Eu sou a Protagonista escrita por Vatrushka


Capítulo 4
Roteiro




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Aquela semana havia se passado com relativa suavidade. Eu passava a maior parte do tempo com Dora e Xabéu, durante o trabalho e fora dele. As duas companhias eram bastante agradáveis.

— Menina... — Ousei comentar com Xabéu certa vez, quando bebíamos depois do expediente. — Tá solteira?

— Ontem, hoje e sempre. — Ela suspirou. — Já posso virar oficialmente a velha dos gatos.

Eu ri. — Tá... Mas e esse bolo todo com o Astronauta, que nunca desembola?

Xabéu ficou pálida e subitamente desconfortável, como se tivesse visto um fantasma. — Não temos nenhum bolo.

— Aham. — Provoquei. — Sei.

— É sério. — Insistiu ela. — Astronauta namorava com a Rita. Uma mulher incrível Ela... Faleceu há pouco tempo. De câncer.

Rangemos nossos dentes.

— Misericórdia.  — Murmurou Dora.

— Que Deus a tenha. — Fiz o sinal da cruz.

Mas se enganam se acham que eu deixaria o assunto morrer ali.

— Maaaas, porém, contudo, todavia e entretanto, meu radar do amor continua apitando. — Olhei para as minhas unhas, despretensiosamente.

Ela suspirou, um pouco envergonhada. — É... Melhor deixar para lá. 

— Deixar pra lá uma ova. — Brincou Dora. — Não é como se fosse platônico. E a mulher lá morreu, não morreu?

— Dorinha! — Xabéu a repreendeu.

— Qual foi? — Provocou ela. — Astronauta tá vivíssimo ainda!

Segurei o riso ao ver a cara de indignação de Xabéu.

— Você já pensou em uma abordagem mais... Direta? — Perguntei pra Xabéu. — Por que se depender desse lenga-lenga, vou te contar...

Ela coçou a nuca. — É... Complicado.

— Só é complicado quando vocês complicam. — Dora suspirou.

— Pelo amor de Deus, eu shippo vocês faz 84 anos e até agora nada... — Comentei. — Te valoriza, mulher.

— Xabéu... Você sabe onde coloquei meu...? — Uma voz nos interrompeu, se aproximando de nós. Quando o vi, senti uma corrente elétrica involuntária passar por todo o meu corpo.

Foi aí que Xaveco percebeu nossa presença e abriu um sorriso do tamanho do mundo. — Denise! Dorinha! Oi!

Sorrimos de volta, acenando. Tentava conter o ritmo de meus pensamentos. O Xaveco? Aqui?!

— Ah meninas, acho que esqueci de comentar. — Xabéu explicou, com simplicidade. — Uma vez por ano, tenho o direito de trazer um acompanhante por um tempo. Este ano foi a vez do Xaveco!

Xaveco ergueu dois dedos, com um sinal da paz. — Finalmente!

— Que ótimo! — Vou tudo o que comentei, com o tom mais simpático que consegui.

Xaveco puxou um assento para ele, se entrosando. Xabéu continuou: — As meninas estão aqui em uma atividade de extensão...

— Sim. Eu sei. — Admitiu Xaveco. — Vi no Instagram.

Sorri. Lógico. Meus storys não eram muito discretos.

— Você, em compensação, nunca posta nada. — Comentei, debochando. — Não tenho nem ideia do que anda fazendo. Como vou fofocar assim?

Xaveco sorriu, dando ombros com tranquilidade. — Não tenho feito nada demais.

— Nem faculdade... — Murmurou Xabéu, cobrando-o de forma passiva-agressiva.

— Eu nem sei do que eu gosto, pra fazer faculdade! — Indignou-se Xaveco com sua irmã.

Apoiei o rosto em minha mão. Devia ter imaginado. Era a cara dele mesmo.

— Você sempre gostou de jogos. — Comentei. — Pode trabalhar desenvolvendo alguns, por exemplo.

— Tá vendo?! — Xaveco apontou para mim, referindo-se a Xabéu. — É uma boa ideia, não só coisa da minha cabeça!

Xabéu tirou o seu da reta. — São os nossos pais que você tem que convencer, não a mim...

— Tenho certeza que seus pais só tem receio dessa profissão por não conhecerem muito dela direito. — O tranquilizei. — Tenho certeza que se você mostrar pra eles como o mercado nessa área tá crescendo, vão ficar mais flexíveis.

Xaveco fez um biquinho, pensativo. — Sabe que não é uma má ideia?

— Claro que não. Sou genial. — Dei de ombros.

Ele riu. — Obrigado, Denise.

— Disponha. — Sorri.

Como que nunca ficamos, você me pergunta? Excelente pergunta, pra falar a verdade. Acho que foram só uma sequência de desencontros desastrados, como sempre. Ele sempre teve uma queda por mim, e eu por ele. Mas o negócio nunca andou de fato, sabe-se Deus o porquê.

Ai, meu Deus. A gente é tipo o Astronauta e a Xabéu.

E o Cebola com a Mônica.

Ninguém é bem-resolvido nesse raio de revista?

Ah. Tem o Franja e a Marina, verdade.

— Gente, e o Franja? — Puxei o assunto. — Não encontrei com ele até agora.

Dora riu. — Se formos seguir a sua... Teoria. — Ela deu ênfase para a última palavra. — Não vai demorar muito pra ele aparecer.

Fiz um biquinho. — True.

— Que teoria? — Perguntaram Xabéu e Xaveco, igualmente curiosos. Deve ser de família.

— Que quando muitos personagens secundários se encontram se uma vez, é um indício que os protagonistas vão aparecer. — Expliquei. — É como se estivéssemos “preparando o terreno”, ou algo do gênero.

— E qual o problema dos protagonistas aparecerem? — Questionou Xabéu.

— A história passa a não ser nossa mais. — Suspirei, não conseguindo esconder minha frustração.

Xaveco deu um sorriso enigmático. — Não é como se ela já tivesse sido nossa em qualquer momento...

— Nossa, gente... Que deprimente! — Comentou Xabéu. — Também não é assim!

Xaveco e eu trocamos olhares. Parecia que determinadas coisas só nós dois entendíamos.

— A vida de vocês por acaso parou quando vocês se afastaram da turma? — Continuou Xabéu.

Dora assentiu com toda a força de seu ser.

— Exato. Explica pra ela, Xabéu, já que ela não me escuta.

Suspirei. — Vocês só tem essa percepção porque não conviviam diariamente com os protagonistas. Esbarrar com eles uma vez na vida e outra na morte é uma coisa. Agora, a porra do tempo todo...

— Cansa. — Concordou Xaveco. — Cansa muito. É muito melhor ser terciário do que ser secundário.

— Francamente, que fixação. — Dorinha esfregou as têmporas. — Já parou pra pensar que se vocês pararem de colocar eles nesse pedestal, talvez eles parem de ser tão incômodos pra vocês?

— Ah. — Debochei. — Isso é muito mais a consequência do que a origem do problema, Dora.

— Exatamente. — Concordou Xaveco.

— Até podia ser no início. — Rebateu ela. — Mas agora faz o quê, alguns anos que vocês nem convivem diretamente? Qual a desculpa de vocês agora?

— O roteiro. — Xaveco e eu falamos ao mesmo tempo. Rimos.

Dora e Xabéu bufaram, desistindo de nós por ora.


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