No armor escrita por Ketterzenik


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

depois de *três meses* finalmente terminei de escrever isso aqui. Kanej virou facilmente um dos meus casais preferidos, e quis muito escrever alguma coisa sobre eles. Espero que gostem!



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“I will have you without armor, Kaz Brekker. Or I will not have you at all.”

— Inej Ghafa, Six of Crows.

Kaz Brekker não precisava de um motivo. Não de mais um. Afinal, 17 meses foram suficientes para que sua mente se enchesse de motivos que o levariam a esperar por horas no porto por um pequeno navio, com peixes em sua bandeira e uma assinatura característica em sua lateral. Depois de segundos que pareciam intermináveis, avistou O Espectro no horizonte do oceano que cercava Ketterdam, e sentiu uma pontada traiçoeira no peito. Parte de Kaz resolveu ignorar a aceleração de seus batimentos cardíacos, enquanto a outra parte estava completamente ciente de que não saberia quanto tempo aguentaria antes de colapsar aos pés de Inej.

Aquela era a primeira vez que sua aranha voltava para a ilha desde que havia partido com a sua tripulação em sua missão para libertar o povo Suli da escravidão por entre os mares afora. 17 meses, mais especificamente 523 dias, e não havia um dia no qual Kaz não pensava em Inej. Fosse por conta do trabalho de Roeder cheio de buracos como sua aranha substituta, ou pela solidão em não ter uma sombra que o acompanhava pelos caminhos escuros do barril, ou apenas porque sentia sua falta. Esta última era a mais difícil de se admitir.

Kaz começou a esfregar as mãos nuas pelo tecido de seu colete quando viu que o navio se aproximava do porto. Suas luvas estavam no bolso da calça, mas Kaz não queria usá-las. Mantinha-as por perto como precaução, mas Kaz sempre se sentiu confortável em tirar o par de luvas de couro perto da garota Suli.

Ele sentiu que o ar foi retirado dos seus pulmões quando avistou, na proa do navio, cabelos longos e esvoaçantes, levemente presos por um lenço comprido, e um sorriso capaz de iluminar os lugares mais obscuros de Kerch. Inej acenava para o porto, sendo iluminada por uma luz dourada do pôr do sol. Ninguém acreditaria se alguém dissesse que, naquele momento, Mãos Sujas não parava de sorrir.

Inej tampouco era capaz de conter sua alegria ao ver os primeiros pedaços da ilha que havia causado tanto turbilhão em sua vida nos anos anteriores. Suas lembranças sobre os terrores do Menagerie e suas experiências de quase morte com os corvos ainda a assombravam, mas mais forte que elas, estava a curiosa sensação de um segundo lar; o calor do aconchego de Nina, os trocadilhos de Jesper os hilários lapsos de Wylan quase como um membro dos Dregs, a rigidez de Matthias. E, claro, Kaz. Tudo que remetia a Kaz.

O garoto, por sua vez, tentava se recompor, pigarreando e apoiando ambas as mãos em sua bengala. Inej descia do navio, olhando em sua direção; Kaz sabia que, mesmo que houvesse uma multidão ao redor, não teria dificuldade alguma em achar sua garota naquele mar de gente.

— Kaz — Inej disse, ainda sorrindo de orelha a orelha, se aproximando. Kaz não deixou de sorrir de lado, mas rapidamente substituiu a expressão por uma carranca natural. Os dois ficaram olhando um para o outro, desconcertados e sem saber o que dizer um para o outro. Kaz amaldiçoou a si mesmo por ter tirado as próprias luvas. Talvez, com elas, seria mais fácil pular cumprimentos e apenas segurar as pequenas e marcadas mãos de Inej. E céus, como ele queria segurá-las.

— Como foram os negócios em Ravka? — Foi o que ele perguntou. O sorriso de Inej diminuiu de uma forma quase imperceptível, mas não para ele. Mesmo assim, fingiu não perceber, encenando a neutralidade que contrastava com o turbilhão de sensações e lembranças que se passavam por sua cabeça simultaneamente.

— Foram bem. — Inej se virou e começou a caminhar, com a postura impecável mesmo após meses pelos mares, Kaz seguindo logo atrás. Ela já esperava tal teor de resposta, mas uma parte obscura de seu coração ainda fantasiava sobre uma recepção de braços abertos. Mas mesmo em seus sonhos mais distantes sabia que isso era uma irrealidade. — Meus pais ficaram lá, no acampamento para os escravos que ajudamos a libertar. Achei que o construir seria um desafio e tanto, mas recebemos certa... ajuda do governo de Ravka para terminar as tendas.

