Westwood - O medalhão do poder escrita por Thomaz Moreira


Capítulo 4
O cemitério de Westwood // Encarando o inimigo


Notas iniciais do capítulo

Capítulos 7 e 8



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Uma ajuda inesperada

           

O bruxo nos guiou até a cabana. Eu e Theo carregamos Kaila apoiando pelos ombros. Ainda ouvia os gritos de desespero do lobo. Megan abriu caminho para nós.

            O tal seguidor do Luirith nos mostrou o caminho até sua velha cabana. Um lar bem antigo de formato circular com algumas runas pintadas de preto nas paredes. O lugar possuía até mesmo uma chaminé.

            Do lado de dentro vi um ambiente bastante modesto. Uma pequena cozinha com utensílios que pareciam ter saído direto do século XIV. O quarto possuía algumas runas esculpidas em ferro penduradas no teto acima da cama. E o cheiro lembrava bastante o de flores.

            Colocamos Kaila na cama. Rapidamente o lençol ficou pintado de vermelho. Ela sentia muita dor. Eu mal conseguia ver aquilo. Theo respirava muito alto, era o mais nervoso de todos. E do lado de fora, o outro lobo ainda uivava.

— Isso não é bom... — Falou, o tal bruxo.

— O que não é bom? — Perguntou Theo, deslizando seus dedos dentre os lábios, nervoso.

— Ele não está gritando de dor. — Afirmou. — Está chamando reforços.

            Olhei para Megan que parecia bastante assustada. Corri até a janela dando uma espiada. Procurei por sinal de mais algum lobo, mas não encontrei.

            Kaila gritou novamente, fui até ela. Estava sangrando bastante. O bruxo explicou como o ferimento foi profundo. Uma das garras tinha penetrado fundo na barriga dela. Kaila precisaria ir a um hospital, o mais rápido possível.

— Você não consegue fazer algum feitiço ou magia? — Perguntou Megan desesperada.

— Olha, amiga, até dá, mas não é simples. E eu preciso de ingredientes, coisas que eu não tenho num momento. — Respondeu. — Temos que leva-la para um hospital.

            Theo estava caminhando em círculos pensando em alguma maneira de sairmos dali sem morrer no processo. Foi quando chamou a minha atenção para algo.

            Olhei pela janela e tomei um susto. Haviam outros dois lobos. Estavam bem próximos e irritados. Eram do mesmo tamanho que o outro ferido. Pelos de cor marrom, e olhos tão escuros quanto uma noite sem estrelas.

— Olha, eu até consigo colocar um para dormir, mas dois já é sacanagem! — Exclamou o bruxo desencorajado.

            Ele estava certo. Kaila era a nossa melhor opção, e ela já estava bastante ferida com a última luta. Nós precisávamos pensar em algo para fazer, ou viraríamos comida de lobo.

            Fiquei tão preocupado pensando em como tirar todos nós daquela situação que nem percebi o que Theodore tinha visto. Ele se pegou encarando fixamente a janela, não estava olhando para os lobos amedrontadores, mas sim para uma outra figura. Tinha alguém do lado de fora. E durante aquele momento de total desespero, nós ouvimos:

— Gwendokai!

            Olhei bem pela janela. O que eu pude ver aliviou até mesmo a minha alma. Era aquela figura estranha que eu tinha encontrado na escola. A que nos salvou. Estava criando um tipo de escudo em torno da casa do bruxo. Um provável efeito da tal palavra estranha que ele tinha gritado.

— Aquilo ali é o que eu acho que é? — O bruxo se questionou como se já soubesse exatamente o que era.

            No instante em que retomei a atenção para a figura estranha, vi que uma luta acontecia. E por mais que o estranho estivesse em desvantagem numeral, ele ainda estava dando uma surra nos dois.

            Eu vi suas mãos acenderem com uma luz mágica. Ele as juntou fazendo um movimento na horizontal. Ao juntar, toda aquela luz se concentrou. Ela piscava muito. E o som era bastante semelhante ao de eletricidade. Quando a figura gritou “Sadurzai”, toda aquela energia se foi de suas mãos. Ela correu em direção aos lobos como um raio. E quando os atingiu, os dois foram eletrocutados. Gritaram de dor. Cambalearam, perdendo o controle e caíram no chão. Mas eles ainda estavam vivos, e bem mais irritados apesar de tudo.

