Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 73
A Família Nieminen


Notas iniciais do capítulo

2021 se despedindo em poucas horas e eu vim trazer o último capítulo do ano...
Boa leitura!



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— Finalmente minha neta está de volta aonde ela pertence! – Foi assim que meu avô nos recebeu. – Sentimos sua falta por aqui, KitKat!

— Também senti a falta do senhor, vovô! – Deixei minha mala no chão e dei um abraço nele. – E, aproveitando o momento, vovô, esse é o Alexander. E eu sei que o senhor vai gostar dele, pois ele ama cavalos na mesma proporção que o senhor. – Apresentei os dois.

— Senhor, é um prazer conhecê-lo! – Alex falou todo sério e até Elena olhou para ele com uma carinha de curiosa.

— Então gosta de cavalos, meu rapaz? – Meu avô já quis saber.

— Aprendi a montar ainda criança e fui criado cavalgando. – Confirmou Alex.

— Isso é bom, pelo menos assim, você vai querer voltar para cá junto com a KitKat. – Meu avô disse satisfeito.

Ele nem bem acabou de fechar a boca, e minha avó Claire já chegou me abraçando.

— Está tão magrinha! Eu sabia que deixar você se alimentar sozinha iria acabar nisso! Olhe esse osso aparecendo! – Me deu um beliscão na quadril.

— Vovó, eu te garanto, estou comendo direito. Faço almoço todos os dias para levar para o escritório e o jantar também.

Vovó não acreditou muito em mim e deu passo para trás, me analisando.

— Se isso é verdade, por que o cinto está uma casa mais apertado?

— Eu continuo comendo, vovó, mas tem muito mais coisa do que só trabalho. – Deixei o restante no ar, eu sabia que ela entenderia. E ela entendeu, fazendo um som de desgosto e depois de chacoalhar a cabeça, olhou para Alex.

— Então você é o famoso Alexander, de quem a família vem falando. – Deu uma boa olhada em Alex. – É muito bonito, se me permite dizer. Seja bem-vindo à família! – Lá foi Alex ser abraçado por minha avó. – E eu estou te abraçando porque sei que Mina ainda vai demorar para fazer isso. Finlandeses... – Ela implicou com a dificuldade que os finlandeses têm de demonstrarem afeto com pessoas que acabaram de conhecer.

— Muito prazer, Senhora! E eu não me importo com abraços. Kat sabe muito bem como é a minha família.

Minha avó deu uma risada.

— Então quer dizer que além de você colocar a minha neta para surfar, ainda estão dando uma aula de como se abraçar? Gostei de você! – Disse Dona Claire e depois apertou a bochecha de Alex.

A última que chegou perto de mim, foi minha avó Mina, que estava observando tudo. Ela não tinha uma expressão alegre no rosto, mas sim uma feição cansada e até triste.

— O que foi, vovó? – Fiz questão de perguntar em finlandês.

Ela me olhou como um todo, parando um pouco em minha mão esquerda e, depois de abrir o mínimo dos sorrisos, me deu abraço, dizendo.

— Perdoe a sua velha avó, que foi deixada no escuro pelo homem que ela achou que conhecia depois de mais de sessenta e cinco anos de casamento, Katerina.

— Vovó...

— Eu sei o que você passou nos meses que se seguiram ao casamento fracassado, vi você entrar em depressão e se afundar no trabalho como se o simples ato de trabalhar fosse te tirar do fundo do poço. E, enquanto eu me preocupava com a sua saúde mental e física, não percebi o que faziam com você. Você foi simplesmente uma vítima do meu marido, Kat. A parte mais inocente de todas. E ninguém percebeu o jogo dele. Eu sinto tanto que para que você pudesse ser realmente feliz, tenha que ter sido humilhada e enxotada do escritório onde tanto trabalhou, onde tanto fez e, tenha que ter sido separada de sua família. Fico contente que tenha encontrado o amor e a segurança de um homem que te ama, respeita e que queira te ver bem, minha filha. Você, mais do que ninguém, merece todas as coisas boas, depois dessa traição pela qual passou.

