About Storms escrita por Lady Íris


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/800464/chapter/1

1-

A primeira tempestade que Meguni presenciou foi quando ele ainda era pouco mais que um bebê. Ele não deveria lembrar, considerando o quão pequeno ele era, as memórias de infância sempre foram coisas nebulosas que se emaranhavam na parte detrás da sua cabeça em uma massa amorfa, mas, por algum motivo, daquela noite de março ele lembrava.

A chuva torrencial tamborilando no teto, o barulho estrondoso dos trovões, raios como flechas furiosas de Deus refletindo-se luminosos e terríveis pelas janelas por segundos de enorme clarão.

Megumi se lembrava de chorar e seus gritos serem abafados pelo barulho e, por isso, chorar mais ainda.

Tudo era muito grande, muito alto, muito claro, muito assustador e não importava o quanto ele se escondia debaixo das cobertas e travesseiros, ele continuava se sentindo como se fosse despedaçar em milhões de pedaços a qualquer momento. Ele se sentia sozinho e cheio de montanhas. Precipícios e cacos de vidro e chumbo com mercúrio na língua.

Ele chorou até sua voz sumir e quando isso aconteceu, ele chorou em silêncio até suas lágrimas secarem.

A tempestade rugia, selvagem e colérica, do lado de fora e Megumi tremia, tremia, tremia...

Aquela foi a primeira tempestade de muitas. O primeiro colapso de muitos.

Megumi, até hoje, não gostava de tempestades.

2-

Gojo era imaturo, irresponsável e, na maior parte do tempo, parecia possuir apenas um neurônio que frequentemente fazia pausas para fumar. Megumi sabia disso mesmo na tenra idade de seis anos, quando foi conferido à tutela inconstante do homem e começou a se questionar se iria mesmo sobreviver até a adolescência.

Megumi não era uma criança exigente e sabia disso. Ele mal falava, mal comia e mal reclamava. Um menino perfeito, esculpido pelo silêncio e cautela, dedos trêmulos demais para serem rebeldes, olhos assustados demais para representar um desafio.

Crianças são para ser vistas, não ouvidas e Megumi era um boneco de porcelana perfeito para a grande gama dos adultos que conheceu. Os homens altos e sérios com olhos febris que falaram que ele devia ser deles, que eles podiam tê-lo comprado pareciam contentes com sua mudez e quietude e por isso, mesmo quando ele acabou na casa de Satoru, não fez questão de tentar ser algo diferente disso.

Mesmo assim, ainda era uma surpresa quando Gojo agia diferente do esperado tão distante daqueles outros adultos que o olhavam como se fosse uma mercadoria a ser barganhada.

As mãos do homem eram sempre as mais suaves quando o pegavam nos braços, a destra embalando a curva da sua coluna e a canhota segurando com cuidado a sua nuca, como se ele ainda fosse uma criança muito pequena ou um bebê de colo, como se um movimento muito brusco pudesse o machucar para sempre.

Mas Megumi não reclamava disso, era sempre assim em noites de tempestades.

Gojo iria sentar-se em sua poltrona, aquela que ficava de frente as janelas e aninhar em seu colo, próximo o suficiente para Megumi sentir o cheiro doce de baunilha, alcaçuz e açúcar de confeiteiro. Gojo sempre cheirava como uma loja de doces ambulante e o menino não podia se importar menos. Era um aroma suave e confortável que não o incomodava. Familiar como deitar numa cama macia e quente.

A chuva escorrendo pelo vidro, o barulho dos trovões e a luminosidade dos raios eram mais fáceis de enfrentar quando ele estava tão perto de alguém assim.

Os dedos do homem deslizaram pelo emaranhado escuro que era seu cabelo, as unhas rombas roçando seu couro cabeludo num movimento fácil e constante. Previsível. Reconfortante. Megumi gostava de coisas que tinham padrões que ele conseguia ver e entender.

O garoto apertou o tecido do yukata verde nas mãos. Gojo sempre usava aqueles quando estava tarde e queria relaxar um pouco, era macio e flexível contra seus dedos quase do mesmo jeito que o azul que usava no momento. Espiou os dedos curiosos em cima do obi branco, onde havia uma pequena abertura, apenas o suficiente para ele enfiar a mão.

A batida do coração do homem na sua palma também tinha um ritmo. Era constante. Era um padrão. Era bom.

Gojo cantarolou baixinho, os olhos azuis descobertos que antes fitavam a tempestade do lado de fora, abaixando-se para encontrar os dele.

—Quando eu tinha a sua idade, as tempestades também me assustavam muito sabia?- Comentou baixinho, como se confessasse um segredo- Eu passava horas chorando no meu futon, tremendo de medo.

