Wounded escrita por nywphadora


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Esta fanfic pertence ao projeto Março Remadora (@remarchdora) do Twitter.



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Penny foi a primeira do grupo a completar 17 anos, no meio de setembro do sexto ano delas. Ela descobriu em menos de um ano quem era sua alma gêmea, mesmo que Mila não tivesse feito aniversário ainda. Era meio difícil não perceber a enorme coincidência de todas as vezes que ela se machucava, Penny aparecia roxa. Era fácil tendo uma convivência diária.

A senhora Weasley usava isso como desculpa para tentar convencer Charlie a desistir de trabalhar como dragonologista. E apesar do garoto estar cansado daquele assunto, ele fazia uma exceção quando era para perturbar Tonks.

— Eu realmente tenho pena da sua alma gêmea — ele comentou depois de vê-la esbarrar contra a mesa.

Com certeza a sua cintura ficaria roxa, e consequentemente a da sua alma gêmea também.

Quando era criança, sua mãe contava a história sobre como um bruxo, havia muitos anos, afastado de sua amada por causa da guerra, interligou-os de forma que soubesse sempre quando ela estivesse ferida, mas o feitiço deu errado e os dois sentiam quando o outro estava ferido, as suas peles adquiriam cicatrizes, arranhões e até mesmo hematomas ao mesmo tempo. E todos os seus descendentes foram "amaldiçoados" — sua mãe nunca chamou de maldição, mas era uma boa definição — com essa ligação.

Agora, mais velha, ela tinha muitas perguntas. Quem foi o filho da puta? Por que pensou que aquela seria uma ótima ideia? Eles eram todos descendentes daquele casal? Não tinha como se livrar daquela ligação? Era possível alguém não ter uma alma gêmea? Talvez o Departamento de Mistérios pesquisasse sobre isso.

— Engraçado você assumir que a minha alma gêmea já tem 17 anos — ela retrucou.

— Você vai ter daqui a duas semanas — Charlie cantarolou, irritantemente.

Não bastava marcar a maioridade bruxa, os 17 anos também marcavam uma espécie de procura de almas gêmeas. Particularmente achava uma forma muito ridícula de descobrir quem é o seu "predestinado" (ou predestinada), seria mais fácil se aparecesse uma tatuagem com nome e sobrenome na sua testa. Para ela não fazia diferença, era metamorfomaga, podia esconder qualquer machucado que surgisse, era muito boa nisso.

Inevitavelmente, dia 20 de maio, Tonks completou os seus 17 anos. E tudo ia bem — sua alma gêmea não era tão desastrada quanto ela —, mas então chegou o começo de junho e em uma noite ela levantou-se sobressaltada da cama quando sentiu a sua pele rasgar-se em um arranhão. E depois outro.

Mila agiu rápido, puxando-a para o banheiro e erguendo um feitiço silenciador para não acordar as outras colegas de quarto. Os machucados pararam de surgir às quatro da manhã.

— O que foi isso? — perguntou com a voz rouca, sem conseguir raciocinar direito pelo sono e pela dor.

A amiga não respondeu, abrindo uma das gavetas da pia para tirar uma das poções que Penny fazia no tempo livre. Reconheceu a essência de ditamno, por pior que fosse nas aulas do professor Slughorn. Derramou algumas gotas da poção por cima de uma das feridas, mas não pareceu surtir muito efeito.

— Tonks... — disse Mila, hesitante — Eu acho que sua alma gêmea é um lobisomem.

Sobressaltaram-se ao escutar batidas na porta do banheiro. Quem já tinha acordado? As aulas só começavam às sete. Levantou-se, cambaleando até o espelho e então concentrou-se para esconder os arranhões, tinha um na sua bochecha. Se eram mesmo causados por um lobisomem, não curariam nunca.

— Penny? — Mila abriu uma fresta da porta.

— O que está acontecendo? — a loira parecia preocupada.

Ela não parecia saber o que responder, então Tonks resolveu intervir.