— Vovó... não me faça chorar aqui. – Pedi.

— Eu ainda vou tentar me desculpar mais vezes, minha pequena. Eu deveria ter visto o que estava acontecendo bem do meu lado.

— A senhora foi tão enganada quanto eu.

— Eu não deveria ter sido, Katerina. Não quando vivo ao lado do homem que quase arruinou a sua vida.

— Vovó, mesmo assim. São três culpados nessa história, e nenhum deles é a senhora. Mas, pelos próximos dois dias, vamos deixar esse assunto suspenso. E vamos só aproveitar a família quase toda reunida. Já que para variar, Kim... – Fiz uma careta para indicar onde o desgarrado do meu irmão gêmeo estava.

— Então... – Minha avó voltou ao inglês que tinha um leve sotaque finlandês. – Acho que é hora de ser apresentada a alguém. – Ela olhou séria para Alex que tinha ficado um tanto tenso diante da nossa conversa em finlandês.

— Sim, a senhora tem. – Confirmei com o sorriso. – Vovó, esse é o Alexander. Alex, minha avó Mina Nieminen.

Meu noivo estendeu a mão para cumprimentar a minha avó, com uma expressão ainda mais séria do que quando cumprimentou meu avô George.

— Me disseram que está aprendendo a falar finlandês... – Disse minha vó, assim que apertou a mão de Alex.

— Tentando. Eu sabia que seria difícil, mas não tão complicado.

Minha avó deu um sorriso.

— Se está achando o simples ato de aprender finlandês complicado, meu filho, sinto te dizer que as mulheres finlandesas são ainda mais complicadas.

Isoäiti[1]! – Falei um tanto revoltada.

Minha vó deu uma risada baixa e Alex a acompanhou mesmo que incerto.

Tervetuloa perheeseen[2]. – Disse em finlandês se dirigindo à Alex. Depois olhou para mim e falou: - Ele entendeu isso, não?

Olhei para Alex, eu tinha quase certeza tinha pegado o contexto da frase.

Kiitos, rouva[3]. – Respondeu meu noivo, mas só pela forma como ele parecia um tanto desconfortável, eu sabia que na primeira oportunidade ele me perguntaria o que minha avó havia dito.

— É, ele entendeu! – Dona Mina disse. – Jari você não tem motivos para não gostar do seu genro, ele está se esforçando de verdade para fazer parte da família. – Ela se virou para meu pai, que estava no deck da porta dos fundos da casa, ao lado de minha mãe, e observava as apresentações. – E quanto a você, Alexander, eu apenas disse que você é bem-vindo à família. – Terminou com um sorriso caloroso dirigido a ele.

Alex, todo sem graça diante do que a minha avó tinha dito, apenas meneou a cabeça.

— Agora, será que podemos entrar? Sei que sou nascida na Lapônia Finlandesa, mas isso não quer dizer que eu goste de congelar sem motivo. – Minha avó liderou o caminho para dentro da casa. – E Olivia, vá guardar Lady Sif e não se esqueça de tratá-la, você tem quarenta minutos para estar apresentável para o almoço!

Liv na mesma hora se dirigiu para os estábulos, sem dar um pio em discordância.

— Ela é quem manda? – Alex sussurrou no meu ouvido.

— Depende da situação. Mas tanto ela, quanto os outros dois, usam da autoridade de avós, ou bisavós, para colocarem um pouco de ordem no caos que é ter todos juntos. Ninguém discute uma ordem direta deles, nem meu pai. – Informei.

Chegamos na porta de casa e como Alex já conhecia os demais, só os cumprimentou, conversando sobre a viagem de volta deles depois do GP dos Estados Unidos e nossa viagem para cá.

