Sorvete vermelho escrita por kicaBh


Capítulo 2
Capitulo 2




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LISBON

Confesso que estou muito, mas muito incomodada com esse arranjo de hoje à noite. Estou sentada na mesa do restaurante pensando em quando Jane e Kim vão chegar.

Estranho é pouco para descrever meu sentimento.

Voltar a trabalhar com Jane me fez muito bem, profissionalmente falando. Eu tive que explicar a Marcus porque aceitei o pedido de Jane e não ao dele, para que eu entrasse no FBI. Eu e Jane tínhamos uma história profissional e eu sabia que do equilíbrio que dava ao Jane vinha o seu sucesso profissional.

Meu namorado não gostou nada da minha explicação, eu senti, e desde que Jane e eu voltamos a trabalhar juntos, eu fui morar em Austin, senti que Marcus ficou mais “territorial” sobre mim. Eu era capaz de entender o ciúme dele pelo cara que a namorada falava e se preocupava além do esperado.

O que eu não entendia, no momento, era meu ciúme de ver Jane e Kim num relacionamento. Tá certo que não parece um namoro sério como eu e Pike, mas ainda assim, a Kim me parecia bastante envolvida com Jane. E eu não conseguia ser natural ao pensar no Jane com ela. Quando eles se aproximavam, no FBI e eu sentia que poderia haver um carinho entre eles, um carinho romântico, eu acabava saindo da sala. Dizia a mim mesma que estava deixando os dois a vontade, mas na realidade eu estava fugindo de testemunhar algum afeto entre eles. E o pior, eu fugia do sentimento de que eu gostaria que este afeto fosse comigo.

Mesmo que eu tivesse um namorado, que eu gostasse do meu namorado, eu não conseguia não pensar em Jane homem desde que o reencontrei. Não consigo evitar em perceber como ele se comporta e o que gosta. E se Kim era o tipo de mulher dele. Muitas vezes a Agente Fischer me parece mandona e mimada, algo muito distante das preferências de Jane. E os observando eu percebo que Jane se esquiva de Kim e que assim como eu, ele também evita estar presente quando há afetos de nossos pares envolvidos. Assim como eu, Jane também sai de perto quando Pike chega para me buscar. E Jane também me olha demoradamente, como se quisesse me falar algo e não conseguisse.

Pike, ao contrário de mim, parecia extremamente relaxado neste encontro. Ele escolheu a mesa, o vinho e está com um ar tão calmo que contrasta com o ciúme já relatado por ele anteriormente.

Deus permita que ele não esteja planejando nenhuma surpresa para esta noite.

Marcus Pike é um cara muito legal, mas quando eu penso no Jane, e feiamente os comparo, não posso negar quanto meu corpo se acende se penso que é o Jane, e não o Pike, que me pressiona no chuveiro pela manhã, ou dorme de conchinha de comigo a noite.

Eu sei que isso é errado de tantas maneiras, pensar em outro homem ao lado de uma cara bacana como o Pike, mas meu cérebro não consegue barrar a imagem das minhas mãos no cabelo loiro de meu parceiro enquanto fazemos amor selvagem e despreocupado.

De longe eu vi Kim e Jane entrarem. E meu coração errou a batida ao olhar meu parceiro profissional com terno bonito, aparentemente novo, embora por cima das camisas feias floridas que ele agora usava.

E o mais surreal disso tudo, nunca, em todo tempo que estou com Marcus, tive um coração descompassado ao me encontrar com ele.

Jane também me dá um olhar demorado e eu percebo, tardiamente, que me arrumei para esta noite pensando no que ele acharia. Eu queria impressioná-lo, eu queria parecer tão sexy quanto Kim naturalmente parece.

Eu percebo que Kim Fischer veio “vestida para matar”. Seu vestido de onça justo aliado ao seu comportamento, tudo nela diz que ela é uma mulher bonita e segura. Mas o olhar do homem ao lado dela é para mim.

E é assustador o quanto eu retribuo.

JANE

Quando chegamos ao restaurante Lisbon e Pike já estavam na mesa e o primeiro problema da noite me atingiu.

Teresa estava linda.

O vestido era rosa escuro, solto, na altura dos joelhos. O cabelo escovado estava brilhando, ela tinha brincos longos nas orelhas e uma sombra suave que realçava os olhos verdes mais bonitos que eu já vi na vida.

Eu não consigo desgrudar o meu olhar dela e nem deixo de perceber que ela retribui. Por Deus, o que estamos fazendo aqui ?