            Um dos lobos saltou na direção da figura do capuz, com a boca aberta pronto para ataca-lo. Mas foi recebido com um chute tão forte que o arremessou contra o outro lobo que rosnava irritado.

— O que é aquilo? — Perguntei.

            Estávamos todos observando aquela luta. Ele parecia saber cuidar bem da situação. E como antes, seu corpo estava coberto por aquela névoa negra que parecia agir como uma roupa viva.

— É um khallium. — Ele respondeu.

— Um o quê? — Theo questionou.

— Mas isso está do nosso lado? — Megan questionou.

            Ele continuava a socar os lobos. Parecia dominar algum tipo de arte marcial. Pegou impulso correndo até uma árvore, saltou e continuou a correr nela como se anulasse a gravidade. Deu uma cambalhota no ar e gritou:

— Sadurzai! — Sua voz ainda parecia duplicada, como se outra pessoa com uma voz mais grossa falasse junto a ele como em um coro. Isso confundia bastante, pois não permitia a nós entendermos sua verdadeira voz.

            Ainda no ar, um feixe de luz saiu de sua mão atingindo um dos lobos, o jogando para longe. Era o mesmo tipo de magia envolvendo eletricidade. Porém, dessa vez, um pouco mais concentrada. Sua mão ainda estava brilhando de cor branca. Aproveitou para socar o outro lobo que falhou em se defender.

— Espero que sim... — Disse o bruxo.

— O que é um Khallium? — Interroguei.

— De acordo com uma antiga mitologia, chamada Dohran. Quando um deus antigo morreu, seu sangue caiu sobre alguns seres que estavam prestes a nascer. Esses seres acabaram sendo dotados de uma pureza incrível e grandes poderes. — Ele fez uma pausa. — A lenda diz, que o sangue desse deus cai sobre alguns seres até hoje.

— Mais história, ótimo... — Theo resmungou.

— Mas isso é raro. É muito raro encontrar um Khallium, e você não tem noção da sorte que é ter um Khallium como amigo.

— Por quê...?

— Eles são dotados de um coração tão puro, que se matariam sem pensar duas vezes, da maneira mais dolorosa, para salvar até alguém que eles não gostam. Ter a amizade de um khallium é como ser abençoado pelos deuses.

            Os khallium eram realmente seres a serem estudados, mas aquele ali não parecia ser muito amigável. E depois do que eu ouvi, só queria descobrir quem era aquele homem.

            Ele olhou diretamente nos meus olhos depois que terminou a luta. Os lobos estavam inconscientes. Senti um certo calafrio na alma quando ele me fitou.

            Achei que iria desaparecer como da última vez, fazendo aquele mistério, mas foi diferente. Ele veio até nós. Abri a porta sentindo uma certa confiança. Estava cara-a-cara com ele e ainda assim não conseguia ver o seu rosto.

— Você tem um nome? — Perguntou o bruxo.

            Ele estava olhando para o corpo de Kaila repousando na cama. Parecia saber de algo.

— Você primeiro, bruxo. — Intimidou. Quando ouvi sua voz mais de perto, pude notar que não eram apenas duas vozes falando, mas sim várias.

            Ele respirou fundo, nos olhando, parecia impaciente. E eu entendia, sua vida até então estava “boa”, chegamos e ele quase morreu.

— Eli Allard. — Falou, o bruxo. Foi a primeira vez que eu ouvi seu nome.

— Allard? — Perguntou, o Khallium. — Já ouvi falar na sua família. Deixam um membro nas cidades com maior índice de atividade sobrenatural para protegerem.

— Não é bem pra isso, mas serve. Quem és tu? — Perguntou cruzando seus braços.

            Ele parou de falar, achei que iria embora, mas não foi o que aconteceu. Toda aquela névoa que estava no seu corpo desapareceu num segundo. Aquele manto vivo estranho tinha ido embora dando a vez a roupas mais casuais, cocei os olhos para ver se estava sonhando. Mas quem ele se revelou me deixou bastante surpreso, não só a mim, como deixou Theo e principalmente Megan. Era o próprio Peter. De repente, toda aquela aura negra e densa tinha dado espaço ao garoto fofo que eu tinha conhecido a pouco tempo.

