Angie escrita por Hamal, Rosenrot, Ivi


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos leitores.
Hoje é aniversário da nossa italiana linda, franjuda e brava. Sim, hoje é aniversário da Geisty, e em comemoração a essa data tem uma oneshot de presente para vocês, só que com uma resolva: ela é um spin-off de Templo das Bacantes. Digamos que é um fato interessante sobre o passado de Geisty mas que não coube por na linha cronológica das postagens dos capítulos, mas ela faz parte do enredo, é um extra. E o mais gostoso é que tem a participação especial de alguns personagens queridos por nós.
Boa leitura queridos e divirtam-se.
Beijos, Trio Ternura.

ps.: A capa linda, diva e perfeita é obra da Rosenrot. Essas duas estão umas gostosas, só digo isso.



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Santuário de Atena, Vila das amazonas, 02 de Abril de 1989 - 07:10pm.

Dentro do quarto simples, as janelas cerradas prendiam o aroma do perfume de jasmim que tomava o ambiente, e os olhos que transbordavam alegria miravam o reflexo no espelho. Os dias de brutalidade, dor e esforço pareciam ter sido deixados para trás; diante dela, apenas existia a alegria delineada no sorriso estampado do rosto maquiado em seu pleno resplendor juvenil. Sim, suas formas eram de uma adolescente, assim como sua voz e até mesmo as roupas, mas não era sempre assim. Naquele dia a vida permitia-lhe vivenciar a sua adolescência sem a responsabilidade de viver e morrer para salvar o mundo de deuses cruéis; estaria, sim, em meio a jovens que estavam dispostos a entregarem-se até a exaustão, porém não em busca de força e poder, mas apenas para celebrar as alegrias e delícias que só a juventude poderia proporcionar.

Pelo menos por um dia ela teria o privilégio de viver seus dezesseis anos, e nesse único dia não se privaria de ser feliz; ainda que a felicidade, naquele momento, se resumisse a dois pequenos pedaços de papel dourado que eram sacudidos no ar por Shina, onde se lia: Estádio Panatenaico, Rolling Stones — 19H.

***

Mal pudera acreditar na notícia, há seis meses, que o show de sua banda preferida aconteceria em Atenas, e justo no dia de seu aniversário de dezesseis anos. Era muita sorte para a amazona de poucos anseios na vida além do serviço dedicado à deusa Atena. Por isso mesmo não pensou duas vezes em levantar o dinheiro para ir ao evento, economizando durante meses seu suado soldo minguado de amazona de prata.

Dar-se-ia esse presente!

Já quanto à autorização do Patriarca...

Bem, essa ela nem sequer cogitou pedir, pois que sabia a resposta; sabia das normas do Santuário e sabia até do castigo por sair sem autorização, porém o amor de tiete gritou mais alto que a razão. Então, em um dia como outro qualquer ela saiu com a desculpa de fazer compras de suprimentos para abastecer a vila das amazonas, mas no trajeto desviou de sua rota e partiu para o centro de Atenas onde comprou dois ingressos para show. Sim, dois, porque nada mais justo do que levar a melhor amiga e também aniversariante na mesma semana. Mesmo Ofiúco não tendo o amor incondicional pela banda como ela tinha, a jovem amazona era uma fã de respeito, e sua companhia nesse momento mágico de sua vida seria muito bem-vinda.

 ***

De volta ao presente, no quarto da amazona, Shina, agora finalmente pronta, abraçando os ombros da amiga a tirava de seu devaneio:

Você está gata! — disse a jovem de cabelos verdes volumosos trabalhado no laquê e dividindo o reflexo no espelho.

Você acha? Eu me sinto estranha, nem consigo me reconhecer assim.

Ela estava visivelmente afoita, porém com um sorriso imenso no rosto muito bem maquiado em tons escuros. Passava as mãos de dedos finos e longos pela blusa cropped cinza, estampada com a boca vermelha símbolo da banda, a fim de ajeita-la.

Ai, Geisty, pelo amor de Atena, né? Você se reconhece como? Quando está de máscara, com o cabelo todo embaraçado e ralada de areia? — Antes que a morena pudesse retrucar Shina continuou: — Tá linda! Nada que um rouge, uma mini saia com meia arrastão e um laque no topete não deem conta. Você vai arrasar, todos os carinhas vão ficar vidrados nessas suas pernas e nesse decotão lindo.

Carinhas? Que carinhas, Shina? Ficou doida? — Indignada Serpente pegou das mãos de Ofiúco os dois convites enquanto esta reparava em seu próprio reflexo, conferindo o batom vermelho e o volume de suas madeixas verdes.

Ah, e você acha mesmo que eu vou em um show só pra ouvir música, e que não vou aproveitar um pouquinho que seja dos gatinhos que vão ter por lá? Acha!

Ué, achava, né! Mas agora esse seu vestido indecente faz todo o sentido — disse pondo as mãos na cintura.

Acha porque você é uma trouxa! E não venha falar como o velhote do Shion, não, tá? Assuma seus dezesseis anos e aproveite a vida, porque eu hoje vou me esbaldar. E não é todo dia que a gente pode se dar o luxo de uma graça dessas. Vai, toma. Põe essa jaqueta de couro e esconde um pouco desses braços aí, senão os caras vão até ficar com medo de chegar perto de você e tomar um murro no meio da cara — disse pegando a peça em cima da cama e atirando para a amiga.

Eu não quero que nenhum cara chegue em mim mesmo, eu só quero assistir ao show. Não estou indo lá para paquerar!

Shina soltou uma gargalhada divertida

Ahan... sei, vou fingir que acredito. Até o primeiro gatinho chegar no pé do seu ouvido e falar “Oi gata, qual seu nome?”

