Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda de Seiya escrita por Masei


Capítulo 88
O Tesouro dos Tesouros


Notas iniciais do capítulo

Geist leva o Galeão de Atena à sexta Relíquia do Mar, no coração da civilização que abriga os Piratas do Caribe, que ela tão bem conhece.



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"Diário de bordo, dia quarenta de viagem. O Galeão de Atena acaba de adentrar o Mar do Caribe. As águas estão mais revoltosas do que quando as deixei. Recomendei atenção para todos os postos. A Carta Náutica tem se revelado precisa, portanto não há motivo para duvidarmos dela agora. Isso significa que a Relíquia do Mar está em Tortuga. Isso significa que teremos problemas."

O Galeão de Atena deixou a foz do Rio Amazonas e rumou para o norte do Atlântico onde entrou no maravilhoso mar caribenho. A Capitã Geist conhecia muito bem as correntezas daquele oceano, de modo que rapidamente ganharam o tempo que haviam perdido ancorados no Rio Negro. O Mar do Caribe era cheio de mistérios em águas tumultuadas e recheado de histórias e lendas.

Mas a Capitã em exercício daquele Galeão de Atena conhecia todas elas; primeiro por ser uma ávida leitora das histórias e lendas antigas, como também por ter sido banida do Santuário exatamente por seu envolvimento suspeito com as forças do Caribe, sendo exilada pouco tempo depois de sua graduação como Cavaleira de Prata.

— Todos à postos! — gritou ela para sua tripulação, surgindo no tombadilho. — June, preciso que a enfermaria esteja preparada.

— Problemas, Capitã? — perguntou ela.

— Sim. — confirmou ela, parando diante do corrimão do tombadilho olhando para o oceano adiante. — As histórias do Caribe talvez sejam histórias, mas seus tesouros são verdadeiros.

— O que isso quer dizer? — perguntou a nova imediata, mas a Capitã seguiu adiante com June em seu encalço.

Ela desceu ao convés e sinalizou para que Lunara deixasse o cesto de gávea para juntar-se à ela no castelo de proa; ali podiam ver a imensidão do mar do Caribe chacoalhando o Galeão de Atena de lá pra cá.

— Tenente Lunara, quero que fique no tombadilho controlando as velas. Navegaremos juntas, eu e você.

— Sim, senhora Capitã!

— Seiya, recolha as Armaduras Sagradas. — disse a Capitã, entregando seu próprio pingente de prata para o garoto que estava no leme. — Esconda-as na câmara de Oricalco.

June não deixava seu lado de modo algum.

— Devemos nos preparar para a batalha. — falou Geist com o tom muito grave.

Lunara olhou assustada para June, mas a Capitã Geist as deixou ali com a surpresa estampada no rosto; Seiya ficou olhando para o pingente de prata sem compreender muito bem aquela ordem, mas escolheu acatá-la sem argumentar. Geist então olhou para toda sua tripulação e sua voz soou altiva e poderosa para que todos pudessem ouví-la. Mesmo o turno da noite agora estava no convés, alertado pela imediata June.

— Galeão de Atena! Iremos voar este navio até a Ilha de Tortuga e então mergulharemos no oceano, onde seremos atacados na boca da caverna para o coração do Caribe. Um local dominado por corsários que nos receberão com seus canhões apontados para nossa proa. Não temos poder de fogo para rivalizar com eles, mas temos velocidade para alcançar a boca da caverna e nos entregarmos ao Templo de Kalinago.

— Nos entregar? — perguntou Seiya, confuso e com o pingente de prata em mãos.

— Esta não é uma missão de conquista. Confiem em mim. Eu sei o que fazer.

Falou ela, de forma misteriosa.

E foi exatamente assim que se deu, pois ninguém ousou desobedecer ela que, sem dúvidas, era uma conhecida navegante daqueles mares.

