Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 19
Capítulo 18




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A Prata e a Água

Agora eu estava na outra margem do rio e mesmo de noite eu podia ver os animais se movimentando ao meu redor. Alguns macacos se comunicavam em uma melodia primitiva e linda de ser ouvida, sapos coaxavam e poucos pássaros voavam acima de mim, procurando um lar para repousar suas asas depois de um longo dia.

Uma fauna e flora completamente diferente da que estou acostumada. Uma mistura de alegria e sobrevivência, abraçada pelo manto escuro das copas cheias de vida e iluminada pelos canhões tímidos de luz das estrelas brilhantes no céu.

A lua fornecia luz o suficiente para os soldados do rei e os outros participantes da cavalaria enxergarem a trilha a nossa frente, mas para eles não seria seguro continuar a viagem. O entreposto desse lado era bem maior, tinha dois andares e uma grande torre de iluminação, eu podia ver com clareza a selva estando dentro do raio de dois quilômetros que a torre iluminava. Outras construções ocupavam a área iluminada e assumo que a maior seja o quarto do rei. Era como uma vila, pequena, porém funcional.

Me sento em um banco de madeira perto da fogueira que nos esperava, não estava com frio, mas parecia o lugar mais longe de toda a comitiva. Alguns homens fritavam peixes para o nosso jantar, mas eu não estava com fome e pelo visto nem o rei, que entrou em sua cabana de metal assim que pisou nesse lado da margem.

Suspiro aproveitando o vento úmido e quente da selva, diferentemente da Alta Corte, a brisa não tinha o odor salgado do mar, mas sim um cheiro amadeirado e terroso.

Aqui eu seria uma péssima caçadora, pois tudo parecia úmido demais e meu odor seria completamente diferente do resto da selva, todos os animais notariam a mudança. O chão era recoberto por folhas e a terra por baixo dessa cama extra de barulho não parecia ser firme o suficiente para abafar os meus passos, tudo isso prejudicaria a caça.

Sinto a aljava tilintar, queria e precisava ser usada, afinal passou uma semana inutilizada. Observo os homens do rei, estava se preparando para passar a noite, arrumando suas barracas e guardando suas espadas. Sendo uma elfa eu não precisava dormir como os humanos, o fazia por conveniência, mas o cansaço vinha de forma diferente para a minha espécie. Meus passos são calculados, dez para escapar da iluminação potente do poste e mais dois para me embrenhar na mata.

Ninguém pareceu notar quando desapareci na escuridão da selva.

Respiro fundo sentindo a liberdade penetrar cada átomo do meu corpo. É o sentimento que sempre me atinge quando caço, uma forma diferente de adrenalina corre em minhas veias, fazendo meu corpo aquecer e meu cérebro focar em uma só tarefa: achar minha presa.

Não precisava me olhar no espelho para saber que minha aparência estava mudando, pois eu sentia minhas veias pulsando, tornando-se cada vez mais visíveis, como ramos esverdeados de uma árvore, só que pulsavam em minha pele num tom de prata venenoso.

Meus olhos provavelmente estariam pratas a essa altura, ajustando-se à escuridão da noite. Se algum humano estivesse ao meu lado agora, enxergaria muito menos da metade do que estou vendo, pois sua fonte de luz era a lua, enquanto a minha era a vida que existia e vibrava ali.

Acelero com cuidado, analisando o barulho de meus pés.

Barulho.

Correr pelo caminho coberto por folhas era fatal, minha caça não renderia nada. Me agarro em um cipó, impulsionando meu corpo para cima, agarrando o primeiro galho que vejo. Agacho-me no galho, segurando com força o arco e observo tudo ao meu redor. À minha direita estava o rio e à esquerda, a imensidão selvagem.

Um rugido fraco chega aos meus ouvidos, diferente de tudo o que já ouvi em toda a minha vida. Não era um lobo, disso eu tinha certeza, nem um puma, muito menos um urso polar. A curiosidade faz meu corpo mover, pulando de galho em galho, chegando cada vez mais perto do barulho. Em cima das árvores eu era muito mais silenciosa do que no chão e isso me dava confiança o suficiente para manter um ritmo acelerado pela mata.

