Um Título Vazio escrita por Olívia Ryvers


Capítulo 6
A viagem




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Marguerite acordou em sua cama, confusa e com uma forte dor na cabeça. Ela notou a presença de alguém e por instinto chamou:

“John?”

“Oh, você finalmente acordou, estava começando a me preocupar” a voz conhecida não era a do caçador. Demorou alguns segundos para a visão de Marguerite focar e reconhecer a figura masculina em seu quarto como sendo Benjamin.

“O que aconteceu? Como você entrou aqui?” Ela questionou enquanto tentava se sentar na cama levando a mão na testa dolorida. O médico se apressou em ajudá-la.

“Com calma, calma...” ele aconselhou delicadamente. “Você teve uma concussão ao bater com a cabeça na quina da mesa. Sua empregada me telefonou e aqui estou” disse enquantoreverenciava a si mesmo com as duas mãos e um sorriso gentil “Apesar da dor, por sorte, não foi nada sério, nem foi preciso suturar”.

“Obrigada” ela sorriu para o homem e ele teve a certeza que esse era o maior pagamento que já recebeu pelos seus serviços médicos.

“Esse bilhete estava em suas mãos quando eu cheguei” ele estendeu a mão entregando o pedaço de papel a Marguerite.

“Ouça, Benjamin, eu...”.

“Você não me deve nenhuma explicação” ele a interrompeu “Enquanto você esteve desacordada eu a examinei” a expressão do médico era séria e Marguerite ficou preocupada

“Algum problema com o bebê?” essa tinha passado a ser a prioridade um na vida da herdeira.

“Não, ao contrário” o médico sorriu. “Eu identifiquei batimentos cardiofetais distintos no sonar”

“E o que isso significa?” a mulher estava ansiosa e confusa.

“Significa que você e Lorde Roxton não terão apenas um e sim dois bebês, Marguerite, você está grávida de gêmeos” em situações distintas o médico daria essa notícia com mais entusiasmo, mas, um sentimento improprio dentro dele o frustrava. Queria ser ele o pai destas crianças e o responsável pela proteção daquela mulher.

Marguerite demorou alguns segundos para processar a informação, e logo, um imenso sorriso apareceu em sua bonita face.

“Como isso é possível?”

“Bom, a gemelaridade é na maioria das vezes uma herança genética da mãe, provavelmente sua mãe ou sua avó tiveram crianças gêmeas e você herdou esse gene” ele explicou.

“Eu não conheci minha família, certamente jamais saberei essa informação”.

“Enfim, Marguerite, eu preciso que você me escute com bastante atenção” o médico estava sério “como seu médico preciso ser franco, sua gravidez é considerada de risco não só por ser gemelar, mas, principalmente, pelo seu histórico obstétrico. Não é recomendável que você viva aqui sozinha, ou que fique o tempo todo subindo e descendo escadas. Isto pode ser muito arriscado a você e as crianças”seu tom era muito profissional, mas logo ele falou como um amigo “Meu avô ficou muito preocupado com seu acidente... e eu também” admitiu hesitante “Por favor, considere a proposta de ser nossa hóspede pelo tempo que Roxton estiver fora. Nós ficaríamos muito mais tranquilos tendo vocês três por perto” ele sorriu ao mencionar que agora ela era três.

Marguerite também sorriu, ela pensou um pouco e concordou que o médico estava certo. Ela e os bebês precisavam de cuidado e atenção. Pelo menos no período em que John estivesse viajando era prudente que ela não ficasse sozinha.

“Vocês têm razão, eu não posso mais pensar individualmente, tenho duas vidas crescendo dentro de mim e preciso pensar nelas em primeiro lugar. Eu aceito seu convite”.

O médico suspirou satisfeito, e no mesmo dia a herdeira se mudou para casa dos Summerlees. Ela deixou recomendações aos empregados que todas as correspondências deveriam ser encaminhadas para a residência do botânico, estava preocupada em perder qualquer tipo de noticias das aventuras que o nobre caçador branco poderia enviar a ela da América.

Os dias na casa de Arthur foram realmente agradáveis.  O velho senhor estava animado com a ideia de ser avô novamente, pois há muito ele considerava Marguerite como sua filha. Summerlee ocupava seu tempo ensinando-a o cultivo de plantas ornamentais e medicinais em sua estufa particular, localizada atrás da residência do professor. Era um lugar espetacular, cercada por paredes de vidro a casa de vegetação abrigava as mais variadas espécies de plantas, além de um agradável ambiente com mesa e cadeiras de balanço onde frequentemente a herdeira e o botânico se sentavam para apreciar uma xícara de chá. Marguerite esta impressionada com quão prazerosa essa prática poderia ser. A belíssima estufa tinha se tornado o lugar favorito dela na casa, passava horas lá, como se as plantas a transmitisse uma paz e tranquilidade infinita.