Megumi conseguia imaginar. Ele havia feito o mesmo múltiplas vezes.

—Você sabe o que faziam para criar bebês na Grécia, Megumi-chan? Aqueles em específico que deviam ser soldados?

Megumi negou com um suave meneio da cabeça.

Gojo abriu um sorriso para ele. Miúdo e muito triste. Cheio de bordas.

—Quando o bebê começava a chorar, você não deveria ir para o quarto o confortar. Se deixava o menino chorar por horas e horas e horas- Gojo segurou seu rosto entre os dedos muito cuidadoso, muito suaves, muito hesitantes- Assim se criavavam soldados fortes e capazes, Megumi-chan, com forças de vontade de ferro.

O polegar do homem acariciou sua bochecha uma, duas vezes, como se ele fosse algo imensamente precioso.

— Eu vou criar você para ser fraco- Murmurou como se não fosse para ele ouvir- Tudo bem com isso?

O garoto não sentiu como se fosse uma pergunta para ele, só imaginava que havia alguma entrelinha que não conseguia ler. Uma pergunta ou segredo que estava sendo dito e que ele ainda não conseguia ouvir.

Porém, o cheiro de doces e o barulho da chuva se acalmando eram ternos demais. Ele estava aquecido e confortável.

Megumi conteve um bocejo.

— Eu quero dormir- Resmungou, o timbre frágil puxando a manga do yukata de Gojo- Pode voltar a fazer carinho?

A expressão do homem se suavizou lentamente e ele se inclinou, depositando um beijo suave na sua fronte, como sempre fazia quando ele começava a cochilar.

—Claro que sim, Megumi-chan, por favor, durma um pouco – E os dedos voltaram ao seu trabalho constante em seu cabelo. O roçar vagaroso, porém calmamente.

A tempestade era um barulho de fundo.

3-

Ele já era um adulto.

Bem, quase um adulto.

Concedido! Ele era um adolescente, mas mesmo assim não deixava de não ser uma desculpa.

Com 15 anos ele já devia ser velho o suficiente para parar de se assustar com raios, trovões e coisas do tipo. Era só chuva do lado de fora. Chuva barulhenta e luminosa, mas apenas chuva no final das contas. Nada para temer quando ele estava protegido nos dormitórios, nenhuma gota de água aparente.

Ele também podia sair da sala e tentar dormir, mas ele tinha a sutil sensação que não ser capaz de ver ninguém nas suas proximidades só o deixaria mais ansioso. Não que ele já não estivesse tentando não pular ao som dos trovões ou dos clarões repentinos, mas mesmo assim...

Até Yuuji, que tinha a percepção sensorial de uma porta, havia começado a perguntar se ele estava bem e ele conseguia ver os olhares preocupados que estavam sendo lançados a ele da cozinha junto com Nobara.

Gojo tinha entrado lá também há alguns minutos e Megumi fingia que não estava a mais dois pequenos trovões de ir para lá também e mendigar alguns minutos de atenção. Talvez até um calmante para ele ser derrubado até o amanhecer e não ter que passar pela experiência de esfrangalhar seus nervos.

—Aqui!

Megumi se encolheu num susto, subitamente ancorado na realidade e não na sua espiral mental.

Gojo estava inclinando-se perto dele, estendendo uma xícara fumegante cheia de um líquido esbranquiçado e pastoso.

Isso era...

—Leite queimado, com mel e canela- Gojo forneceu alegremente com um sorriso estampado no rosto- Você ainda gosta disso, não tente esconder.

Megumi sentiu o rubor subir a face, desviando o olhar com uma bufadela mau humorada.

Era uma bebida de dias frios e vivendo com uma pessoa tão amplamente viciada em açúcar não era surpresa que ele também tivesse adquirido pelo menos uma bebida exageradamente doce como seu prazer culposo.

Também era sua bebida de conforto para quando ele não estava se sentindo bem.

Como agora.

Megumi suspirou, pegando a xícara entre dos dedos. Quente, mas não o suficiente para queimar seus dedos. Gojo provavelmente tinha resfriado as xícaras como sempre fazia quando o dava algo para beber, como se ele fosse frágil demais para suportar uma leve alteração de temperatura.

Sempre foi assim desde quando ele era criança.

—Obrigado- Resmungou a contra gosto, sem olhar para o homem, encarando o vapor saindo do líquido.

—Beba, você vai se sentir melhor depois- Gojo sentou-se ao seu lado, cruzando as pernas- Vai te acalmar um pouco.

— Eu não preciso me acalmar- Mentiu, bebericando o leite. Estava quente e muito, muito doce, quase enjoativo apesar do sabor da canela. Perfeito.