— Eu estava passando mal — respondeu — A Mila me escutou vomitando e veio me ajudar, mas já estou melhor.

— Você tem certeza?

— Sim, eu vou voltar para cama agora e tentar dormir mais um pouco.

— Você não acha que deveria ver Madame Pomfrey?

Penny parecia tão preocupada que se sentia mal por mentir para ela.

— Se ela continuar se sentindo mal mais tarde, nós a levamos — Mila intrometeu-se no diálogo — Às vezes eu vomito e já me sinto melhor.

Ela conseguiu dormir bem mal e bem pouco, a única coisa que notou antes de cair no sono foi que a cama de Chiara estava vazia.

— Não podemos contar para ela.

Penny estava dando uma monitoria de poção aos lufanos do quinto ano, então Tonks e Mila aproveitaram o tempo livre para irem até a biblioteca e porem os deveres em dia.

— Ela tem pavor de lobisomens, é o bicho papão dela — continuou dizendo a ruiva.

— Eu sei, tá legal? — Tonks a interrompeu, irritada.

Fechou o livro de Defesa Contra as Artes das Trevas, sem conseguir se concentrar, e puxou para perto um livro sobre lobisomens.

— Se você quer saber mais, deveria ler “Focinho peludo, coração humano” — escutou uma voz no seu ouvido.

Caiu da cadeira com o susto que tomou, fazendo Madame Pince, que já a odiava, fuzilá-la com o olhar. Tulip estava sorrindo sem a menor vergonha, segurando um livro de Transfiguração, ainda de pé atrás da cadeira de Mila.

— Precisava disso? — Tonks reclamou, levantando-se e colocando a cadeira de volta no lugar.

— É um livro que foi publicado em 1975 e o autor é anônimo — continuou Tulip, como se nada tivesse acontecido, com seu ar sabichão — Conta sobre licantropia da perspectiva de um lobisomem, mas eu não sei se tem aqui na biblioteca.

— Parece interessante, considerando que todos os livros retratam eles como bestas incontroláveis — comentou Mila, abrindo uma página do livro que Tonks ia pegar, apenas para ilustrar o que estava dizendo — Não é de se estranhar que o autor seja anônimo.

— Algum motivo específico para pesquisarem sobre isso? Algo sobre as criptas?

— Não, não tem nada a ver com as criptas.

Sentiu dois pares de olhos sobre ela, uma esperando resposta e a outra perguntando silenciosamente se podia falar.

— É a minha alma gêmea — disse Tonks, por fim, deixando aparecer o arranhão do rosto.

— Nossa, isso está feio — Tulip aproximou-se para enxergar melhor.

— É, não cicatrizam, né — comentou, fazendo o arranhão desaparecer.

— Você consegue fazer um falso arranhão aparecer no seu corpo com a metamorfomagia? — a quebradora de regras mostrou-se interessada no assunto.

— Eu nunca tentei — franziu o cenho, pensativa.

Passou o resto do dia lendo o máximo que podia sobre lobisomens, mas como já tinham dito, não havia muita coisa. Era sempre o mesmo: bestas, selvagens, criaturas perigosas, classificação nível 5 do Ministério...

Mas isso não era verdade todas as vezes. Sim, existiam lobisomens como Greyback, mas tinha também...

Chiara.

Ela estava fora da cama na noite anterior e sempre sumia todos os meses.

— Não pode ser ela — disse Mila quase que imediatamente quando ela lhe contou.

— Ela não é lobisomem? — levantou uma sobrancelha, questionando-a.

— Ela é, mas tomou poção mata cão desde que foi mordida. E mesmo que não tomasse, ela não estava com uma cicatriz na bochecha hoje.

Mesmo assim, ela aproximou-se da esquiva lufana. Pelo menos assim saberia alguma coisa sobre lobisomens sem correr o risco de ser influenciada pelos preconceitos da sociedade bruxa.

— O primeiro dia é o pior, mas os próximos três são mais tranquilos, conforme a influência da lua...

