz diz rindo e Liza lhe atira uma almofada do sofá. Ela atinge o balde de pipoca doce que a mãe do monegasco havia mandado pelo casal para os rapazes.

 Depois de uma visita agradável a matriarca ainda cozinhou alguns petiscos para que o grupo não tivesse que comer industrializados, comida congelada ou “gastar dinheiro” à toa. Mãe sendo mãe.

— Você tem aprendido muita gíria, muppet. – Carlos diz ao britânico. – Acho que a Lizzie pode ser uma má influencia para você.

— Só não falo para você chupar as minhas bolas Carlota, porque não tenho bolas. – a brasileira diz, concentrada com a volta do jogo e o grupo ri.

Charlie, que está sentado ao chão com a namorada entre as suas pernas repara que o celular no bolso da jaqueta da jovem está vibrando.

Ma belle, seu telefone. – ele diz puxando o aparelho e colocando no colo dela.

Ela abaixa a cabeça rapidamente para ver a tela do celular e ao ler “Desconhecido” dá de ombros e volta ao jogo.

No entanto quando o celular toca pela quinta vez consecutiva ela entrega o controle nas mãos do namorado, pega o celular e sai varanda afora para atendê-lo.

— Alô.

— Senhorita Benedetti? – uma voz masculina soa.

— Eu mesma. – ela estala a língua, descontraída.

— Aqui quem fala é John Toddy.

Liza sente seu corpo gelar imediatamente.

Ai, caralho. Uma ligação do presidente da FIA?!

— Estou ligando porque gostaria de convidá-la para um almoço casual no meu iate amanhã. – o homem fala e a pilota engole em seco, tentando ser o menos audível possível.

— Eu posso checar com a minha empresária se encaixa na agenda...

— Oh, não, senhorita. Não será necessário, já providenciei que o compromisso para o seu almoço fosse cancelado.ele a interrompe – Seria preferível também se fosse sozinha. Precisamos ter uma conversa particular...ele limpa a garganta – são assuntos apenas do seu interesse.

Liza sente as pernas fraquejarem.

— Esteja pronta amanhã às onze e quinze. Meu motorista vai te buscar.

Ham...Não sei se estarei no hotel por volta deste horário. – ela tenta se desvencilhar.

— Não se preocupe, ele te buscará diretamente no apartamento onde está hospedada. – ele diz e ela sente uma falta de ar. – Aliás, bonitas cortinas. Seria essa cor Turquesa?

A ligação é finalizada quando Liza gira pelos calcanhares, dando de cara com as cortinas azuis atrás das portas da varanda do apartamento de Charles. Imediatamente gira o corpo em direção á vista aberta, onde centenas de janelas e varandas tinham plena visão do apartamento  onde ela estava naquele momento.

Ela só consegue soprar: - Merda.

Pelo resto da noite Liza fica pensativa, quieta e preocupada. Ela fica calculando e revisando todas as alternativas para uma negociação com John e se teria uma possibilidade de safar Charlie daquilo tudo.

Ela mal dormira a noite de tamanha agonia e desespero, por tal fato Guida tivera uma manhã trabalhosa ao tentar encobrir as olheiras com maquiagem para a entrevista com o ator famoso – que se tivesse sido em outra ocasião Liza teria ficado completamente ansiosa e animada.

A apresentação é rápida, as perguntas criativas e eles têm que fazer um passeio pela costa de Mônaco com câmeras os filmando pelo máximo de ângulos possíveis enquanto jogavam conversa fora sobre carros.

Teria sido bacana, teria.

No entanto a cabeça de Liza não para de martelar e após o final da entrevista ela não fica surpresa quando Orlando repara a sua completa falta de humor.

— Nunca te vi tão quieta. – ele diz. – Principalmente em uma entrevista tão interativa.

Liza suspira olhando o horizonte por cima do mar, eles estavam no iate retornando ao Paddock da construtora junto da equipe.

— Eu só não estou em um bom dia, até pedi desculpas ao Will pela minha falta de empolgação.