Cumprimentei meus pais, minha mãe me olhando séria, o que significava que ela queria conversar comigo mais tarde e à sós. Tanya também estava séria, Ian soube disfarçar melhor do que as mulheres, mas, pelo que pude perceber, ele tinha ficado sabendo do que ocorreu com os filhos só no dia anterior, que foi quando ele chegou dos Emirados Árabes Unidos.

E, por fim, tinha Tuomas, que ainda estava com a proteção no nariz e tinha um ferimento cicatrizando na sobrancelha. Se eu não tivesse ficado sabendo sobre como ele havia sido ferido, iria chutar que ele havia se machucado jogando hockey, ou tinha caído da moto de motocross.

Acontece que eu sabia a verdade. E vê-lo assim me dava uma enorme vontade de pegar o segurança pelo pescoço e bater nele muito mais do que ele bateu no meu sobrinho.

— E você, Tuomas. Como vai a recuperação?

Como um bom adolescente, ele poderia ter dado de ombros e desconversado, porém, meu sobrinho não fez isso, ele foi direto ao ponto, como só ele sabia ser.

— Uma merda, tia. Isso aqui dói o dia inteiro e de noite. A mãe diz que o pior já passou, mas ainda faltam duas semanas para me ver livre disso aqui. – Ele apontou para a proteção. – E pensar que eu poderia ter bloqueado esse soco e dado outro muito mais forte na cara daquele...

— Já entendemos, Tuomas, por favor, sua irmã mais nova está aqui. – Tanya pediu, já que Lena, agora no meu colo, olhava atentamente para o irmão mais velho. E como eu estava bem perto de Tuomas, ela só se jogou para frente e deu um beijo em cima do nariz do irmão.

— Pra melhorar. – Disse toda vermelha quando olhamos para ela e depois escondeu o rosto no meu pescoço.

— É, Leninha, tenho certeza de que agora vai melhorar mesmo. – Tuomas bagunçou o cabelo da caçulinha da família e, resolveu mudar de assunto. – E a senhora, tia...

— Eu o que?

— Passou muito mal depois de ter quase secado o Oceano Pacífico de tanto beber água nas vacas que tomou? – Perguntou todo debochado.

Encarei meu sobrinho seriamente. Ele deu um passo para trás e, de brincadeira, tampou o nariz com a mão.

— Não adianta ficar com raiva. Temos as provas. Uma mais engraçada do que a outra. – Ele levantou o celular.

— Falei que você ia criar um monstro. – Sibilei para Alex.

— Eu só estava cumprindo uma promessa que fiz para a sua família. – Foi a resposta que ele deu e logo em seguida, todos começaram a falar dos meus tombos e, nem depois que eu pedi licença para poder tomar um banho e colocar uma roupa mais confortável o papo mudou, afinal, como conseguiram ver as marcas roxas na minha canela, as risadas e piadas só aumentaram.

Liv chegou no meio de uma crise coletiva de riso, olhou para todo mundo e depois para mim, fez uma careta e só soltou.

— Estão falando dos caldos que a senhora tomou, né?

— Sim.

Liv segurou a risada.

— Nem comece.

Täti, admita, foi engraçado. Mas eu estou feliz que está viva!

Empurrei minha sobrinha para tomar um banho, afinal, Dona Mina já estava servindo a comida.

A conversa durante o almoço girou em torno de Alex. Nada mais justo, afinal, agora todos tinham tempo de conversar e de conhecê-lo de verdade.

E ele, querendo ou não, acabou falando da carreira, um assunto que eu educadamente tentei interromper, já que ele não gosta muito de falar dos trabalhos dele.

Acontece que ele realmente quis explicar o que fazia e o que tinha que fazer e, por livre e espontânea vontade, comentou sobre os comerciais que tinha acabado de gravar e sobre o filme que iria fazer.

— Ainda vai vir gravar em Londres, setä? – Liv perguntou.

— Sim. Esses planos não mudaram.

— Nada de ficar em hotel, Alexander. Se seus horários são tão caóticos quanto vocês comentaram aqui, você precisa de um lugar para ficar. E vai ficar lá em casa. – Minha mãe disse séria.

