Contos de Si-Wong escrita por Kureiji


Capítulo 2
O Conto de Kalil- Parte 2




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Kalil havia se esgueirado entre a arquibancada para procurar a sala de quem estava no comando, mas não estava achando-a. Tudo estava muito escuro lá dentro, talvez aquilo demorasse mais do que ele esperava. No centro da tenda ficava a área de apresentação, não era um circo muito grande, mas tinha uma boa área para se apresentar.

Fazia tanto tempo que ele estava em posição de liderança que já tinha se esquecido da sensação de trabalhos com esse, cada segundo parecia um minuto. De fato ele já havia perdido a noção do tempo, 5 minutos? 10? O mais seguro era ter levado toda a força policial, mas não teria tempo pra isso e seria muito mais fácil dos criminosos fugirem.

Cada dia que eles estivessem à solta era um perigo a mais para a vida dos cidadãos e para a paz entre os clãs, o Oásis das Palmeiras Enevoadas era pra representar um lugar de segurança, um contraste com o tão perigoso deserto de Si Wong.

Sem ter tempo para associar o que estava acontecendo Kalil foi desperto dos seus pensamentos quando tudo ficou repentinamente claro.

—Liguei pra ver se assim você consegue encontrar minha sala- Disse um homem no meio do palco.

Ao redor dele havia pelo menos 8 pessoas, pela posição todos dobradores de areia.

Kalil estava esgueirado entre a escada e um mastro, ele olhou para trás e havia mais dois deles, estava encurralado.

Enquanto se locomovia ele reconhecia a pessoa que falou com ele: usava um óculos bem preso pela parte de trás na cabeça, nos seus olhos havia kohl (uma maquiagem preta), seus cabelos eram longos e presos no final, ele tinha um cavanhaque e usava algumas joias: brincos, pulseiras e anéis. Fora isso ele vestia típicas roupas de nômades, mas o que fez Kalil se lembrar quem era a pessoa foi o cachecol amarelo, comum entre o clã de Hanani.

—Você é irmão de Hanani, não é?

—Eu não podia esperar menos do famoso Kalil, sim sou eu, Zayn.

—O que vocês querem com tudo isso? A única coisa que ganharam em troca foi retaliação, não faz sentido, vocês já estão prosperando na cidade.

Muito mais coisas não faziam sentido, os dois clãs não tinham rivalidades e eles nem roubaram nada na explosão.

—Pobre Kalil, você já foi um detetive melhor. Você não está em posição de perguntar, talvez quando estiver capturado eu possa elucidar sua mente, mas agora, você é só um empecilho.

Os 10 dobradores se prostraram em círculo, como da última vez no mesmo dia, Zayn apenas recuou para trás e assistiu ao show. Percebendo a situação que se encontrava novamente, Kalil usou a dominação de areia para alcançar um balanço do trapézio e assim conseguir desorganizar a formação adversária.

Dois que conseguiam dominar melhor tentaram fazer o mesmo para alcança-lo, mas enquanto Kalil se balançava pendurado pelas mãos ele desestruturava o redemoinho de areia dos outros usando a dominação com os pés, afastando-os dele.

Outros vinham subindo pelas escadas enquanto os debaixo tentavam atirar projeteis de areias nele, mas ele estava muito alto e em movimento, a areia não chegava com tanta força e ali havia pouca terra maciça para dominarem. Dois conseguiram chegar nos balanços laterais a ele, com o impulso que ele tinha conseguiu derrubar um deles com um chute e quando estava voltando para direita arremessou sua espada no outro balanço derrubando o outro dobrador.

Kalil já não aguentava mais ficar pendurado, antes que outra pessoa subisse no balanço a sua esquerda ele conseguiu pular para lá, infelizmente na escada já havia ao menos duas pessoas esperando por ele.

A adrenalina era o que o mantinha atento pois a exaustão já o alcançara, estava trabalhando o dia todo com quase nenhuma pausa apenas para meditação, até a janta eles tiveram que comer no caminho para o templo e mal tiveram tempo de comer a sobremesa que compraram. A sobremesa...

Ele tirou três pedaços grandes de cristais comestíveis do bolso e atirou na direção dos dois mirando nos seus campos de visão, com a dominação de terra ele fez com que ganhassem impulso e aumentassem ligeiramente de tamanho. Antes que eles tivessem tempo de reação Kalil conseguiu se colocar na escada entre os dois e derrubou cada um com golpes rápidos.