— Espera! — Tonks a interrompeu — Próximos três?

— Nos transformamos todas as noites até a mudança da lua, a lua esse mês muda dia 12 — respondeu Chiara, pacientemente — Mas pode ser pior, às vezes a lua demora oito dias para mudar.

— Mas nos livros diz que se transformam uma vez ao mês...

— Nos transformamos quando a lua cheia aparece. A lua cheia apareceu e ela vai ficar pelos próximos três dias. Ah! E a hora muda também. Conforme os dias passam, mais tarde nos transformamos. Ontem era quase dez da noite, hoje vai ser quase às onze, e no último dia é sempre mais perto da meia noite. Dependendo do ciclo lunar, podemos nos transformar duas vezes ao mês, sabe, bem no começo e bem no final. Mas você deu sorte, esse mês foram só quatro dias.

Nenhum livro falava sobre horários e ciclos lunares. Bom, nenhum livro escrito por bruxos que não fossem licantropos, pelo menos, que eram os únicos que ela tinha acesso na biblioteca de Hogwarts.

As coisas não melhoraram muito depois que se formou. A única lobisomem que tinha conhecido até então era Chiara e tinham perdido contato por causa da academia de aurores, que lhe tomou três anos de treinamento e um contato quase nulo com o mundo exterior.

Sabia que Charlie tinha ido lidar com dragões na Romênia.

Bill tinha ido há muito tempo trabalhar para o Gringotes no Egito.

Penny e Mila foram para os Estados Unidos.

Tulip foi trabalhar no Ministério da Magia.

Os seus outros colegas ela não tinha a menor ideia do que fizeram da vida.

Durante aquele tempo, ela só teve que sair em uma missão durante a lua cheia uma vez e foi no último dia de transformação, o menos pior.

— Não conte a ninguém. As pessoas não são nada gentis com lobisomens — foi apenas o que Moody aconselhou quando descobriu — Não se pode confiar em ninguém.

Isso ela já tinha descoberto sozinha.

Nos últimos anos, tinha aprendido muito, tudo o que podia sobre licantropia. Sabia que as transformações anulavam temporariamente a sua habilidade metamorfomaga, então todos seus arranhões anteriores surgiam na superfície de sua pele e não podia escondê-los até que acabasse. Ditamno podia fechar feridas abertas, mas nunca sumir com as cicatrizes, elas eram amaldiçoadas. Sabia que não se transformava porque, além de ser a consequência de ter uma alma gêmea, a maldição só era passada através de mordida quando um lobisomem estivesse transformado. Mordida fora da lua cheia e arranhões podiam passar características lupinas, como preferência por carne crua, mas não a licantropia. E ela ainda gostava da sua carne ao ponto.

Sabia também que as pessoas não tratavam as almas gêmeas de lobisomens melhor do que os próprios lobisomens, embora nunca tivesse conhecido outra pessoa que estivesse na mesma situação que ela.

Bom, ela não era bem vista de qualquer forma, então não fazia diferença. Enquanto Greyback e outros como ele fizeram a fama dos lobisomens, os metamorfomagos eram raros, mas houve um caso no século XVI de um bruxo que usou as suas habilidades de metamorfose para causar o mal, tanto a bruxos quanto trouxas. O caso repercutiu mesmo anos depois porque era difícil de capturar uma pessoa que mudava sua aparência o tempo todo. Não era a mesma coisa porque ela devia ser a única metamorfomaga atualmente na Grã-Bretanha enquanto os lobisomens eram numerosos, mas conseguia ver como algumas pessoas mais velhas e de sangue mais puro torciam o nariz quando ela passava, como se ela fosse de repente roubar a varinha deles do bolso ou a chave do cofre em Gringotes. Isso sem contar os garotos da Academia e alguns da época de Hogwarts que achavam divertido que ela pudesse mudar a sua aparência, como se ela fosse um brinquedo particular em vez de um ser humano com sentimentos.