— Dona Diana, não é necessário, o estúdio paga o hotel.

— Ninguém descansa propriamente em hotéis, sei disso por experiência.  – Ela olhou para meu pai e para Ian. – E assim, aproveito e junto o útil ao agradável, e posso te agradecer pelo que fez por Liv e vem fazendo por KitKat.

Eu parei de comer e encarei Alex com a sobrancelha levantada. Queria ver como ele iria sair dessa, porque essa era a mesma situação em que me vi quando fui ao aniversário de Dona Amelia.

— Bem, se não for atrapalhar... – Ele disse vencido e apertou a minha mão por baixo da mesa, como que me pedindo socorro. Eu fiquei caladinha, era hora de dar uma virada de mesa e mostrar para ele que a minha família também sabia ser muito acolhedora, apesar das grandes diferenças culturais entre nós.

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 Logo depois do almoço, eu aproveitei que o veterinário iria ao haras para fazer o checkup nos cavalos e anunciei que levaria Perigo e Hal comigo para Los Angeles.

Meu avô não ficou muito feliz com a notícia e me fez mil e uma perguntas diferentes sobre os motivos de eu querer meus cavalos comigo.

— Vovô, ninguém consegue montar em Perigo. E eu estou com saudades deles. Sinto falta de montar, de saltar. Na fazenda eu só cavalgo com Furia de la Noche, ele não é um saltador, mas é veloz como um raio. Porém, é de Alex...

Meu avô foi me seguindo até a baia de Perigo.

— Ninguém o montou nessas últimas semanas. – Ele confessou. – Eu até que tirei ele daqui de dentro para dar uma corrida pelo pasto, mas só correr não adianta muito para ele. – Terminou quando chegamos em frente ao meu cavalo.

— Eu imagino a depressão dele. – Falei e abri a porta. Pode parecer besteira ou até mentira, mas, assim que Perigo reconheceu a minha voz começou a bater os cascos no chão e bastou que eu abrisse a porta, ele relinchou alto e veio para perto de mim, batendo a sua cabeça no meu ombro para que eu o acariciasse. – Viu o motivo que tenho que levá-lo comigo?

Meu avô balançou negativamente a cabeça e depois me perguntou:

— Vai montar?

— Não sei. Tenho tanta coisa para fazer, para conversar com todos e tem Alex, que ficou dormindo no quarto.

— Por acaso ele trouxe roupa para montar?

— Bem, eu vi que ele colocou algumas peças na mala, e uma bota, mas nada que se compare a estas botas. – Apontei para o modelo que meu avô usava.

Botas de cowboy?

— Sim. - Tentei segurar a risada.

— Tinha que ter algo para estragar o garoto. Ele não poderia ser esse príncipe perfeito que todo mundo vinha falando. – Disse meu avô que foi logo me entregando a minha sela. – Ande, garota, monte logo. Vocês dois sentiram falta disso.

— Ah! E já que o senhor me passou isso. Preciso de uma nova. Para mim e para Liv, será que fica pronta para o final de semana?

— Vai levar para Califórnia, também?

— Sim. Meus cavalos se adaptaram bem a ela, não os machuca e eu prefiro essa também.

— Vou encomendar para você, KitKat.

— Muito obrigada, vovô! – Dei um abraço nele.

— Agora tire esse cavalo dessa baia, sei que vocês dois estão precisando de uma boa corrida.

Meu avô não poderia estar mais certo, mas antes que eu pudesse efetivamente montar Perigo, Alex apareceu nos estábulos.

— Dona Claire me disse que você estaria aqui. – Ele disse. – Podia ter falado que vinha para cá.

— Não quis te acordar da sua siesta. – Comentei.

— É seguro entrar? – Perguntou se referindo à presença do meu Puro Sangue Árabe.

— Sim. Eu estou aqui. Ele não vai fazer nada demais. – Garanti.

— Então esse é o famoso Filho do Perigo. – Meu noivo disse chegando perto de cavalo e tentando fazer amizade com ele. – É um senhor cavalo. Tem razão de você ter tanto xodó com ele.