O parceiro senta-se ao seu lado.

— Aconteceu alguma coisa? – questiona atencioso.

A pilota desvia os olhos do azul do mar ao azul dos olhos de Orlando, completamente claros com o reflexo do sol, só para sorrir forçosamente e negar com a cabeça.

— Acho que já te conheço o suficiente para dizer que esta mentindo. Que sorriso mais falso. – ele arqueia uma sobrancelha e Liza ri fraco, passando a mão pelo rosto.

— Eu estou bem, sério.

Orlando a analisa com olhos estreitos, mas por fim sorri acolhedoramente: - Sabe que pode contar comigo, não sabe?

Ela automaticamente sente um nó formar em sua garganta, por isso faz apenas assentir. Suas emoções estavam começando a ficar fora de controle e ela sabia que se abrisse a boca poderia começar a chorar, o que acabaria com a sua pose.

— Podemos discutir por algumas desavenças em pista, zoar um com o outro, encher o saco, fazer um complô de compra de salgadinho da máquina do hotel, mas isso porque somos uma família. E me preocupo com você. – Orlando diz e pega sua mão. É quando Liza sente os olhos lacrimejarem, então ela puxa o parceiro para um abraço.

— Obrigada, Lando. – diz verdadeiramente, apoiando o queixo em seu ombro.

— Você está chorando? – ele questiona afastando-se para encará-la nos olhos.

Liza ri anasalada.

— Eu não estou chorando, você está. – ela repete a frase do parceiro e eles riem.

Quando eles chegam ao Paddock são direcionados à reunião pré-treino para a discussão sobre as estratégias usadas na corrida da vez. Liza tenta ao máximo prestar atenção no que Andy e Zach diziam, mas era inevitável não olhar para o relógio em seu pulso de minuto em minuto para conferir quanto tempo faltava para seu encontro com o presidente.

Depois que a reunião é encerrada ela se aproxima de Cris discretamente.

— Eu vou ao apartamento de Charlie para cochilar um pouco durante o almoço, estou com uma dor de cabeça que está acabando comigo. – mente.

— Percebi que você não está cem por cento hoje, mesmo. – a loira diz e começa a vasculhar sua bolsa com uma mão. Assim que tira uma cartela de remédios de lá, empurra na direção da pilota e diz: - Come alguma coisa e tome ao menos um desse. Coloque o despertador para a uma e meia da tarde, você tem que chegar ao treino ao menos com uma hora de antecedência para despertar.

Liza sorri e assente, aceitando a cartela.

— Quer que eu vá com você? – a empresária pergunta quando ela dá de costas, já ameaçando partir. – Os rapazes estão lá?

— Não, acho que eles têm entrevistas a manhã toda e o Orlando vai almoçar com o Carlos no porto. Mas, não se preocupe, o Peter vai me deixar lá em segurança e eu vou dormir de qualquer forma. Não precisa ficar lá para assistir isso. – ela informa interrompendo momentaneamente sua saída rápida.

— Tudo bem. – Cris se aproxima para abraçar Liza rapidamente. – Se cuida. Se não estiver se sentindo disposta para o treino à tarde eu falo com Zach, ele com certeza vai entender. – a pilota assente – Se precisar de mim estarei no hotel, também vou tirar um cochilo. Não sei como vocês aguentam essa constante troca de fuso horário.

Elas se despedem e a jovem continua seu caminho até a saída.

Quando Liza entra no banco de trás do carro e cumprimenta o motorista, já puxa seu celular do bolso para mandar uma mensagem direcionada ao namorado.

“Vou ficar presa no Paddock durante o almoço, a Cris quer refazer algumas fotos para o marketing. Vejo você mais tarde.”

Assim que ela se despede de Peter e entra no prédio, recebe a resposta: “Tudo bem, Joseph apareceu por aqui e vou almoçar com ele na casa da minha mãe. Se precisar de alguma coisa, me avise. Beijos, te amo.”

“Também te amo.”