Mesmo assim, tentava não se importar com isso, tentava usar as suas habilidades para o bem, para o prol do Ministério da Magia na luta contra os bruxos das trevas como sempre foi o seu sonho. E na escola, usava a sua habilidade para pregar peças e divertir os seus amigos, como das vezes em que se transformava nos professores para assustar.

Ela aprendeu a identificar um lobisomem com um simples olhar. Então, é claro, ela soube que Remus Lupin, o seu colega da Ordem da Fênix era um na primeira reunião em que os dois compareceram.

— E como vai com o lance das almas gêmeas?

Tonks nunca teve um tio que ficasse perguntando sobre namorados ou ficasse fazendo piadas sobre comida. Claramente porque o seu tio do “pavê ou pacumê” estava encarcerado em Azkaban.

— Sabia que nem todos têm uma? — ela tentou desviar o assunto — Charlie não tem.

— Você se chama Charlie? — retrucou Sirius.

— Olha, seria um nome muito interessante. Charlotte Tonks. Muito melhor do que Nymphadora.

— Não tem nada de errado com o seu nome — opinou Remus.

— Você gosta do seu nome? — Tonks perguntou.

— Gosto — ele franziu o cenho.

— Então você não pode falar nada do meu nome.

— Ei! Não tem nada de errado com o meu nome.

— O seu nome significa literalmente "lobo criado pelo lobo", o que é bem irônico.

Ela só percebeu o que tinha dito quando tanto Sirius quanto Remus ficaram mudos pela impressão.

— Irônico? Não entendi — Sirius tentou fazer a egípcia, mas não foi nada convincente.

— Há quanto tempo você sabe? — perguntou Remus, decididamente pálido. 

— Sei do quê? — foi a sua vez de tentar disfarçar, tentando moldar as suas unhas com a metamorfomagia.

Conseguiu perceber o clima estranho que ficou na sala. Era uma sorte só estarem os três ali.

— Isso não é grande coisa. Você é um lobisomem, e daí? — tentou arredondar as laterais da unha, mas ela definitivamente preferia o formato quadrado.

— É, e daí? — exclamou Sirius, parecendo aliviado.

— Eu sou perigoso — ele balbuciou.

— Okay, Senhor Perigoso. Eu vou nessa, já deu a minha hora.

Pelo menos a sua boca grande serviu para fazê-los esquecer do assunto das almas gêmeas por um tempo. Quando era noite de lua cheia, Remus não ia às rondas, ele era substituído por Bill, que tinha voltado para a Inglaterra por causa da Ordem.

— Eu acho que encontrei a minha, sabe? — ele comentou certa noite.

Tonks estava mais preocupada pelo fato de que seu corpo não era atingido por arranhões como foi quase todas as vezes nos últimos anos. Sabia que não existia cura para licantropia, então por que...

— Tonks? — Bill pôs a mão no seu ombro.

— Isso é ótimo — ela respondeu — Eu fico feliz por você, de verdade.

— É loucura pensar que estávamos tão longe um do outro. Se não fosse pelo Torneio Tribruxo, não teríamos nos encontrado...

— Espera, o que o Torneio...? — ela começou a perguntar e então entendeu — Fleur Delacour? Aquela garota que você tem ensinado inglês?

— Você parece distraída, está tudo bem? — perguntou Bill, perspicaz.

— É só que... — ela desceu o olhar para as suas mãos — A minha alma gêmea não tem se ferido há um tempo e isso tem me preocupado.

— Por quê? Ela é tão desastrada quanto você? — ele brincou.

Era estranho falar sobre esse assunto com amigos homens, as coisas eram mais simples quando Mila e Chiara estavam por perto, mas fazia muito tempo que não se falavam. A única coisa que sabia era que Mila estava tentando convocar bruxos americanos para a Ordem, mas tudo a distância.

— Não, é a lua cheia... — ela murmurou, olhando para a lua no céu, que ainda não tinha atingido o seu ápice — a deixa agitada.

Não demorou muito para ele entender.