Antes que pudesse pensar em algo subiram mais dois, a quantidade numérica não fazia tanta diferença naquele espaço apertado, mas Kalil também estava em desvantagem porque seu estilo de luta era melhor em lugares espaçados.

Ele havia perdido sua cimitarra, enquanto que os outros estavam armados, um deles conseguiu fazer um corte em sua perna, mas Kalil aproveitou a má posição dele para chuta-lo para fora e em seguida desarmou o outro, o jogando para fora também.

—Acabou, a maioria de vocês foram derrotados e eu tenho o terreno alto- Ele disse para os que estavam subindo as escadas.

Ouvindo isso eles desceram, e começaram a usar a dominação de terra e areia para tentar derruba-lo lá de cima. Kalil então deslizou pelo corrimão da escada, se impulsionou para trás e tentou dominar a areia para que ela o alcançasse e diminuísse o impacto da queda. Ao chegar no chão ele conseguiu se erguer com velocidade, a queda quase não o feriu, o que doía mais era o corte na perna.

Ignorando o que estava sentido ele entrou em posição de combate, haviam sobrado quatro inimigos, dos quais dois também estavam feridos, mas agora Kalil estava em sua zona de conforto, um terreno aberto com muita área.

Eles atacaram primeiro, Kalil se manteve desviando e contra atacando, quando o pé e a mão direita iam para atrás, os opostos iam para frente, mascarando qual seria seu próximo movimento, iria dominar areia deslizando para baixo, ia usar ambas as mãos para redirecionar um ataque? Ou iria desviar de um ataque com um salto para atrás enquanto atacava?

Primeiro Kalil conseguiu dominar a areia aos pés de um e derruba-lo em cima de outro, depois disso ficou mais fácil, ele apenas usou sua superioridade em dominação e conseguiu derrotar os outros dois em disputa de força, sua areia era mais densa e mais rápida.

—Acho que eu lhe subestimei então- Disse Zayn enquanto batia palmas- Veja bem, seus amigos já devem estar capturados lá fora, mas eu vou lhe dar uma chance se você se unir a mim.

Kalil estava ofegante, então decidiu aproveitar o momento para ouvir e recuperar o fôlego.

—Você é um rapaz esperto Kalil, mas tem sonhos utópicos. Não consegue ver que não temos futuro nessa cidade? A cada dia cresce a criminalidade: Roubos, assassinatos, charlatanismo, abusos, corrupção, violência.

Isso tocou na ferida, mas a raiva de Kalil ainda se sobressaía, onde um terrorista como ele queria levar essa conversa?

—Isso não é sua culpa, não é responsabilidade sua nem da polícia, é do modelo dessa cidade. As nossas tribos são nômades, por que acha que é assim? Porque é como funciona melhor, nós sabíamos que teríamos mais paz se mantivermos certa distância, quando temos alianças temporárias tudo ocorre bem, mas permanentes? Não dá certo, água e fogo não se misturam.

Kalil poderia ter respondido como aquele argumento era insano, mas ele queria poupar cada respiração, além disso a dor em sua perna estava latejando cada vez mais forte.

— Para piorar nós chamamos pessoas de outras nações pra se juntar? Esse é o ápice da loucura. Deixe-me lhe contar um segredo já esquecido hoje, você sabia que quando a Cidade República estava começando a surgir, o Avatar Aang era contra? No auge de sua lucidez ele percebeu que isso destruiria as culturas, traria confrontos, desrespeito e desequilíbrio. Com o tempo sua amada Katara e o Lorde do Fogo Zuko o fizeram mudar de ideia, e olha no que resultou, talvez você admire Cidade República por sua grandiosidade, mas na realidade é apenas um ninho de ratos. Não há nenhum lugar nas nações com mais corrupção, crimes e blasfêmia do que lá. A dominação virou esportes banalizados, os antigos costumes foram esquecidos e essa amálgama de povos resultou em um caos de uma selva metálica e sem alma.

Agora com mais calma Kalil conseguia prestar atenção, podia se escutar um barulho de luta do lado de fora, eles ainda não tinham sido capturados.

— Você pode achar que a convergência harmônica trouxe mais equilíbrio, não é? Não trouxe, você vai ver, aglomerados de povos diferentes assassinando suas próprias culturas já causa todos esses conflitos, você ainda mistura os lares dos espíritos com dos humanos? Já vimos um pouco do caos que isso pode causar, a própria Kuvira foi um exemplo disso. Então Kalil, acha mesmo que nossa cidade tem futuro? Com tudo que tem visto, acha que tem esperança?

