Four Sun — Ecos do Inconsciente escrita por Haru


Capítulo 2
Ecos do inconsciente - II




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Ecos do inconsciente - II

Era uma tarde gélida na Civilização do Norte. Nevava abundantemente sob as ruas e as casas do local, tornando simbólico o cenário de lá naquela manhã natalina. Embora o frio fosse grande, as mães das crianças que habitavam a cidade ariana não as privou de sair para a rua e se divertirem a sua maneira, tornando as praças, ainda que tomadas por montes de neve, mais movimentadas do que nunca. Havia chegado a época do ano em que os conflitos se extinguiam como obra de mágica, ou, como tradicionalmente se dizia, por obra do espírito natalino.

Músicas natalinas cantadas acappella, meias presas à portas, sinos soando no topo de igrejas, casais se beijando embaixo de viscos — todas cenas muito comuns de se ver quando o calendário de Áries marcava 25 de dezembro.

— Atenção aqui, galera! — Cobrava a guerreira alta de cabelos loiros cacheados, de pele quase tão clara quanto a neve ao redor, pequenas sardas avermelhadas enfeitando seu pequeno e arrebitado nariz, olhos castanhos escuros e de corpo magro, oculto pelo casaco cor de rosa todo abotoado e pela camisa de gola rolê que escolheu para tapar-se do frio. — Atenção em mim, Retalhadores de Elite! Eu os reuni aqui porque tenho uma tarefa muito importante pra vocês.

— Cadê o ArashiKin? — Perguntou Gray, um retalhador de estatura mediana, de pele azeitonada, franja lisa de cor castanha clara, olhos verdes cristalinos e que sempre tinha em mãos um espelho e um pente.

— O Arashi não vem, ele tá trabalhando num evento beneficente. Mas, ele não vai fazer falta aqui. Já programei e planejei tudo! — Respondeu sua superior, batendo numa prancheta com uma caneta azul.

— O que vamos ter que fazer? Vai pagar quanto? Que dia vai pagar? — Indagava-lhe Sue, a jovem retalhadora de pele negra chocolate, de olhos castanhos claros, baixa estatura e cabelos pretos cacheados.

— Não! Eu não vou pagar! — Respondeu como se a anunciasse vencedora de algum jogo. — É uma tarefa bem simples na verdade, tão simples que quando eu falar vocês vão rir.

— Então fala de uma vez... — Yuri, o mais jovem dos integrantes do grupo, caucasiano, estatura mediana, olhos e cabelos negros, se mostrou impaciente. — Quero voltar a dormir, esse frio me deixa tão cansado... — conclui ele após um longo bocejo.

— E o que não te deixa cansado?! — Falou a sempre irada Keiko, uma jovem guerreira caucasiana, de longos, lisos e ruivos fios capilares, tão alta quanto Yuri.

— Galera, atenção! Eu quero que vocês façam um... Boneco de neve! — Revelou, esperando a reação deles.

— Quer que façamos um boneco de neve? Chamou a gente aqui só pra isso? — Disse Minori, o segundo mais alto retalhador do grupo, corpo acima do peso e pele clara.

— Não diga "só", isso é muito importante... Eu acho que vai melhorar nossa dinâmica em grupo.

— Você reuniu um dos grupos de retalhadores mais poderosos e respeitados do mundo inteiro só pra construir bonecos de neve? Pior do que isso, você me fez abandonar na geladeira o peru de natal que eu esperei descongelar a noite toda...!

— Vamos, pessoal. Vai ser divertido! Será como um jogo: vocês se reúnem em duplas, vou dar um prazo de quinze minutos para vocês terminarem e quem fizer o boneco de neve mais bonito vence! Eu sei que não é o tipo de missão que costumamos fazer, mas não sabem o quanto isso é importante. — Falou ao perceber desânimo na face deles. — Por mim...

A equipe, então, cedeu. Todos se põem a catar neve do chão e formar bolotas, esculpindo bonecos a seu modo e capacidade criativa. Seguindo uma das regras que criara, a líder do grupo virou as costas.

Quando o tempo estipulado chegou, ela virou-se para seus subordinados e com um sorriso no rosto, falou:

— Tempo esgotado! Agora me deixa ver qual ficou... melhor...

— Vê depressa, estou quase desmaiando de sono...

— Ficaram horríveis, pessoal. Todos. Qual é! Parece até que nunca fizeram um boneco de neve! Não tiveram infância? — Os criticou, surpreendendo a todos.

— Olha só, eu não sou obrigada a ficar aqui ouvindo isso, eu estou saindo! — Falou Keiko, retirando-se depois.