— Eu sei... Perigo é mesmo lindo, não é, meu amigo? – Fiz um carinho no pescoço do cavalo.

— Mas ele não me parece nem um pouco bravo, como você fez questão de falar. – Alex teve a audácia de dizer.

Você acha isso?

— Com certeza. Acho que você estava querendo assustar minha mãe e deixar o seu cavalo com fama de mau.

— Então, Surfista, quer montar? – Ofereci.

Alex analisou Perigo, passando a mão no pescoço do animal, dando umas batidinhas nos ombros.

— Não vejo motivos para não montar. – Disse por fim.

— Tudo bem. Vou pegar uma sela para você. E enquanto eu vou ali, tentem um entrosamento melhor. – Pisquei para Alex e sai com sorriso no rosto, meu noivo não sabia o que vinha pela frente. No caminho passei por meu avô e pelo Dr. Carlton, o veterinário.

— Katerina, que bom te ver por aqui! Já me falaram que vai levar Perigo e Hal embora.

— Dr. Carlton, boa tarde! – Respondi. – Sim, o transporte aéreo decola no próximo sábado. Seria possível o senhor dar todos os avais para o voo e alfândega sanitária para eles?

— Claro! Sem problemas. Vou fazer a ronda e, se você quiser, pode sair para montar, aqui ainda vai demorar e quando se trata dos seus cavalos, quanto mais cansados eles estiverem, melhor para mim.

— Tudo bem, é o que vou fazer.

— Mas você só ia sair com Perigo. – Vovô me falou.

— Eu vou em Prince Hal, Alex afirma que consegue montar Perigo. Avisado ele já foi.

— Ainda bem que tem duas médicas aqui no Haras. Precisa que chame a sua mãe e Tanya?

Dei uma olhada na direção da baia de Perigo.

— Ainda não, mas acho que vou deixá-las de sobreaviso...

Meu avô deu uma risada.

— E eu achando que o rapaz iria durar.

— Ele tem sérios problemas, vovô. Aos poucos o senhor vai perceber isso. – Afirmei e acelerei o passo para ir pegar a sela.

— E aqui está! – Disse para Alex e já fui entregando a sela.

— Não vai me ajudar?

— Você me ajudou com Furia?

— Não, mas eu nem sabia que você iria escolhê-lo! – Argumentou.

— Vou selar Prince Hal, estou a três baias de distância. Se precisar de algo, é só chamar. – Informei e depois de pegar a minha sela, fui até meu outro cavalo.

Brinquei com Hal, fiz carinho, selei o cavalo, montei-o e nada de Alex conseguir se ajeitar com Perigo.

Mesmo já do lado de fora dos estábulos, era fácil de ouvir os murmúrios de Alex, a grande maioria, pedidos para que Perigo cooperasse com ele e fosse um bom garoto, deixando ser selado e montado.

— Isso não se faz, Katerina! – Dona Claire disse toda brava quando me viu rindo.

— Ah, vovó, se faz sim! Alex já me jogou em muitas enrascadas, um pouco de vingança não faz mal a ninguém.

Alguns minutos mais tarde, Alex finalmente saiu do estábulo, puxando Perigo pela guia.

— Pronto para ir? – Perguntei já em cima de Hal.

— Esse é o Prince Hal? Bonito também!

— Meu Lorde Inglês! – Respondi e dei o comando para que Hal fizesse uma mesura. – Mas não troque de assunto.

— É claro que estou.

— Então monte! – Falei e cruzei os braços, esperando pela cena seguinte.

Um pouco mais atrás, vi Olivia montada em Chocolate e Tuomas, que tinha uma câmera na mão, filmava tudo ao meu pedido.

— Aqui se faz, aqui se paga. – Murmurei já prevendo o que iria acontecer.