Hmmm — resmungou Geisty enquanto vestia a jaqueta — Vamos, anda, já estamos muito atrasadas e a abertura do show vai ser daquele loiro bonitão da bunda empinada.

AHHH eu adoro ele, como é mesmo o nome dele? Esqueci. Ah, lembrei: Axel, né? Será que eu consigo entrar no camarim dele?

Credo! E perder a apresentação do Rolling Stones, sua louca?

Ah, o Mick Jagger que me perdoe, mas aquele pedaço de mal caminho loiro não se dispensa... Mas me diga, como estou?

Geisty correu os olhos pelo visual da amiga. Shina era o exemplo da extravagância sensual. A maquiagem era carregada e a boca pintada em um escandaloso vermelho bombeiro, que apesar de deixar a mocinha bonita não conseguia convencer que ela já havia passado da adolescência. E a roupa escolhida por ela seguia o mesmo conceito: Um vestido de vinil preto frente única, justo ao corpo e bem curto... muito mais curto do que deveria ser.

Está vulgar. Do jeito que você gosta— Geisty deu uma risada divertida com a alfinetada que dera na amiga.

Vulgar? Eu estou é sensual... Gostosa!— disse Shina estufando o peito e lançando olhar desdenhoso.

Então? Foi o que eu disse! Anda, sua depravada taradona, vamos logo... e nem ouse me deixar sozinha nesse show, heim. Foram muito caras essas entradas, gastei meu soldo dos últimos seis meses para comprar — disse a morena já tratando de pegar na mão da amiga e a puxando.

Sorrateiras, e com a cumplicidade do sol que já se deitara no horizonte, as duas adolescentes pularam sem dificuldades o muro limítrofe do Santuário próximo à área das amazonas e ganharam o mundo. Em pouco mais de uma hora chegaram à arena do show, no milenar estádio de atletismo construído todo em mármore branco e que fora dedicado em honra à deusa Atena, localizado no bairro de Pankrati da capital Atenas, onde uma multidão se espremia para conseguir ficar mais próximo do palco e ver mais de perto seus ídolos.

O falatório intenso estancou assim que as luzes do estádio se apagaram, fazendo Geisty deter-se. Imediatamente, do palco rojões incandescentes foram lançados e os primeiros acordes de I can´t get no Satisfaction foram entoados, se espalhando em meio à escuridão e fazendo brotar um urro vibrante da multidão em polvorosa, que pela canção que mal se iniciara já pulava no mesmo ritmo.

A jovem amazona de Serpente sentiu todos os seus pelos se arrepiarem; mal sentia o chão sob seus pés e seu coração falhou uma batida. Estava numa espécie de animação suspensa em que toda aquela energia a sua volta corria pelo seu corpo de forma intensa e agitada. Até que no palco surgiu o vocalista da banda e a morena agarrou com força o braço de Shina que estava ao seu lado e lhe olhou sorrindo.

Quando a voz inconfundível de Mick Jagger entoou o primeiro verso da canção Geisty explodiu toda aquela energia que corria em si, a liberando em um grito potente.

— AHH! SATISFACTION! – pulava alto e vibrando enquanto se apoiava vez ou outra no ombro da amiga, que pulava junto em empolgação.

Naquele momento, Geisty vivia um dos seus maiores desejos do alto de seus dezesseis anos sem muitas perspectivas, presenciava ao vivo um show dos Rolling Stones.

Era um sonho que se tornava realidade.

***

Santuário de Atena, 09:45pm.

Enquanto isso, no Décimo Terceiro Templo o Patriarca aguardava ansioso o retorno do mensageiro que enviara até à Vila das amazonas para buscar Geisty e trazê-la à sua presença.

Shion tamborilava os dedos no braço de sua poltrona quando o mensageiro retornou, então logo ele percebeu que algo estava errado, pois este regressara sozinho.

— Onde está a amazona de Serpente? Eu não ordenei que a trouxesse até mim? — questionou assim que o servo se prostrou diante dele; sua voz soando firme por baixo do elmo de bronze.

— Meu Patriarca, não consegui encontra-la.

— Como não? Há essa hora ela já deveria ter concluído seu treino diário. Você verificou nos refeitórios? Ela não está em nenhum deles?

— Não senhor. Procurei por toda a vila das amazonas, por todo o Santuário e nada. Foi então que fui atrás de Ofiúco, pois sempre estão juntas em treinamento, mas também não a encontrei.

O Patriarca ficou em silêncio ponderando por alguns instantes o que poderia estar acontecendo. Não era comum o desaparecimento de ambas, Shina talvez, mas não Geisty, pois a mais velha era muito responsável com seus deveres.

— Obrigado por seus serviços. Está dispensado. — Shion acenou para que o mensageiro se retirasse e de pronto este o fez.

O Grande Mestre estava decidido a encontrar a jovem, pois sentia-se particularmente responsável pelo bem estar de Serpente. Por isso se levantou, retirou o elmo e a máscara e resolveu ir ele mesmo até o alojamento feminino. Todos seus sentidos extras lhe diziam que algo não estava certo.

Dispensando os guardas pessoais, Shion então rumou apressado até a vila das amazonas, enquanto pelo caminho tentava detectar o Cosmo de ambas as adolescentes, mas falhando em todas as tentativas.

Depois de procurar por todo o Santuário e pela vila feminina, só restava a ele procurar pistas do paradeiro das meninas na casa de ambas as adolescentes. Foi primeiro na de Geisty.