O Galeão de Atena ascendeu aos céus naquele ponto com Geist habilidosamente no leme procurando as maiores formações nubígenas para esconderem-se enquanto venciam as léguas marítimas pelo ar. Quando assomou-se no horizonte e na superfície da água a temida Ilha de Tortuga que Geist conhecia tão bem, ela ordenou que todos se colocassem em posição e apontou a proa para a água, descendo vertiginosamente em um mergulho impossível.

Quando o Galeão atingiu o mar, ele imediatamente afundou no oceano levantando uma imensa onda que, por instantes, escondeu o meteoro que havia atingido as águas repartindo o oceano ao meio. E assim como havia sido no Rio Negro, o mágico oricalco de Atena protegeu-os do afogamento criando uma bolha de ar enquanto estavam submersos. Mas feito um enorme-peixe predador, o Galeão de Atena surgiu pedaço por pedaço na superfície: primeiro os mastros emergiram rasgando o oceano enquanto a embarcação seguia veloz adiante, e logo então revelou as velas que, assim que tomaram a superfície, encheram-se feito pulmões e empurraram o navio ainda mais velozmente. E por fim emergiu todo o maravilhoso casco do Galeão de Atena que disparava na direção de uma formação rochosa.

Atrás deles já havia um escaler muito veloz em franca perseguição flanqueado por duas caravelas antigas e muito maiores e, portanto, mais lentas.

— Afastem-se das amuradas! — gritou Geist pelo navio.

Perto de seu posto, Seiya viu como ao lado dele uma bala de canhão levantou a água quase à sua altura. June subiu ao tombadilho para ver distante na popa o escaler que os perseguia; ouviu as trovoadas das saraivadas dos tiros que faziam zunir as balas de canhão ao lado deles. Uma dessas balas atravessou uma das velas e um quarto tiro finalmente atingiu o lado direito da amurada, explodindo a madeira para dentro do convés.

Geist habilmente ziguezagueava no oceano para tentar dificultar a vida daquele perseguidor, mas ao seu lado quicavam nas ondas formadas pelo Galeão lanchas velozes que, se não podiam fazer frente àquele portentoso casco antigo, ao menos impediam a manobra da Capitã. E as balas continuavam zunindo perigosamente por sobre a cabeça deles. Um dos mastros foi finalmente atingido, indo ao chão e dificultando as manobras da Capitã, fazendo o Galeão guinar perigosamente para a direita em alta velocidade.

— Estamos chegando, Capitã! — anunciou Lunara com o binóculo no olho e vendo a boca de uma caverna se aproximar rapidamente na formação rochosa adiante.

Geist parecia conter a força do navio nas próprias mãos e guinou tanto quanto podia o leme à esquerda para balancear o navio com um mastro a menos e adentrar a boca da enorme caverna. Uma caverna iluminada pelo dia, pois tinha muitas e muitas reentrâncias na pedra, certamente de batalhas antigas e imemoriais no mar.

— Não poderão nos atingir aqui dentro. — falou Geist para June, que estava mais próxima dela. — A caverna pode ruir e fechar o único caminho para Tortuga.

O que Geist não imaginava era até que ponto aqueles perseguidores estavam dispostos a proteger aquele forte esquecido; o Galeão de Atena foi atingido com violência à estibordo por uma fragata muito maior que ele, arremessando a tripulação pelo convés e lançando Geist contra a porta de sua própria cabine. A única sorte daquela tripulação foi que a caverna era menor que aparentava, de forma que o chacoalhão os lançou à esquerda do mar, mas ao invés de colidirem contra a parede enrugada da caverna, eles rasparam o casco no final dela e surgiram em um lindo atol represado por aquela formação rochosa onde tantos navios estavam ali à espera deles em um porto movimentado.

— Todos para as galerias! — gritou Geist para sua tripulação, que nem por um segundo esperou para obedecer àquela ordem. — Lunara, desça com eles! Seiya, proteja o navio!

— Sim, capitã! — disse ele.

