O sorriso da morte escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 1
Capítulo único




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As histórias mentiam: não havia glamour algum na vida dos vampiros. Elena descobriu isso após passar direto na zona industrial e virar à esquerda, entrando em uma viela fedida. Evitando os ratos e a água nojenta que corria pela rua, a mulher foi até uma residência de aparência miserável. “Não pode ser aqui”, pensou. No entanto, resolveu arriscar e deu um passo a frente, subindo o primeiro patamar. Porém, antes que pudesse bater na porta, ouviu uma voz masculina atrás dela.

— O que pensa que irá encontrar aí, moça?

— Uma amiga — Elena respondeu, virando-se em seguida.

— Não encontrará amizade neste lugar, apenas dor e sofrimento. Então eu repito: o que pensa que irá encontrar aí?

O homem se aproximou e revelou uma aparência robusta, um armário vivo cheio de cicatrizes e marcas do trabalho duro. “Definitivamente não é um vampiro”, a mulher pensou. “Um lacaio”.

— Irei encontrar dor e sofrimento — ela respondeu. — Satisfeito agora?

— Quase satisfeito.

O homem se aproximou e gesticulou para que Elena levantasse os braços e afastasse as pernas. Ele então começou a examiná-la com cuidado, procurando por bolsos escondidos ou qualquer outro tipo de artimanha oculta.

— Nada de cruzes, alhos ou água benta — ela disse.

— E o que é isso? — O homem apontou para uma gaze suja que enfaixava o braço da mulher.

— Eu me machuquei na fábrica, mas você sabe como é: eles nunca querem que a gente pare.

— Sei mesmo — ele finalizou o exame, tendo a certeza de que Elena não escondia armadilhas. — Vamos, pode entrar.

O homem apontou para a porta e Elena seguiu o caminho, puxando a maçaneta com cautela e sentindo os lábios trêmulos enquanto o ar fúnebre do lugar arrepiava a pele.

Contrastando com a manhã cinzenta do ambiente externo, o casebre era quase pura escuridão. Com exceção de algumas telhas quebradas que permitiam a entrada de feixes de luz, Elena se deslocava com insegurança, pressentindo que poderia ser atacada a qualquer instante. O cheiro também não ajudava: o lugar fedia a morte e a mulher tinha a sensação de que havia sangue seco por todo lugar.

Num estalar de dedos, no entanto, a luz se fez. A poucos metros de Elena, três vampiros estavam sentados ao redor de uma mesa circular, tendo um candelabro ao centro com todas as velas acesas. Ali também havia um almoço nefasto: três ratos estripados, o sangue evidente nas bocas pálidas dos vampiros.

— Vejamos o que temos aqui — disse a vampira sentada no meio. — Uma mortal entre aqueles que não podem morrer? Não tem medo que a devoremos?

— Imagino que já estejam saciados — Elena respondeu ao mesmo tempo em que tentava evitar olhar para os ratos. Eles evocavam uma memória pouco apreciada pela mulher, ainda que fosse a razão para ela estar ali. — Será que eu posso sentar?

— Fique à vontade, mocinha — o vampiro à esquerda disse. — Como se chama?

— Elena.

— É um prazer, Elena. Eu me chamo Vlad. Esta bela mulher é a Marilyn. Quanto a este cão ao lado, nós o chamamos de Jack — encerrou apontando para o vampiro mais à direita, que passara a devorar o rato sem se importar com as normas de etiqueta.

“Cão”, Elena repetiu em sua mente. “É ele”.

— O que você quer, Elena? — Marilyn questionou. — Poucos mortais sabem como chegar aqui. Menos ainda tem qualquer resquício de coragem. Aliás, como nos encontrou?

— Eu segui o rastro de sangue — Elena respondeu, as mãos suadas escondidas embaixo da mesa. — Quanto ao que quero, a resposta é simples: vida eterna.

Ao ouvir aquilo, Jack cuspiu a orelha do rato no prato.

— A garota acredita mesmo em contos de fadas — ele disse. — Espera, acho que já te vi em algum lugar.

— Não é vida eterna, Elena — Marilyn explicou. — É morte eterna. Não-vida, qualquer coisa, menos vida.

— Você não aguentaria um segundo da nossa existência — Vlad falou.

Enxugando as mãos, Elena as colocou em cima da mesa e demonstrou uma segurança que não tinha.

— Vocês acham que eu não aguento? Olhem isso! — Levantou as mãos e mostrou uma coleção de bolhas e cicatrizes. — Eu trabalho na fábrica, sou uma desgraçada como todos daqui. Vou adoecer daqui a alguns anos e provavelmente morrerei antes de chegar aos cinquenta. Trabalho desde meus doze anos e nunca tive uma vida que pudesse chamar de minha. Vocês sofrem? Eu acredito. Mas é um sofrimento que eu poderei chamar de meu, não uma escravidão para um burguês qualquer.