Presto bastante atenção no meu caminho, afinal depois da caçada eu precisaria voltar para o entreposto e me perder nessa mata parecia ser a coisa mais ridícula. Meu pai sempre dizia que um bom caçador não é aquele que sabe perseguir uma presa e sim aquele que não se perde.

Um sorriso singelo surge em meus lábios, meu pai adoraria esse lugar, tão cheio de vida e cheiros que fazia meu coração palpitar de excitação. A mata ao redor de Elfdale era tão diferente, pois era silenciosa, o frio tornava a caçada tão mais difícil, já que o próprio chão se tornava seu pior inimigo e grande parte dos animais estava hibernando.

A medida que eu me aproximava do barulho, meus olhos são capazes de captar o dono de tão sutil, porém poderoso som. O animal que rugia era diferente de todos que já vi, sua pelagem era engraçada, amarela parda no dorso e branca na barriga, cheia de manchas pretas. Parecia ter sido pintada por um pincel de cerdas gordas. Suas orelhas eram redondas, como as de um urso, e seu bigode era branco e comprido.

Se movimentava pela mata como um rei anda pelo seu palácio, de forma elegante e irreverente. Ela mandava no local e algo dentro de mim dizia que não deveria matá-la. Era tão linda que consegui apenas observá-la passar a metros de distância de mim para se refrescar no rio.

— Se chama onça — Uma voz ecoa pela escuridão — Onça-pintada.

Expiro, olhando para baixo. Se fosse louca, eu o mataria naquele exato instante.

— O que quer, Skander?

— Você desapareceu do entreposto — Olhou para cima, com um sorriso idiotamente bonito — Achei que estava tentando fugir.

— Só se for de você… — Volto a minha atenção para onça, ela ignorava a gente solenemente — Queria caçar, mas até nisso você me atrapalha.

— Desculpe-me, milady, por me preocupar — Retrucou, jogando uma maçã para mim. Apenas observo ela subir a altura dos meus olhos e depois descer — Não acredito que quer caçar uma onça…

— Não vou — Minha voz soou seca e grossa, esperava com todo o meu coração que ele entendesse o recado.

— Nunca caçou por essas bandas, Kyan — Continuou, mordendo a fruta — É mais provável que se torne a presa do que o predador.

— Achei que tivesse um pouco mais de fé em mim, Skander — Murmurei, dando um pulo para trás e caindo em pé atrás dele.

— Como você mesma disse, Kyanite — Se virou, encarando-me por um momento antes de falar. Parecia levemente assustado… “Ah! Meus olhos”, lembrei-me — Eu mal te conheço.

Um sorriso presunçoso assumiu seus lábios enquanto ele me entregava uma fatia de pão.

— Se não me conhece, porque me seguiu pelo meio da selva? — Indaguei caminhando de volta para o entreposto.

— Por que, diferentemente de você, quero te conhecer melhor — Ele andava ao meu lado, com as mãos nos bolsos de seu casaco marrom.

Suspirei, comendo o pão e evitando encará-lo. Caçar com ele ao meu lado seria impossível, Skander era barulhento demais e fedia a rum, sabia que qualquer animal em um raio de cinco quilômetros podia sentir o seu cheiro. Capitão Valir pescava com redes provavelmente, não entendia o silêncio necessário para abater uma presa de quatro patas.

— Seus olhos estão… — Falou, tocando o meu ombro e virando-me para si — Lindos.

Sinto minhas bochechas aquecerem violentamente. Era perceptível que para ele, elogios são tão simples, normais, tão rotineiro quanto escovar os dentes ou respirar. Deve ter se acostumado com a vida nos portos, rodeado por mulheres e homens sedentos por calor humano e uma boa cama. Para mim os elogios sempre vinham depois de um sucesso meu ou marcados por uma mágoa e ódio tão profundos que pareciam ter saído do buraco mais infernal de Elvenore.