Alex parou do lado direito de Perigo, respirou fundo, colocou um pé no estribo e deu um pulo, passando a perna para o outro lado. Até então, o cavalo não tinha se mexido, não fez nada, mas bastou que Alex se sentasse na sela que o garanhão empinou alto, se esticando todo.

Não teve jeito, o cowboy californiano não teve tempo de se segurar e o resultado foi...

— Você está bem? – Perguntei, fingindo estar preocupada ao ver meu noivo estatelado no chão, tinha caído de costas e parecia uma barata desesperada.

— Sim. Ele me pegou de surpresa. – Em um piscar de olhos ficou de pé e voltou a se concentrar em montar.

— É claro. – Concordei.

Alex tentou novamente e dessa vez, Filho do Perigo nem deixou que ele subisse na sela, saiu relinchando e dando coices de uma vez e, mais uma vez, Alex caiu no chão.

Meu noivo murmurou qualquer palavrão, se levantou, sacudiu a poeira das roupas e foi atrás do cavalo, determinado a montá-lo, nem que fosse a última coisa que fizesse na vida.

Na terceira vez, ele simplesmente passou direto em cima da sela e caiu do outro lado, ainda bem que Alex tem todo aquele treinamento de dublê e sabe cair sem se machucar, porque se fosse outro ali, os serviços de Tanya e minha mãe seriam necessários.

Na quarta vez, conseguiu montar, mas Perigo empacou e, quando sentiu que Alex iria desmontar, empinou novamente e o jogou no chão.

Na quinta, Alex montou, deu um comando e Perigo disparou igual a um maluco pelo pasto.

Täti!!! – Liv gritou, ao ver que meu cavalo não respondia ao comando de Alex. E saiu ao socorro do tio.

— Katerina, vá atrás de Alexander agora! – Minha mãe, que tinha chegado ao escutar que Perigo fazia outra vítima, disse aflita.

Dei o comando à Hal e saímos à toda atrás de Perigo. Demorei um pouco, mas emparelhei com Alex, que estava bravamente se mantendo na sela, apesar do cavalo estar dificultando a vida dele de todas as maneiras.

— Me passa a rédea e se segure! – Pedi.

— O que você acha que vai fazer?

— Quando eu disser, aperte suas pernas como se fosse você fosse dar o comando para ele parar.

— Ok.

— Um... dois... AGORA! - Puxei a rédea, e dei o comando mais importante. O de parar.

Filho do Perigo, PARE! – Ordenei e rezei para que o cavalo realmente me obedecesse, pois se ele desse uma guinada para a direita, eu ia ser derrubada da minha sela e arrastada por ele.

Perigo parou de supetão, para a minha sorte, Hal fez o mesmo e tudo o que eu pude perguntar para Alexander foi:

— Ainda tem certeza de que quer montar Perigo?

Ele desmontou na hora, parou do meu lado, me pegou pela cintura e me tirou de cima de Prince Hal.

— Fique com seu cavalo maluco. Eu vou com Hal.

— Trate-o bem. – Falei e com um simples pulo, montei meu Puro Sangue Árabe.

— Você me chamou de convencido na praia... e agora? Te chamo de que?

— Katerina.

— Sei. E como explica isso? – Ia perguntando enquanto eu mostrava a propriedade a ele.

— Eu sou a humana dele. A Amazona dele. Perigo me conhece desde que eu o trouxe para a Inglaterra. Por isso nos damos bem.

— E Prince Hal? Ele parece bem mais manso.

— Além de ser dois anos mais velho que Perigo, Hal nunca foi um cavalo agitado. Por isso vai com qualquer um. Mas ainda prefere que eu o monte, ainda mais quando a pessoa está montada na sela errada e é muito mais pesada que eu.

Alex revirou os olhos, porém não desistiu do passeio. Eu aproveitei o momento e deixei que Perigo gaopasse à vontade. E meu cavalo era tão rápido que eu tinha a sensação de estar voando. E, ao final do dia, todos os vídeos dos perrengues que meu noivo passou tentando montar Filho do Perigo foram parar no grupo da família, eu tinha pedido para Tuomas gravar o que acontecia, não espalhar para o mundo.