—É uma tempestade feia essa, não tem problema se sentir um pouco inquieto, Megumi-chan- Gojo bagunçou seu cabelo, o gesto mais suave do que se poderia imaginar- Você pode ir para meu quarto hoje se achar que não vai conseguir dormir bem, ok?

O rapaz revirou os olhos, estremecendo com o barulho alto e repentino de um trovão ao longe. Os dedos apertando a cerâmica morna nas suas mãos, nervosos.

Gojo franziu as sobrancelhas e apesar da venda, Megumi sabia que seus olhos estavam estreitos de preocupação também.

Tomou mais um longo gole. O calor era bom, pelo menos, apesar de ele ainda estar um feixe de energia nervosa. A chuva estava apenas aumentando, sem sinal de trégua.

Gojo se inclinou, suspirando, um braço se envolvendo ao redor dos seus ombros, o puxando para mais perto até estarem quase colados um do lado do outro. Beijou suavemente sua têmpora e Megumi emitiu um ruído de desagrado, mesmo que não se sentisse particularmente descontente.

Mas Nobara e Yuuji ainda estavam observando e ele tinha uma reputação a manter.

—Termine sua bebida, depois vamos para cama, tudo bem?- Murmurou baixo, apenas para ele escutar- Eu vou até deixar você colocar um dos seus pulguentos em cima dos lençóis.

—Eles não tem pulgas- Bufou, revirando os olhos, mas se recostando um pouco mais contra o homem. Ele ainda era pequeno o suficiente, pelo menos por comparação, para se encaixar debaixo do seu queixo- Você tem mais chance de ter pulgas que eles.

—Que coisa feia de falar para seu pai, Megumi-chan-Gojo balançou a cabeça, em negação- E depois de eu ser tão gentil com você.

Megumi desviou o olhar, repentinamente envergonhado.

Pai.

Ele tinha começado em algum momento após seu aniversário de sete anos. Não houve grandes revelações ou confissões ou lágrimas ou choros.

Ele chamou. Gojo aceitou. Era o que era, mas as vezes ele ainda se sentia esquisito e estranhamente confortado com essa perspectiva.

Provavelmente ele era alérgico a sentimentos.

Ele terminou a xícara com mais algumas séries de goles longos e satisfeitos. O sabor persistente do açúcar na língua e no céu da boca junto com o calor suave nas mãos e no estômago, o aterrando ali, apesar da tempestade que corria solta por Tóquio. Havia também o calor familiar do braço pesando contra seus ombros, o cheiro de confeitarias, bolos e glacê que acompanhava Satoru onde quer que ele fosse. Familiar. Constante.

Ele sentiu os olhos pesarem, sem querer. Era cedo demais para ele começar a se sentir sonolento, mas o bocejo que se obrigou a conter o provou o contrário.

—Sono?- Gojo tirou a xícara das suas mãos, colocando na mesinha próxima do sofá- Não faz mal, você precisa mesmo descansar.

Megumi inclinou a cabeça contra o peito dele, enterrando o nariz na dobra da clavícula do mais velho, apertando os dedos reflexivamente em sua camisa. Os olhos se fechando sem sua permissão.

Havia qualquer coisa em uma xícara de leite queimado com canela e abraços que automaticamente o faziam querer se enrolar numa bola e dormir.

Gojo riu baixinho e Megumi mais sentiu o som retumbar no seu esterno que ouviu ressoar.

—Tudo bem, levante agora, vamos para cama- Balançou suvamente seu ombro, sendo recompensado com um pequeno resmungo-Nah, Megumi-chan, você não pode dormir no sofá.

—Por que não?

—Porque não- Respondeu calmamente, afastando alguns fios rebeldes do seu rosto- Vamos para o quarto agora, antes que você desmaie aqui.

Megumi considerou por sólidos dois minutos apenas estender os braços num mudo pedido para ser carregado, como a criança mimada que ele tinha sido e, em alguns aspectos, ainda era, antes de dispensar a ideia.

Gojo não deixaria ele esquecer isso nunca mais.

Todavia, ele ainda tinha uma potente arma secreta que ainda sim realizava suas vontades.

Abriu um dos seus olhos, levemente vidrados pela perspectiva de um longo cochilo, e olhou para o homem por debaixo dos cílios. Um levo beicinho se insinuando nos lábios.

—Papai, por favor?

Megumi conteve o sorriso, assistindo o homem desmontar bem diante dos seus olhos e aceitando o aperto nas suas bochechas levemente coradas de bom grado.

Gojo arrulhou baixinho para ele, beijando sua testa com carinho.