— Me parece que seja lá quem está no comando, é bem caridoso. — E fico feliz que esteja a salvo, ele completou apenas em sua mente.

— E Rollins? — Inej perguntou, olhando para ele apenas por um breve momento antes de voltar seu olhar para o chão. Ouviu a risada seca e rouca de Brekker e engoliu em seco; sentia mais falta desse som do que era capaz de admitir.

— Depois do belo recado que ele recebeu, é claro que ele não ousou dar as caras por aqui. Ficou cravado na pele dele. — Kaz balançou a cabeça, batendo de leve a bengala no chão quando chegaram em frente ao cassino. — Wylan e Jesper estão aí dentro. Você disse pelas cartas que precisava falar com eles quando viesse a Ketterdam. Tenho alguns problemas para resolver no barril, então me encontro com você mais tarde. — E, sem mais nem menos, Kaz deixou Inej sozinha na frente do estabelecimento, confusa e com perguntas demais na cabeça para sequer pensar em indagar.

Mais de um ano havia se passado e ele continuava fraco. A intensidade com a qual pensava na pele de Inej contra a sua se equiparava à repulsa sentida pelo contato direto. Odiava que, como da última vez, ela provavelmente abriria todas as suas portas, enquanto ele fecharia as suas a 7 chaves. Kaz havia prometido para si mesmo que não a deixaria escapar de suas mãos, mas sentia como se ela fosse um fluido cuja forma ele não era capaz de suportar.

 Ele passou o resto do dia condenando-se por não ter passado mais tempo perto dela, por ter se acovardado tão rapidamente quando o tempo que ela passaria em terra firme seria tão curto — sabia que no dia seguinte ela já começaria seus preparativos pela próxima viagem. Não era um pensamento diferente do de Inej, que mal focou em seus cumprimentos a Jesper e Wylan por conta das perguntas e dúvidas que se passavam em sua mente.

Era fim de tarde quando Kaz retornou ao seu escritório no último andar do clube do corvo. Teimosamente subindo as escadas que tanto lhe causava dor, se deparou com ela, que não havia deixado sua mente pelas últimas horas — ou mesmo o ano inteiro. Iluminada pelos últimos raios do pôr do sol, estava Espectro, sentada no parapeito da janela, tão bela como costumava se lembrar. Havia desacostumado com a sensação de que ela sempre estava, de alguma forma, o acompanhando, mas também não se assustou ao vê-la ali, de olhos fechados, lembrando da familiaridade daquelas quatro paredes.

— Parece que Wylan deu um jeito de Jesper não acabar com toda sua fortuna em apenas 3 dias dentro do cassino. — Inej disse, com um sorriso discreto. Kaz balançou a cabeça, sorrindo de lado, enquanto desabotoava seu colete, ficando apenas com uma camisa branca, fina e folgada, de mangas longas. Inej engoliu em seco, voltando a olhar para os corvos que ciscavam perto da entrada do Clube do Corvo.

— Conseguiu o que queria? — Ele perguntou, enquanto tirava as luvas, que havia colocado novamente depois que se despediu da garota Suli. Colocou-as sobre a mesa, e se sentou em sua cadeira.

— Um dos traficantes de escravos que eu tenho procurado há meses passou por Ketterdam, e Jesper me disse que ouviu rumores sobre um navio que partiria em alguns dias, relacionado a essa mesma pessoa. Meu plano é segui-los de longe e interceder quando a situação parecer mais propícia. Tanto para mim quanto para os escravos do navio. — Inej olhou para Kaz, apenas para ver a mancha vermelha viva que ocupava boa parte da região do braço, encharcando a camisa branca.

Ela fuzilou o garoto do barril com o olhar, enquanto levantava e buscava qualquer tecido limpo o suficiente para fazer um curativo. Ele, assim como ela, deveria saber que nada de bom poderia vir de uma ferida aberta por muito tempo sem nenhum tipo de proteção. Kaz assistiu quieto, enquanto Inej procurava panos limpos.

— Não faz muito tempo, só esqueci de enfaixar. — Kaz murmurou, Inej molhava uma das tiras de tecido. Ele levantou a manga da camisa até o ombro, expondo um corte que ia até muito próximo do cotovelo. Não era muito profundo, Inej notou, mas era suficiente para que precisasse de um curativo. Ela suspirou, se ajoelhando ao lado de Kaz, de frente para o ferimento.