— Você?! — Gritou Megan. Bufou passando a mão na testa. — Eu não creio!

— Caramba, mais alguém aqui tem algum segredo?! — Perguntei chocado.

— Eu ainda jogo Dota... — Theo sussurrou.

— A gente conversa sobre isso depois! — Dei de dedo na cara dele decepcionado.

            Peter ajeitou seus óculos. Caminhou até Kaila, vi sua mão ficar branca novamente. Aproximou bem dela.

— O que você vai fazer? — Perguntei com receio.

— Ai, cala a boca, hetero! — Eli resmungou.

            Me contive, Peter encostou sua mão no ferimento dela. Estava bem feio. Um brilho maior cobriu todo o hematoma, foi quando o khallium começou a se sentir incomodado. Era como se ele estivesse sentindo toda a dor dela. Fechou seus olhos e se conteve para não gritar.

— Peter, você tá bem? — Megan perguntou.

            Ele continuou com aquilo, o que me deixou com uma certa agonia. Nunca imaginaria que um garoto como aquele seria um ser místico, por mais que fizesse sentido. Já que um khallium é um ser puro e dotado de bondade, o que até então tinha batido com ele.

            Ele se sentiu tonto, quase perdendo o controle. Fechou seus olhos, pude notar que estava bem mal. Quase despencou, o segurei nos meus braços evitando uma bela queda.

— Chega Peter, descansa um pouco. — Falei calmo.

            Kaila abriu seus olhos, acordou. O machucado havia sumido. Era o que eu esperava, já não estava tão surpreso, mas muito agradecido ao Peter. Todo aquele ferimento feio sumiu, era como se nunca nem tivesse existido.

— Eu estou bem, obrigado. — Agradeceu sorrindo, aquele lindo sorriso.

— Sou eu quem tem que agradecer.

 

 

O cemitério de Westwood

As coisas estavam começando a melhorar, mas ainda eram muito confusas. Peter é um Khallium, e eu nem conseguia entender direito o que era aquilo.

            Eu saí numa missão com uma garota-loba para encontrar um bruxo que entregaria a localização de um artefato mágico que daria um poder incrível. E se esse artefato caísse nas mãos do tal Fenrir, as coisas poderiam acabar bem mal. Nada disso parecia real, mas toda vez que eu olhava para Kaila eu lembrava que tudo é possível.

            Eli e Theo estavam na porta da pequena cabana. Estavam de guarda procurando por possíveis ameaças enquanto conversavam. No outro canto Megan e Peter tinham uma conversa bem séria sobre quem ele realmente é.

            Kaila estava sentada na cama, sua respiração já estava normal. Me sentei ao seu lado, pude ver um pouco mais de perto alguns arranhões que ainda estavam em seu corpo. Peter tinha curado aquele hematoma gigantesco, mas algumas feridas da luta ainda estavam lá. Aposto que aqueles machucados teriam sumido caso Peter continuasse a curá-la, mas não era seguro para ele.

— O que eu perdi? — Perguntou, sua voz ainda estava fraca.

— Um Khallium dando uma surra em alguns lobos. — Respondi dando um copo d’água para ela.

            Ela recuou a testa me parecendo bastante surpresa. Rapidamente questionou sobre o Khallium, e como eu sabia o que era um. Expliquei toda a situação o que aliviou tudo.

            Olhei para Peter, ainda conversava com Megan, foi a primeira vez que eu o vi sério. Ainda era bem lindo. Não conseguia parar de pensar no que teria acontecido caso ele não tivesse aparecido.

            Estava começando a ficar tarde. Vi Eli indo preparar alguma coisa naquele velho fogão. Pegou algumas ervas em um pote, as misturou com uma água fervendo e tomou. Pareceu bem quente.

            Fui tomar um pouco de ar, a janela mais próxima estava aberta. Era um momento para refletir, mas eu conseguia ouvir a conversa entre Peter e Megan. Fingia que não estava prestando atenção, mas continuei a ouvir.

— Então você é de Ravensworth... — Disse Megan.

            Kaila se levantou fazendo um certo barulho. Foi conversar com Theo e Eli. Theo ficou bem surpreso ao vê-la de pé tão rápido. Estava mais desacostumado que eu com toda essa magia.

— Mas por que veio para cá? — Ela perguntou, retornei minha atenção na conversa.