—Você me tem enrolado no seu dedo mindinho e sabe disso, não é?- O homem suspirou dramaticamente, puxando-o para os seus braços como se ele não fosse mais pesado que uma pena- Vamos dormir então, filhote.

Gojo levantou com ele nos braços e Megumi divagou vagamente se o homem era realmente tão forte ou estava usando algum feitiço para auxiliar o movimento. Ele não era tão leve assim.

O caminho até o quarto, pelo menos, não era longo. Apenas alguns degraus acima da sala de estar e dobrando a primeira esquerda.

Megumi estava acostumado com isso, tendo feito o mesmo trajeto desde que era apenas um garotinho tímido e muito apático para seu próprio bem.

Era um quarto grande e até hoje Megumi achava uma completa injustiça que ele estivesse relegado à uma cama de solteiro, enquanto Gojo possuía um king-size na qual mal dormia.

Satoru o depositou nos lençóis escuros com cuidado.

Sempre o mesmo cuidado desde quando ele só tinha seis anos, como se não tivesse envelhecido um dia.

Eu vou te criar para ser fraco.

Parecia levemente maldoso na época, mas agora era mais como:

Eu vou te criar com amor.

Gojo puxou as cobertas para cima, cobrindo-o. Os lençóis estavam impregnados com o cheiro doce, mas ali era mais profundo com notas mais características que fizeram parte da sua infância inteira. Megumo pressionou o nariz ali com força.

À esse ponto, ele provavelmente havia dormido mais vezes na cama do seu pai do que na sua e não se arrependia, apesar de à medida que os anos passassem, ele ter começado a se perguntar quando exatamente ele deveria ter parado. Ou se algum dia ele iria. Ou se pela primeira vez na vida Gojo Satoru iria estabelecer limites parentais e o expulsar dali em alguma noite aleatória.

Gojo sentou-se na cama, afofando alguns travesseiros em que ele estava apoiado.

—Quando eu peguei você, sempre me disseram para não deixar você dormir na minha cama- Comentou, como se lesse seus pensamentos- Porque você iria se acostumar e então eu teria um adolescente que não vai sair dos meus travesseiros como se isso fosse um grande, grande problema, sabe?

Gojo riu baixinho, como se fosse uma piada que só eles dois entendiam.

— Como se não houvesse algo de errado de permitir que uma criança recorra à você quando está assustada ou nervosa- Gojo bagunçou os cabelos dele-Eu prefiro que você nunca durma fora da minha cama à que passe uma noite sequer com medo, Megumi-chan, sabe disso não é?

Megumi mordeu o lábio, se remexendo nos lençóis , escondendo o rosto nos travesseiros macios.

—Sei, pai- Murmurou quase inaudível, apertando os dedos nos lençóis- Você vai dormir agora, comigo?

— Ainda não, mas vou ficar aqui com você- Gojo levantou-se com um último afagar nos seus cabelos- A não ser que você queira uma companhia mais próxima?

—Nah- Megumi bocejou longamente- Mas você pode tocar para mim?

Satoru abriu um sorrisinho, assentindo, enquanto se dirigia para a cômoda onde guardava o estojo do violino. Era uma peça bonita que esteve presente em todos os momentos da infância de Megumi. A madeira era branca como neve, contrastava com o arco escuro e as cordas.

—O que você quer que eu toque?- Perguntou, abrindo o estojo e tirando o instrumento- Algo clássico?

—Algo fácil- Pediu, semicerrando os olhos, ele não achava que ia ficar muito tempo concentrado no som antes de dormir.

Gojo jogou-se na cadeira próxima a cama, a postura relaxada que enfartaria qualquer violinista, e recostou o violino debaixo do queixo, posicionando o arco nas cordas e começando a tocar.

Megumi bufou sonoramente, ouvindo as notas familiares de Brilha, Brilha, Estrelinha encherem o quarto.

Era bom assim, quase não dava para escutar a chuva ou os trovões. As cortinas fechadas ocultando o brilho dos raios, trazendo uma meia luz confortável para os seus olhos que pesavam mais a cada segundo.

Afundou o nariz mais nos lençóis, aspirando o cheiro familiar, os músculos relaxando no colchão.

 Com a tempestade como nada mais que um barulho de fundo, insignificante, Megumi dormiu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que você tenha gostado dessa história! Se sim, por favor comente e me deixe saber se gostaria de ler mais sobre isso.
E se você gostou desse tipo de temática, provavelmente vai gostar de Milk and Honey e Blue Days, também escritas por mim, abordando esse mesmo tipo de enredo gostoso de ler em jjk.

Repetindo: comentários são muito bem-vindos!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "About Storms" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.