Rotina. Uma palavra pequena com significados diferentes a depender do interlocutor. Ou amam ou odeiam, dificilmente há um meio termo. Para Afrodite de Peixes, a rotina não representava um grande empecilho para si até os tempos de paz chegarem. Quando menino, estudava com um tutor, treinava e aprendia a cuidar de suas rosas. Já crescido, treinava, fazia suas missões, cuidava de seus jardins e costumava ler ou sair em seus dias livres. Foi na paz que seu estilo de vida e sua rotina se tornaram mais complexos. Depois de alguns meses já revivido, Afrodite começou a namorar, foi incentivado a voltar para os estudos, conseguiu um novo trabalho além de continuar com parte de sua rotina de cavaleiro.

E lá estava novamente em sua cama, sentado após desligar o despertador. Sua mente demorava para processar as informações sobre o dia e os compromissos que teria. Seu namorado havia dormido consigo na noite anterior, mas não estava na cama. Provavelmente estava preparando o desjejum dos dois. Shun era o “craque da rotina”, dificilmente algo conseguirá abalar seu planejamento, a agenda estava programada no celular dele e ainda anotava em um caderninho para ter a certeza de não ter esquecido nada caso o aparelho ficasse sem bateria. Uma organização de dar inveja.

— Bom dia! — disse o mais jovem com um tom animado — Conseguiu dormir bem?

— Bom dia, meu querido. Sinto como se eu tivesse piscado, não dormido. — Já estava arrumado e a cara não estava tão “amarrotada” de sono, mas seu tom denunciava um mau humor matinal. — Eu sinceramente não entendo como você consegue ficar com uma aparência tão boa fazendo tantas coisas.

— Ah! É só organização. Se quiser ajuda para fazer uma agenda, eu posso ajudá-lo com o maior prazer — serviu as torradas quentinhas.

— É muita coisa... — fez manha — Talvez seja melhor excluir uma ou outra atividade. Somente dois de mim para dar conta de tudo isso.

— Calma que vai dar tudo certo. Amanhã será seu aniversário e temos que terminar a organização da sua festa no final do dia. Assim teremos menos coisas a fazer no dia.

— Por que eu fui inventar de querer uma festa de aniversário, mesmo?

— Ora essa?! Afrodite de Peixes nunca nega uma festa, sempre teve gosto por celebrar qualquer coisa — riram juntos com o comentário — Se lembra da vez que eu tirei minha carteira de motorista? Você encomendou um bolo personalizado e a mesa estava decorada com carrinhos de brinquedo.

— Você ficou um fofo envergonhado. — tocou na mão do virginiano — A ideia do tema foi do Milo. Daquela vez eu não desejava fazer algo espalhafatoso. 

— Eu entendi depois do choque.

— Ok. Estou convencido da festa, sei que será ótimo para quebrar um pouco a rotina.

O casal conversou por mais alguns breves minutos e se despediram para realizarem os seus afazeres. Poderiam matar as saudades no cair da noite, no horário que os preparativos da comemoração seriam retomados. Afrodite colocou um lembrete mental de tentar chegar às 19:00, já que o combinado era 19:35, assim poderia se atrasar para chegar na hora.

…

Terça-feira é um dos dias que o casal se “desencontrava”. Os horários de treinamento eram opostos, Shun de manhã e Afrodite de tarde. O pisciano arrumava a iluminação do seu cenário de gravação dos vídeos de seu canal na internet. Seu jardim era belíssimo mesmo no inverno e havia uma ótima iluminação natural, mas alguns ajustes eram necessários, além de ver o enquadramento da câmera e afins.