Assim que abriu a porta da casa, o cheiro do perfume socou suas narinas; ele correu os olhos por todo o lugar e os cravou numa pilha de roupas jogadas no chão do quarto que tinha a porta aberta. A passos lentos se aproximou e percebeu, ao pegar algumas delas com os dedos, que eram todas roupas civis. — Elas saíram? — questionou, não levando a sério a hipótese, pois Geisty nunca saía do Santuário sem sua autorização prévia.

Mas Shion mudou de ideia assim que avistou a máscara de ambas as amazonas jogadas de qualquer jeito em cima da velha cômoda de carvalho. Imediatamente caminhou até elas e as apanhou.

Amazonas não deveriam jamais ficar sem máscaras em público. Juntar as pistas foi fácil, era por isso que não as encontrara no Santuário, as duas haviam fugido do campo das amazonas disfarçadas de civis.

Imediatamente o Patriarca se enfureceu. Precisava encontra-las, então fechou os olhos, concentrou-se e elevou seu Cosmo liberando-o em pulsos por toda a região, o expandindo a cada novo pulsar até que finalmente detectou o Cosmo fraco das duas no centro da capital Atenas.

Shion não pensou duas vezes. Franziu a testa e teleportou-se para o local instantaneamente.

Assim que seu corpo se materializou onde havia sentido as duas garotas, seus sentidos foram atingidos em cheio pela algazarra; estava rodeado de jovens que não paravam de pular e gritar, com uma música altíssima, e conhecida, tocando e um cheiro muito forte de drogas ilícitas e de suor no ar. Não sabia definir se estava mais preocupado pelo que podia sentir ao seu redor ou pelo que só ele podia ver com seus olhos muvianos: as auras acesas e incandescentes em vermelho vivo de alguns.

Sua figura destoou imediatamente do lugar, afinal era um homem velho, alto e grisalho usando um manto branco enorme. As pessoas se assustaram e muitos acharam que aquela visão era efeito dos muitos entorpecentes que circulavam por ali.

Ao notar que estava em um festival mundano de rock, Shion enfureceu-se tanto que quase quebrou as duas máscaras que trazia em suas mãos apenas com a força de seus dedos.

Com olhos ágeis como os de um falcão, logo o Patriarca avistou as duas amazonas fujonas.

Felizes elas dançavam, pulavam e cantavam aos berros; Ofiúco dançava abraçada a um homem, esfregando seu corpo esguio ao dele enquanto jogava a cabeça para trás parecendo inebriada pela fumaça do cigarro de conteúdo duvidoso que estava entre os dedos dele. Em uma das mãos ela tinha um copo que Shion não saberia dizer qual o conteúdo, mas que sentia arrepios só em pensar no que poderia ser. Já Geisty segurava uma garrafa de Coca-Cola com um canudo extravagantemente colorido dentro, enquanto era embalada pela cintura pelas mãos libidinosas de um rapaz de cabelo moicano que também fumava um cigarro de procedência duvidosa.

Era inacreditável que aquelas duas adolescentes libertinas eram as suas valorosas amazonas a serviço da deusa Atena. Duas garotas menores de idade, suas guerreiras, envolvidas sabe-se lá com o que, perdidas em devassidão bem debaixo do seu nariz.  Certamente que ele não permitiria tal ato e já estava decidido a pôr um fim naquilo.

Distraídas, cantando e dançando a letra da música que tocava alta, elas não perceberam quando uma sombra se projetou sobre ambas devido a aproximação de um senhor irado.

— Ofiúco! Serpente! Não se movam! — A voz retumbante do Grande Mestre soou atrás de ambas as fazendo parar imediatamente aterrorizadas, enquanto as máscaras das duas surgiam flutuando diante delas — Coloquem suas máscaras imediatamente! É uma desonra para uma amazona que um homem veja seu rosto!

— Ei, qual é, gatinha? Se assustou por quê? — disse o rapaz de penteado moicano que virou-se desafiador para o enorme senhor diante de si, sem a menor noção do perigo — Aí, coroa, não vem estragar nosso barato, não. Tá pensando que é quem pra chegar aqui e meter essa bronca?

O rapaz então deu um passo em direção ao Patriarca, prestes a dar nele um empurrão, mas parou com as duas mãos no ar e em seguida voou há alguns metros de distância, caindo de bunda no chão sem entender o que havia lhe atingido, já que o idoso sequer mexera um músculo do corpo e apenas lhe dirigira um olhar frio e calculista.

Imediatamente, trêmulas e um tanto afoitas por conta do pânico que as atingia, as duas amazonas puseram as máscaras sem relutar.

O homem que acompanhava Shina assustou-se tanto com aquela presença imponente e fantasmagórica que sem o menor pudor fugiu dali.

— Mestre Shion... — balbuciou corajosamente Geisty, mas foi interrompida de pronto.

— Calada! Não quero ouvir justificativas... Que vergonha! Que indecência e desonra! Pelos deuses, nada justifica o que estou presenciando nesse momento! Vocês mancham não apenas os seus nomes, mas a reputação do Santuário todo e a dignidade de nossa deusa! Ambas terão o castigo que merecem! — disse enfurecido o Grande Mestre, elevando seu Cosmo e desaparecendo junto das meninas do meio de toda uma multidão ao seu redor como mágica.

***

Santuário de Atena, Monte Zodiacal, 07:10am.

O Sol já havia nascido no horizonte e seus raios iluminavam a escadaria de mármore que dava acesso ao Décimo Terceiro Templo, por onde os dois rapazes, jovens cavaleiros de ouro, subiam conversando.

— Será que vamos sair em missão de novo?

— Tomara que não, estou com a minha agenda cheia pra esse fim de semana.