— Eu nem sequer estou sendo paga pra isso, também estou indo.

Todos os outros seguiram as duas, deixando sozinha a líder da equipe que, embora arrependida do que falou, se calou e os deixou ir por ser orgulhosa demais para pedi-los para ficar.

Irritada, ela falou:

— Podem ir! Não preciso de vocês mesmo! Com cinco anos de idade eu fazia bonecos de neve mil vezes melhor do que o de vocês seis juntos!

Triste, a pequena Kin olhava da janela de sua casa as outras crianças de sua idade brincando lá fora com os seus pais, que as ajudavam a criar os mais lindos bonecos de neve.

O narizinho vermelho, o rosto pálido, os olhos cheios d'água, o gorro esverdeado cobrindo sua cabeça e a caneca de porcelana cor de rosa que tinha em mãos não escondiam o motivo de se encontrar dentro de casa tão agasalhada.

Acordara febril, fraca e resfriada com a notícia de que a sua mãe estava a se preparar para sair.

— Kin? — Trajando suas armaduras de batalha, Yume estava prestes a sair quando viu sua filha sentada frente a janela, quando deveria estar na cama. — Deveria estar no seu quarto, princesa. Não viu o médico dizer que se quiser ficar boa pra sair amanhã terá que descansar? O que foi? Essa carinha não é pelo resfriado...

— Eu estou triste porque você não me ama mais...

— Oh, querida, de onde tirou essa bobagem? — Ela se agachou e disse, comovida. — É claro que eu te amo.

— Então por que você vai sair agora? Por que vai me deixar sozinha? Todos os meus amigos estão lá fora com os pais deles, só eu estou aqui.

— Eu já expliquei que eu vou ter que resolver alguns assuntos urgentes, e você não vai ficar sozinha, amor. A Liz vai ficar com você. O médico também já te disse que se você sair, vai piorar.

— Eu gosto de ficar com a Liz, mas hoje eu quero... — Parou para espirrar. — hoje eu quero ficar com você.

— Tudo bem, olha: prometo que volto rápido e que quando você melhorar, te levo lá fora pra montarmos um boneco de neve!

— Você promete?

— Prometo! Vai ser o maior boneco de neve de todos! — Exclamou enquanto carinhosamente esfregava seu nariz ao da baixinha, fazendo finalmente um sorriso brotar no rostinho dela — E também o mais bonito! Tá bom assim?

— Tá bom, mamãe.

— Me dá um abraço. — Pediu, sendo obedecida. Elas se abraçam como se aquela fosse a última vez que faziam e, quando estavam prestes a se separar, a mãe sussurrou no ouvido de sua filha: — Eu te amo, minha guerreirinha. Nunca se esqueça disso.

Arashi havia pego um trabalho com o qual não estava familiarizado e do qual, definitivamente, não era fã. "Fique aqui e seja bonito, Anjo Glacial". Como o retalhador alto, naturalmente sarado e estupidamente atraente que era  sendo, pelo segundo ano consecutivo, eleito o lutador mais sexy do mundo  não pôde esconder-se dos olheiros.

Fora selecionado para representar a Civilização Norte, assim como outros três para representar suas respectivas civilizações.

Não pôde recusar-se também a participar, afinal era por uma causa nobre; angariar fundo para uma instituição criada para acolher crianças que se tornaram órfãs graças à rebelião causada por Santsuki dez anos atrás.

Por isso, unicamente por isso, sujeitou-se a isto. Com um gorro natalino cobrindo o topete preto, liso e sedoso, uma camiseta preta simples, calças jeans e tênis, ele usava a sua fama para atrair crianças que quisessem tirar fotos ao lado dele.

Um sorriso acompanhado de uma rápida piscada era, por si só, hipnotizante. O azul claro dos seus olhos tinha uma magia que irresistivelmente atraía para ele qualquer uma que o encarasse.

Os traços másculos e joviais que delineavam sua face não dava espaço para distinção de idade das mulheres que deviam ver beleza nele. Nem com esforço passaria despercebido por alguém.

Ele, da cabeça aos pés, parecia feito com o exclusivo propósito de conquistar olhares. Concebido especialmente para chamar atenção.

Odiava isso. Tinha suas razões para odiar, mas jamais as admitiria em voz alta.

Uma habilidade única sua pesou na decisão de torna-lo o modelo daquela campanha: sua incapacidade de sentir frio. Assim puderam pôr nele roupas que o deixavam mais a vontade e ao mesmo tempo refletir isso às pessoas.

Sorridentes, duas belas jovens aproximam-se do modelo com uma pequena câmera fotográfica, põem o dinheiro na caixa que ele tinha em mãos e preparam-se para a foto, indo a de menor estatura primeiro.