— É complicado... — Respondeu revirando sua cabeça. — O meu namorado foi morto pelo alfa de uma matilha. Spencer era uma boa pessoa, não tinha nenhum envolvimento com nada sobrenatural. Foi uma vítima de alguém que estava faminto.

— Sinto muito...

— Peguei um dos betas da matilha e interroguei. Descobri que o alfa é um tal de Fenrir, e que ele estava apenas de passagem na cidade, procurando pelo medalhão de Luirith. E quando ficou com fome decidiu que... — Peter não conseguiu terminar a frase. Deu um nó em sua garganta e começou a gaguejar. Megan o acariciou no ombro com pena. — Descobri que o alfa morava aqui. Não sei exatamente quem ele é, mas sei que ele é daqui. E agora eu busco uma vingança pessoal. Seria mais fácil se a loba soubesse me dizer quem é o alfa, mas dá para sentir daqui o cheiro de magia feita para apagar a memória. O meu palpite é que o tal Fenrir fez isso com ela logo depois dela trair o grupo, como um último golpe. Apagou unicamente o nome verdadeiro dele. Uma jogada inteligente, tenho que confessar. Isso me faz pensar que existem bruxos na matilha dele também.

            Megan bufou. Ela mal sabia o que comentar andou em círculos coçando seu pescoço. Eu também não saberia o que responder. Peter é um cara bem legal, não foi nada pouco justo o que aconteceu com ele.

            Passei pelos dois como se não tivesse escutado nada. Me sentei numa cadeira próximo de Kaila, Eli e Theo, cruzei os dedos e então perguntei.

— Então, qual é o lance com essas runas aí?

— Proteção, obviamente, e expansão de poder. — Ele respondeu com sua voz rouca, porém calma. — Deveria fazer uma também.

— Kaila disse a mesma coisa. Mas eu não entendo... O que protege vocês quando vocês tatuam isso? — Perguntei.

— A cidade foi colonizada por nórdicos, Logan. — Ele respondeu. — As runas funcionam como uma forma de benção. Benção dada por deuses nórdicos.

— Espera, estamos realmente falando de deuses nórdicos? — Theo ficou empolgado. — Tipo, Thor, Odin e Loki? São reais?

— Se você acreditar que eles são...

            Megan e Peter apareceram, pareciam ter resolvido a conversa tensa. Se sentaram conosco. Um olhava para o outro como se tivessem mantido algum segredo.

— Então, vamos ao ponto. — Megan falou ajeitando seus cabelos ruivos. — Você vai nos ajudar com o medalhão ou não?

            Eli respirou fundo. Olhou nos olhos de todos nós ficando um pouco nervoso. Batia os pés como Theodore, não queria falar, mas ao mesmo tempo...

— Ai, está bem! — Gritou, nervoso. — Mas tem mais uma coisa.

            Quase comemorei por ele ter concordado. Eu já tinha comprado aquela briga de uma maneira que eu me sentia muito apegado. Mas eu não fui o único a ter uma reação de alívio ali. Theo e Megan também bufaram.

— Cada artefato tem um valor diferente.

— Como assim?

— O medalhão dá uma grande força mágica ao indivíduo que o possuí. O anel dá ao portador uma sabedoria inquestionável. A espada, um poder assustador, tão forte que poucos conseguem manuseá-la. E o colar entrega a imortalidade. — Fez uma pausa. — São artefatos tentadores, e quando vocês pegarem o primeiro, precisarão pegar os outros. Já que em mãos erradas isso pode causar uma catástrofe.

            Eli estava certo. Se alguém juntasse os quatro artefatos em função de algo mal, seria um desastre. Nós precisávamos deixá-los em algum lugar seguro.

— É uma questão de tempo até o Fenrir descobrir onde está o medalhão. Existem criaturas sobrenaturais que podem rastreá-lo. E não tenho dúvidas de que ele deve estar torturando algumas delas nesse exato momento. Por isso irei contar a vocês. Precisamos protege-los.

— E onde ele está? — Kaila perguntou.

— Na tumba de Luirith, no cemitério de Westwood.

            Quase ri quando ele disse aquilo. Era um pouco óbvio, mas nenhum de nós pensou naquilo, e nem os lobos de Loki. Como ninguém tinha pensado naquilo antes?