— Está um pouco frio aqui, mas será bom gravar fora dessa vez — disse para si mesmo antes de iniciar a gravação — Olá queridos! Sou Afrodite e bem vindos a mais um vídeo de Pisces Beauty…

… 

A noite chegou e o casal terminava de arrumar as coisas para o aniversário. Quarta-feira não era um ótimo dia para se dar uma festa, eles sabiam, mas pelo estilo de vida diferenciado, não teriam problemas e a maioria dos amigos estariam presentes. Decidir sobre a quantidade de bebidas alcoólicas foi de quebrar a cabeça, afinal o dia seguinte a festa seria de obrigações, mas beber um pouco seria bom para relaxar e desinibir um pouco os presentes. 

— Então, está pronto para continuar?

— Estou um bagaço, mas vamos devagar — sorriu para o namorado.

— Ainda bem que hoje estamos tendo mais ajuda com alguns de nossos amigos— olhou para Shura, Shiryu, Seiya e Camus.

— Festejar sempre é bom! Não importa o dia — falou Seiya do outro lado do salão pendurando as decorações.

— Só que precisamos comemorar com moderação, quinta-feira será dia de trabalho e estudo.

— Caramba Shiryu, só pensa nisso? A vida é uma só.

— Seiya, eu sinto muito em ter que discordar, mas já vimos que tudo é possível e o nosso amigo está certo — disse Shun — Se quiser continuar as comemorações no sábado com a gente, está tranquilo.

— Naquele barzinho com karaokê? — perguntou Afrodite e o virginiano anuiu — Sua agenda não tá toda apertada no dia?

— Só chegarei um pouquinho mais tarde, fique tranquilo.

— Sinceramente você é incrível quando se trata de lidar com compromissos — elogiou Camus — Por favor, converse com o Hyoga mais uma vez e mostre que é possível estudar, ser um cavaleiro e ainda ter tempo para se divertir.

— Está bem. Eu converso com ele em outro momento. — sorriu.

E assim mais algumas horas se passaram. Quando terminaram a arrumação, todos voltaram para suas casas, Seiya e Shiryu se dirigiram à casa de seus mestres. Já Shun ficou em Peixes por mais uma noite. O casal tomou um banho relaxante antes de irem para a cama dormir. O aprendiz de Shaka pegou no sono rapidamente, já Afrodite demorou mais uma hora. Olhou para o despertador e viu que já estava no dia de seu aniversário. 

— Que eu consiga dar conta de tudo o que virá pela frente — sussurrava — Só sendo dois...— e finalmente pegou no sono.

…

A noite passou tranquila, mas a surpresa veio pela manhã com um berro dado por Shun.

— AAAAAAH! MAIS O QUE É ISSO?

— O quê? — Afrodite estava atordoado com sua vista ainda turva. Ele se levantou cambaleando da cama e foi ver seu namorado que estava caído sentado no chão — O que houve, meu amor? Nunca te vi desse jeito.

— Eu não estou louco, olha ali — apontou para o chão, ao lado de sua cama havia alguém deitado ali, mas o cobertor não revelava quem era o sujeito.

— Fique tranquilo que eu vou chutar a bunda desse… — puxou o lençol e viu a si mesmo nu — Como uma coisa dessas pode estar acontecendo?

— Descobriu quem é o invasor?

— Sim e não, isso é confuso demais. — olhou para trás e viu seu companheiro se aproximar — Eu acho melhor você não ver isso, porque…

— Isso é um daqueles sonhos que a gente se vê em perspectiva? — o outro Afrodite se levantou e encarava os dois, em seguida olhou para o próprio corpo — Então é um sonho com gêmeos? Só que eu não tenho irmãos. Acho que foi aquele filme antigo que vi das meninas gêmeas no outro dia e isso tá me afetando, só pode.

— Afrodite e Afrodite? — o mais jovem apontava para os dois antes de ter uma queda de consciência. O estrondo foi alto no quarto.

— Shun! — os dois disseram em uníssono para acudir o rapaz desmaiado.

— Será que ele vai ficar bem?

— Vai sim, vamos cuidar dele e depois a gente tenta entender essa situação — o outro anuiu — Pegue uma toalha no banheiro e umedeça com a água fria da pia— viu sua “cópia” sumir de suas vistas e fazer o caminho correto — Por Athena, o que foi que eu fiz?!