— Kyanite…

A voz rouca de Dominic preenche a minha mente, fazendo um calafrio percorrer a minha espinha. Eu odiava adorar como ele falou o meu nome naquela sacada, odiava saber que meus olhos ficaram rosas por ele e, acima de tudo isso, me odiava por quer saboreado aquele momento. Balanço a cabeça, tentando me afastar da memória e acabo me embrenhando cada vez mais no toque quente de Skander.

Suas mãos tocam a minha bochecha, fazendo eu me engasgar com a comida. Seu toque era tão devastadoramente quente que tudo ao meu redor se tornou úmido e abafado. Eu podia jurar que um vulcão entraria em erupção em qualquer momento…

Talvez fosse a vergonha me consumindo por lutar contra as migalhas que incomodavam a minha garganta, ou talvez eu não estivesse acostumada com o tipo de calor que Skander transmitia.

“Não…”, pensei “Estou sendo ridícula demais”

Me afasto instantaneamente dele, tropeçando nas raízes aéreas atrás de mim. Tudo ao meu redor se tornou um borrão de terra, galhos, sujeira e estrelas. Estava rolando barranco abaixo como uma completa idiota. Tentava parar, mas tudo parecia tão mole que mal conseguia me sustentar. Meu corpo reclamava, algumas partes de minha pele ardiam. A cada rolamento que eu fazia, eu era atingida ou por uma raiz ou por uma pedra.

Até que tudo para de girar.

Splash.

E eu sinto a água envolver o meu corpo. Por um momento eu tinha certeza que tinha apagado, por que um frio molhado tinha me coberto com um manto escuro e aconchegante e nada em mim ardia.

Estava envolta por um abraço maternal e todos os meus machucados milagrosamente estavam cicatrizados, meus joelhos não estavam mais doendo, as farpas que pinicavam a pele da minha mão não existiam mais.

Era como se eu não tivesse rolado barranco abaixo.

Tudo que me envolvia era uma luz de um azul-escuro denso e cintilante, quente e fria ao mesmo tempo.

Sinto mãos quentes segurarem as minhas costas e me levando até a superfície. Respiro fundo o ar quente e amadeirado, acalmando o meu coração e o meu corpo. O cheiro de mata e umidade penetram os meus pulmões como a água entrou em meu corpo e curou todas as minhas dores de ferimentos. Skander me cola contra seu peito, passando suas mãos em meus cabelos com cuidado.

— Sua praga de elfa… — Vociferou, sua voz vibrava contra a minha pele — O que tem na cabeça?

— Não deveria ficar perto de uma praga — Brinquei, aproveitando o calor de seu corpo. Naquele momento percebi como estava tremendo, meus dentes se chocavam uns contra os outros como se fossem maiores inimigos — As pessoas morrem…

— Antes de matar alguém, você vai se matar — Ele me segura pela nuca, seus dedos cravando na pele do meu pescoço, forçando-me a encarar seus olhos verdes amarronzados, toda a preocupação se dissipou e um sorriso surgiu em seus lábios — Isso foi a coisa mais ridícula que já vi na vida…

Sua risada percorre o meu corpo como uma corrente elétrica, deixando todos os meus pelos eretos e derrubando todas as barreiras que ergui contra ele. Seu calor era tão tranquilizante que me permiti apoiar minhas mãos em seu peito, sentindo sua manta de linho molhada e seus músculos definidos.

Skander me segura pelas coxas com força depois que me estabilizo, grudando meu corpo ao dele. Ele me carrega para fora da água, sentando-me na margem para analisar meus ferimentos, ou melhor dizendo, a falta deles.

— É feita de ferro por algum acaso? — Indagou tocando a parte da minha calça que estava rasgada, procurando algum tipo de ferida — Não há nenhum machucado!

Me calo, encarando a minha pele. Ela estava normal, não cintilava… “Talvez só fizesse isso na água do mar”, pensei.

Meu segredo estava a salvo, quer dizer, mais ou menos.

— Esquece — Murmurou, me ajudando a levantar — Vamos voltar para o entreposto antes que tente se matar de novo.

— Boa ideia — Sorrio, encarando-o.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado!



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