Meios-Termos escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 6
Seis




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Respirando fundo, Caitlin apoiou a mão sobre o leitor digital que mantinha a porta trancada e, logo em seguida, adentrou a sala de Barry imediatamente encontrando-o de costas para ela, estacado de braços cruzados perante a grande parede de vidro, que possibilitava enxergar o átrio, o córtex e a grandeza do laboratório como um todo ao redor deles.

Quando resolveram permitir que “estranhos” circulassem pelo lugar, chegaram à conclusão de que precisavam de salas mais privadas em nome da segurança e de suas sanidades. Tratavam a todos bem, mas não eram amigos de todos e precisavam de organização. Assim, seu laboratório era como um santuário particular e a sala de Barry era praticamente inutilizada, pois ele detestava ficar sozinho e estava sempre na Sala de Conferências, conversando com alguém.

No entanto, era de conhecimento geral que quando ficava ali, ouvindo apenas o silêncio ao redor e seus pensamentos em uma espiral veloz, contemplando toda a responsabilidade abaixo de seus pés, Barry não estava bem. Por isso, apenas deixou o iPad sobre a espaçosa mesa de vidro e se aproximou com calma, analisando sem cerimônias as feições tensas e fechadas ao estacar ao lado dele.

Nunca fora segredo que ele sempre ficava mais charmoso ao tirar a máscara, pois deixava os cabelos castanhos constantemente penteados atipicamente mais revoltosos. O apelo se tornara maior, entretanto, quando passara a associar a forma bagunçada dos fios ao modo como ficavam ao acordar e se lembrava claramente do momento – quase perturbador – em que se dera conta de como a intimidade entre eles ultrapassara todas as barreiras ao notar algo tão particular. 

Em algum sentido, sabia que Carla estava certa sobre a necessidade de Barry em ser cercado de pessoas que acreditavam nele, mais do que ele mesmo o fazia. Porém, também não via como deixar de lado a relação que estabeleceram durante todos aqueles anos, pois ele passara a fazer parte dela de um modo não inesperado nem apressado, que apenas os tornava mais naturais.

Não estava além de sua compreensão nem fazia parte de um sentimento inexplicável e maior do que eram, era apenas... Eles, sem necessidade de maiores explicações – ao menos para Caitlin. Fazia parte daquela estabilidade bem vinda, construída com o passar do tempo; aquela confiança tácita de quem conhece o outro muito bem e antecipa perfeitamente uma reação, seja ela boa ou ruim. Na maioria das vezes, sequer havia necessidade de comunicação verbal.

— Não fosse por você, não haveria nada disso. – Inesperadamente, Barry quebrou o silêncio de maneira pensativa, ainda com os olhos perdidos no movimento de pessoas indo e vindo pelo laboratório, concentradas em seus próprios dilemas sem fazer ideia da tempestade conflituosa instalada naquela sala. – O laboratório não seria o que é hoje, se não tivesse feito questão que agíssemos como um time. Se não cuidasse de mim, quando ainda estava compreendendo os limites dos meus poderes.

Caitlin suspirou se voltando a ele completamente, deixando de lado a janela de vidro e o laboratório, pois não se tratava disso, mas deles. Levantou uma das mãos, sem conseguir conter a vontade de alisar os fios castanhos na altura das têmporas e apertou os lábios quando Barry ainda se mostrou distraído por pensamentos provavelmente obscuros, apenas aceitando o leve carinho. Não gostava do peso que Barry carregava consigo após tanto tempo sendo levado a lidar com o fardo de ser um herói. Por causa disso, já não era mais tão flexível quanto fora um dia, tinha convicções mais duras e uma realidade diferente aos seus pés.

— Barry...

— Não quero que vá para Nova York. – Ele a interrompeu parecendo um pouco fora de lugar enquanto procurava as palavras. – Respeito sua decisão. Realmente respeito, mas queria que soubesse disso antes de... Antes de ir, porque... Não quero fazer isso sem você. Não faz sentido que não esteja aqui para o time, para o laboratório, e também... Para mim. 

Caitlin abaixou os olhos pela insistência persuasiva nos dele e mordeu os lábios, surpresa pela direção que ele tomava.

— Já ficamos afastados antes.

Comentou pensativamente. Sabia que Barry vinha silenciosamente detestando a ideia de Nova York, ainda que evitasse dizer qualquer coisa para não entrarem em conflitos desnecessários.

— Mas não éramos como somos agora. – Disse com convicção, no que Caitlin simplesmente franziu o cenho tentando não deduzir nada sobre onde ele queria chegar.