— Como é que é, agenda cheia? Como assim agenda cheia, Aiolos? — o geminiano olhava confuso para o outro.

— Saga, eu não tenho culpa que a sua vida é mais parada que água de poça... Eu tenho um encontro...

— Oh... um encontro? Mas qual é a novidade nisso? Você tem encontros todos os dias.

— A gente faz o que pode! — disse orgulhoso de si o sagitariano.

— É, só não tem encontro com a responsabilidade de acompanhar o treinamento dos aprendizes... Sempre sobra para mim.

— Ah, para com isso, amigo é pra essas coisas. E a Nausica tá super na minha, Sagão! Hehe — disse segurando o braço do amigo e dando dois tapas estalados.

— Ela está na de qualquer um que bancar um lanche completo na Lanchonete do senhor Nestor, Aiolos.

— Pois é, ainda bem que não preciso gastar o meu suado soldo comprando remédio para verme e antibióticos para os meus pupilos bichados, não é mesmo? Falando nisso, foi muito vacilo seu... Coloquei a garota na sua, você chamou ela pra sair e quis dividir com ela uma Pepsi? Cacete, Saga! Quem toma Pepsi, cara? Aquela merda...

— Eu ouvi dizer que os soviéticos só tomam Pepsi.

— Soviéticos, Saga? Pela pureza da deusa, né, faça-me o favor! Desde quando soviético tem critério na vida? Só reparar nos caras... Sua alma vai direto para o Cocito, Saga, porque você é muito mão de porco.

— Mão de porco, não, eu tenho prioridades, Aiolos. Prioridades.

— Prioridades. Eu também tenho as minhas, Saga, e elas são de não ficar na ura da zura igual a você. Por sinal, aproveita que alguns dos seus pupilos vão começar a sair para os treinamentos fora do Santuário, e que vai te sobrar um tempinho livre, e sai dessa seca, cara. Daqui a pouco você fica aleijado de um braço... ou então vão começar a comentar pelo Santuário... “Ah, a lá, lá vai o Saga, o Cavaleiro de Ouro da Constelação de Mão Peluda.

— Cala a boca, Aiolos! — o geminiano deu um empurrão no amigo que gargalhava sem pudor.

— Quem avisa amigo é. E você sabe que sou seu amigo. Mas agora papo sério... — disse acelerando o passo da subida e abraçando o amigo pelo ombro — Se quiser eu posso falar com a Nausica hoje e pedir para ela levar uma amiga dela bem bonitinha, sabe? Aí eu levo você, a gente te apresenta a ela e vocês se conhecem melhor... O que acha?

— Você está sugerindo um encontro de casais? Para depois a conta sobrar para mim? Não obrigado!

— Qual é, Sagão! Eu não faço isso com você.

O geminiano apenas olhou com desdém para o outro, parando diante da porta de entrada do Templo, e com a passagem autorizada eles adentraram e seguiram juntos até o salão do Grande Mestre, onde diante de Shion prestaram reverência como mandava o protocolo.

Mas o Patriarca estava diferente naquela manhã de sábado.

Nitidamente agitado e um tanto irritado ele sacudiu a mão no ar dando permissão aos dois para a postura de descanso e então foi direto ao ponto:

— Aiolos, como anda a organização da patrulha do Santuário?

O dourado estranhou a pergunta; sabia que vinha chumbo grosso para cima de si.

— Como nos conformes, Grande Mestre. Não foi feita nenhuma alteração no esquema de escalas e de rotas.

— Tem certeza?

O sagitariano sentiu o suor lhe escorrer pelas costas.

— Sim senhor.

— E como você explica que duas amazonas saíram do Santuário sem autorização, no início da noite passada?

Gêmeos trocou um olhar confuso com o amigo que já sentia seus nervos em pandarecos, então pensou:

“Tanta gente para escapar, justo amazonas... e duas ainda!”

— Eu não faço ideia, Patriarca. Pergunta a elas... digo... — Saga fechou os olhos, enquanto Aiolos se atrapalhava com as palavras e sentia o suor lhe escorrer agora pela testa — elas já foram interrogadas? Porque a patrulha transcorreu normalmente durante essa noite.

— Sim, já foram interrogadas, disseram que pularam o muro e simplesmente nenhum guarda as viram, nem as detiveram.

— Nossa, elas são boas mesmo, heim!

— Ou então os guardas sob sua subordinação andam cochilando durante a sentinela. — Shion rebateu com severidade.

Curioso, Gêmeos perguntou:

— Permissão para falar, senhor? — com um aceno de cabeça de Shion Gêmeos prosseguiu: — E quem são as amazonas fugitivas, Grande Mestre?

— Ofiúco e Serpente, mas já estão lidando com o devido castigo.

Saga sentiu o peito apertar e o rosto aquecer instantaneamente. Involuntariamente sua respiração ficou suspensa enquanto sua mente trabalhava agitada em compasso com o seu coração.

Serpente era a constelação de Geisty, a menininha adorável que falava um grego embolado e de quem ele jamais se esquecera desde que a viu pela primeira vez. Ela havia se tornado uma amazona habilidosa, firme, dedicada aos treinos e muito séria, e dede então, apesar de nunca conseguir tirar os olhos dela sempre que podia estar por perto, sempre lhe faltou coragem para se aproximar mais. Sentia como que um magnetismo inexplicável o atraísse para ela. E como não percebeu que aquela mocinha amazona estava se tornando já uma mulher? E uma mulher corajosa, pois enfrentou o desafio de fugir do Santuário. Mas por quê? Em seu íntimo ele se lamentava por não ter tido mais iniciativa antes para galgar uma aproximação. Quem sabe ainda houvesse tempo?