E assim que virou-se para o lado onde o Galeão de Atena havia sido atingido, viu como cordas foram lançadas da fragata negra que assomava ao lado deles e homens e mulheres da mais variada sorte pularam para dentro do navio com seus mosquetes, cimitarras, espadins e todo tipo de tacape para tomar a tripulação de assalto. E se a princípio eles acharam que a tarefa seria facílima, dado que haviam apenas dois jovens no convés, aqueles piratas enganaram-se redondamente, pois nunca se ouviu falar de uma surra tão enorme como aquela que Seiya e June deram nos invasores do Galeão de Atena naquela tarde no Caribe.

Se os piratas do Caribe evitam contar essa história, por vergonha aos seus corsários que muito apanharam, por muitos anos depois em Rodório se contou como Seiya parecia voar com seu sobretudo escuro de detalhes vermelhos, desferindo socos poderosos e pontapés certeiros enquanto desviava de festins e espadachins; ou mesmo como o chicote vivo de June estalava à esquerda e à direita afastando, puxando e estrangulando seus opositores debaixo de seu sobretudo azul-marinho maravilhoso. Ambos não usavam suas Armaduras Sagradas e o espancamento somente se encerrou quando se ouviu uma voz de trovão soar do alto da fragata.

— Chega!

Seiya olhou para a fragata colada ao Galeão de Atena e viu uma figura enorme de pé na amurada do navio. Ele pulou e pousou à frente dele, afastando seus próprios homens e mulheres que manquitolavam tentando colocar-se novamente de pé. Aquele sim era um homem terrível, pensou Seiya. De compleição alta, corpulenta, ele tinha um chapéu preto de três pontas, cabelos ensebados e negros, bem como uma hirsuta barba trançada profundamente escura. O que o distinguia de tudo que Seiya já havia visto, no entanto, eram dois detalhes que nunca mais saíram de sua mente: os cabelos que caíam debaixo de seu chapéu pareciam ter as pontas em chamas, deixando escapar uma fumaça escura que dava à sua aparência um aspecto fantasmagórico.

E, no corpo, June não teve dúvida do que via: era uma Armadura. Uma proteção de um material diferente, mas todavia enegrecida pela noite. Claramente tinha melhor qualidade que as proteções improvisadas dos Cavaleiros Negros, pois tinha um brilho de ébano absolutamente maravilhoso.

Aquela figura imponente imediatamente encerrou a batalha no convés e sua voz de trovão chamou a eles todos.

— O que temos aqui não são simples trogloditas. Não, de jeito nenhum, meus bons desalmados. — ele caminhou na direção de Seiya, que estava em guarda. — Quem são vocês que perderão a vida por essa ousada invasão de Tortuga?

— Somos Cavaleiros de Atena! — bradou Seiya e o homem gargalhou. 

— Essa pulga é o capitão dessa pequena nave?

— Não! — falou Geist do tombadilho. — Aqui a Capitã sou eu.

O homem virou-se do convés para Geist, que tinha seus cabelos negros esvoaçantes pelo vento e o sobretudo lindo com detalhes em vermelho.

— E a quem devemos a honra dessa malfadada invasão? — perguntou o homem, debochado.

— Há quanto tempo, Barba-Negra de Ônix. — começou Geist, desenhando um misto de confusão no rosto do homem, que tinha os olhos delineados e era terrivelmente expressivo.

— E quem diabos é você, donzela?

Só então ocorreu à Geist que aquele sorriso cínico e velho de Barba-Negra era por ela nunca ter sido vista naquela região sem sua máscara. Ela deixou escapar seu próprio sorriso no rosto, que muito fez June e Seiya estranharem, e respondeu com a voz poderosa.

— Caveira-Geist.

Seiya viu ao seu lado como o rosto do Barba-Negra derreteu-se de sua aparente alegria cínica para um assombro total; as mechas que fumavam em seu cabelo ficaram ainda mais intensificadas enquanto ele próprio bateu uma palma sem poder acreditar no que via.

Caminhou alguns passos na direção da Capitã.

— Por mil demônios, é mesmo você, Geist? Mas pelos macacos do inferno!