 

...

 

A opção era se render, não tinha como lutar, o capitão pensou. Maylin era uma ótima dobradora, mas ela estaria muito exposta a ataques por trás e ele não poderia dar a retaguarda com tantos inimigos.

—Eu me rendo- Disse enquanto levantava as mãos.

"Desculpe chefe, pensamos em algo depois" – Ele pensou

Alguns deles se mantiveram em posição de ataque enquanto outros vieram trazendo cordas, quando Samir olhou para trás notou que Maylin ainda estava com as mãos juntas e com os olhos fechados. Se ela estava de olhos fechados, não viu nada do que aconteceu e nem ouviu.... Mas agora ele não podia se mexer para avisá-la.

Enquanto eles estavam se aproximando cautelosamente, Samir estendeu os pulsos para serem amarrados e de repente houve-se um clarão na noite.

—Droga! Eu sabia que isso iria acontecer!

De imediato ele dobrou areia e jogou os dois mais perto dele para longe, deixou que os cabos de aço saíssem da manga novamente e ficou em posição e ataque.

"Mas por que motivo ela estaria de olhos fechados?" - Ele pensou

Foi quando olhou para trás e viu, de fato era difícil de enxergar porque ela estava pulando em alta velocidade enquanto dobrava fogo...verde? Suas orelhas pareciam estar diferentes também, maiores e animalescas.

Antes que pudesse entender melhor ele a ajudou tentando cobrir suas costas, mas era difícil pois ela estava muito veloz. O capitão usava seus cabos para lutar a distância com a dobra de metal e quando alguém chegava perto ele dominava areia para empurra-lo.

Eram muitos dobradores inimigos, mas a maioria focava em Maylin, talvez por ser mais estranho lidar com a dobra dela, ou talvez porque as pessoas já a conheciam e sabiam que era surda, mas na opinião do capitão era porque ela estava lutando de forma sobrenatural.

Quando conseguiram uma pequena pausa, ela parou na frente dele e disse:

"Não se preocupe com minha audição, eu consigo ouvir um rato passando na esquina"

Mais de perto ele conseguiu ver melhor: agora havia uma maquiagem em seus olhos que seguia lateralmente e depois desciam até a altura do queixo, seus cílios também cresceram e os seus olhos estavam amarelados, além disso a visão que ele tinha tido das suas orelhas antes não eram uma ilusão.

—Com toda essa luz a polícia não deve demorar para chegar- Ele respondeu.

 

                                                                                                       ...

 

Kalil já havia ganhado o tempo que precisava, dali pra frente se ele discutisse com inimigo só estaria perdendo tempo, seus amigos estavam em perigo e ele precisava ir logo lá. Além do mais, o que ele poderia dizer a Zayn? A solução certamente não era aquela, não é?

Quer dizer, o que ele falou estava certo, eles estavam tão focados na grandiosidade da Cidade República e com a construção de um sonho que poderiam estar ignorando o que estava acontecendo. A vida no Polo Sul e no Polo Norte não eram muito mais tranquilas? Eles viviam isolados e antes dos espíritos chegarem não tinha nenhum grande desastre.

Se a cidade que um Avatar fundou é um caos, o que se esperar do Oásis das Palmeiras Enevoadas? Kalil suspeitava que até dentro do conselho começava a surgir alguns esquemas corruptos, com aumento da cidade seria necessário o aumento do poder político e isso não traria mais brecha para corrupção?

Também não estariam eles aos poucos perdendo sua cultura? Quanto tempo iria demorar pra dobra de areia ser banalizada? Sem ligação alguma com a sua herança cultural. A venderiam em cursos pelo mundo sem ensinar seus princípios e a transformariam em performances e competições por entretenimento?

Acima de uma decisão estratégica, Kalil não respondeu a Zayn porque não sabia o que responder. Ele deixou então que o seu chute dobrando areia falasse por si próprio.

—Então vai ser assim- Zayn disse enquanto defendia com facilidade.

A luta dos dois começara, Zayn lutava muito semelhante a Kalil, o que tornava a luta mais bela, quem estava de fora poderia pensar que era uma apresentação, mas na realidade um passo em falso poderia trazer consequências trágicas.