Saga engoliu em seco e criou coragem para perguntar:

— E qual seria esse castigo, Grande Mestre?

Mesmo irritadiço, os anos de experiência do Patriarca o fez suspeitar do interesse do geminiano, mas não deixaria a oportunidade passar em vão para tomar a ocasião como exemplo:

— Estão ambas na prisão do Cabo Sunion. — Os dois cavaleiros à sua frente se entreolharam assustados; era visível aos olhos muvianos de Shion o pavor que se abateu sobre ambos. — É esse o castigo para quem ousa deixar o Santuário sem autorização prévia, mesmo que seja para um simples passeio mundano de vícios e concupiscência — disse ele fazendo uma expressão de descontentamento por trás da máscara, porém perceptível no tom de sua voz.

— Mas, Patriarca, pelos deuses! Elas são só duas amazonas jovens. O Cabo Sunion é uma prisão terrível... — questionava afoito o geminiano quebrando totalmente os protocolos de postura ante a autoridade da presença do Grande Mestre, enquanto era observado incrédulo por Aiolos que tinha os olhos castanhos arregalados. Se pudesse, o sagitariano pularia sobre o amigo para lhe tapar a boca, mas o bom senso lhe impedia, infelizmente.

— Como ousa me questionar, Gêmeos? — Em voz alta Shion se ergueu de seu trono e então imediatamente Saga percebera o abuso que cometera; abaixou a cabeça em sinal de respeito, podendo ver de soslaio o rosto apreensivo do sagitariano que tentava lhe passar uma mensagem pelos olhos injetados.

— Perdoe-me, Patriarca. Não foi minha intensão desrespeita-lo, sinto muito. Só me preocupo com o bem estar dos mais jovens. Delego instintivamente a todos a mesma preocupação que tenho para com os meus aprendizes recém sagrados cavaleiros de ouro.

Diante daquele pedido de desculpas sinceras, Shion voltou a se sentar em seu trono e Aiolos respirou aliviado, porém Saga continuou:

— Se o senhor, Grande Mestre, permitir, eu me comprometo a acompanhar a rotina de treino das amazonas na arena e assim também vigia-las mais de perto...

— E você deixará de lado a assistência aos seus pupilos recém sagrados, Saga? — perguntou Shion um tanto reticente.

— Não senhor, Grande Mestre. O treino das amazonas eu posso acompanhar pela manhã, e o dos novatos de ouro durante a tarde, mesmo porque posso contar com a ajuda de Aiolos para essa tarefa, como sempre. — O geminiano evitou olhar para o rosto do amigo, mas sentia que se pudesse ele o fuzilaria com seu olhar de soslaio. — Além do que, Aiolos, como o responsável pelo patrulhamento, assegurará o fortalecimento das sentinelas nos muros do Santuário.

— Eu? — disse espantado o sagitariano.

— Você vê algum problema quanto a isso, Sagitário? — A voz de Shion retumbou ameaçadora.

— N-Não! É claro que não, Patriarca. Imagina, essa é a minha tarefa e irei cumpri-la, garantir a segurança.

— Excelente! É sempre bom contar com o comprometimento de vocês dois, meus dois cavaleiros mais eficientes. Podem começar o mais breve que puderem, como sempre se mostram tão responsáveis eu deixo a encargo de vocês dois o prazo de início desse projeto.

— Podemos começar já, Grande Mestre — disse Saga com o coração agitado; mal podia acreditar que a sua sugestão havia de fato sido aceita.

— Já?! — questionou duas vezes mais espantado Aiolos, encarando o amigo geminiano.

— Sim, já. — Com uma cara apreensiva Saga pedia apoio ao amigo, que respirou resignado. — Se o Grande Mestre permitir, como já amanheceu eu me prontifico a ir buscar as duas amazonas desertoras no Cabo Sunion para acompanha-las imediatamente aos treinos e assim já sinalizarem como exemplo para as demais, para que saibam que tal ato é digno de punição e não passará em branco.

Saga sentia o coração dar saltos ansiosos no peito. O plano tinha tudo, absolutamente tudo, para dar errado; um pensamento em falso e poderia ser percebido por Shion, mas se manteve firme e convicto — pelo menos tentava — para que não levantasse desconfiança do velho Patriarca.

Já Aiolos ao seu lado se mantinha rijo como uma tora de carvalho, não podia acreditar na cara de pau do amigo. Era óbvio que Saga tinha segundas intenções com aquele plano, só não sabia ao certo quais. Mas mais indignado que isso ele ficou com a resposta de Shion.

— Certo, sempre empenhado em suas tarefas. Fiz muito bem em chama-los aqui. Saga, você siga para o Cabo Sunion e avise aos carcereiros que permiti a liberação de Serpente e Ofiúco. Acompanhe-as até a entrada da Vila das amazonas, convoque treino geral com todas as guerreiras de lá e exponha as novas regras a partir de hoje.

— Sim senhor — disse prestando continência.

— Aiolos.

— Sim.

— Você siga para uma reunião emergencial com a patrulha da fronteira do Santuário. Caso precise de mais recrutas, tenha a disposição quantos preferir. Se nada mais há para ser dito, estão liberados.

Os dois cavaleiros de ouro prestaram continência e se retiraram em silêncio.

Do lado de fora, na escadaria, já longe do alcance visual dos guardas, Aiolos deu um empurrão em Saga que desceu alguns degraus tentando se equilibrar.

— Seu filho da Puta! Como você me apronta uma dessas? Você fez de propósito, sabia que eu tinha compromisso...

— Se acalma, Aiolos.