Geist desceu as escadas do tombadilho até aquela figura enorme e o encarou. O Barba-Negra, de muito perto, parecia não acreditar que aquele era o rosto de menina que escondia-se debaixo da máscara tão temida.

— Saudades da máscara, Barba-Negra?

O enorme homem parou diante dela e sua face, agora surpresa, lentamente tingiu-se novamente de sarcasmo. Ele olhou para ela, para aquela dupla de guerreiros, para aquele pequeno Galeão sem um mastro e com o casco avariado e finalmente fez a pergunta.

— Então a Capitã Caveira abandonou sua ilha do Caribe para reaparecer aqui meses depois com um pequeno galeão desse para saquear Tortuga?  — e gargalhou sua risada áspera para todos ouvirem naquele navio e no seu próprio. — Será possível que a falta da máscara a enlouqueceu?

— Não vim saquear Tortuga. Vim fazer um depósito.

Os olhos do Barba-Negra pregaram-se nos de Geist e ele caminhou de um lado ao outro olhando os centímetros que tinha disponíveis para ver naquele Galeão, como se tentasse adivinhar o que havia ali de tão importante. Geist deixou desenhar em sua boca outro sorriso confiante que enervou o pirata sobremaneira; ele então cuspiu ao lado de Geist, tomado por uma repentina ira. Seus olhos estavam crispados, mas nem por um segundo Geist arredou o pé de sua postura.

— Nunca foi bom em esconder sua fúria, Barba-Negra. Não pode me fazer nada agora que estou nas águas de Tortuga. — disse ela, adivinhando as ideias de pilhagem do Barba-Negra.

O enorme homem então lançou um dedo em riste na direção de Geist e jurou:

— Sua invasão será lembrada. E se o Templo de Kalinago recusar esse seu tal depósito, pois então eu tomarei esse teu pequeno navio, o reduzirei à lenha de fogueira e você limpará o convés de minha fragata para sempre. Estamos entendidos?

Ela nada respondeu e o Barba-Negra bateu em retirada com seus homens e mulheres que haviam apanhado de Seiya e June; o Cavaleiro de Pégaso ainda teve tempo de encarar aquele gigante homem ameaçador sem temê-lo nem por um instante. Não trocaram palavra alguma e o Barba-Negra subiu em sua fragata e dirigiu-se ao porto. Estavam salvos graças àquele código de honra que existia entre os temíveis corsários do Caribe.

— E agora? — perguntou June à Capitã Geist, esbaforida no tombadilho.

— Agora navegamos até o porto e torcemos para o Templo de Kalinago aceitar meu tesouro.

Seiya e June entreolharam-se misteriosos enquanto a tripulação voltava aos poucos das galerias inferiores. Cada um tomou seu posto e, com muita dificuldade, o Galeão de Atena navegou as poucas léguas que separavam aquele ponto do atol em que batalharam contra a fragata do Barba-Negra até o porto movimentado de Tortuga.

Atracaram próximos e Geist desceu sozinha no barco-auxiliar sob protestos de toda sua tripulação, que teimava que era suicídio ela ir sozinha, ou mesmo partir sem sua Armadura de Prata.

— Não posso deixar que eles pensem que a Armadura é mais preciosa do que aquilo que eu tenho para eles. Há duas formas disso acabar: em paz ou em guerra. Preparem-se para a guerra.

Olhou então bravamente para sua tripulação e despediu-se.

— June, você tem o comando.

 

—/-

 

Geist caminhou entre os homens e mulheres terríveis do porto de Tortuga, um porto movimentado e quase perdido no tempo, habitado por saqueadores antigos e novos, assoladores da região do Caribe, por onde muitas rotas ainda atravessavam o Atlântico e milionários desfilavam seus modernos navios. O próprio porto era um grande portal do tempo em que antigos galeões remendados balançavam no mar juntos de iates e fragatas brancas e modernas roubadas por aí.