Ela troca de roupa, tira aquela com os símbolos da construtora e coloca uma casual, penteia os cabelos e passa um brilho nos lábios ressecados. Quando está conferindo seu reflexo no espelho recebe uma mensagem de um número desconhecido notificando que o carro já estava à espera dela.

Liza coloca os óculos escuros e o lenço sobre a cabeça para passar pela rua sem chamar a atenção, mas é quase impossível quando nota que é uma limusine que a aguarda ao lado de fora.

Um homem corpulento, vestido inteiramente com terno preto e óculos escuros abre a porta para ela sem nada dizer. Quando eles se acomodam e o motorista parte com o carro escuro, completamente coberto por insufilm preto, ela pergunta: - Para onde vamos?

— Vamos à Larvotto Beach, o iate do Senhor Toddy está atracado lá. – o motorista informa e ela encosta-se no banco de couro, respirando fundo e em uma sequência vagarosa, para se acalmar. Seus batimentos estavam acelerados e a sua dor de cabeça falsa já não era tão falsa assim.

Liza pensava, se ele ainda não havia comunicado aos demais membros da diretoria e ambos pilotos continuavam como confirmados no GP talvez ele queira colocas panos quentes no assunto. Afinal, aquele regulamento não era lá grandes coisas. Era?

Nossa, como ela queria acreditar que poderia ser aquilo.

Ela continua a pensar, talvez ele só peça que eles sejam mais cuidadosos do que já estavam sendo. O que a faz se perguntar quando Max poderia ter sacado o que estava acontecendo e xingando-o mentalmente por dar com a língua nos dentes. Quão estúpida ela foi por pensar que ele deixaria aquilo passar.

Quando Liza desce do carro e atravessa a praia de areia branca com o horizonte de águas cristalinas à sua frente, ao lado dos homens de terno para chegar até o cais, suas pernas estão bambas. Ela acompanha os homens até o gigantesco iate de dois andares e sobe com a ajuda de um deles, que a oferece a mão.

Liza segue pela lateral do barco até o deque principal completamente fino e requintado, onde em uma mesa espalhafatosa e que transbordava de todo tipo de comida acomodava um homem vestido com roupas de linho nobre, cabelos grisalhos, óculos da Prada e barriga farta.

Quando ele a nota se aproximar, se levanta de imediato.

— Eliza Benedetti, é um prazer finalmente conhecê-la. – ele fala apertando a mão que a jovem ergue. – Querida, não se preocupe. Pode se sentir a vontade aqui, ninguém irá nos perturbar. – diz indicando o lenço e óculos de sol.

— Pensei que seria bom me prevenir, já que deixou claro que queria que nosso encontro fosse privado. – ela diz e se acomoda na cadeira que o senhor cordialmente puxa para ela.

— Todas as mídias que são tiradas dos meus pilotos passam pelas minhas mãos antes de serem divulgadas. – ele diz sentando-se à sua frente. – Não precisa se preocupar.

Liza arqueia uma sobrancelha.

— O que significa...

— Que eu já sabia sobre você e Lacroix desde o primeiro dia? – ele indaga sorrindo. – Sim.

Liza não sabe se fica aliviada por saber que o homem está a par da informação há tanto tempo e não havia feito nada, ou assustada por todo esse controle. Ou seria perseguição?

— E este encontro particular tem qual intuito, já que o meu namoro não é novidade para você? – ela indaga retirando o lenço da cabeça e os óculos do rosto, permitindo que a brisa salgada bata livremente contra seu rosto e a claridade se apodere de seus olhos.

— Não vamos nos apressar, estamos em tempo. – ele diz gentilmente. – Tive a delicadeza em pesquisar pelos seus pratos favoritos e hoje estamos servidos com as mais variadas comidas brasileiras da melhor qualidade. – ele apresenta a mesa – Confesso que estou curioso, elas parecem ser deliciosas.

Liza corre os olhos à sua frente no almoço disposto com diversos pratos em porcelana fina e é quando finalmente nota. Seu estômago ronca quando ela identifica a famosa feijoada, com direito à couve e torresmo; Baião de dois; Moqueca; Carne de sol; Feijão tropeiro e até mesmo Acarajé.