— Eu estou calmo, porra! — dizia em voz alta e gesticulando o sagitariano desesperado. — Eu não estava calmo era lá na frente do Patriarca. Pensei que fosse me cagar de ódio dessa sua ideia de merda. Porra, Saga! Porra! Como assim, treinar de manhã, treinar à tarde e ainda contar comigo para meter no meu rabo que eu vou reforçar a patrulha... Cara, eu treino de manhã e à tarde, eu trato da patrulha justamente para dar tempo de sair à noite, sabe Saga?... Sair à noite, resolver minha vida... não ficar na bronha, cara! Você fodeu com todos os meus planos... Sacanagem! Isso não é coisa de amigo... — dizia com o dedo em riste, balançando em negação, e o rosto contraído em uma carranca de raiva.

— Aiolos, eu não vou foder com plano nenhum seu...

— Não vai foder porque JÁ fodeu! Ah... — suspirou desgostoso.

— Me escuta, caralho! Eu vou treinar as amazonas de manhã, depois treino os nossos aprendizes à tarde enquanto você organiza a patrulha. Eu sempre dei conta de todos os aprendizes mesmo, você fica mais fora do que acompanhando o treino deles...

— Vai jogar na minha cara o favor agora, seu traíra?

— Verdade seja dita, você dá suas escapadas mesmo e nem tente negar. — ambos se olharam em silêncio e Saga continuou: — Como eu dizia, você continua com a sua rotina de sempre, e caso eu precise de ajuda eu te aviso, mas já adianto que não vou precisar. Você só tem que seguir com o plano que apresentei ao Shion, só isso, cara! Só isso que eu te peço, o resto deixa comigo. — disse levando a mão ao ar espalmada.

— Sagão, na boa, eu não sei o que você pretende com isso, e prefiro nem saber, assim não me comprometo mais do que já estou comprometido, mas eu tenho certeza que não foi para ficar bem na foto com o Patriarca. — Aiolos coçou os cabelos cacheados agitado, tirando e recolocando a sua badana vermelha para depois falar afoito e gesticulando: — Por todos os deuses do Olimpo, não tenta nada com nenhuma amazona, cara. Se está afim de alguma delas, esqueça já dessa ideia pelo seu bem. Uma dessas duas que foram presas, inclusive, era pupila direta do Grande Mestre e até morava com ele e o Talquinho lá no último Templo.

— Eu sei — disse Saga, e baixando o tom de voz emendou: — E já falei para você parar de chamar o Mu de Talquinho. O cara é mais velho que a gente, poxa. Preste algum respeito ao cavaleiro que cuidou de nós... Além disso, desde que ele foi para Jamiel treinar, parece que agora finalmente resolveu crescer. Tudo bem que a cara dele ainda é de criança, mas ele mesmo está cada vez mais grandão... Se o Patriarca ouvir que você usa de deboche para falar da joia preciosa dele...

— Não desconversa não, Saga. Presta atenção no que o velho fez só porque as garotas pularam o muro do Santuário. Agora você imagina o que ele não vai fazer com você se souber que deu uma... uma bitoquinha que seja em alguma delas? Não vale o risco, cara. Melhor comprar um caminhão da Coca-Cola para a Nausica e as amigas dela do que encarar a fúria do Mestre Shion, porque o Cabo Sunion vai parecer uma colônia de férias perto do que ele pode fazer contigo... Pensa nisso.

Saga respirou fundo.

— Fica tranquilo — disse tentando passar veracidade em suas palavras, sendo encarado por um Aiolos pouco crente que apenas acenou a cabeça e deu-lhe as costas descendo sozinho a escadaria; seguiria para o alojamento dos guardas para uma reunião.

Saga ainda se manteve ali vendo o amigo descer sozinho, até que olhou para o horizonte e rogou à deusa:

— Atena, me ajude... — respirou fundo e fechou os olhos lembrando-se da amazona de Serpente, enquanto deixava um sorriso lhe escapar.

Nem mesmo as palavras de Aiolos o abalaram de seu intento, pois que seguiu em direção do Cabo Sunion.

***

Cabo Sunion, galeria prisional, 07:50am.

Pela fresta do paredão de pedra lateral o sol iluminava tímido a cela, expulsando a umidade e a escuridão opressora. Recostada na parede do fundo Shina de pé se espreguiçava sem pressa em meio a um resmungo descontente. Já Geisty usava como banco uma pedra plana e baixinha, com as pernas estiradas no chão úmido enquanto mantinha as costas encostada nas grades enferrujadas.  Ao fundo, a goteira pertinente mantinha seu ritmo cadenciado.

Já amanheceu e nenhum guarda apareceu para nos soltar — disse Ofiúco preocupada enquanto caminhava descalça pelo chão de rocha úmido até a origem da luz que invadia o local. — Que merda! Será que vamos ficar o dia inteiro presas aqui?... Geisty?... Você está me escutando? Ou vai continuar com essa cara de paspalha aí olhando para o nada? Está dormindo de olhos abertos?

Indiferente à situação que estavam e até mesmo à sensação de opressão, desconforto e claustrofobia que a prisão do Cabo Sunion podia causar a um guerreiro de Atena e seu Cosmo, Geisty movimentou a cabeça lentamente e com o rosto cansado, porém ainda extasiada de felicidade, com um sorriso sutil respondeu com a voz ainda um pouco rouca:

Sim... digo, não. Não estou dormindo. Ah, calma. Daqui a pouco o Mestre Shion nos solta. Acabou de amanhecer, Shina.

Não era nem para termos dormido aqui! Muito menos passar o nosso dia de folga trancadas nessa merda de lugar horrível... Isso aqui me causa arrepios.