Se os barcos eram distintos, os saqueadores que os exibiam eram quase sempre muito parecidos: sujos, ébrios, chapeludos, histriônicos e por vezes divertidos. Geist de Argo caminhava entre eles escoltada pelo enorme Barba-Negra, que fazia abrir a urbe de corsários adiante deles, como um profeta; simplesmente todos davam espaço para que aquela procissão atravessasse na direção de um enorme casarão. A Taverna, dizia uma placa pela metade.

O recinto provavelmente teve algum nome mais eloquente, mas conta-se no porto que uma briga colossal iniciou-se nos bares e tomaram o porto ao ponto de Tortuga praticamente ser destruída pelos loucos inebriados. Quando passou o efeito do rum e os corpos desacordados espalhavam-se pela cidade, o dono do bar à época procurou entre os combalidos a outra metade da placa destruída e desistiu de encontrá-la, renomeando-a para sempre apenas de Taverna. E assim ficou.

— Onde pensa que vai? — perguntou o Barba-Negra ao ver que Geist desviava seus passos.

— Há amigos que quero rever.

A Taverna era mesmo uma taverna. A entrada já não tinha porta alguma para lhe fechar, pois a verdade era que estava sempre aberta e funcionando; haviam algumas mesas remendadas, sofás roubados e toda sorte de tapeçaria no chão e nas paredes. Um sem-número de boêmios, tantas jogatinas espalhadas, disputas de braço, garrafas quebrando ao fundo, homens e mulheres salientes aceitando dinheiro por prazeres. Geist caminhou pela confusão e aproximou-se do balcão onde dois homens estavam encostados: um franzino e outro mais forte.

— Achei que eu tinha deixado claro que era para terem ficado na ilha.

Os dois imediatamente colocaram-se de pé ao ver a garota ao lado deles, o semblante sério, o sobretudo desconhecido, mas o olhar inesquecível.

— Senhorita Geist! — surpreenderam-se os dois, jogando um copo cheio de rum do outro lado do balcão e endireitando-se perante ela.

Eram os guerreiros da Ilha da Caveira, sem suas proteções improvisadas, é claro. Seiya os reconheceria, se ali estivesse, como o Punho de Cavalo e o Cabeça-de-Medusa que haviam sequestrado o navio nuclear da Fundação Graad agora há tantos meses atrás. Pois, como se tratava de Tortuga, ali ninguém era conhecido por seu nome real, portanto era exatamente daquela forma que eram conhecidos ali também.

— À vontade. — falou ela. — O que fazem aqui?

Os dois entreolharam-se surpresos de vê-la naquele local e deixaram-se cair desanimados no banco em que sentavam.

— Os mares estão revoltos demais em toda essa região. Os navios abandonaram a rota.

— Não me admira Tortuga estar tão tensa. — adivinhou ela ao ver que a Taverna estava realmente muito acima de sua ocupação normal.

— Há muito pouco para muitos tantos. — falou Medusa do outro lado.

Ela os olhou proximamente e falou-lhes com calma.

— Os mares vão melhorar. — falou ela, mas o Punho de Cavalo falou sério com seu rosto afilado, o nariz adunco.

— Dizem que ao norte está impossível de navegar e que a tormenta logo chegará aqui.

— O norte é sempre impossível de navegar.

— Mas está pior. — tornou Medusa, do outro lado dela.

— Mas vai melhorar. — tornou ela a dizer, encarando os dois. — Voltem para a Ilha, o gigante deve estar com saudades de vocês. 

— O Roca ficou com eles. — falou o Punho de Cavalo. — Mas voltaremos, senhorita.

— Vamos. — ordenou o Barba-Negra, interrompendo os três ao notar que a movimentação da taverna começava a tornar-se um pouco mais estranha que o normal.

— Saiam daqui. — disse ela, confidenciando uma certa preocupação.