…

Uma hora havia se passado e a confusão no décimo segundo templo não passou desapercebida por todos. Shura, Camus, Shion e Saori por morarem mais próximos de Afrodite foram às pressas até lá. Ainda mais por terem percebido uma presença idêntica de cosmos. Quando chegaram viram Shun sentado no sofá com um saco de gelo sobre sua cabeça.

— Shun, o que está acontecendo por aqui? Nós ouvimos gritos, estamos sentindo a presença de um outro cosmo igual o de Afrodite. — falou a jovem deusa.

— Eu não estou conseguindo acreditar no que vi, mas se vocês também estão sentindo isso, eu não estou maluco.

— Do que está falando, meu jovem? — perguntou o patriarca.

— De “nós”, Shion— disse o Afrodite que carregava consigo uma caneca de chá — Ele apareceu de manhã.

— Como assim, “ele apareceu de manhã”? Quem está sobrando não sou eu — rebateu o outro — Trouxe um analgésico para melhorar a sua dor de cabeça, essa queda poderia ter sido ainda mais feia.

— Vocês dois estão me enlouquecendo! Só quero o meu Afrodite de volta — dizia em tom choroso.

— Eu estou aqui — os dois disseram juntos novamente — Para de falar a mesma coisa que eu — e continuaram — Raios! — bufaram — “Falsk fisk”! AAAAAAAAHHH! 

— Quietos os dois — falou Camus — Precisamos de calma para entender e resolver essa situação. Acho melhor você ir à Aquário, Shun. Termine de se recuperar por lá, avise ao Hyoga que o treinamento de hoje foi adiado para mais tarde.

— E-eu o acompanho na descida — disse Shura — Quer que eu comunique o ocorrido aos outros ou isso ficará em segredo?

— Acho melhor falar com os outros cavaleiros de ouro, acredito que eles também já perceberam esse cosmo “duplicado” — disse a deusa — Vamos tentar apurar os fatos e pesquisar nos escritos para ver se encontramos logo algo que faça o Afrodite ser um só.

…

Depois de tanto tempo “queimando neurônios”, nem a deusa, nem o grande mestre, muito menos os Afrodites conseguiram chegar a uma resposta. A hora da festa se aproximava e nenhum dos dois piscianos queria perder a festa, principalmente pelo empenho dos envolvidos. Naquele momento, disseram em sincronia outra vez:

— Precisamos bolar um plano.

— Um plano? — disse Saori — Que tipo de plano?

— Pelo menos para a festa de hoje. Acredito que nem todos saibam, bem… da nossa condição — apontou para a "cópia" que estava sentada na poltrona.

— Acho que entendi onde vocês querem chegar — deu um breve riso — Realmente o que disseram é verdade. Afrodite de Peixes não perde uma chance de festejar.

— Se um não perde, quem dirá dois — o patriarca se permitiu entrar na brincadeira.

— E do que vão precisar?

— Bom, eu acho que tenho uma camisa repetida no meu guarda-roupas…

— Temos sim. Nós compramos em uma loja e o Shun deu uma igualzinha de presente poucos dias depois. Gosto tanto daquela camisa.

— A reunião tem um tom mais informal, acredito que calças e sapatos não serão um problema e dificilmente notariam — disse a virginiana — Tem uma sala que costuma ficar reservada nessas datas para alguma eventualidade. Então, um Afrodite pode ficar lá dentro com o cosmo ocultado enquanto o outro circula na festa e faz um revezamento.

— E na hora dos parabéns? — um arqueou as sobrancelhas.

— Ah gente! Tirem no par ou ímpar, pedra, papel ou tesoura, sei lá. Infelizmente alguém terá que ceder e as pesquisas continuarão amanhã — suspirou — Até daqui a pouco!