Benjamin também estava sendo de uma gentileza sem igual, sempre atento à evolução de sua gravidez, ele a cercava de uma proteção que ela achava que só encontraria na presença de Roxton. Por muitas vezes o médico lia para ela em voz alta, poesias ou contos com finais felizes, ou simplesmente colocava uma melodia agradável no gramofone para que ela pudesse relaxar. Ele, assim como seu avô, acreditavam na teoria de que os bebês experimentavam emoções desde o ventre de suas mães, e por isso promover momentos de tranquilidade a gestante contribuiriam para o desenvolvimento saudável das crianças. E issoparecia estar funcionando, por que a barriga de Marguerite era a cada dia mais aparente e os desconfortos estavam muito mais raros. Embora a saudade de John fosse constante, ela imaginou que não poderia estar em melhor companhia que a dos dois amigos nesta etapa de sua vida.

Do outro lado do oceano, Lorde Roxton fazia progressos nas transações comerciais com o novo mundo. Ele não podia negar que Christine era excelente no que fazia. Sua expertise para investimentos surpreendia até mesmo economistas renomados e, além disso, ela tinha se tornado uma companhia agradável para caçador durante o tempo fora de casa. Eles compartilhavam os mesmos gostos sobre várias áreas, desde o preparo do chá com um pouco de leite e servido em uma xícara, até a emoção da caçada esportiva de javalis selvagens nas highlands da Escócia.  Era surpreendente como uma mulher tão organizada como Christine pudesse ser ao mesmo tempo tão eclética.

Marguerite ocupava pensamentos de John com muita frequência e ele se preocupava com seu bem estar, principalmente, por que ela não havia retornado suas mensagens e a cada dia que passava sua ansiedade crescia mais e mais.  Emuma noite fria de janeiro, em Chicago, Lorde Roxton decidiu caminhar fora do hotel para organizar suas ideias. Faziam quase dois meses desde a ultima vez que ele esteve com sua amada, mas, sua presença ainda era tão viva em sua memoria, ele podia sentir seu toque e seu perfume se fechasse os olhos.  Desde então não teve notícias dela e isso o estava consumindo, seus instintos de caçador gritavam que algo estava errado e ele só não conseguia saber o que.  Olhando das margens o lago Michigan totalmente congelado ele pensava nos rumos que iria tomar em sua vida.

“O que faz aqui sozinho neste frio?” a voz de Christine interrompeu seus pensamentos.

“Não estou sozinho, estou cercado de recordações” ele respondeu lembrando-se dasagacidade de sua Marguerite quando em uma ocasião ele fez a ela a mesma pergunta.

“Por que não entramos e tomamos uma xícara de café no restaurante, você pode compartilhar comigo essas recordações” a loira sugeriu.

“Christine, eu tomei uma decisão” ele anunciou sem ter prestado atenção no convite que ela acabara de fazer “Irei embarcar de volta a Londres amanhã, existem assuntos a serem resolvidos lá e eu não posso mais protelar. Você pode me acompanhar ou ficar mais algum tempo, embora, eu ache que o que nos detinha aqui já foi concluído há muito tempo”.

A assistente se surpreendeu com a constatação de Roxton. Christine estava prorrogando a volta a Europa a pedido de Lady Elizabeth, mas nos últimos tempo estava apreciando a companhia divertida e gentil do seu belo chefe. De nenhuma maneira perderia a oportunidade de retornar a Londres com ele, entretanto, podia fazer mais uma tentativa.

“John, há uma empresa na Califórnia que eu acho que podia ser interessante nós...”.

“Christine, minha decisão está tomada. Partirei amanhã. A decisão se quer ficar e conhecer outros investimentos é só sua” encerrou o caçador com determinação.

“Como quiser Lorde Roxton” ele percebeu a irritação na voz da mulher que sempre fez questão de chamá–lo pelo seu primeiro nome, mas ignorou a reação dela. Haviam preocupações mais importante. Ele apenas pediu que organizasse tudo para sua partida e a deixou.