Os três vampiros se entreolharam, dando sorrisos pouco perceptíveis ante a luz do candelabro.

— Devo dizer que as aparências enganam — disse a vampira. — Quando vi você, pensei que não aguentaria cinco minutos aqui. Porém, vejo que tem a força de vontade para viver uma não-vida. Infelizmente, não é simples assim.

— O que quer dizer? — a mulher perguntou.

— O que você nos dará em troca? — Vlad se adiantou. — Você vê a imortalidade como presente? Ótimo. No entanto, não fazemos nada de graça. Que presente você está disposta a nos dar?

— A minha alma e servidão não são o bastante? — Elena disse. — Olha, talvez eu possa entregar uma informação do interesse de vocês.

— Conte-nos agora — Marilyn ordenou.

Elena respirou fundo. “É agora, Elena, faça eles acreditarem”, pensou.

— Sabem quem é Conrad Cobblepot?

— Como não saberíamos? — a líder do bando disse. — O desgraçado praticamente nos expulsou de nossa antiga casa para expandir as fábricas.

— Eu arrancaria a cabeça do desgraçado, mas ele está sempre junto de seus guardas — Vlad complementou. — Para piorar, eu já ouvi falar que ele tem uma aliança com os lupinos!

— Lupinos não existem, Vlad — Jack disse. — Ao menos não do jeito que você pensa.

— Foco! — Marilyn berrou. — Vamos, querida Elena, diga-me o que você sabe sobre Conrad.

— De fato, ele vive andando com seus guardas para lá e para cá. Porém, existe um momento em que ele fica desprotegido: quando vai visitar o túmulo da esposa — Elena contou. — Eu sei disso, pois um primo meu trabalhou como guarda para Conrad por alguns meses. Ele sempre pede para ficar a sós com o túmulo. Talvez seja uma oportunidade para vocês darem um jeito no desgraçado.

Os três vampiros ficaram calados, estando em um momento de deliberação silenciosa. Sabendo que havia jogado a última carta, Elena sentiu a respiração falhar. Agora, o seu destino estava nas mãos daqueles seres profanos.

— Temos um trato — a voz de Marilyn se ergueu trazendo um misto de alívio e medo para Elena. — Vamos, garota, mostre o pescoço para que eu possa transformá-la. Mas aviso logo: não será indolor.

— Espera! — a mortal disse. — Eu quero que ele me transforme.

O dedo de Elena apontava na direção de Jack, que a encarou sem entender aquilo.

— Eu não recomendaria — Vlad falou. — O Jack não é o vampiro mais jeitoso do mundo. Ele pode fazer um estrago.

Sentindo o frio da morte atravessar a espinha, Elena disse:

— Que faça.

Jack passou a manga da camisa nos lábios, limpando o sangue do rato recém devorado. Levantou-se e caminhou até Elena, que aguardava com o pescoço a mostra.

— Eu irei perfurar a sua carótida e irei tirar todo seu sangue — ele explicou. — Quando você estiver a um passo da morte, entregarei um pouco do meu próprio sangue a você. E então você se tornará uma de nós. Está pronta?

— Faça! — ela gritou revelando toda a raiva e a angústia.

Sem hesitar, Jack revelou os caninos afiados e os cravou com força em Elena. A mulher sentiu um ardor gélido nascer no pescoço e se espalhar por todo o corpo. Enquanto o sangue era chupado para fora, ela se lembrava de todas as desgraças que vivera em vida, mas uma delas fora a maior: o corpo estripado da irmã em uma viela suja de Londres. As lágrimas jorravam junto do sangue, mas em um lapso de segundo, Elena sorriu. “Sofra o tanto quanto ela e tantas outras mulheres sofreram, estripador!”, ela pensou.

Foi com surpresa que Marilyn e Vlad viram Jack tirar os dentes do pescoço da mulher, o sangue esguichando enquanto o vampiro cambaleava para trás.

— O que... O que você fez?! — A voz de Jack parecia fraca e sem vida, como se as cordas vocais estivessem danificadas. — Não, não, não!

Colocando as mãos em volta do próprio pescoço, Jack gritava sem forças. Seu corpo começou a queimar por dentro, a fumaça saindo pela boca, revelando aos poucos os ossos por baixo da pele.

— Água benta... No sangue... — Jack disse antes de desabar e encontrar a morte definitiva.

— Jack! — Marilyn tentava fazer o homem despertar de todas as formas, mas não havia mais retorno. — O que você fez, sua miserável?!

Engolindo em seco, Vlad deu a volta para olhar para Elena. Com a cabeça encostada na mesa, a mulher era um cadáver. A gaze havia se descolado do braço, revelando a marca de uma transfusão. Testemunhando a cena, Vlad disse:

— Está morta... e sorri. A desgraçada sorri, Marilyn!


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