— A sua alma gêmea é lobisomem? — Bill perguntou, mas não em um tom de nojo ou medo, era mais surpreso.

— Nas últimas luas cheias não tenho me machucado. Será que aconteceu alguma coisa? — demonstrou sua preocupação, já esquecendo-se de onde estavam.

— Se tivesse, você provavelmente saberia.

— Depende. Pode ter sido uma maldição da morte...

— Você sentiria o impacto — e acrescentou rapidamente — Ou talvez esteja tomando a poção mata cão, então não precisaria se arranhar, não é? Quero dizer, eu não sei como funciona direito isso...

— Você tem razão — ela voltou a encostar a cabeça na sebe — Não é como se fosse a primeira vez, teve um ano em que estava decididamente mais calma, mas como eu estava tão ocupada com a Academia de Aurores...

Bill ficou estranhamente quieto por alguns minutos.

Pensou que seria melhor voltarem a prestar atenção na casa dos comensais da morte

— Tonks — ele disse depois de um bom tempo —, você não considerou que talvez...

— O quê? — ela não virou o rosto para olhá-lo, concentrada.

— Bom... Lupin também é um lobisomem.

Ela ficou alguns segundos olhando para a frente e então girou lentamente a cabeça na direção dele.

— Isso não significa nada. Quando estava em Hogwarts, pensei que pudesse ser Chiara e não era.

Não fazia mais sentido ficar escondendo que ela era lobisomem sendo que já estavam formados e não se viam há anos.

— Bom, não é difícil de descobrir, não é? — Bill retrucou — Se quando ele se machuca, você fica marcada, acontece a mesma coisa ao contrário.

— Mas eu não quero machucá-lo — ela disse, defensiva.

— Você é metamorfomaga, talvez...

— Se isso fosse verdade, ele... a minha alma gêmea não teria cicatrizes.

— Na verdade, não, porque ele foi o causador das feridas. Agora se você fecha o ferimento, vai sumir.

— Por que você não testa com a Fleur então? — ela cruzou os braços.

— Eu não vou fazer isso! — ele exclamou — Eu não sou metamorfomago!

— Eu também não vou!

Escutaram um som que interrompeu a discussão deles.

Seria ótimo se fossem descobertos vigiando.

— Ele tem tomado a poção mata cão nos últimos meses porque Dumbledore obriga Snape a fazer para ele — disse Bill em um tom de voz mais baixo depois que certificaram-se de que estava tudo bem — E ele foi professor em Hogwarts um ano aí, lembra? Talvez tenha sido o mesmo ano que você estava ocupada com a Academia...

— Ou talvez seja tudo apenas uma grande coincidência.

Ao ver que ela não daria o braço a torcer, desistiu de insistir no assunto.

Mas ela não esqueceu.

— Você por acaso já teve uma alma gêmea?

Estava tentando outra vez desviar o assunto quando ele surgiu.

Não porque pensasse que Sirius agiria mal, já que o melhor amigo dele era um lobisomem e ele não ligava para isso, mas porque agora as coisas tinham ficado um pouco mais complicadas, se o que Bill tinha dito fosse verdade...

— Já — ele não pareceu empolgado para falar no assunto, os olhos focados na lareira.

— Eu pensei que seria como Charlie — comentou, tomando um gole da sua taça de vinho.

— Teria sido mais fácil — Sirius fechou os olhos.

Remus desviou o olhar quando ela o olhou, ele costumava fazer isso o tempo todo.

Terminou a sua taça em um único gole e então levantou-se do sofá.

— Mais vinho? — ofereceu, mas não esperou por uma resposta antes de ir até a cozinha.

Pôs a taça de cristal fresca da família Black em cima do balcão e então respirou fundo.

Não acreditava que ia mesmo fazer isso...

Empurrou a taça para que ela caísse no chão, se quebrando e então pegou um fragmento de vidro e o apertou com força na mão.

— Ai!

— O que houve? — escutou a voz alarmada de Sirius vindo da sala.