Os dias embarcado foram de extrema reflexão para John. Ele estava determinado a encontrar Marguerite assim que colocasse os pés na Inglaterra e romperia o acordo ridículo que os mantiveram separados. Sua mãe teria que se conformar que ele não estava disposto a sacrificar sua felicidade nem por mais um segundo em troca da ostentação de um título. E assim ele o fez, no momento em que seus pés tocaram em terra firme, o nobre procurou um mensageiro e enviou um recado breve a herdeira pedindo que ela o encontrasse imediatamente em sua mansão. Ao chegar à casa da Srta. Krux o mensageiro foi informado que a proprietária estava hospedada em outro endereço.

Na casa dos Summerllees, quando Marguerite pegou o bilhete de John pensou que seu coração sairia pela boca. Após lê-lo ela se virou para um apreensivo Arthur e disse com sorriso e lágrimas nos olhos.

“Ele voltou, Arthur! Ele voltou”! a herdeira abraçou e beijo as bochechas do bondoso senhor  “ele finalmente voltou”!

“Oh, minha querida, eu lhe disse que não haviam motivos para preocupação. John não havia lhe mandado noticias certamente porque queria lhe fazer esta surpresa. O que você está esperando? Vá ao seu encontro” incentivou o professor que compartilhava da felicidade dela.  O velho homem conhecia melhor do que ninguém sobre os sentimentos humanos, sabia que seu neto Benjamin nutria mais do que apenas amizade pela bela jovem, mas, era um sentimento fadado ao fracasso. Marguerite jamais amaria outro homem como a John Roxton, não importa o que acontecesse. O caçador,por sua vez, alimentava uma devoção fervorosa pela herdeira, e mesmo com toda sua nobreza de espírito, seria capaz de matar ou morrer por ela sem hesitar.  Em muito isso lhe recordava seu relacionamento com Anna, o amor de sua vida, talvez fosse essa a razão pela qual o botânico torciatanto pela felicidade do casal.

Marguerite rapidamente se arrumou e partiu com destino a mansão que a família Roxton possuía em Londres, ela estava disposta a romper o acordo firmado com John e desfrutar finalmente das coisas boas que o destino reservava a eles.

 ****

John e Christine chegaram à mansão Roxton e encontraram Alfred.

“Ora, que surpresa encontrá-lo aqui. Achei que você não saia de Avebury” Roxton cumprimentou o amigo.

“Apenas quando Lady Elizabeth está em Londres” o homem mais velho sorriu.

“Minha mãe está aqui? Achei que ela tivesse dito que não gostava de lugares movimentados”.

“Milady informou que precisava resolver uma questão inadiável”.

“Que bom que não sou eu esta questão” ele sorriu com alívio “Alfred, eu estou esperando a Srta. Krux na biblioteca, quando ela chegar não precisa anunciá–la, deixe que passe o mais rápido possível” orientou o nobre.

“Como quiser, senhor...” ele hesitou diante da careta de reprovação de Roxton “...John”.

O caçador sorriu e seguiu assobiando para a biblioteca. “Dentro de pouco tempo verei minha Marguerite novamente e nada mais poderá nos separar” pensou. Fazia muito tempo que John não sentia tão feliz. Distraidamente folheou um jornal do dia que estava sobre a escrivaninha de mogno e sentou-se confortavelmente na poltrona de couro caramelo datada do século XVII. Ouviu batidas na porta “é muito cedo para a chegada de Marguerite” concluiu, mas decidiu atender.

“Entre!”

“Com licença, John, tem um minuto?” Christine apareceu na porta.

Depois do episódio em Chicago a relação do nobre com sua assistente não tinha sido a mesma. Ela ficou magoada com a forma como o chefe a tratou, John não deu muita importância a isso no momento pois estava mais preocupado a voltar para Londres. Entretanto, não era vontade dele de forma alguma destratar a jovem, ao contrário, ele apreciava sua amizade e talento, talvez essa fosse uma boa chance de acertar as coisas com sua secretária.

“É claro, entre” respondeu.

Ela o fez, se preocupando em deixar a porta entreaberta.

“Bem, eu gostaria de agradecer a oportunidade que tive em viajar com você e os contatos que fiz na América. Você é uma pessoa surpreendente, consegue ser generoso, gentil e audacioso nos negócios e isso é admirável” ela foi se aproximando da mesa enquanto Roxton sorria orgulhoso dos elogios que recebia.