E então deixou seus antigos comparsas que entornaram uma última dose e realmente saíram da Taverna. Geist e Barba-Negra deixaram o lugar pelos fundos do bar e subiram algumas escadas laterais até uma marquise no segundo andar, guardada por dois sentinelas desfigurados pela vida: o primeiro lhe faltava um dos olhos e tinha o couro cabeludo queimado por qualquer desgraça, enquanto o segundo lhe faltava uma mão e, no lugar, havia pinçado uma lâmina enorme para ameaçar aqueles que se atreviam a chegar ali. Atrás de uma porta dupla atrás dos dois ficava o Templo de Kalinago.

Um nome pomposo demais para suas instalações toscas, e além daquela agourenta guarda, antes que entrassem no recinto, foram abordados por uma mulher corpulenta  que parecia os esperar ali. Tinha cabelos terrivelmente ruivos e sardas pelo rosto inteiro.

— Eu ia pegá-los, Barba. — falou ela com o enorme homem, um sotaque terrível.

— Tente acertar seus tiros da próxima vez, Capelli. — resmungou ele. — Não reconhece nossa prisioneira?

A mulher olhou para Geist e não a reconheceu; foi a voz trevosa do Barba-Negra que teve o prazer de revelar o segredo.

— Esta é Caveira-Geist.

A mulher olhou para o Barba-Negra confusa e então para Geist.

— Não preciso mais da máscara, Capellirossi de Rubi.

A mulher então desarmou toda sua compleição e tomou Geist pelos fortes braços, esmagando seus ossos em um abraço terno e forte.

— Eu quase te matei, desgraça! — falou ela.

— Nem perto disso, Capelli. — respondeu Geist.

— Chega de falatórios. O Templo de Kalinago te espera.

 

—/-

 

O Barba-Negra, muito ríspido, empurrou Geist para dentro da porta dupla daquele segundo andar da Taverna para dentro de um escritório empoeirado, abarrotado de quinquilharias e papelada; chamarem aquele almoxarifado de Templo de Kalinago dava bem a noção da ideia de grandeza que aqueles piratas tinham de si próprios.

Detrás de uma única mesa de mogno, muito bonita por sinal, sentado em uma poltrona afastada, com os pés sobre a mesa e um charuto gordo na boca estava um homem muito, mas muito velho. A pele toda sulcada pelo tempo, mas seus movimentos ainda ágeis como os de um garoto.

— Caveira-Geist. — falou ele, sem tirar o charuto da boca e exibindo um dos dentes de ouro que tinha na boca.

— Kai.

— Kai de Diamante. — corrigiu ele, com um dedo em riste.

O velho sorria. E então apontou o mesmo dedo por uma janela engordurada por onde entrava a luz da ilha.

— Aquele é um navio especial que você trouxe para nós.

— Seja esperto, Kai. — lembrou Geist.

— Não roube de outros piratas. — completou o velho o ditado de Tortuga. — É inteligente, Caveira-Geist, mas sua entrada ruidosa pode lhe causar problemas.

— Eu espero que isso recompense os estragos. — disse ela, exibindo um cilindro de ouro.

Kai endireitou-se na cadeira e tirou os pés da mesa, atraído como uma vespa pela luz com aquele cilindro que, de fato, luzia com o toque do sol que entrava pela janela.

— Sabe que gosto de ouro.

— Pois o ouro é o menos precioso desse tesouro.

— Tem minha atenção. — falou Kai.

— Leve-me ao Tesouro de Tortuga.

O velho pirata de Diamante então encarou Geist por alguns segundos antes de explodir na gargalhada, puxando o riso largado de Barba-Negra e Capellirossi às costas da jovem Capitã. Ao chacoalhar de graça em sua cadeira, a Cavaleira de Argo viu claramente por debaixo das vestes daquele velho homem a linda proteção de diamante que ele usava; mas ela não arredou o pé diante da histriônica gargalhada dos corsários e guardou o cilindro nas vestes.

— Tortuga anda mais cheia do que de costume. — falou ela, interrompendo o momento deles. — Você tem uma bomba-relógio em mãos, Kai de Diamante. É sagrado e um sacrilégio qualquer um saquear os Tesouros de Tortuga, que é o que nos mantém firmes pelos séculos. Mas se a fonte secar lá fora, não poderá manter aqueles loucos todos na Taverna longe dos seus cofres.