A cada tempo na luta Zayn se aproximava mais e tornava-a mais perigosa, quanto mais perto menos tempo para desviar e mais reflexos eram exigidos. Quando já estavam bem próximos Kalil percebeu a estratégia, ele tinha que fechar seus olhos constantemente porque havia muita areia entre os dois, enquanto isso Zayn tinham seus óculos o protegendo.

No tempo de uma piscada Kalil caiu no chão, quando abriu os olhos Zayn estava com o braço cortado ensanguentado.

—Maldito truque sujo! - Zayn gritou

Por um instante Kalil havia deixado de usar a dobra para se defender para que então usasse-a para trazer sua cimitarra que estava logo atrás de Zayn. Por isso ele havia caído e Zayn se cortado.

Sem dar tempo para que Kalil terminasse de se levantar Zayn jogou mais areia ao alto forçando seu inimigo a tapar os olhos, quando ele abriu viu Zayn entrando em uma sala, rapidamente ele pegou sua cimitarra e o seguiu.

O local não era uma sala comum.

—Isso agora não...- Kalil disse

Ele conseguia ver seu reflexo em todas as paredes e teto, era uma sala de espelhos. Em alguns lugares ele parecia ser mais baixo, em outros sua imagem era esticada, já algumas paredes eram apenas vidro. Mesmo com seu reflexo distorcido ele conseguiu perceber seu estado: Sujo de areia, sangrando pela perna, olhos pesados e mancando. O chão era de madeira, então não tinha nada para ele dominar lá.

—Gostou Kalil? Eu pessoalmente mandei modificar umas coisinhas para situações como essa. - A voz saía de algum lugar indistinguível da sala, pela qualidade do som devia ser por altos falantes escondidos.

—Já acabou Zayn, a polícia já deve estar chegando-Kalil não sabia como Maylin e Samir conseguiam resistir lá fora, mas até antes de ele entrar naquela sala ele ainda conseguia ouvir os barulhos.

—Você não está lutando contra mim Kalil, você está lutando contra a verdade. Me diga, qual foi a reação de Bastet ao saber que foi supostamente atacada por Hanani? Ela, parte dos conselhos dos 8, os líderes que guiam a nossa cidade para o futuro, qual foi a reação dela Kalil?

Kalil se manteve calado procurando pistas de onde Zayn poderia estar, no entanto ele não estava sendo muito eficiente, ter alguém cuspindo acontecimentos incomodantes por altos falantes não o dava espaço para raciocinar bem.

—É, foi o que eu imaginava. Sua visão está se abrindo só agora Kalil, não precisa se unir a mim hoje, dê um passo para trás, nos deixe ir. Vamos sumir por um tempo e você perceberá que mesmo sem a nossa presença a cidade vai se destruir.

—Eu já entendi o seu ponto Zayn, mas qual a sua solução? Explodir prédios para as pessoas deixarem de morar na cidade?

—Você não é tão tolo pra acreditar nisso. Queremos que todos enxerguem logo a verdade, que a cidade volte a ser apenas aquele assentamento para descanso, para compra e venda. Sem essa convivência caótica entre tribos diferentes, sem união com outras nações que banalizam nossa cultura e trazem mais caos à cidade, sem essa interação tênue com os espíritos que nunca trouxe nada de bom desde que a Avatar assim o fez.

—E como você quer fazer isso?

Kalil já estava perdido, não sabia mais onde estava a entrada e aquela confusão já lhe estava deixando tonto, a adrenalina estava diminuindo e com isso a dor aumentava e o cansaço também.

—Eu já disse, mostrando a verdade para eles, a pergunta correta é, como vamos revelar a verdade? Você já viu um pouco com Bastet e Hanani, as explosões mostraram aos dois que um simples ocorrido sem provas fortes já é o suficiente para um conflito entre tribos, esses conflitos resultarão em mortes, depois em alianças com outros clãs, e então mais mortes. Com o tempo ficará evidente que é inviável morar na cidade, e então aos poucos nós sairemos da sombra para luz. Vamos guiando as pessoas, mostrando pra elas como nossas vidas eram mais equilibradas antes. Iremos mostrar que esse novo modelo de sociedade não é natural, traz apenas a morte: dos nossos povos e da nossa cultura.

Kalil já estava enfurecido, aquela solução era um absurdo, mas ele tinha algo melhor? O que ele falou sobre a violência era verdade, já havia muita sem que o conselho brigasse entre si, e só bastava uma labareda pra que isso acontecesse.