— Vamos atacar. – ele diz com expectativa.

Liza sabia o que John estava fazendo, ele queria amaciá-la antes de jogar a bomba, ela podia sentir. Por tamanha ansiedade, apesar de muito saborosa, ela não conseguira aproveitar o almoço como deveria. A comida dançava em sua boca e descia com dificuldade pela garganta.

Enquanto ela está a cortar o mesmo pedaço de carne em seu prato pela terceira vez, perdida em pensamentos, o deque é invadido por uma garotinha de cabelos dourados, com olhos azuis chamativos e vestido rodado. Parecia uma boneca.

Ela estava saltitante e corre na direção de John.

— Vovô, vovô. – chama sua atenção animada. – Olha o desenho que eu fiz. – e levanta um pedaço de papel na altura dos olhos do homem.

— É uma belíssima obra de arte, meu amor. – ele diz docemente. – Se me permitir, vou enquadra-lo para pendurar em meu escritório.

A garotinha olha para ele com o sorriso esperto e declara ao colocar a pintura de baixo do braço: – Você primeiro tem que pagar por ela, vovô. Como nos leilões. É um quadro único e muito valioso.

— De fato ele é. – ele diz aos risos. – Quanto você quer por ele?

— 10 euros. – a garotinha diz decidida, as bochechas rosadas saltadas em evidência.

O homem olha da garota á Liza com uma expressão estupefata e teatral no rosto, tudo para encantar a criança.

— É um valor muito alto, não acha Benedetti?

Liza sorri, apesar do nervosismo.

— Se eu fosse você acrescentava mais uns zeros. – a pilota diz e é quando a garotinha finalmente coloca os olhos sobre ela.

Oh Meu Deus, é aquela pilota, vovô! – ela diz entusiasmada. – A que a gente assiste pela televisão!

Liza arqueia as sobrancelhas em surpresa e vira-se à John.

— Ela mesma, meu amor. – ele diz à neta e no mesmo instante a garotinha abandona a pintura ao chão e corre para o lado da mesa em que Liza está.

— Eu sou uma grande fã. – ela diz radiante e estende a mão formalmente, Liza sorri com a cordialidade infantil. – É um prazer te conhecer, eu sou Julieta.

A pilota afasta-se um pouco da mesa e volta-se para a garotinha para apertar a mão pequena.

— É um grande prazer, Julieta.

— Vovô, tira uma foto da gente? – a criança pede e sobe no colo de Eliza depois de pedir licença. Ela se acomoda sobre as pernas da mulher e abre um sorriso cativante.

A pilota sorri para o celular do homem à frente delas, que disparada uma sequencia de três flashes. Julieta salta de volta ao chão empolgada e corre na direção do avô, para pegar o celular em mãos e se maravilhar com a foto.

— Vou mostrar à mamãe. – ela diz e corre iate á dentro.

Os dois a observam ir até sua figura se perder por entre as vertentes dos aposentos.

— Ela é uma graça. – Liza elogia. – E muito esperta. Quantos anos têm?

— Dez. – o homem diz sorrindo, voltando-se ao seu prato.

— Presumo que ela frequente muitas corridas. – Eliza diz antes de tomar um gole do suco disposto em uma taça à sua frente.

— Só as de Mônaco. – ele revela. – A mãe dela gosta de esbanjar o glamour que meu filho fornece à ela e faz algumas aparições nos eventos que rodeiam o GP. As demais, Julieta acompanha pela televisão. É fascinada pelas corridas. E, agora, por você.

— Fico lisonjeada. – ela sorri fraco.

John sorri e tira seus óculos de sol, relevando de onde Julieta havia puxado os olhos azuis chamativos. Ele poia os cotovelos em cima da mesa e cruza os dedos a frente do rosto. Seu semblante se torna mais sério, menos convidativo.

Ele percebe Liza engolir em seco involuntariamente.