****

Marguerite chegou à mansão e conforme a orientações de Roxton, Alfred a levou até a biblioteca sem anunciá-la. A herdeira sorriu em agradecimento e se aproximou da porta. Percebendo que estava entreaberta ela respirou fundo e passou a mão carinhosamente sobre o ventre, agora inegavelmente protuberante no auge dos seus quase seis meses de gestação. Caminhou até a porta mas parou ao ouvir vozes que vinham lá de dentro.

“Christine, você também é uma mulher digna da minha admiração” Roxton falava com entusiasmo.

Marguerite se posicionou na fresta da porta de onde não podia ser notada exatamente a tempo de ver a mulher loira contornar a escrivaninha dizendo:

“Acho que nós formamos um excelente par não só nos negócios” ela se sentou no colo do caçador que a observava sem entender qual era a intenção dela. Christine beijou-lhe a boca e ele demorou alguns segundos para reagir e afastá-la, mas, não foi rápido o suficiente para que Marguerite visse esta sua atitude. A herdeira saiu correndo esbarrando em Alfred pelo caminho. O mordomo não teve tempo de perguntar o que havia acontecido ou se a mulher grávida precisava de alguma ajuda.

“Christine, o que você está fazendo? Acho que você entendeu algum sinal errado. Você é uma mulher muito interessante, mas meu coração é comprometido com outra dama” ele esclareceu.

“Oh John, que vergonha! Eu devo ter entendido errado, por favor, me perdoe! Espero que isto não interfira em nossa relação profissional” a garota parecia constrangida.

“Fique tranquila, da minha parte isso nunca aconteceu” ele piscou sorrindo.

“Muito obrigada” ela também sorriu e saiu da sala.

Roxton ficou alguns minutos pensando no que havia acabado de acontecer e refletindo se ele em algum momento deu algum tipo de esperança a Christine sobre um relacionamento entre eles. Percebendo a demora de Marguerite, o caçador foi à procura do mordomo.

“Alfred, a Srta. Krux ainda não chegou?”

“Achei que ela tivesse falado com você” o mordomo respondeu confuso “Ela chegou há alguns minutos, como você me orientou eu a conduzi a biblioteca sem a necessidade de anunciá-la. Pouco tempo depois ela passou por mim correndo e bastante alterada, não tive sequer tempo de perguntar se ela precisava de algo” o mordomo fez uma pausa e acrescentou despreocupadamente “Imagino que devam ser os hormônios, em uma mulher nas condições dela isso é bem comum”.

Roxton olhou confuso para o homem.

“O que você quer dizer?”

“A Srta. Krux está visivelmente em estado interessante” Alfred falou com obviedade “achei que você soubesse”.

O caçador tomou a notícia como uma bala de prata atingindo seu peito. “Marguerite grávida! Como isso pode ser possível”? A herdeira sempre foi muito honesta em falar sobre a sua possível esterilidade quando eles começaram um relacionamento, e ele foi claro em afirmar que isso nada interferia no amor que sentia por ela e na intenção que tinha em fazê-la sua esposa. Porém, o nobre sabia que Marguerite nunca se sentiu confortável com sua condição, a bela herdeira se considerava limitada por não poder lhe dar um filho legitimo para herdar o título da família e por este motivo sempre esteve tão relutante em aceitar o amor de John. “Você merece alguém melhor do que eu” foi o que ela lhe disse no dia em que estavam presos numa caverna, às vésperas de uma morte eminente. Neste mesmo dia ela confessou o amava. Quis o destino que eles tivessem mais tempo para viver seu amor e agora ele sabia o porquê.  Roxton não era um homem religioso, mas acreditava que uma força divina regia todos os destinos e ele nunca esteve tão certo que seu destino era Marguerite.  “Poderia existir felicidade maior para um homem?” ele pensou. Um sorriso rasgou seu rosto orgulhoso, ele há muito não estava prestando atenção no que o amigo lhe contava.

“Roxton? Você está me ouvindo?”

“Como?” John despertou.

“Estou lhe dizendo que a Srta. Krux saiu alterada depois que lhe procurou na biblioteca” o mordomo repetiu impaciente.

“Maldição!” Roxton socou a porta de madeira maciça diante da realidade. “Ela deve ter me visto com Christine e entendeu tudo errado”. 

“Você não aprende, não é mesmo, John? Desde garoto essa matemática para conciliar todas as namoradas ao mesmo tempo sem que uma soubesse da outra. Acho que você perdeu a mão, meu amigo.”

“Eu não sei do que você está falando, Alfred, e também não tenho tempo para que você me explique. Preciso encontrar Marguerite. Peça ao motorista que prepare o meu automóvel, rápido” ordenou. 


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