Minha acompanhante, Kim, também era uma mulher bonita, eu não negava isso. Ela usava um vestido de onça que eu achava que caia bem nela. E a vida seria linda se eu estivesse envolvido pela Kim, mas meu olhar demorado a Teresa mostra que meu coração não quer ficar longe dela.  

Eu quero acreditar que Lisbon também sente algo por mim. Que essa retribuição ao meu olhar e  toda sua preocupação comigo não significavam apenas uma amizade fraternal. Não, eu sei que Teresa também sente que alguma coisa existe entre nós. Apenas eu, burramente, deixei ela entender que eu não queria nada com ela além de amizade. E sou eu quem terá que reverter essa situação, antes que seja tarde.

Jane, Fischer,  vai ser um prazer este jantar com vocês esta noite. Pike falou com uma felicidade que parecia realmente genuína e eu fiquei me perguntando se ele era tão bobo a ponto de achar que isso era um arranjo satisfatório. Lisbon sorria de forma contida e eu também fiz o melhor que pude.

Tenho certeza que será muito especial. Kim Fischer falou e eu senti um calafrio. Eu raramente deixo passar uma pessoa que está guardando um segredo, mas olhando para Pike eu senti que algo grande aconteceria aqui nesta noite. E eu realmente senti medo.

O garçom nos acomodou e o desconforto inicial meu e de Lisbon deu lugar a uma camaradagem que nossos pares apenas viam de longe no trabalho, mas que no momento informal que vivíamos se tornava admirável. Nossas provocações não eram sérias e nossa empatia era verdadeira.

Não sei o Kim e Marcus pensaram, mas acho que a mim e a Lisbon fez muito bem divertir esta plateia com nossos casos mais diferentes.

Mas não era preciso ser nenhum mentalista para perceber o que estava acontecendo nessa mesa, essa noite. Eu e Lisbon estávamos em sintonia, seja no papo, no corpo, no sentimento. Cada história contada dava a mim, pelo menos, a certeza de que ter essa mulher ao meu lado me fez bem, inteiro, feliz e equilibrado durante anos. Eu sei que dei a ela bastante dor de cabeça, mas ela lembra dos casos com tanto carinho e humor que fica difícil achar que eu fui uma má influência em algum momento.

Durante anos eu tive muito medo por Teresa. Medo que o Red John a usasse para me atingir. Não sei bem porque isso nunca aconteceu, mas eu agradeço. Eu não conseguiria perder Teresa depois de tudo que passei, eu não posso viver sem ela. Engraçado que admitir isso antigamente me aterrorizava a ponto de me paralisar. Hoje não paralisa mais, embora o medo ainda seja grande.

Acho que Kim e Marcus ficaram um pouco surpresos diante da nossa parceria. Devem também ter começado a entender o que significávamos um ao outro. Se eles fossem como eu, um profundo conhecedor da natureza humana, teriam percebido que não havia concorrência. Exceto pelos medos pessoais, meu e da Lisbon, nada , nem ninguém, existe entre nós. 

O garçom veio anotar nossos pedidos e uma coisa que só tinha significado para mim e para Lisbon aconteceu. Fizemos uma escolha invertida de pratos. Um dos nossos últimos almoços na CBI foi para comemorar o casamento de Rigsby e Van Pelt. Eles fizeram questão de ir no melhor restaurante de Sacramento e naquele dia eu brinquei de adivinhação e claro, soube que Lisbon pediria arroz de pato. Era um dos pratos favoritos dela, não foi nada demais. E eu, para discordar de todos, pedi uma paeja tradicional, já que todos acompanharam a Lisbon no prato dela.

Diante do cardápio do Flowers eu me vi diante do arroz de pato, foi o meu pedido, para fazer lembrar de um momento feliz que vivemos. E Lisbon, para me mostrar que também se lembrava, pediu a paeja tradicional, ainda que Marcus Pike tenha ficado surpreso por imaginar que ela o seguiria no macarrão a carbonara.

Ninguém percebeu, mas para nós esta escolha soava um pouco como vingança por sermos colocados por nossos pares nesta situação que simulava uma empatia quádrupla que não existia. E nem poderia existir, na minha opinião.