— Sabe, Eliza, a Julieta não foi o único público que a sua vinda para a Fórmula 1 trouxe. – ele admite. – A audiência das nossas corridas, procura de ingressos e produtos, assim como o interesse pelo esporte aumentaram exponencialmente pelo gênero feminino. O que deixou o nosso pessoal completamente satisfeito. – o homem aponta a mulher – Você é a nossa máquina de dinheiro da vez.

— Fico feliz em saber. – e ela não mentia ao dizer.

— No entanto, - ele suspira pesadamente – sua vinda também chamou a atenção do grupo de elite da Fórmula 1 por um fator específico. E com isso quero dizer os magnatas que investem a maior porcentagem de dinheiro no nosso evento.

— Que fator seria esse? – ela induz.

— Que o esporte que havia sido criado para enaltecer a figura masculina e impressionar as mulheres esta entrando em conflito quando uma mulher consegue superar o próprio homem. E isso não os deixou nem um pouco felizes.

Liza analisa a fala do homem e fica se perguntando se havia compreendido o que ele realmente quis dizer. Ela franze a testa, umedece os lábios vagarosamente, mas por fim ri em incredulidade.

— Deixe-me ver se entendi. – ela fala estralando os ossos dos dedos das mãos, era uma mania que tinha quando tentava controlar os seus instintos. Principalmente aqueles que a induziam voar no pescoço daquele homem por cima da mesa – Eles estão incomodados com o fato de eu estar pontuando mais do que alguns homens no grid?!

— Entenda, querida, eu não sou preconceituoso. – ele se adianta em esclarecer, com a face mais afetuosamente possível – particularmente acho muito revigorante esse sangue novo para dar uma repaginada no nosso esporte. Nos modernizar à atualidade é necessário. Mas ainda há homens, com muito poder aquisitivo, que abomina essa situação e estão dispostos a fazer de tudo para que isso tenha um fim.

Liza sente seu estômago congelar quando o homem puxa um envelope médio na cor amarela de dentro de um bolso interno do paletó casual e a entrega por cima da mesa.

— Coisas como estas podem te fazer cair. – ele declara enquanto ela abre o pacote.

Lá ela encontra fotos suas com Charlie na Itália, na primeira vez que se encontraram; em Barcelona, mostrando a interação íntima deles durante todo o final de semana – principalmente depois do acidente onde notava-se o cuidado dele com ela; em Sakhir, fotos tiradas por drone do alto do prédio da proximidade deles no jantar;  em diversos países que haviam visitado pela Fórmula 1, como em Melbourne no jantar com os país da pilota; os incontáveis cliques de Mônaco nas festas de final de ano e as mais recentes, do dia anterior, quando eles haviam ido visitar a mãe do monegasco, dentre outras.

As fotos não eram apenas suspeitas como reveladoras, evidenciando beijos trocados, abraços, as mãos dadas e olhares apaixonados.

Ela passa os olhos vagarosamente por cada revelação, sua garganta seca enquanto o coração impulsionava o sangue por suas veias ferozmente, dado o aumento de suas batidas.

Ela estava tão perdida que mal ouve quando John diz: - Eu não queria ter que apelar para esse tipo de coisa, mas como a diretoria já relatou uma denuncia sobre vocês dois eu não tenho muito o que fazer.

Liza desvia os olhos das fotos e os pousam no homem.

— O que vai acontecer agora? – pergunta com a voz rouca.

— Eu teria que seguir com o regulamento e como punição suspender a sua participação e do Lacroix até o final desta temporada. - Eliza podia jurar que se não estivesse sentada, ela provavelmente teria caído pela súbita queda de pressão que a atinge – Mas,— ele diz atenuante e ela fica atenta às suas palavras – como não queremos que isso aconteça já que a sua participação tem trazido lucros crescentes ao nosso capital, eu lhe proponho um acordo.

Liza deixa as fotos caírem sobre seu colo e passa a mão pelo rosto quente.

— O que você quer? – ela indaga desconfiada.