Enrolou um pedaço de pano na palma da sua mão ensanguentada e foi até a porta da cozinha.

— A minha mão... — mas Remus parou de falar, olhando para ela.

Merda.

Ele claramente tinha sentido o cheiro do sangue — e isso tinha soado muito vampiresco — mesmo que ela não tivesse se aproximado o suficiente.

Fechou o corte da mão com metamorfomagia só para testar uma coisa. Vai que houve um equívoco, não é? Mas as suas desculpas acabaram quando viu que ele parou de sangrar também.

— Eu preciso de mais vinho — anunciou Sirius.

Ela não precisava sentir o cheiro das pessoas para saber que Lupin estava apavorado. E não o culpou quando ele simplesmente saiu da sala e escutou a porta da frente da casa bater.

— Acho que ainda tenho o endereço da terapeuta em algum lugar — comentou Sirius como se estivesse falando sobre o tempo.

Tonks sentou-se na poltrona, ainda segurando o pano ensanguentado, completamente muda.

Mila saberia o que dizer, ela sempre foi ótima em dar conselhos, já Sirius por outro lado...

— Ele só precisa de um tempo — ele tentou soar displicente.

— Eu vou dormir — disse, levantando-se.

— A noite mal começou — escutou-o resmungar, mas não estava com cabeça para isso.

Remus claramente não queria discutir o assunto. Assim que as reuniões acabavam, ele era o primeiro a ir embora. Ele não ficava de madrugada na casa se ela estivesse lá, então porque sabia que a sua presença era mais importante para Sirius, simplesmente parou de ficar depois das reuniões e voltou a dormir na casa dos pais.

— Você devia voltar a ficar aqui — comentou Sirius depois de uma reunião em que Lupin não apareceu — Moony está em uma missão para Dumbledore.

— Uma missão que você vai contar para a sua prima favorita? — ela tentou.

— Claro, quando Andrômeda vem?

Ele abafou uma risada na almofada que ela jogou na direção dele, fingindo indignação.

— Ele vai se infiltrar com os lobisomens, tentar conseguir que se unam ao nosso lado.

Foi como se um balde de água gelada caísse sobre ela.

— Que lobisomens? — perguntou, apesar de já saber a resposta.

— Eu não devia ter te contado — murmurou Sirius, percebendo a sua reação.

— Que lobisomens? — repetiu.

— Greyback.

Conforme o tempo passava e a cadeira ao lado de Sirius da mesa continuava vazia, Tonks esperava pelo momento em que seu corpo seria acometido por mais cicatrizes, algum sinal de que Remus tinha sido descoberto em seu disfarce, de que tinha dado tudo errado.

Esperar nunca foi o seu ponto forte, Moody gostava de torturá-la por causa disso durante as missões e o treinamento.

— Paciência, Nymphadora. Um segundo é a diferença entre a vida e a morte — podia escutá-lo falar tão claramente quanto "Vigilância constante" e "Não ponha a varinha no bolso da calça".

Não foi muito difícil rastrear onde estava Chiara, começando pelo fato de que lobisomens precisavam se registrar no Ministério. Foi bom dar uma palavra com Tulip, mesmo que rápida.

— Aconteceu alguma coisa, ou você não teria me procurado — a mulher foi direto ao assunto.

Estavam no Cabeça de Javali. Não era o melhor lugar, mas o Três Vassouras era movimentado demais e o Caldeirão Furado manjado demais.

— Preciso que me ajude a me infiltrar no bando do Greyback — disse Tonks — É só por alguns minutos, tudo o que eu preciso.

— Você enlouqueceu? — Chiara olhou-a incrédula — A Ordem te deu essa missão?

Nem perguntou como ela sabia sobre a organização secreta.

— Eu preciso muito falar com uma pessoa. Por favor, eu sei que você já foi até lá.

Era um tiro no escuro.