— Mais uma coisa... — Ele levantou seu dedo. — Nunca foi revelado o verdadeiro motivo pelo qual o alfa está fascinado com esse medalhão, não é?

— Na realidade foi... — Theo murmurou, mas foi ignorado.

— O alfa está morrendo. Eu pude sentir quando ele veio aqui com o seu grupo de lobos. Ele tem alguma doença, e o meu palpite é que foi isso que despertou nele essa vontade de querer o medalhão. O câncer. Foi isso que o corrompeu. — Fez uma pausa. — Medo e poder são coisas relativas. Se você tem um, não tem ao outro. Mas os dois tem algo em comum. A capacidade de mudar alguém de maneiras assustadoras. É importante saber disso, saber que não dá para viver com os dois. E Fenrir sabe disso, por isso está correndo atrás de poder.

— Isso não faz sentido. — Theo comentou coçando seu queixo. — Eu posso ser milionário e ter medo de perder todo o meu dinheiro, por exemplo.

— Então nesse caso você nunca teve o verdadeiro poder total sobre essa situação. É o que precisam entender. Precisam entender essa estratégia como ele entendeu, do contrário acabarão mortos.

            Aquilo quase soou otimista saindo da boca de Eli com aquele sorriso e olhos brilhando. Quase se tornou cômico. Deu um nó na minha garganta. Mas ele fez algo que me admirou bastante, conseguiu calar a boca de Theodore.

            Resolvemos aquele problema, mas agora tínhamos uma missão. Resgatar o medalhão.

            Já estava escurecendo, nos levantamos para irmos embora. Peter prometeu ficar de olho na cabana de Eli, protegendo a mesma contra os lobos de Loki. Eles saíram pela porta da frente, mas quando eu fui sair, Eli segurou meu braço. Os outros não viram, foram na frente para o carro.

— Eu percebi que você é um cara determinado e corajoso. — Cochichou. — Mas eu não preciso ser um vidente para saber que isso vai te matar. Tome cuidado, você está comprando a briga de seres dos quais você não conhece. Eu sei que isso faz parte da sua personalidade.

            Acenei com a cabeça concordando com o que ele disse. Fazia sentido, tenho essa mania de comprar uma briga pelo lado certo, quando vejo algo errado. Mas ao mesmo tempo isso poderia me matar, e pior que isso, poderia matar as pessoas ao meu redor. Cada um deles estava envolvido por causa de mim. Um tanto quanto irresponsável da minha parte. E Eli fez eu me arrepender de ter contado para os meus amigos sobre a loba quando ele falou aquilo. Me despedi dele. Caminhamos um pouco, e vi Peter desaparecer naquela névoa escura. Já estava muito mais do que na hora de nós irmos para as nossas casas...

            Um tempo se passou. Era domingo, acordei, me arrumei colocando as roupas mais quentes possíveis. Mal tomei café da manhã. Saímos bem cedo, as oito horas. Ainda havia uma certa neblina cobrindo as ruas. Estávamos no meu carro dessa vez. O pai de Theo havia se voluntariado para arruma-lo. Kaila e eu na frente, Theo e Megan atrás. Peter optou por ir sozinho até o local.

            Durante o caminho me peguei pensando um pouco sobre algumas coisas. Como: O que motivava Megan ou Theo a irem atrás desse medalhão? Até algum tempo atrás eu tinha essa imagem de que Megan iria me privar de fazer quaisquer coisas que envolvessem o sobrenatural, mas ali estava ela comigo. E Theo para mim era a pessoa mais medrosa do mundo, além de cética. Alguém que prefere muito mais ouvir as histórias do que propriamente vivencia-las.

            Liguei o rádio e sintonizei na primeira música que apareceu. Olhei pelo retrovisor para Theo quando notei que era Heroes – David Bowie. Era o destino, não podia ser outra coisa. Essa música sempre me lembrou de momentos felizes, como as maratonas de jogos no verão passado com Theo. Ele trazia o seu poderoso notebook para a minha casa e muitas garrafas de energético. E eu comprava as pizzas. Me lembro exatamente do quão irritado meu pai ficava quando via meu quarto daquele jeito.