— Não é novidade para ninguém que a Fórmula 1 é um dos esportes onde mais se investe e circula dinheiro no mundo. Estamos falando de trilhões de dólares mensais. – John informa e ela assente – E parte das negociações, as de valores mais exorbitantes, são embolsadas em apostas dos nossos magnatas em cada GP. Eles são um grupo seleto de pessoas, incluindo a mim, que investem muito dinheiro por trás das organizações fiscais. Em resumo é dinheiro não fiscalizado que supera quantias até dos maiores patrocinadores do evento.

Liza suspira pesadamente antes de questionar: - E onde eu entro nisso?

— Você, minha querida e talentosíssima pilota, – ele sorri de forma ardilosa –  vai desclassificar alguns de seus adversários de acordo com o apontamento das estatísticas do meu jogo.

— Como é? – ela diz no impulso, o semblante expressando o seu choque.

— Algumas batidas, uns pequenos acidentes, fechadas em curvas perigosas que não os façam cruzar a linha de chegada. – John explica – Qualquer coisa que acabe com a possibilidade dos pupilos dos meus adversários vencerem.

— Quer controlar os resultados das corridas? – Liza indaga num sopro quase sem voz, o homem assente com um sorriso inabalável no rosto. – E para isso precisa de um ceifador, que seria eu?!

— Preciso de um aliado. – ele reposiciona a fala, como se aquela tornasse todo o esquema menos corrupto.

— Isso é um absurdo, não vou te ajudar à fraudar o resultados dos GPs! – ela diz ofendida.

— Não é como se fosse uma novidade nesse esporte, é a forma que as corridas são posicionadas através das décadas. – ele diz. – Ou você pensou que tudo isso se resumia à habilidade dos pilotos e potência das melhores máquinas? – ele ri sádico. – Eu decido qual das escuderias vai vencer a temporada, sou eu quem decido o piloto que será o campeão, porque, afinal, é do bolso destes magnatas que se saem os fundos, o dinheiro do prêmio e todo o patrimônio de aplicação para que a realização deste evento seja possível.

Liza está boquiaberta.

Durante todos esses anos ela teve a ingenuidade de acreditar que toda aquela emoção era real, que todos que estavam ali eram merecedores por serem dedicados à um propósito e que lutavam e tinham a possibilidade de vencer por simplesmente talento. Mas estava completamente enganada.

— Pense bem Eliza, o seu envolvimento com isso é perfeito. – ele continua – Mataremos dois coelhos em uma cajadada só. – ele sorri – Você cairá nas classificações, eu ganharei as apostas e você e seu namorado continuarão no campeonato. Agradável à todos.

Eliza estava farta de viver em um mundo onde homens com dinheiro ditavam as regras da sociedade. Ela havia sido mais uma marionete destes homens quando trabalhava com exportações, assim como diversos outros trabalhadores ao redor do globo que não tinham tanto poder aquisitivo quanto eles.

Ela correu atrás do seu sonho para, além de provar que o gênero não era determinante para ter sucesso no mundo automobilístico, para fugir das mãos de toda essa massa corrupta.

Mas novamente ela estava ali como mais uma das marionetes jogando conforme as regras deles.

Não poderia estar mais decepcionada. Consigo mesma por ser tão ingênua e com eles que permitiram-na pensar que tudo era justo, limpo e honesto.

Pobre Sampaio, ela pensa. Na história do ídolo vencedor não havia somente celebrações, mas a injustiça e penalidades não cabíveis – como a decisão polêmica no GP do Japão que acarretou uma suspensão de seis meses fora das pistas.

Naquela época fora até questionada, mas abafada pela mídia e logo esquecida pelo público e os demais. Mas não ele, que passou um por um tempo sombrio, o qual muitos questionavam sobre a sua sanidade mental.

Naquele momento ela conseguiu finalmente entender, ao menos ter uma ideia, do que ele pode ter passado naquele antro de mentiras e farsas. Ele, um homem justo e honesto na pressão de uma rede de enganação. Viver com isso deixou-o amargurado, insatisfeito, e sabe-se lá se não fora a razão da sua desestabilidade emocional.