Aquele povo era indisciplinado, oportunista e corrupto, eles tinham uma chance de construir algo melhor, mas ainda viviam como se precisassem usar todos os recursos sujos para sobreviver, esqueciam que não estavam mais no deserto. Era questão de tempo até a corrupção e violência adentrarem o conselho também, assim como a polícia. Isso se já não estivesse presente.

Kalil era totalmente a favor de uma cultura enriquecer a outra, mas e se eles estivessem perdendo a sua com esse processo de "miscigenação"? Sua mãe lhe ensinou como seu estilo de luta representava a liberdade, como o povo do deserto não tinha ninguém que mandasse neles, como sua dobra os libertava das amarras que a própria natureza do deserto os impunha e assim usava esse ambiente opressor a seu favor.

Mas se a dobra de areia for realmente passada para outras nações, a tratarão com o respeito devido? Ou pior, com o crescimento da cidade com mais pedras e metal, a dobra de areia não iria se perder aos poucos?

No princípio o grande espírito Lince-Wong guiou os primeiros dobradores de areia no seu caminho, os protegeu e providenciou alimento quando estavam à beira da morte. Agora as pessoas não precisavam mais dele, tinham todas suas necessidades na cidade. Não só isso contribuía para o esquecimento das tradições como também o fato de que agora as pessoas viam espíritos o tempo todo, mas nunca viram o grande Lince.

Maylin dizia que a convergência harmônica lhe permitiu ter uma conexão mais forte com o espírito do Lince, mas na realidade a cada dia menos pessoas frequentavam o templo e menos ainda se lembravam de agradecer a ele por sua proteção.

Kalil só queria acabar com aquela perseguição logo e voltar para casa, esquecer essa confusão, para de pensar naquilo. Sua cabeça já estava latejando. Raiva, cansaço, tristeza, culpa, era muitos sentimentos mistos e nenhum deles ajudavam a achar Zayn.

—Parece que você não aceitou minha proposta, pois bem, terei que tomar uma providência.

De lugares desconhecidos começaram lentamente a vazar um gás roxo.

—Não é mortífero Kalil, não somos monstros. Mas agora não posso lhe deixar livre, você vai conosco.

Então era isso? Acabou ali...Kalil se sentou, colocou sua roupa para tapar o nariz e ficou encarando um espelho a sua frente. Sua imagem estava totalmente distorcida, se fosse em outra situação aquilo seria engraçado, como um espelho consegue retratar a realidade de forma tão diferente?

Isso o lembrou de seu pai que amava a arte de fazer vidros. Quando ele não estava fazendo isso estava limpando todos os espelhos da casa. Um dia Kalil quebrou um espelho novo e logo ficou preocupado que seu pai iria ficar furioso, mas em vez disso ele disse:

"Às vezes um espelho quebra ou fica embaçado permanentemente, mas não tem problema, isso acontece, basta fazer um novo"

Então era isso... O Oásis das Palmeiras Enevoadas não era um trabalho definitivo, não era um resultado final, ele era um espelho que reflete a imagem de um sonho.... Só estava embaçado, se não tinha como consertar bastava construir um novo...Assim como os espelhos a sua cidade foi construída das areias escaldantes do deserto, e assim também poderia ser reconstruída quantas vezes fossem necessárias, até se tornar um espelho ideal.

Kalil se levantou, estava meio tonto, mas nunca esteve mais focado do que agora, ele tocou as palmas de suas mãos em um espelho a direita e um a esquerda. Lembrou de seu pai moldando o vidro em altas temperaturas, ele era o vidraceiro, ele decidia qual seria o formato e a cor de cada vidro, qual seria sua função, ele tinha o domínio da situação. Em suas mãos aquilo poderia se tornar o que ele quisesse, mas antes de tudo, era só areia....

Um som alto ecoou pelo cômodo, quando Kalil abriu os olhos viu uma sala coberta por pedaços de vidro e uma caixa grande de metal (provavelmente onde Zayn estava). Logo que avistou a saída (que não estava longe) correu para respirar um ar puro.

Depois de tossir um pouco e dar uma longa inspirada ele voltou para sala ainda com pano no rosto, enquanto entrava ele foi puxando a areia do lado de fora para tapar os buracos que soltava o gás (agora já visíveis).

—Se renda Zayn, você perdeu.