            Me peguei cantando um pequeno trecho daquela música em coral com Theo. Ele que mesmo assustado sabendo o que poderia encarar, se via animado por conta do rádio. Pelo menos animou a gente, já que as outras no carro ficaram claramente irritadas, revirando seus olhos. Eu entendo, não é todo dia que se ouve um coral de pessoas desafinadas indo para um cemitério.

            Cruzei a rua e notei outro cartaz de “Procura-se” com uma foto da Kaila. Todos nós vimos, mas evitamos falar qualquer coisa sobre isso. Sorri para ela, estava linda como sempre. Usando aquela toca marrom, um casaco verde escuro e uma calça com um rasgo estiloso. Megan realmente sabia como escolher roupas.

            Estacionei o carro em frente à igreja que fica ao lado do cemitério. Estávamos quase lá. Descemos todos, e eu travei o carro. Theo se espreguiçou e bocejou. Estava bem pronto. Soltou um sorriso para mim. Megan guardou seu celular no bolso, estava possivelmente falando com Peter.

            Os portões estavam bem abertos. Eram grandes grades de ferro com pontas afiadas. Dois “W” no meio dos portões se destacavam dentre tudo. Dei o primeiro passo e ouvi:

— Com licença... — Era uma voz fina e irritante.

            Olhei para o lado e vi um homem alto, negro e de cabelos crespos dentro de uma cabine. Possivelmente um segurança ou algum tipo de recepcionista. Fosse o que fosse, ele dava medo, tinha aquele olhar autoritário e fuzilador.

— O que crianças como vocês fazem por aqui? — Perguntou.

            Troquei olhares com o grupo, eu não sabia o que responder. Era meio óbvio que iriamos ver algum morto, mas aquela pergunta deu um nó na garganta de todos.

— Eles estão comigo. — Peter apareceu atrás de mim me dando o maior susto. Ninguém tinha visto ele chegar. Ajeitou seus óculos e sorriu para o segurança. — Sou Peter Voncroft.

            O homem checou os registros em seu computador e pareceu ter achado o nome dele. O olhou dos pés a cabeça. Analisando suas roupas pretas. Uma calça e um colete social, com uma blusa igualmente social por baixo. Além das botas que aparentavam serem caras. O porteiro liberou a passagem para nós que andamos sem dar um pio. Mesmo ainda nos olhando com aqueles olhos de desconfiado.

            Já na pequena passarela conseguimos avistar os primeiros túmulos naquela grama verde. Um pequeno riacho e uma loja de flores mais ao canto. O local todo era muito bonito e colorido.

— Se existem lobisomens, existem fantasmas também? — Theodore questionou.

— Provavelmente sim... — Respondi.

— Não que eu tenha visto algum, mas sei que existem. — Disse Peter sorrindo enquanto ajeitava seus óculos.

            Continuamos a andar chegando a avistar as primeiras tumbas. Kaila nos contou mais sobre Luirith. Segundo ela, o feiticeiro não estava numa simples tumba. Todo um altar no subterrâneo foi feito, já que ele recebia muitos adoradores.

            Andamos um pouco mais e vimos algumas pessoas passarem por ali. Todas muito bem agasalhadas, algumas chorando e outras sem expressão alguma. Aquilo de certa maneira deixou Peter um pouco mal. Mas foi quando nós passamos por perto de um enterro que estava acontecendo que as coisas ficaram mais estranhas.

            Várias pessoas vestidas de preto chorando ao redor do caixão. Um padre fazendo um discurso e a foto de um garoto sorrindo. O pobre coitado deveria ter no máximo cinco anos. Aquilo afetou o grupo todo que passou por ali sem comentar nada.

            O pior de tudo foi ouvir da própria mãe chorando em desespero que ela não pôde nem ver o corpo do próprio filho. Pois o mesmo não foi encontrado.

            Aquele clima todo nos colocou muito para baixo, mas precisávamos andar. Megan nos avisou quando avistou a entrada para uma tumba subterrânea a alguns metros de distância do enterro. O lugar estava aberto. Descemos a escada quando lemos o letreiro acima que dizia “Luirith Bloodmoon”.

            Apesar das muitas velas espalhadas por todos os cantos estreitos, a vista ainda era muito escura. O espaço era pouco, mas definitivamente era um altar. No centro, um receptáculo feito de pedra com desenhos de muitas runas das quais eu não sabia o significado.

— Chegamos, é isso. — Megan apontou para a receptáculo. Sua voz saiu com eco por conta do local.