— Eu sempre cuidarei de você. Não apenas suas feridas. – Meneou a cabeça, ainda vendo aquela sombra de inconformidade e tristeza em todo ele. – Acredite, eu nunca vou embora realmente.

Essa era uma verdade que, de certa forma, a perturbava. Se via tão conectada à realidade do laboratório, da vigilância, de Barry e os problemas deles, que não se via capaz de deixar para trás algo tão bem construído, assentado em bases tão profundas, que fazia parte da essência de quem era. 

— Cait... – O viu encará-la de maneira um pouco incrédula por um instante e com um olhar mais ameno, quase condescendente, Barry segurou seus ombros e se postou às suas costas, calmamente rodeando-a e apoiando-a contra si. – Nós dois não éramos o que somos. Estamos diferentes agora, você e eu.

Sem qualquer resistência, Caitlin se viu fechar os olhos ao tom baixo contra a pele de sua bochecha e visivelmente relaxar contra ele, sentindo o reflexo imediato no corpo que a segurava. O efeito de Barry sobre ela sempre fora imediato. Considerou o comportamento de ambos nos últimos tempos, desde a intimidade com que resolviam os problemas do laboratório até os olhares, constantemente se buscando em qualquer ambiente.

Além disso, agora que parava para pensar: fazia algum tempo que Barry e ela, sem qualquer combinado, não saíam com outras pessoas. Como ele pudera perceber antes dela que algo mudara entre eles? Como Barry não quisera se afastar para mantê-los como normalmente deveriam ser, antes que estragassem tudo? Havia uma real mudança ou só passaram a enxergar a si mesmos de maneira diferente?

Se permitirem estar daquela forma no Laboratório em pleno funcionamento sequer seria uma opção antes, constatou, pois pareciam muito mais abertos ao toque e a naturalidade um do outro. Assim, com um suspiro baixo e todas essas questões em mente, Caitlin entrelaçou seus dedos aos de Barry e suspirou, deixando sua cabeça pesar contra a dele.

— É, acho que estamos. – Murmurou baixinho. – O que faremos com isso?

Questionou, não soube se a ele ou a si mesma, mais preocupada com o que eram do que com a ideia de Nova York, pois não imaginava que a viagem poderia desencadear algo assim para ambos. Com familiaridade, Barry beijou sua bochecha sem pressa e apoiou o queixo em seu ombro, claramente se importando mais com o cheiro que emanava de seu pescoço do que qualquer outra coisa.

— Ouça... Entendo que queira ir, que queira buscar um novo caminho e outro sentido para o que faz, profissionalmente. E não posso fazer nada além de aceitar sua decisão, mas... – Seu peito se apertou na mesma intensidade que o tom baixo dele contra ela. As pessoas gostavam de se referir a ela como uma mulher fria, desde sempre, mas fora completamente rendida por Barry e as vontades dele desde o primeiro minuto. – Queria que levasse isso em consideração.

— Nós dois?

Mordeu os lábios ao perguntar, com medo de verbalizar a realidade deles. Apesar de tudo, não conseguia visualizar Barry e ela como mais do que amigos que vez em quando iam para a cama, pois essa parte deles era mais como uma necessidade enquanto o que ele dizia era algo mais, somente dos dois.

— Sim.

Barry a apertou um pouco mais, como se com isso pudesse realmente segurá-la ali. Em seguida, ele fez menção de soltá-la, mas Caitlin se voltou a ele mais rapidamente, impedindo que se afastasse, pois sabia que era bom demais em conceder espaço às pessoas, tanto que, às vezes, as distanciava sem que notasse. 

— Então... – Apertou os lábios, os dedos brincando com a gola carmesim do uniforme, detestando a falta de contato real. – Como seria isso? Nós dois?

Ele a olhou por um instante e quase pode ver um sorriso alcançar os olhos brilhantes enquanto examinava todas as suas expressões, mais temerosas do que em expectativa.

— Na minha mente, seria... Como já somos, mas... Melhor. – Os dedos dele, fora das luvas, percorreram o desenho de sua mandíbula e subiram para o contorno de seus lábios. – Posso te levar a um encontro, se quiser.

Caitlin sorriu ao ouvir a sugestão risonha, incapaz de ver uma mudança drástica em como agiam ao redor um do outro, mas perfeitamente capaz de visualizar como poderiam ser melhores, embora já fossem completamente especialistas um no outro.