—Ninguém sabe que estou aqui, ainda posso fugir Kalil. Tentei poupar sua vida, mas você é teimoso, ainda há muitos outros mecanismos nessa sala, você não devia ter voltado, o gás é inflamável.

—Você não vai fazer isso Zayn- Kalil estava sentindo confiança em seus instintos, tudo estava mais claro agora- Se eu morrer vou me tornar um mártir e as pessoas vão se unir ainda mais atrás do nosso sonho, é isso que você quer?

Um barulho de metal foi ouvido, depois outro, em seguida o de uma porta rangendo, Zayn havia saído de sua caixa de metal. Ele estava cabisbaixo e com as mãos estendidas para serem amarradas, quase havia matado alguém por medo e não pela causa, um covarde.

—Você tomou a decisão certa, além disso, um destino desagradável lhe esperava antes de conseguir me matar- Kalil demonstrou dominando o vidro dos óculos de Zayn para longe dele.

Zayn suou frio e se sentiu aliviado de ter concordado em se render.

Ao chegar lá fora Kalil encontrou todos os lutadores da causa de Zayn caídos no chão, de pé estava o capitão, Maylin e a polícia.

— Senhor, você está bem! – Samir disse com um sorriso no rosto e muito suor- A polícia chegou agora, já estavam entrando na tenda. Primeiro tenente! Venha aqui e prenda esse homem. - Ele apontou para Zayn.

—Espera um pouco, eles chegaram agora? - Kalil perguntou- Então tudo isso foi obra de vocês? – Ele apontou para os dobradores caídos no chão.

—Sim...Quer dizer, não... Eu não colocaria no plural.

—Como assim? - Zayn reagiu a polícia para tentar se manter ouvindo a história.

Kalil fez um sinal para que o tenente permitisse.

Foi quando Maylin chegou na conversa ainda naquela forma, os olhos brilhando amarelo, a maquiagem estranha e as orelhas animalescas. Kalil e Zayn ficaram sem palavras.

"Eu lhe falei que estava tudo bem, o espírito de Lince-Wong nos guiou a essa armadilha e me deu a sua benção, eu te disse que com a convergência harmônica nossa conexão estava mais forte e a lua crescente só conspirou para tudo dar certo". – Disse ela com sinais.

—Ela conseguia escutar muito melhor que eu senhor, e lutava valendo por 10 grandes dobradores. - Samir relatou.

"Ou por 2 Kalil" - Disse ela fazendo Kalil rir, muito típico de Maylin fazer esses tipos de comentários nesses momentos ele pensou.

— Então a padroeira dos clãs do deserto estava contra nós...- Zayn resmungou com sussurros, parecia estar imerso em pensamentos.

"Agora eu só preciso de um descanso, me acorde amanhã" - Ela disse, suas orelhas foram voltando ao normal, assim como seus olhos e maquiagem, ela se apoiou no ombro do capitão e caiu no sono.

— Grande Tartaruga-Leão! - Ele disse a segurando- Eu vou pedir que os homens a levem para um lugar seguro e depois darei as ordens devidas a cada um, o senhor está mais ferido que eu chefe, peça um automóvel e volte para casa, eu cuido disso tudo.

Depois que aquilo foi dito Kalil percebeu que mal estava sustentando as próprias pernas. Aquele foi um dia e tanto, mas antes de ir ele lembrou de perguntar algo:

—Ei Zayn, afinal, Hanani não estava com você nessa né?

—Não pense que por ter me vencido você derrotou a verdade, você apenas silenciou o mensageiro para não ter que ouvi-la. Investigue Hanani por si só.

Alguns momentos atrás isso tiraria o sono de Kalil: "Se alguém do conselho estiver envolvido nisso o problema é muito mais complexo. Eu o derrotei, mas algumas coisas que ele disse realmente faziam sentido. Será que essa luta toda não passa de um sonho infantil?" Mesmo cansado, ele não conseguiria ter um bom descanso.

Mas agora, Kalil sentia-se confiante em seus ideais e morreria tranquilamente por eles.

A sua cidade foi construída com suor e areia por seu povo, refletindo um sonho de um futuro melhor. Se a realidade era um espelho embaçado desse sonho, era só limpar, e se estivesse quebrado, era só moldar um novo, afinal, ele era um dobrador de vidro. 

 


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Notas finais do capítulo

É isso, espero que tenham se divertido lendo tanto quanto eu.
Deixem nos comentários o que acharam.
Em breve postarei mais um conto.



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