Durante a época de Hogwarts, a Lobosca queria encontrar uma alternativa mais barata para a poção mata cão, mas o mercado de trabalho não estava nada gentil com os lobisomens. Em algum momento ela devia ter contactado alguém do bando de Greyback, era o maior e mais conhecido da Grã-Bretanha.

— Eu não te pediria se não fosse importante.

— Que seja — disse Chiara, nada satisfeita com isso — E qual é o plano? Pensou em um?

Deixou as suas cicatrizes de arranhões à mostra, o seu cabelo já estava castanho para não chamar a atenção para elas.

— Serve — a loira deu de ombros.

O acampamento era enorme. Foi fácil passarem despercebidas, já que não tinha muita vigilância. Apenas alguém muito louco para tentar infiltrar-se ou invadir. O Ministério não gostaria de ir até lá, assim como ignoravam a Travessa do Tranco, era mais fácil deixar as coisas rolarem e só interferirem quando estritamente necessário, ou jamais saberiam onde encontrá-los.

— Não olhe nos olhos de ninguém... — Chiara murmurou para ela, claramente desconfortável.

— Olha só quem apareceu — escutaram uma voz às suas costas — Pensei que odiasse isso daqui.

Não tão despercebidas.

Sua ex-colega de Hogwarts parou de caminhar e olhou para trás.

— Rick — disse desanimada.

— Carne nova? — o tal Rick deu uma olhada nela.

— Só estou mostrando o acampamento para ela ver o que não está perdendo — Chiara pôs a mão no seu braço, para caso precisasse puxá-la para longe.

— Deixe de ser ingrata, garota. Você pode falar o que quiser do acampamento, mas foi aqui que ficou quando o Caldeirão Furado te expulsou.

Tonks discretamente deu uma olhada ao redor.

— Foi só uma semana... — a escutou resmungar, parecia constrangida em mostrar aquele lado da sua vida desde que saiu da escola.

O mais velho a ignorou e estendeu a mão para a metamorfomaga.

— Alarick, mas todos me chamam de Rick — ele disse — E quem é você?

— Selene — ela respondeu, sem contudo tocar na sua mão.

Sentiu-o olhá-la de cima abaixo e tentou agir naturalmente.

— Isso aqui tá feio — o homem deu um passo para a frente e encostou em um dos arranhões em seu rosto.

— É isso o que fazem aqui? Contam cicatrizes ao redor da fogueira enquanto assam marshmallows? — Tonks retrucou — Pensei que o bando do Greyback fosse um pouco mais...

Chiara deu um passo a frente para impedir que Rick fizesse qualquer coisa com ela.

Algumas pessoas ao redor já estavam começando a olhar para os três, tinha a sensação de que era por causa dele. Era um homem mais velho, talvez um dos primeiros a ser mordido por Greyback, parecia concordar totalmente com seus ideais e tinha a atitude de ser um dos comandos, talvez o seu beta ou ômega. Era bem provável que ele era do tipo que começava brigas.

— Cuidado com as palavras, bonitinha — ele alertou — Não vai na onda da “Tiara” aqui que vai se dar mal.

E então ele afastou-se delas, decidindo que não valiam mais do seu tempo e que devia ter coisas mais importantes para fazer como torturar pessoas ou caçar animais, ou seja lá o que ele fazia no tempo livre.

— Eu te odeio — Chiara murmurou para ela.

— Desculpa — respondeu, já arrependida de ter decidido ir ali.

Ela virou-se na direção da estrada que vieram para chegar ao acampamento quando conseguiu divisar Remus olhando fixamente para elas, para ela. Ele parecia abalado e ela demorou alguns segundos para perceber que era porque estava com a sua verdadeira aparência. Ele estava vendo pela primeira vez todas as cicatrizes que ela tinha ganhado desde os 17 anos de idade por causa das suas transformações.

Como se ela precisasse de mais aquele drama entre eles...

— Já vejo — escutou Chiara comentar — Vai lá.

Mas ele se recuperou do choque e aproximou-se delas rapidamente, olhando ao redor nervoso.