A risada foi aos poucos morrendo neles, soterrada pelo silêncio da verdade. Kai experimentou o amargor daquela fala e estalou a língua, em certo desagrado ao ter seus pensamentos mais íntimos descobertos. 

— Esta é a solução de seus problemas. — continuou Geist, confiante. — Os mares se acalmarão, Tortuga voltará ao normal, as rotas passarão novamente por aqui e o Tesouro de Tortuga será ainda mais valioso.

Kai apertou os olhos tentando adivinhar o que havia dentro daquele cilindro.

— O que há dentro do frasco?

Geist manteve-se séria.

— Leve-me ao Tesouro. — e Kai riu em deboche.

— Não chegará perto do Tesouro se não me disser o que tem dentro desse frasco.

Geist respirou fundo e confessou.

— O sangue de um Deus.

Um calafrio subiu pela espinha de Kai, e mesmo Barba-Negra e Capellirossi às costas entreolharam-se, confusos e maravilhados com aquela possibilidade. Lentamente o líder daquele Templo levantou-se de sua poltrona e caminhou como se andasse em um campo minado, cada passo lento e pensado até Geist.

— O sangue de um Deus? — perguntou Kai, como para se ter certeza.

Geist assentiu e Kai respirou fundo com os olhos pregados nos dela.

— Um Selo de Atena? — tentou ele, como se adivinhasse no escuro.

Geist calou-se e a tensão se instalou naquele almoxarifado de tal maneira que podia-se cortá-la com a faca que cada um deles trazia no coldre. Seu silêncio era a confirmação de que ela carregava, de fato, um Selo de Atena, ao que Kai imediatamente adivinhou todo o plano.

— Quer selar Poseidon. — falou ele.

E nesse instante, às costas de Geist, tanto Barba-Negra como Capellirossi imediatamente sacaram suas armas e apontaram para a jovem Capitã, que levantou brevemente os braços em sinal de paz. Kai, à sua frente, no entanto, pediu que os notórios piratas não fizessem nada estúpido.

— Não quero nenhum tiroteio em minha sala. — pediu ele. — Basta um tiro para essa ilha explodir.

As armas continuaram em riste.

— Não devemos mexer com Poseidon. — alertou Barba-Negra.

— E agora você é um Marina de Poseidon, Barba-Negra de Ônix?

— Mas Kai, os mares são nossos caminhos, não é prudente ofender o Deus dos Mares! 

— E desde quando somos prudentes, Capellirossi de Rubi? — bradou ele, e então voltou sua atenção para Geist. — Poseidon, Tangaroa, Zeus, Davy, a Companhia das Índias.

E gargalhou.

— Pouco me importa qualquer um deles. — ponderou o velho, puxando o ar fortemente com seu nariz acabado e enorme. — Você fede à santa, Caveira-Geist.

— Ela abandonou os Mares para voltar à Grécia. — fofocou Capellirossi às costas dela.

— Não havia sido banida por ter se unido a esses corsários terríveis? — perguntou Kai, abrindo os braços. — E não te aceitamos em nossa humilde ilha depois de ter sido expulsa?

— E agora eu trago a solução para seus problemas. — falou Geist.

— Não existe almoço de graça. — comentou Kai.

— Vai me garantir saída segura para o norte.

Todos ao redor dela riram.

— Está bem. — concordou Kai, no entanto.

— Kai! — bradou Barba-Negra.

— Ora, Barba-Negra, deixá-los partir em segurança para o norte é sentenciá-los à morte.

— Dezenas de mestres mais experientes que você naufragaram naquela região. É suicídio.

— É o meu preço. — e Geist tirou novamente o cilindro das vestes.

— Acalmem os dedos.

Finalmente as armas se abaixaram e voltaram aos coldres, enquanto Kai pisou duro entre eles para sair do Templo de Kalinago.