Eu não me arrependo de nada! Se eu tivesse que passar uma semana trancada aqui dentro e ir em outro show dos Rolling Stones eu aceitaria, minto, eu aceitaria passar um mês trancada aqui para assistir de novo... — suspirou a morena em deleite, como se diante de seus olhos apenas repetissem as cenas presenciadas sobre o palco na noite anterior — Ahhh, não me arrependo de nada.

Você é doida... — resmungou entre dentes Shina que mesmo descalça chutou uma pedrinha perdida por ali.

Qual foi a sua música preferida?

Música preferida?

Sim, ontem do show — insistiu Geisty.

Não sei, não tive uma preferida. E você, qual foi a sua preferida?

Dizer que uma foi melhor é até injusto, mas eu amo tanto Angie...

Qual era essa mesmo? — perguntou confusa Ofiúco que parou de andar em voltas na cela.

Aquela que começava assim: Angie, Angie... When will those clouds all disappear?

Ah! — exclamou em recordação Shina, então começou a acompanhar a canção que era cantada pela amiga: Angie, Angie...

Where will it lead us from here?
With no lovin' in our souls
And no money in our coats
You can't say we're satisfied
Angie, Angie
You can't say we never tried

(...)

Do lado de fora da galeria prisional do Cabo Sunion, Saga se apresentava para os guardas para em seguida solicitar ao carcereiro que liberasse as duas amazonas, a mando do Grande Mestre.

Enquanto o carcereiro foi buscar as chaves em seu quadro de pregos na parede, o geminiano dava passos vagarosos e reticentes galeria a dentro. Estava nervoso, sentia as mãos suadas, não pelo calor daquela manhã de primavera, mas pelo passo que havia decidido tomar em sua vida, pelas escolhas que estava prestes a fazer, pois tinha certeza de que delas não haveria volta; não conseguia mais calar seus sentimentos e seu coração simplesmente se negava a ouvir a voz da razão e recuar.

A razão...

Se essa ainda tivesse algum poder sobre si, agora mesmo fora sobrepujada pela voz melodiosa e doce que cantava ligeiramente rouca, o inglês de fonética perfeita se misturava ao sotaque italiano dando um quê a mais de charme à canção tão melancólica.

“Angie, you're beautiful, yeah
But ain't it time we said goodbye?
Angie, I still love you
Remember all those nights we cried?
All the dreams were held so close
Seemed to all go up in smoke
Let me whisper in your ear
Angie, Angie
Where will it lead us from here”

Tinha medo de continuar andando e interromper a cantoria, mas seus pés ignoravam seu desejo e o faziam seguir caminhando sorrateiro em direção ao som que vinha da última cela da galeria.

No entanto, a manobra tão cuidadosa de não interromper aquela melodia veio por terra quando o carcereiro passou por si com passos acelerados fazendo uma enorme algazarra com suas botas de cobre e o molho de enormes chaves de ferro barulhentas. Imediatamente Saga acelerou os passos para alcança-lo.

Dentro da cela, Shina, que se mantinha de pé e estava bem menos envolvida na canção cantada por Geisty, se deu conta da aproximação do carcereiro e alertou a amiga:

— Geisty, Geisty! Está vindo alguém. A máscara! Ponha a sua, anda! Levanta daí — disse agitada enquanto colocava a própria máscara, depois se abaixando pegou as botas encostadas na parede, as chacoalhou de boca para baixo para verter a água acumulada dentro e começou calça-las afoita.

Geisty se calou e na mesma hora, então pegou a máscara de prata que tinha apoiada em uma de suas coxas e a colocou no rosto, também se levantando do chão.

Mesmo apertando o passo e chegando à cela segundos antes do carcereiro, para a total infelicidade de Saga ele não foi rápido o suficiente para descobrir qual das duas amazonas era a dona daquela voz tão charmosa, ainda que ele já imaginasse que fosse de Geisty, dada a melancolia impressa nela.

Ao levantar do chão Geisty se deparou com o cavaleiro, que a encarava quase que em transe, rosto absorto, mal piscava. Por sorte ela estava com o seu coberto pela mascara, ou ele se assustaria com a cara de surpresa que ela fez e principalmente pelo olhar analítico que o estudava dos pés à cabeça, parando, por fim, no rosto de traços masculinos e belos. Se perdeu por alguns segundos nos olhos jades profundos que a fitavam desconcertantes, e só um pensamento lhe veio: Nossa, como ele é bonito!

O carcereiro, esse parece ter sido notado só pela barulheira que fez no caminho e ao abrir a cela para que Shina desesperada pulasse de lá afoita.

— Até que enfim, estamos livres! — disse Shina pronta para sair dali, mas sendo impedida pelo carcereiro.

— Pode ir parando aí, mocinha — disse ele.

Só nesse instante Saga foi desperto do transe que a figura da amazona de Serpente lhe causara, se virando para o lado.

— O Patriarca autorizou a soltura de vocês duas sob uma condição. A partir de hoje seus treinos, assim como de todas as amazonas da vila das amazonas, serão ministrados pela manhã sob a minha supervisão e na arena do Santuário. Além disso, terão que passar por constante vigia.

— Não acredito nisso! — disse Shina entredentes, indignada. — Está vendo, Geisty? Agora além de presidiarias seremos bode expiatório para todos no Santuário. Cazzo!

— Se achar melhor pode ficar por aqui mesmo, Ofiúco — disse Saga sério, mas sabendo exatamente a resposta da jovem.

De dentro da cela, Geisty saiu e de imediato agarrou o braço da amiga e cochichou nada discreta em italiano:

Pela deusa, para! Ele é um cavaleiro de ouro. Fica quieta, nós estamos erradas. Daqui a pouco isso passa.