— O que você faz aqui? — Remus perguntou próximo dela.

Chiara afastou-se, olhando ao redor sem expressão no rosto. Era difícil identificar o que ela estava pensando.

— Você tem fugido de mim, não me deixou outra escolha — Tonks respondeu.

— Vai embora, por favor — ele murmurou, ainda olhando preocupado ao redor.

Ele acabaria entregando a si mesmo se não relaxasse.

— Eu posso ir, mas vou voltar se continuar fugindo. Então sugiro que venha comigo, que tenhamos uma conversa franca e depois se quiser continuar fugindo, eu não vou mais atrás de você.

— Eu não estou fugindo — ele retrucou — Você sabe o porquê estou aqui.

— Certo, eu volto amanhã, já conheço o caminho.

Começou a andar na direção de Chiara, mas ele segurou seu braço por cima do casaco.

Assim que saíram de perto dos outros lobisomens, aparataram em um lugar desconhecido para ela. Era uma cabana velha no meio de uma floresta, foi apenas o que conseguiu identificar em uma rápida olhada.

— Nunca mais faça isso — disse Remus.

— Ir atrás de você? Pode ter certeza de que eu nunca mais vou fazer isso — retrucou Tonks.

Ele não olhava em sua direção, como se a imagem das suas cicatrizes o apavorasse, então pôs a mão no seu queixo e o obrigou a olhá-la.

— Vamos deixar as coisas bem claras por aqui. Um, fugir não vai desfazer isso. Você se afastar de mim não vai fazer os arranhões desaparecerem ou pararem de aparecer — disse com a voz dura, e permitiu que ele voltasse a desviar o olhar magoado dela, sentindo-se péssima por isso, mas sabendo que precisavam encarar a realidade.

— Isso não significa nada — Remus atreveu-se a dizer.

Doeu.

— Acho que essa é a hora que eu vou embora — ela murmurou.

Ele não respondeu.

Os seus olhos encheram de lágrimas não derramadas e teve que piscar algumas vezes para conseguir enxergar, sentiu-se fraca por chorar na frente dele.

— Não chora, por favor — ele pediu, estendendo a mão para secar a sua bochecha.

E então uma coisa estranha aconteceu.

Foi por apenas alguns segundos, mas demorou alguns minutos para conseguir entender o que tinha acontecido.

Bellatrix estava na sua frente, lançando feitiços.

Ela abriu os olhos e viu o teto e as paredes brancas do St Mungos, e Remus estava sentado na cadeira ao lado da sua maca.

O seu patrono não era mais uma lebre.

Estava em Hogwarts. Greyback estava na sua frente.

Viu várias discussões com Remus, sem conseguir entender uma palavra do que diziam.

Teve um breve vislumbre de um casamento... do seu casamento.

Estava grávida.

Não conseguiu ver o rosto, apenas os cabelos azuis de um bebê recém-nascido aconchegado no seu colo.

Remus deu um passo para trás, muito mais assustado do que já tinha visto antes.

Não reagiu quando ele aparatou de dentro da cabana sem dizer mais nada. Não sabia se aqueles flashes tinham ajudado ou só piorado a situação. Tinha sido tudo tão rápido, só conseguiu captar algumas cenas, sentia que tinha perdido tanta informação importante.

Aquelas eram... lembranças?

Não, concluiu, não tinha como ter lembranças de coisas que não tinham acontecido ainda.

Aquele era o seu futuro? O futuro deles?

Era a primeira vez que ele tocava na sua pele sem uma camada de roupa impedindo. Mas era normal de acontecer? Ele tinha visto as mesmas coisas que ela?

Por algum motivo, não quis comentar com Sirius ou Bill ou seus pais sobre o que aconteceu. Queria guardar aquelas lembranças para si mesma. Se fechasse os olhos, ainda podia sentir a textura dos lábios de Remus colados aos seus.

Seria aquelas lembranças que usaria como combustível quando as coisas ficassem difíceis — porque elas ficariam.


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