Onde tudo começou escrita por Artemis Stark


Capítulo 1
Capítulo Único




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Se houvesse um filme de comédia daquelas mais ridículas seria minha cena sendo reprisada sem fim em qualquer tela de cinema, televisão, tablet. Porque quando te vi fiquei parado, com aquele sanduiche imenso em minha mão, onde todo conteúdo escorria. Inclusive as batidas do meu coração. Só eu paralisei, ao contrário do meu corpo. E eu me vi perdido em você e sabia que todas as minhas decisões eram nada perante estar ao seu lado.

Meu destino era seu. Como te ver novamente? Assim como apareceu você sumiu, levando todo meu chão, todas minhas certezas embrulhadas num lanche que pediu rapidamente e eu ali. Parado. Congelado. Ignorado.

                Deitei na cama e fitei o teto onde traços do seu corpo se desenhavam nas linhas da pintura já desgastada. Antes eram apenas rachaduras distorcidas, agora eu via o contorno dos seus lábios, das suas mãos segurando o lanche, dos fios do seu cabelo contra seu rosto. E eu, que nunca tinha rezado, pedi entre palavras vazias e murmúrios que pudesse sentir tudo aquilo novamente. Que pudesse estar paralisado. E pudesse te paralisar. E pudesse, pouco a pouco, construir nosso mundo.

                E, apesar de ter perdido a hora de ir para o trabalho, estava de novo naquele trailer velho com óleo estragado onde lanches eram distribuídos com mais velocidade que sonhos eram despedaçados. Esperando. Esperando como a lagarta espera ao produzir seu casulo, ao esperar que seu corpo sem graça, que se arrasta, que vira casulo transforme-se em algo indescritível onde asas podem levar a qualquer lugar, com cores, com leveza.

                Como as folhas esperam pacientemente pelas estações, esperei por você. Sentindo um pouco de mim desprender-se com sua ausência. Com sua falta. Eu sabia que aquilo não deveria me afetar. Fora um encontro. Não. Ainda não era um encontro, apenas um vislumbre seu. Um vislumbre dos cabelos castanhos e unhas pintadas segurando um lanche qualquer.

                Eu me vi na sua mão quando, tempos depois, encontrei você novamente e nossos olhos se encontraram. E eles sorriram. Os olhos sorriram antes de nós. Você ficou para comer seu lanche e era tão brega que corava na mesma intensidade que se sujava com catchup e tudo foi se tornando realidade. Apresentei-me sentando-me ao seu lado. Eu não queria que aquele momento terminasse. Onde tudo atrás de nós corria numa velocidade acelerada e a gente, nós dois, sim, nós dois, seguíamos um ritmo nosso. Algo meio sem controle. E lento. Num ritmo lento como um tufão onde tudo começou.

                Eu já largaria tudo, seguindo linhas de um teto desgastado que lembravam a primeira vez que te vi, mas ouvi-la dizendo o mesmo quando estava sobre mim, nua, apenas encarando lençóis e meus olhos apaixonados fez com que tudo novamente se paralisasse. Ou como tudo acelerasse. Não sabia dizer. Não sabia explicar. Como voltar? Como retroceder depois daquele ponto?

Sabia que era apenas uma história, um conto, uma aventura, uma vida para sonhar. Para contar. Para compartilhar. Afinal, aquela era nossa história. E para onde você quisesse eu ia, pois ao seu lado eu apenas me sentia sem data, sem rumo, seu rumo.  Seguia você nas ruas, no altar, no hospital, na maternidade, na casa de três quartos, na casa agora vazia, exceto por nós.

No sol, no mar, na rua onde a gente se encontrava apesar dos desencontros. Para sonhar, nossa história era para sonhar. Para ser real, mesmo sem rachaduras no teto, eu via o desenho de onde tudo começou.


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