Pousando para a foto, ela inesperadamente beija o rosto dele.

— Feliz natal. — Desejou-lhes, alegremente.

As duas são as primeiras a distrai-lo, o que permite que um vento sopre o gorro de sua cabeça para longe sem que ele note a tempo.

Não era de fazer exigências, mas a única que ele fez estava levitando para fora dali. Se fizessem uma ideia da importância daquela touca velha, surrada, desfiada e cheia de remendos para ele, a equipe administrativa do evento não teria argumentado tanto contra ele usá-la.

"Eu costurei pra você, irmão. Queria te agradecer por proteger a gente e salvar as nossas vidas tantas vezes... Eu sei que não ficou bonito, mas... eu fiz com amor. Me desculpa por não poder dar um presente melhor. — Dizia-lhe sua pequena e amável irmã, entregando o gorro que havia acabado de costurar."

Move-se em velocidade supersônica até onde o objeto se encontrava, segurando-o antes que ele tocasse o chão.

Contente, sorriu e disse:

— Prometi pra alguém muito especial que usaria você em todo o natal. Não posso te perder.

Uma das lembranças mais vivas que tinha de Saori, a sua irmã mais nova.

Tal como ele, ela havia nascido com a Essência de um retalhador, mas o seu corpo não reagiu bem a isso, o que a fez nascer com uma anomalia física: um par de asas.

Isto, além de encurtar o seu tempo de vida, provocou uma guerra no vilarejo em que viviam, onde perpetuava-se a superstição de que o sacrifício de seres humanos com tais características traria paz eterna ao lugar em que este nasceu.

Saori dividiu o local em aldeões que a queriam morta e aldeões que queriam salvá-la, levou uma vida normal até completar cinco anos de vida, mas no mesmo ano alguém descobriu o segredo e o espalhou, forçando-a a viver seus dois últimos anos de vida fugindo.

— Não pude cumprir a promessa que fiz pro meu pai, mas essa, eu vou.

Seus devaneios foram interrompidos pelos choros que ouviu e o levaram a olhar para a sua direita, avistando, em prantos, sua parceira no grupo de elite dos retalhadores.

Preocupado, ele corre até ela.

— Kin? Ei, ei, ei, o que foi? Vem pra cá. — A levou até o banco mais vazio. — Por que está assim?

Ela soluçava muito, chorando como nunca a viu fazer antes. Sabia que ela não conseguiria falar, então esperou, tentando, até que ela conseguisse, consola-la.

Não gostava de vê-la chorar e ela sabia disso.

— Tudo bem? Fala pra mim o que houve, agora.

Ela respirou fundo e respondeu:

— Pedi pra Sue e os outros me ajudarem a fazer um boneco de neve, mas eles não quiseram. Eu estou sozinha, não tenho mais amigos nenhum... — Se queixou, enfiando o rosto no ombro dele para continuar chorando.

"Só isso?", ele pensou, mas preferiu guardar este seu comentário para si mesmo.

Secretamente as mãos dela apalpavam seu abdômen e peitoral, ele, ingênuo demais para perceber a malícia da loira, acariciava seus cabelos numa tentativa de acalmá-la.

— Isso não é verdade, ele gostam de você, vai ver... vai ver não quiseram ajudar porque lá fora está muito frio, sei lá.

— É, você pode estar certo. — Concordou, secando as próprias lágrimas.

Em seguida, fez sua expressão mais triste.

— Anime-se. Vamos lá, eu vou te ajudar a construir o boneco.

Havendo conseguido o que queria, abaixou a cabeça e começou a rir — riso que foi oculto pelos cabelos.

Notando que havia sido novamente enganado por ela, respirou com pesar.

— Você caiu direitinho! Sabia que conseguiria!

— Como você consegue fingir tão bem? Já interroguei milhares de retalhadores e nenhum deles me enganou!

— Eu tenho duas teorias de porque sempre consigo te enganar. A primeira: sou bem mais gostosa do que eles, e a segunda é que você sente tesão por mim, só não admite.

— Vou fingir pela milésima vez que não te ouvi dizer isso e te ajudar. Me espera aqui, eu vou lá dentro avisar ao meu substituto que estou indo.

— Vai lá. Move essa bundinha gostosa até lá e depois volta, não vá me deixar esperando, branquelo.

Feliz por saber que sempre podia contar com ele, ela sorriu. Sempre que precisava, Arashi estava lá, o que incluía também as vezes em que chegava atrasada para reuniões que ela mesma marcava, ele a substituía.


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