— Eu nunca mais embarco nessas suas ideias de merda. — disse Ofiúco fazendo Serpente bufar.

— Anda, as duas saindo já. Eu tenho mais o que fazer do meu dia — disse o carcereiro com cara de poucos amigos enquanto fechava a cela.

— Vamos, amazonas. Eu vou acompanha-las até a entrada da vila das amazonas para que se arrumem para o treino e as outras se organizem para seguirmos para a arena — disse Saga.

Estamos importantes, agora somos escoltadas pela patente dourada! Acho que estão com medo que a gente fuja de novo. — disse Ofiúco soltando uma risada, enquanto Geisty tentava, em vão, conter a gargalhada inoportuna.

Enquanto lado a lado elas seguiam à frente, Saga as acompanhava vindo logo atrás. Sob o sol quente a jaqueta de couro que Geisty usava começou a lhe causar incômodo, então instintivamente ela, enquanto andava e conversava aos cochichos altos em italiano com a amiga, retirou a peça. Atrás o cavaleiro acompanhava atento cada movimento dela, sem se dar ao trabalho de disfarçar o olhar admirado. Mesmo muito jovem, Serpente era lindíssima; tinha um corpo escultural, com cada músculo perfeitamente talhado pelo impiedoso treinamento do Santuário.

Enquanto a observava, Saga se perguntava em divagações onde as duas teriam ido quando fugiram do Santuário no meio da noite, e disfarçadas com roupas civis. Boa coisa não era, e o mais louco era que, mesmo sem nunca ter trocado uma só palavra com ela sentia um afeto inexplicável dentro de si, e em seu íntimo o cavaleiro percebeu-se sentindo ciúmes. Deuses! Estaria apaixonado? Ele se pegou fazendo essa pergunta enquanto via a jovem amazona se livrando da jaqueta, então um sorriso bobo se delineou discreto em seus lábios. Sorriso esse que não foi percebido por Geisty, mas que não escapou do olhar cínico de Shina, que o bisbilhotava de soslaio, mas que depois passou a encara-lo sem pudor.

Ao se dar conta de que era observado por Ofiúco, Saga desviou desconcertado o olhar, tentando inutilmente disfarçar, mas já era tarde. Se Geisty era inocente para os olhares de cobiça masculinos, Shina era o oposto. Era uma verdadeira antena parabólica para sinais de interesse partidos do sexo oposto.

— Hump! — exclamou Ofiúco fazendo um biquinho

O que foi?  — perguntou Geisty.

Em casa eu te conto — respondeu a amiga.

— Hmmm...

Eles seguiram o caminho em silêncio até a vila das amazonas, até cada uma adentrar a própria casa. Ao fechar a porta, Geisty se recostou na madeira; estava exausta. Uma noite inteira sem dormir presa em uma cela no Cabo Sunion, logo depois de ser arrancada à força de um show de rock. Fora a melhor experiência da vida que tivera, e da qual não se arrependera de nada. O ruim era que agora teria que lidar com as consequências de seus atos. Até então, todo o castigo era só dela, mas como seria para as outras amazonas ter de treinar fora da vila durante a semana? Não fazia ideia. Só esperava não precisar sair no soco para se defender de alguma irmã de armas mais revoltada.

Respirou fundo e balançou o corpo para frente para pegar impulso e caminhar até o banheiro, um banho renovaria suas forças.

Assim que chegou no quarto, diante da cômoda de carvalho para pegar um dos uniformes de treino ela se deparou com algo bem inusitado. Um pacote quadrado prateado com um laço de cetim vermelho. Com o coração acelerado o pegou e sem nenhuma gentileza rasgou o involucro prateado, revelando um dos seus maiores desejos: um LP duplo onde na capa se via o rosto de Mick Jagger, coberto em seda amarela e onde lia-se o nome da banda “Rolling Stones”. Virando o LP tinha a lista de todas as trinta e sete músicas cantadas no álbum duplo, dentre elas a sua preferida, Angie.

Por instinto, o grito de felicidade lhe escapou da garganta.

Ela era louca para ter aquele álbum, exclusivamente aquele, mas era raro de encontrar, e a pequena loja de discos no final da vila de Rodório nunca o disponibilizava. Agora não podia acreditar que o tinha entre as mão. Tinha a sua idade aquele álbum, e cada música carregava a mesma essência jovem e um tanto rebelde que havia em seu coração.

Ao abrir o álbum, podia-se ler uma dedicatória escrita em perfeita caligrafia:

“Que seus dezesseis anos sejam de glórias como até aqui tem sido, e que muitos outros anos ainda estejam por vir. Feliz aniversário, minha querida Geisty.

Para minha pupila tão dedicada, com todo o meu carinho

Mestre Shion.”

Com os olhos aquecidos por lágrimas, Geisty apertou o LP contra o peito enquanto cantava o último refrão de sua música preferida:

“Come on baby, dry your eyes
But
Angie, Angie, ain't it good to be alive
Angie, Angie, they can't say we never tried”

Geisty fechou o álbum e depositou um beijo na imagem de Mick Jagger para em seguida guarda-lo em segurança dentro de uma de suas gavetas.

Era precioso, talvez a única riqueza que tinha em sua vida tão difícil.

 

Negrito — Traduzido do italiano.


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Notas finais do capítulo

Tivemos a ideia dessa one há algum tempo, mas eram tantas prioridades que ela foi sendo deixada para depois... Ok, depois de 4 anos ela está aqui, no momento oportuno porque ela faz um link com um dos capítulos de Templo das Bacantes... Qual? Vocês vão ter que acompanhar a fic para descobrir...

Beijos e obrigada pela companhia.



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