Eu sou a Protagonista escrita por Vatrushka
Aquela semana havia se passado com relativa suavidade. Eu passava a maior parte do tempo com Dora e Xabéu, durante o trabalho e fora dele. As duas companhias eram bastante agradáveis.
— Menina... — Ousei comentar com Xabéu certa vez, quando bebíamos depois do expediente. — Tá solteira?
— Ontem, hoje e sempre. — Ela suspirou. — Já posso virar oficialmente a velha dos gatos.
Eu ri. — Tá... Mas e esse bolo todo com o Astronauta, que nunca desembola?
Xabéu ficou pálida e subitamente desconfortável, como se tivesse visto um fantasma. — Não temos nenhum bolo.
— Aham. — Provoquei. — Sei.
— É sério. — Insistiu ela. — Astronauta namorava com a Rita. Uma mulher incrível Ela... Faleceu há pouco tempo. De câncer.
Rangemos nossos dentes.
— Misericórdia. — Murmurou Dora.
— Que Deus a tenha. — Fiz o sinal da cruz.
Mas se enganam se acham que eu deixaria o assunto morrer ali.
— Maaaas, porém, contudo, todavia e entretanto, meu radar do amor continua apitando. — Olhei para as minhas unhas, despretensiosamente.
Ela suspirou, um pouco envergonhada. — É... Melhor deixar para lá.
— Deixar pra lá uma ova. — Brincou Dora. — Não é como se fosse platônico. E a mulher lá morreu, não morreu?
— Dorinha! — Xabéu a repreendeu.
— Qual foi? — Provocou ela. — Astronauta tá vivíssimo ainda!
Segurei o riso ao ver a cara de indignação de Xabéu.
— Você já pensou em uma abordagem mais... Direta? — Perguntei pra Xabéu. — Por que se depender desse lenga-lenga, vou te contar...
Ela coçou a nuca. — É... Complicado.
— Só é complicado quando vocês complicam. — Dora suspirou.
— Pelo amor de Deus, eu shippo vocês faz 84 anos e até agora nada... — Comentei. — Te valoriza, mulher.
— Xabéu... Você sabe onde coloquei meu...? — Uma voz nos interrompeu, se aproximando de nós. Quando o vi, senti uma corrente elétrica involuntária passar por todo o meu corpo.
Foi aí que Xaveco percebeu nossa presença e abriu um sorriso do tamanho do mundo. — Denise! Dorinha! Oi!
Sorrimos de volta, acenando. Tentava conter o ritmo de meus pensamentos. O Xaveco? Aqui?!
— Ah meninas, acho que esqueci de comentar. — Xabéu explicou, com simplicidade. — Uma vez por ano, tenho o direito de trazer um acompanhante por um tempo. Este ano foi a vez do Xaveco!
Xaveco ergueu dois dedos, com um sinal da paz. — Finalmente!
— Que ótimo! — Vou tudo o que comentei, com o tom mais simpático que consegui.
Xaveco puxou um assento para ele, se entrosando. Xabéu continuou: — As meninas estão aqui em uma atividade de extensão...
— Sim. Eu sei. — Admitiu Xaveco. — Vi no Instagram.
Sorri. Lógico. Meus storys não eram muito discretos.
— Você, em compensação, nunca posta nada. — Comentei, debochando. — Não tenho nem ideia do que anda fazendo. Como vou fofocar assim?
Xaveco sorriu, dando ombros com tranquilidade. — Não tenho feito nada demais.
— Nem faculdade... — Murmurou Xabéu, cobrando-o de forma passiva-agressiva.
— Eu nem sei do que eu gosto, pra fazer faculdade! — Indignou-se Xaveco com sua irmã.
Apoiei o rosto em minha mão. Devia ter imaginado. Era a cara dele mesmo.
— Você sempre gostou de jogos. — Comentei. — Pode trabalhar desenvolvendo alguns, por exemplo.
— Tá vendo?! — Xaveco apontou para mim, referindo-se a Xabéu. — É uma boa ideia, não só coisa da minha cabeça!
Xabéu tirou o seu da reta. — São os nossos pais que você tem que convencer, não a mim...
— Tenho certeza que seus pais só tem receio dessa profissão por não conhecerem muito dela direito. — O tranquilizei. — Tenho certeza que se você mostrar pra eles como o mercado nessa área tá crescendo, vão ficar mais flexíveis.
Xaveco fez um biquinho, pensativo. — Sabe que não é uma má ideia?
— Claro que não. Sou genial. — Dei de ombros.
Ele riu. — Obrigado, Denise.
— Disponha. — Sorri.
Como que nunca ficamos, você me pergunta? Excelente pergunta, pra falar a verdade. Acho que foram só uma sequência de desencontros desastrados, como sempre. Ele sempre teve uma queda por mim, e eu por ele. Mas o negócio nunca andou de fato, sabe-se Deus o porquê.
Ai, meu Deus. A gente é tipo o Astronauta e a Xabéu.
E o Cebola com a Mônica.
Ninguém é bem-resolvido nesse raio de revista?
Ah. Tem o Franja e a Marina, verdade.
— Gente, e o Franja? — Puxei o assunto. — Não encontrei com ele até agora.
Dora riu. — Se formos seguir a sua... Teoria. — Ela deu ênfase para a última palavra. — Não vai demorar muito pra ele aparecer.
Fiz um biquinho. — True.
— Que teoria? — Perguntaram Xabéu e Xaveco, igualmente curiosos. Deve ser de família.
— Que quando muitos personagens secundários se encontram se uma vez, é um indício que os protagonistas vão aparecer. — Expliquei. — É como se estivéssemos “preparando o terreno”, ou algo do gênero.
— E qual o problema dos protagonistas aparecerem? — Questionou Xabéu.
— A história passa a não ser nossa mais. — Suspirei, não conseguindo esconder minha frustração.
Xaveco deu um sorriso enigmático. — Não é como se ela já tivesse sido nossa em qualquer momento...
— Nossa, gente... Que deprimente! — Comentou Xabéu. — Também não é assim!
Xaveco e eu trocamos olhares. Parecia que determinadas coisas só nós dois entendíamos.
— A vida de vocês por acaso parou quando vocês se afastaram da turma? — Continuou Xabéu.
Dora assentiu com toda a força de seu ser.
— Exato. Explica pra ela, Xabéu, já que ela não me escuta.
Suspirei. — Vocês só tem essa percepção porque não conviviam diariamente com os protagonistas. Esbarrar com eles uma vez na vida e outra na morte é uma coisa. Agora, a porra do tempo todo...
— Cansa. — Concordou Xaveco. — Cansa muito. É muito melhor ser terciário do que ser secundário.
— Francamente, que fixação. — Dorinha esfregou as têmporas. — Já parou pra pensar que se vocês pararem de colocar eles nesse pedestal, talvez eles parem de ser tão incômodos pra vocês?
— Ah. — Debochei. — Isso é muito mais a consequência do que a origem do problema, Dora.
— Exatamente. — Concordou Xaveco.
— Até podia ser no início. — Rebateu ela. — Mas agora faz o quê, alguns anos que vocês nem convivem diretamente? Qual a desculpa de vocês agora?
— O roteiro. — Xaveco e eu falamos ao mesmo tempo. Rimos.
Dora e Xabéu bufaram, desistindo de nós por ora.
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