— Como isso aconteceu? Não é fácil arrancar sangue de você desse jeito. Principalmente agora. — Inej perguntou, enquanto começava a limpar o corte. Era cautelosa o suficiente para não encostar em Kaz, cuja expressão de dor passaria despercebido por muitos, mas não por ela.

— Gente de fora. Não sabiam onde estavam pisando. — Mãos sujas, mais do que nunca, era respeitado por muitos, temido por mais pessoas ainda. Um ano fora o suficiente para que construísse uma reputação que ecoava por toda Ketterdam. — Eu me distraí. — Por sua culpa, Kaz completou em sua mente. Três imbecis que não sabiam quem era o aleijado das ruas de Kerch resolveram cercar Kaz perto do porto. Brekker não conseguiu se concentrar na luta ao lembrar da sensação de ter Inej morrendo em seus braços naquele dia.

— Presumo que agora eles saibam exatamente com quem estavam lidando. — Inej balançou a cabeça, e Kaz sorriu. Porém esse sorriso se esmaeceu quando Inej pegou uma tira limpa de tecido para envolver a ferida. Inej percebeu que o braço dele se enrijeceu, e franziu os lábios. Ela se levantou e inclinou o corpo, para que pudesse manusear o tecido com maior facilidade, e pediu para que ele levantasse um pouco o braço. Com cuidado, envolveu o corte e prendeu o tecido, mal encostando em sua pele durante o processo. Kaz inconscientemente soltou o ar assim que ela terminou.

Era difícil. Ainda que estar perto de Inej o trouxesse paz, com ela vinham todos os sentimentos ruins e obscuros com os quais a barca ceifadora o presenteara. Mesmo assim, não pensou muito antes de esticar o braço e segurar a mão de Inej. Olhou diretamente para ela, que ruborizou, e estremeceu ao entrelaçar seus dedos nos dela. Era suportável, e ele queria suportar.

Foi quando Inej se aproximou o suficiente para que Kaz fosse capaz de sentir o calor de sua respiração, bastou fechar os olhos por um segundo que todas as imagens que ele queria enterrar no lugar mais profundo de sua alma inundaram todos os seus pensamentos. No último momento, virou o rosto, respirando ofegante, se afastando de Inej até que ele estivesse com as costas totalmente coladas na cadeira.

Inej não deveria ter depositado suas esperanças mais uma vez. Passou tempo demais longe de Kaz, e chegou a cogitar que algo tivesse mudado depois que saiu de Ketterdam. Suas expectativas eram inconscientemente tão altas que sentiu uma sensação azeda por todo seu corpo, e chegou a, por um mísero momento, sentir como se fosse a única que estava apta a encarar seus próprios demônios. Se arrependendo amargamente do próprio pensamento, pigarreou e se virou em direção à porta.

— Preciso ir, ainda tenho muitas coisas para resolver antes de voltar. — Falou, o mais inexpressiva que sua capacidade permitia, e se apressou para sair da frente de Kaz antes que seu rosto denunciasse todo o turbilhão de emoções que ela sentia naquele momento. Ele, entretanto, foi mais rápido, levantando-se e caminhando até que a segurasse pela mão, a impedindo de sair.

— Inej, eu... — Kaz começou a dizer, mas foi interrompido quando Inej rapidamente se virou para ele, com uma expressão capaz de quebrá-lo em pedaços ali mesmo.

— Você o que? — Ela mal começara a falar e já sentia os olhos marejando. Balançou a cabeça, olhando para cima, antes de voltar a olhar para Kaz. — Você segura minha mão, e então me despacha em qualquer lugar e segue em frente. Você me deixa chegar perto de você, e então você se afasta de mim subitamente e eu me obrigo a revisar todos os meus movimentos para descobrir o que eu fiz de errado dessa vez. — Inej respirava fundo, se controlando para que seu tom de voz não subisse mais do que ela permitia subir. — Quase dois anos que eu não te vejo, e você vira a cara para mim, Kaz. Eu finalmente me permito achar que você... que nós... e no momento seguinte tudo que passa pela minha cabeça é que você sente nojo de mim. — Ela deu de ombros e cruzou os braços, sentindo uma lágrima, apenas uma, escapar de suas pálpebras. — Eu já te disse. Ou eu...