Mesmo quando não eram nada mais do que apenas amigos, Barry soava como acima da média e, de certa forma, nunca imaginara ter alguém assim em sua vida... Até se dar conta de que havia ele. Em um suspiro rendido se moldou ao corpo dele com facilidade, os braços rodeando os ombros como estava acostumada, e o beijou, sentindo-o imediatamente retribuir.

— Você já me levou para a sua cama, não precisa mais tentar me conquistar.

Disse contra a respiração quente e os lábios molhados. Dessa vez, Barry riu de verdade e voltou a juntar seus lábios, pressionando cada vez mais sua cintura sob o jaleco branco. Se encontravam em um ponto que não havia qualquer necessidade para cerimônias tantas foram as vezes que conversaram por horas e horas na cama, enquanto devoravam todo o tipo de comida temática da cidade.

No entanto, também sabia que o “melhor” deles incluía tudo do jeito como deveria ser. Ele poderia estar mais maduro e endurecido por anos de experiência e relacionamentos desastrosos, incluindo um divórcio, mas jamais perdera a essência que o fazia acreditar em certos, errados e meios-termos.

Eles não eram um, não podiam ser.

Assim, compreendia a proposta e o fato dele desejar mais. Nada tinha a ver com Barry eles serem um meio-termo nas vidas um do outro, um ser e ao mesmo tempo não ser. Barry Allen e Caitlin Snow apenas eram, como previsivelmente deveriam, ainda que depois de tanto tempo. Contudo, o sentiu interromper a direção lasciva de suas mãos e de seus lábios ao parecer, repentinamente, lembrar de algo.   

— Olha, não quero que fique porque acha que me deve alguma coisa. Você não deve, pelo contrário.

Caitlin sorriu apoiando seu peso contra ele, como se via fazendo cada vez mais sempre que estavam sozinhos, pois adorava como Barry apenas a amparava contra si, sem qualquer apelo a não ser o contato familiar e bem vindo deles juntos.

— Dr. Silas Stone me convidou para fazer de uma equipe de neurologia na área pediátrica do hospital de Central City. – O homem levantou as sobrancelhas, surpreso, enquanto Caitlin brincava com os fios curtos do cabelo dele. – Não é algo do patamar da pesquisa da minha mãe, obviamente, mas... É algo que preciso fazer, que me chama a atenção fora do laboratório. E também... Algo que me deixa aqui. 

— Sem Nova York. – Ela meneou a cabeça concordando, no que ele franziu o cenho. – Espera, tomou essa decisão agora ou era isso que ia falar, desde o início?

Caitlin mordeu os lábios e fez menção de abrir a boca para responder, mas o alarme ecoou por toda a sala antes que pudesse dizer qualquer coisa, levando ambos a olharem para o teto de maneira frustrada, como se pudessem saber de imediato o que acontecia. Barry, entretanto, voltou a encará-la, esperando, o que a fez sorrir de canto abaixando o tom.

— Você nunca vai saber.

Se afastou subitamente para pegar seu iPad e entender do que se tratava a emergência, sendo capaz de quase sentir o olhar avaliativo sobre seu perfil enquanto Barry alcançava um par de comunicadores dispostos num dispositivo próprio instalado por Cisco na mesa.

— Eu te faço falar, Cait. – Levantou os olhos para acompanhá-lo recolocar as luvas do uniforme de maneira calma, embora o alarme continuasse a tocar. Havia um brilho extremamente reconhecível nos olhos esverdeados e precisou se esforçar para não morder os lábios em frustração pela interrupção. – Hoje à noite, na minha casa, Dra. Snow.

Ele esperou que retrucasse, mas Caitlin apenas levantou a sobrancelha em um desafio muito provavelmente perdido e Barry apenas riu, se inclinando para deixar um beijo rápido em seus lábios antes de correr porta afora. Conseguiu evitar um suspiro infantil e se voltou à janela para vê-lo, no córtex, rapidamente trocando algumas palavras com Cecile, que tomava seu lugar junto a um dos computadores.

Gostava de pensar que sua mãe estava certa sobre Barry precisar mais dela do que ao contrário, pois fazia bem ao seu ego; contudo, apenas Caitlin e mais ninguém tinha plena certeza de que não era a verdade: já não sabia mais como ultrapassar os dias sem os olhos dele silenciosamente lhe dizendo algo. 

FIM


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Notas finais do capítulo

Enfim, chegamos ao último capítulo!

Bem mais leve e mais focada nesses pequenos momentos entre Barry e Caitlin. Eu espero muito que tenham curtido o capítulo final, porque eu amei escrever, assim como pensar nos detalhes mais particulares de Meios-Termos.

Apesar de ser o último, me deixem saber se gostaram!



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