— Sigam-me, Capitães. Vamos depositar este Selo de Atena em nossos Tesouros.

 

—/-

 

Saíram daquele almoxarifado que chamavam de Templo e desceram escadas para o fundo daquela Taverna, onde misteriosamente não havia ninguém. Mas todas as brigas e discussões do bar simplesmente pararam quando viram aquele quarteto descer as proibidas escadas até aquele corredor. Kai tomou uma tocha que queimava em uma das paredes e à frente do grupo atravessou um corredor deserto onde, em seu final, havia uma única porta enorme. De madeira talhada com detalhes lindíssimos e oceânicos; uma maçaneta de bronze no formato de um corrupto do mar oblongo. O curioso e desconcertante é que a porta estava pregada no chão, como um enorme alçapão, como se o arquiteto daquela Taverna houvesse enlouquecido e, ao invés de instalar a porta na parede, a colocou no chão.

Kai mexeu dentro de seu sobretudo e retirou um molho de chaves de pelo menos uma dúzia delas; habilmente ele as combinou para que todas formassem uma única e enorme chave, como um quebra-cabeça de bronze. A chave entrava perfeitamente na tranca daquela porta do chão e todos escutaram o clangor do trinco se desfazendo.

— Barba.

Kai chamou pelo enorme homem que abaixou-se e puxou a porta com toda sua força, pois ela era de madeira antiga e maciça, portanto pesava terrivelmente. Abriu-se uma descida de escadas na pedra em que Kai tomou a dianteira até que surgissem em uma caverna muito escura.

Seguiram um caminho úmido até que o corredor escuro abriu-se para uma enorme caverna em que seus passos ecoavam terrivelmente; Kai encostou sua tocha em um archote à direita deles e os piratas viram com assombro como, correndo pela parede, um facho de fogo iluminou vários outros archotes que acenderam-se magicamente na caverna para revelar um monte dourado formado por toda sorte de moedas, berloques, pedras preciosas, cálices e taças, tapeçarias e tudo que fosse precioso.

Alguém mais supersticioso acharia que um dragão morasse ali, mas era a forma com que Tortuga escondia seus mais preciosos tesouros. 

Seguiram Kai para adiante na caverna, atravessaram um vale muito raso de água que corria e então seguiram por uma trilha até uma porta de ouro que havia na base daquela montanha de tesouros. Geist podia sentir um Cosmo sutil, mas inconfundível naquele lugar: era a presença de Poseidon.

A porta não estava trancada e, quando entraram, a luz que entrou do lado de fora refletiu nos metais preciosos e iluminou absolutamente toda aquela câmara fechada. No centro dela, sob um pedestal marcado com um tridente, havia um cálice de ouro.

— É hora de fazer o seu depósito, Caveira-Geist. — falou Kai para ela. — Nós, capitães dos mares, seremos suas testemunhas e buscaremos sua alma se a sua missão falhar.

Ela caminhou sozinha, retirou o Selo de Atena e o colocou dentro do cálice, que ressoou brevemente, e então a presença de Poseidon naquele lugar amainou-se, apagando todas as tochas da caverna, sobrando apenas aquela que Kai carregava.

— Está feito. — comentou Geist para eles e então baixo apenas para ela. — Falta apenas uma Relíquia.


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Notas finais do capítulo

SOBRE O CAPÍTULO: Ahh, os Piratas do Caribe. =) Bom, Saint Seiya nos deu uma pirata do Caribe na figura de Geist. Ela é uma personagem que toma inspiração nas Mil e Uma Noites, então assumi que ela era muito versada. E era sedutor demais para ignorar fazer com que os piratas fossem uma das civilizações que Poseidon protegia e usar Geist para que Saint Seiya se metesse nesse mundo divertido.

PRÓXIMO CAPÍTULO: VULTOS MISTERIOSOS

Tanto no Santuário como no Galeão, estranhas sombras causam um pandemônio nas linhas de Atena. Mistérios à frente.



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