O flan de leite deste lugar é maravilhoso, Teresa, tenho certeza de que você vai amar. Pike se adiantou em fazer o pedido do flan e diante da insistência dele com todos nós não pude dizer não, fui obrigado a segui-los. Justo eu que amo sorvete, Lisbon sabe, para mim não existe sobremesa melhor. E aqui no cardápio havia a opção Sorvete da Casa com sabores de creme de morango, que sei que Lisbon ama. Além de chocolate, coco e pistache, o meu favorito.

Realmente o flan era muito saboroso e eu já estava agradecendo por tudo ter corrido bem durante esta noite, quando percebi que ao invés de pedir a conta , Marcus Pike pediu um champagne para a grande comemoração da noite.

Eu fiquei sem ação e olhei para Lisbon, tentando ver se ela sabia do que se tratava. Mas a cara dela era de espanto tanto quanto a minha. Sequer olhei para ver o que Kim achava do momento.

Enquanto o garçom nos servia eu via Marcus Pike preparar o discurso. Eu gelei, rezando para santos que eu nem acreditava que não fosse testemunha deste homem pedir Teresa Lisbon em casamento.

Bem, eu só fiquei sabendo hoje à tarde e eu gostaria de dividir uma notícia maravilhosa com vocês. Eu relaxei na cadeira, ninguém começa um pedido de casamento desta forma. O escritório de Washington estava num processo seletivo para ser diretor do departamento de artes da capital. Será a melhor oportunidade de carreira da minha vida. Ele não precisou continuar, todos nós entendemos que em breve Marcus Pike deixaria Austin.

E nós todos demos os parabéns a Marcus Pike e meu coração encheu de felicidade. Era uma oportunidade profissional, a melhor da vida dele. Então o agente Pike iria embora, talvez Lisbon se chateasse durante um tempo, mas então eu estaria aqui. E trataria de estar disponível.

Eu sei que estamos entre amigos e é por isso que eu me sinto confortável o suficiente para dizer, para pedir, Teresa, que você me acompanhe para a capital. Eu tenho um amigo que está precisando de uma agente no departamento dele, já até conversei com ele sobre você.

E aqui minha vida caiu. Primeiro porque não pensei que Pike pudesse ser um noção desse tamanho ao pedir a uma namorada uma decisão dessa magnitude diante de pessoas estranhas. Eu e Kim não éramos exatamente estranhos, mas vocês sabem o que quero dizer. Depois porque imaginei que Teresa fosse dizer não, um não firme e sonoro, como já ouvi ela dizer a milhares de minhas ideias. Mas Lisbon ficou calada, talvez boquiaberta como eu e apenas disse a Pike que era maravilhoso e que ela pensaria com muito carinho na proposta.

Talvez Teresa tenha ficado aliviada de não ter sido pedida em casamento, mas eu não, eu fiquei assustado o suficiente que esse homem estivesse querendo levar embora a minha mulher. E a resolução interna de que Lisbon era minha mulher me atingiu como um raio no centro do peito.

Eu colei um sorriso no rosto que imagino que apenas Lisbon sabia ser falso e terminamos o champagne antes de deixamos o restaurante.

Pike e Kim saíram para buscar os carros e eu e Lisbon ficamos parados na entrada.

A Kim não te deixa dirigir? Lisbon fez uma brincadeira leve, mas seu olhar era distante. E minha cabeça fervilhava. Esse homem, esse Marcus Pike, queria levar Teresa embora de mim. Eu não poderia deixar que ela se fosse sem saber o que há entre nós.

Não, ela acha que eu corro demais. Eu disse sério.

Você corre demais. Lisbon sorriu e eu não retribui. Eu estava incomodado e Teresa também, porque não calou a própria boca ao dizer: Noite estranha.

Eu concordei, ganhando uma coragem que não sabia de onde surgia.

Você também acha que está tudo errado ? Eu perguntei a Lisbon, olhando fundo nos olhos dela.

Como assim? Ela me retribuiu, não sabendo do que estava falando.

Eu é quem deveria estar indo para casa com você, Lisbon.

Jane...

E Teresa não terminou a frase. Ela ficou me olhando com olhos bastante abertos, talvez esperando mais alguma palavra de minha parte. O que estranhamente veio, não conforme ela esperava, eu pensei.

Diga a Fischer que eu fui embora. A noite está linda e o caminho pela praça Roosevelt é muito agradável. Mas, por favor, não diga essa parte a Kim, ela não é a companhia que eu espero encontrar durante minha parada para um sorvete.

Eu olhei para Lisbon, querendo que ela entendesse o recado e parti quando vi que Marcus Pike já se aproximava.


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