Na décima segunda casa, os guardiões seguiam com o plano. Não era a roupa que Afrodite imaginava usar naquela noite, mas era necessária para que tudo saísse como o combinado. Nem pode se dar ao luxo de demorar, pois precisavam estar na sala reservada onde começariam o revezamento.

Aos poucos alguns convidados chegaram, Shun foi um dos primeiros e correu para abraçar o amado.

— Conseguiram resolver a situação? — perguntou ansioso — Tem apenas um de você aqui?

— Por favor, meu querido. Vamos esquecer essa questão até essa festinha acabar e aproveitar cada momento?

— Isso foi um não, né? — o outro anuiu — Ok. Vamos aproveitar essa noite.

— Tenho uma hora até fazer a primeira troca da noite — foram até uma mesa se servirem de coquetéis — Ei! Não exagere! Não acredito que o “Sr. Rotina” está enchendo o copo assim numa quarta-feira.

— O que aconteceu mais cedo me deixou surtado — virou o copo e sentiu um arrepio causado pela ingestão rápida da bebida alcoólica — Não preciso de outro chá. Qualquer coisa tem o “coquetel pós-festa” que eu deixei na mesinha de cabeceira ontem.

— Pensei que aquilo era pra mim.

— Eu também pensei — riu — Vamos?

E a festa seguiu assim, a troca passou desapercebida por quase todos. Os Afrodites conversavam rapidamente dentro da pequena sala sobre os assuntos falados na última hora, assim a farsa ficava mais convincente. Difícil foi para a hora de cantar os parabéns, não deu certo as sugestões de Saori. Então ela mesma foi até a salinha e eles tiraram a sorte no palitinho. O perdedor ficou emburrado dentro da sala enquanto ouvia as vozes no salão. Já o vencedor se sentiu um pouco mal pelo seu “eu” desafortunado.

Acabada a festa e depois que todos rumaram para suas casas. Os Afrodites puderam sair de lá juntos. Quando chegaram na cozinha do Templo de Peixes, viram ali o que havia sobrado do bolo com algumas velas acesas.

— Acho justo que assopre as velas no seu aniversário — disse Shun — Essa ideia foi dele — apontou para o outro pisciano.

— Muito obrigado!

— Só vamos cantar mais baixinho, ok?

E após cantarem e por fim as velas foram apagadas, o trio foi para o quarto. O virginiano queria apenas tomar o “kit ressaca” antes que ela viesse com tudo e voltaria para casa. Contudo, os piscianos pareciam ter outros planos.

— Fique, por favor! 

— Será muito estranho, na verdade acho que só estou “de boas”, por estar um pouco “alto”.

— Vai negar um pedido dos aniversariantes? — choramingou o outro.

— Vocês são impossíveis! — o trio caiu na gargalhada — Eu fico naquele sofá ali.

— Vai negar que não ficou nem um tiquinho curioso sobre como seria, você sabe… — instigou.
 

…

— Afrodite… Ei, acorda…

— Hã? Oi! — coçou os olhos procurando ao redor — Ué? Cadê ele?

— Ele quem? Estamos sozinhos e estamos quase atrasados para os nossos primeiros compromissos do dia. Vou passar para pegar o seu bolo de aniversário lá na loja.

— Espera aí. O meu aniversário foi ontem e aquele outro Afrodite?

— Outro Afrodite? — Shun coçou o queixo — Acho que você sonhou com isso — levantou os lençóis ao sair da cama — E pelo visto foi um sonho bem animado. Fiquei curioso — ria em divertimento à expressão constrangida do namorado.

— Seu sacana! — jogou um travesseiro nele e voltou a se cobrir com o lençol — Vai seguir sua agendinha e eu o vejo em cinco minutos.

— Eu também te amo! — despediu-se ao sair do quarto.

— Seria um grande transtorno ter dois de mim, acho que só mesmo em fantasia que daria certo — falou baixinho rindo de si mesmo — Terei que dar o meu jeito para dar conta de tudo sendo um só.