— Tá, agora como a gente abre isso aí sem que ninguém... — Theo foi interrompido quando Kaila e Peter levantaram a tampa do receptáculo a jogando no chão. — Esquece...

            Olhei dentro daquele receptáculo e tomei um susto. Esperava encontrar os restos dos ossos de Luirith, mas não estavam lá. Apenas um pano vermelho que estava cobrindo o tão falado medalhão.

            Ele era lindo. Dourado e muito chamativo. Tinha um desenho de uma runa, aquela eu conhecia. A runa de Fehu, conhecida por ser representada por “riquezas materiais e espirituais, sucesso e vitória”. Eu bufei, estava mais tranquilo. Finalmente tínhamos encontrado aquilo. Quis até gritar.

— O receptáculo está encantado, por isso não conseguimos ver nada na última vez que eu vim. — Kaila comentou. — Tudo o que eu tinha visto eram restos mortais. De alguma maneira o receptáculo deve entender as suas intenções com o medalhão, fazendo você ver ou não ver o que é real.

            Kaila deu passos curtos e lentos com receio se aproximando do receptáculo. Pegou o medalhão pelo pano vermelho. Foi quando finalmente nos sentimos mais aliviados. Deu uma leve risada olhando para Peter e Theo. Megan foi quem mais ficou encantada com o artefato antigo.

— É isso então. — Bufei. — E agora?

— A gente comemora. — Megan respondeu balançando a cabeça com aquele sorriso.

            Deu tudo certo. Tínhamos o medalhão e estávamos plenamente confiantes. Deixamos o local em direção ao estacionamento, escondendo na bolsa da Megan o artefato do Luirith. Todo cuidado era necessário, e quando passámos por aquele “segurança” o alívio foi maior ainda. Entramos no carro com a maior pressa do mundo, torcendo para que ninguém notasse nada de errado. Mesmo que a gente tivesse arrumado as coisas de volta.

            Quando voltamos para aquela cabana velha, porém modesta, do Eli, ele nos recebeu bem mais feliz do que antes. Bem ansioso para ver o tal artefato de qual tanto falou. Estava com um sorriso de orelha-a-orelha.

            Kaila o colocou sobre a mesa. A mesa já tinha algumas coisas como pães e muito chá, o saboroso cheiro daquele chá me encantava muito. E eu nem sabia do que eram feitos aqueles chás.

            Eli ficou de pé, fechou seus olhos e se concentrou bastante. Suas mãos estavam juntas, e quando ele as abriu, um portal se abriu junto. Nunca vou me esquecer de quando eu vi aquilo bem na minha frente.

            Uma corrente de vento veio sobre nós logo em seguida. Aquele portal tinha quase um metro de altura e estava no ar. Nada o sustentava. Todos nós ficamos impressionados com aquela magia, todos menos Peter que agiu como se já tivesse vistos coisas como aquela antes.

            Olhamos para dentro do portal. Dava para ver uma sala branca e muito bem iluminada. Estava limpa. Uma mesa logo na frente da parede. Eli atravessou seu braço no portal com o medalhão em sua mão. O colocou sobre a mesa e fechou o portal. Sessando a corrente de vento.

— Minha nossa senhora... — Disse Theo impressionado passando a mão no rosto.

— E agora, o que a gente faz? — Perguntei.

— Vivem suas vidas chatas e angustiantes enquanto eu procuro a localização do próximo artefato.

— Me parece uma boa ideia. — Megan concordou.

— Mas isso não significa que acabou... Os Lobos de Loki ainda estão atrás de nós. E Kaila ainda corre perigo... — Eli nos atentou, fez eu me lembrar que nem tudo ainda estava resolvido.

            Passamos mais alguns minutos ali conversando sobre a cidade e toda sua influência com a cultura nórdica. A importância do povo Viking nessas terras e no que isso acarretou.

            De acordo com Eli, o principal motivo do grande número de criaturas sobrenaturais nesse lugar é justamente porquê não são perseguidas nessa cidade. Mesmo assim, ainda existem as outras que vêm para cá somente para caçar, e essas de acordo com ele que são as mais perigosas.

            Deixamos o lar de Eli depois de muita troca de conversa. Cada um voltou para sua casa. Os próximos dias seriam cansativos.


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