— Você me disse que ou me teria sem armaduras, ou não teria nada. — Kaz estendeu os dois braços para os lados, abrindo a palma das mãos com tanta força que tremiam. — Pois aqui está. — Ele abaixou a cabeça para que olhasse diretamente em seus olhos. — Eu vou tremer, Inej. Tremer, porque cada vez que eu encosto em você eu lembro de coisas que eu não gostaria de lembrar. — Kaz puxou os cabelos para trás, sentindo a garganta fechar — Eu lembro de sentir cada... cada milímetro do meu corpo impregnado de podridão, como se eu mesmo estivesse em decomposição. Vou recuar, inconscientemente me desviar de você, ofegar e sentir como se minha perna estivesse em chamas.

Ele se aproximou, e sua mente queria apenas se afogar no olhar de Inej. Novamente, imagens que ele se esforçava tanto para reprimir inundavam sua mente; os cabelos de Inej caindo por seus ombros, a extensão de seu pescoço, seus lábios, sussurrando seu nome.

— O problema é que mesmo acima disso tudo, eu quero você. Eu quero você, da mesma forma que eu quis naquela noite, no cais. — Ele tocou os braços de Inej até que ela os descruzasse, e segurou suas mãos, as apertando com mais força do que deveria, o tremor percorrendo seu corpo como eletricidade. — Talvez ainda mais.

Inej sentiu o próprio rosto ruborizar, mas não queria se atrever a esperar mais nada. Tinha medo de que mais uma vez suas expectativas fossem despedaçadas, e ela apenas saísse machucada da situação. Não queria se afastar de Kaz por nada nesse mundo, mas tampouco queria se aproximar e acabar com a sensação de paz que sentia com ele naquele momento.

E Kaz sabia muito bem que ela não faria nada. Cada vez que ela fazia, que ela dava o primeiro passo, ele dava dois para trás, contrariando suas próprias vontades mais ocultas. Sabia que aquele era o momento de fazer alguma coisa, ou sua garota escaparia por seus dedos mais uma vez.

Em algum momento, Kaz se deparou com a faixa de tecido fino que rodeava e prendia os fios de cabelo de Inej, e uma ideia traiçoeira passou por sua mente. Uma ideia sem fundamento e que possivelmente seria capaz de fazer Inej fugir e taxá-lo como louco de vez. Mas era a única forma que via de mostrar que ele não queria fugir novamente.

Ele soltou as mãos de Inej e se aproximou dela, o suficiente para que pudesse enxergar o nó do lenço que Inej usava. Com calma, e sem dizer uma palavra, Kaz o desamarrou e o segurou, voltando a encarar Inej, que franzia as sobrancelhas em total confusão. Ela só entendeu qual era a intenção de Kaz quando sentiu o tecido cobrir sua boca, com um par de mãos segurando o lenço contra seu rosto.

Como se pedisse sua permissão, Kaz olhou para Inej e arqueou levemente as sobrancelhas. E, como em resposta, Inej fechou os olhos, segurando a bainha da blusa do garoto e o puxando para mais perto, até que a única coisa que ela era capaz de sentir era um fino tecido comprimido contra seus lábios, e o calor do beijo de Kaz vindo logo depois.

As lembranças tenebrosas de Kaz, apesar de ainda se manifestarem, não se comparavam ao turbilhão de emoções que ele era incapaz de enumerar naquele momento. Seu peito queimava, e, ao fechar os olhos, sentiu como se o mundo todo tivesse parado, apenas para os dois. Apenas para que aquele momento durasse uma eternidade. E durou, mas ao mesmo tempo sentiu como se fosse um tempo muito curto. Curto demais.

Kaz afastou seu rosto levemente, roçando os lábios contra o tecido mais uma vez antes de afrouxar o tecido que estava contra o rosto de Inej. Mesmo esse movimento, para Inej, era mais íntimo do que qualquer homem já ouvia ousado chegar quando trabalhava no Menagerie. Sentia o corpo tremer, mas se sentia segura nos braços de Kaz mais do que em qualquer outro lugar que pudesse estar. Seus lábios se separaram e tudo o que ela conseguia pensar era quando teria a chance de reproduzir aquele momento de novo. De novo, de novo, e quantas vezes ele pudesse ser repetido.

Kaz abriu os olhos, e se deparou com a imensidão dos olhos castanhos e profundos de Inej, direcionados a ele. E decidiu que, se ele se afogasse, que fosse em seu olhar, que o cobria e o conduzia a se entregar cada vez mais àquela correnteza da qual ele já havia desistido de fugir.


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Notas finais do capítulo

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