— Isso é repugnante. – ela cospe entre dentes.

— É o mundo dos negócios, minha cara. – ele a corrige – Não tem que ser justo. Nunca foi e nunca será. Quem dá a maior quantia é o chefe.

Liza massageia as têmporas com olhos fechados por um instante.

— É a mesma coisa que fizeram comigo na Fórmula 2 – ela pronuncia e abre os olhos – Armaram um circo contra mim e agora você quer que eu me envolva nisso?

— Todos têm prioridades e eu sei usufruir delas para que as coisas sejam feitas de acordo com o viável à nós. – ele dá de ombros. – Afonso Pessoa e Felipe De Paula tinham as prioridades deles quando aceitaram as minhas propostas. E, se eu fosse você, pensaria duas vezes antes de tomar uma decisão. – ele pousa as mãos sobre a mesa – Porque posso fazer com que a suspensão de vocês dois não sejam temporárias, posso fazer com que nenhuma escuderia em qualquer campeonato automobilístico aceite recrutar vocês e por sua culpa o sonho de ser campeão do seu namorado vai ser impossível. – ele sorri formidável – Quer mesmo carregar essa culpa?

— Você comprou a sua inocência. – ela deduz e ri sem humor – Claro. Por isso Felipe deixou de ser a nossa testemunha, você o colocou contra a parede!

— O dinheiro pode comprar uma boca calada, informações privilegiadas, o melhor advogado, uma decisão do júri ou qualquer coisa que eu precisar. – ele revela, a voz subindo alguns tons de impaciência. – Portanto não pense em burlar o nosso acordo recorrendo à sua empresária, ao seu tio, seu namorado ou mesmo o seu chefe de equipe. Eu vou estar com os meus olhos grudados em você, bem de perto, e um passo fora do que eu ditar, com uma ligação as providências serão severamente tomadas.

Liza sente uma lágrima grossa escorrer pelo seu rosto, mas se recusa a secá-la ou desviar os olhos da figura do próprio diabo na sua frente.

— Você não tem vergonha? – ela questiona com a voz falha – É nesse mundo que quer que a sua neta cresça?

— É esse o mundo que ela vai aprender a ditar as regras. – ele diz pausadamente.

Liza suspira pesadamente e desce os olhos até o próprio colo, notando em uma das fotos o rosto de Charlie sorridente transcender. Seu peito dói.

Que outra opção tinha a não ser aceitar?

A jovem recolhe as fotos de seu colo e as repõem no envelope. Depois de fechado ela arrasta-o por cima da mesa na direção do homem que ainda está à olhá-la com um sorriso convencido.

— Mais alguma coisa? – ela questiona sem olhar nos olhos do homem.

— Termine com o rapaz. – ele diz duro e ela automaticamente ergue os olhos tristes em sua direção. – A FIA não admite a inflição das regras e o caso de vocês ultrapassou os limites impostos. Se algum dia essas fotos vazarem na mídia por alguma razão, seremos vistos como incompetentes e inaptos com a aplicação do nosso próprio regulamento. E uma Federação como a nossa não pode se dar ao luxo de ser envolvida em mais uma polêmica.

Ela respira fundo, controlando o bolo que subia pela garganta e por fim assente vagarosamente.

— Posso ir? – pergunta com o resquício de voz vivo em suas cordas vocais.

— Sim, claro. – ele diz sorrindo amigavelmente e se levanta educadamente. – Foi um almoço agradável, com certeza repetiremos a ocasião.

Liza engole em seco.

— Referente ao seu primeiro alvo, os meus homens te passarão as orientações. – ele diz. – Quanto ao Lacroix, que isso termine ainda hoje. E – ele aponta para o envelope com as fotos, que retorna ao seu lugar no bolso do paletó – eu tenho como saber se não o fizer.

Enquanto a jovem é levada de volta ao apartamento do namorado ela pensa no quão o fundo do poço poderia ser profundo e se desta vez ela conseguiria sair de lá.


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Notas finais do capítulo

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