Quando Alexander viu os vídeos, só soube começar a reclamar, pois ele sabia que o irmão mais novo não ia dar sossego a ele.

— Já ouviu falar da “Lei do Retorno”, Alexander? – Perguntei simplesmente.

Ele só me lançou uma encarada mortal e foi entrar para o banho. Enquanto eu fiquei rindo ao rever as trapalhadas que meu cavalo mais arisco fez o cowboy passar.

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Se no sábado conseguimos evitar o constrangimento das conversas necessárias, porém nada agradáveis, o domingo trouxe não só minha mãe querendo falar comigo, como meu pai pediu para que Alex o acompanhasse em uma caminhada.

Claro que eu fiquei extremamente preocupada com essa conversa. Eu sabia o que meu pai falaria, sabia o que ele detalharia. E eu não queria, e nem quero, que Alex escute isso. São águas passadas, nós já conversamos sobre isso e encerramos o assunto, meu pai não precisava trazer à tona reações que não influenciariam em nada em nosso relacionamento.

— Katerina, você está comigo? – Minha mãe me questionou assim que se sentou na poltrona à minha frente, misturando uma xícara de chá. Ela tinha me chamado para uma conversa assim que acabei de colocar Elena na cama para o cochilo da tarde e Alex tinha saído com meu pai.

— Sim. Eu estou aqui. – Respirei fundo e me concentrei no aqui, onde eu tinha alguma influência.

— Não é como se você não soubesse que aquela conversa iria acontecer. – Como sempre minha mãe me lia até bem demais.

Dei um sorriso sem graça para ela e decidi por preparar uma xícara de chá para mim.

— Eu espero que papai não vá falar do meu pequeno surto.

— Para começar, Katerina, não foi surto, trate uma doença mental como ela deve ser tratada. Você entrou em depressão. Essa é a realidade dos fatos. E nós deixamos que o seu estado chegasse quase que longe demais ao não observarmos os sinais claros, gritantes que você nos dava, mesmo sem querer.

Mordi o lábio. Tentando não me lembrar dos dois meses que se sucederam ao fiasco de casamento.

— Nós não estamos aqui para conversarmos sobre a minha condição psicológica de sete meses atrás, äiti. – Tentei focar no que realmente importava.

Minha mãe me analisou atentamente, me leu por completo, depois me encarou por quase dois minutos sem falar uma única palavra. Não desviei meus olhos nem uma vez de seu contato ininterrupto.

— Não, não estamos e nem precisamos discutir sobre você. Temos outro assunto pendente. – Ela disse por fim.

— Quer começar por Tuomas, o Segurança ou por seu Sogro?

— Seu chefe. – Ela, assim como eu, evitava ter qualquer vínculo com Matti. – Como você vai agir amanhã?

— Eu não vou chegar chutando a porta e gritando com ele. Não vou falar nada na presença de ninguém, vou esperar ficarmos às sós. Apesar de que é bem capaz que ele se blinde para não me encontrar pessoalmente em uma sala vazia.

— É uma jogada possível. Ou talvez ele force uma situação para que se encontrem. Matti tem a necessidade de se impor como chefe e poderoso CEO. Acredito que ele vá tentar te desestabilizar o mais cedo possível, para que você seja vista no conselho como alguém incapaz de gerir um escritório.

— Pode ser aconteça também. – Confirmei. Os dois cenários que discutíamos já haviam passado pela minha cabeça.

— Pelo visto já pensou sobre isso?

— Sim. Tive muito tempo durante o voo para pensar e repensar a minha abordagem na reunião.

— E se decidiu por?

— Agir normalmente. Não devo nada a ninguém ali. Os números do Escritório do Pacífico estão excelentes. Não há críticas quanto a isso. Assim, eu posso me permitir ignorar temporariamente o que vem acontecendo na família, para mostrar para aquele bando de homens misóginos e preconceituosos que uma jovem mulher pode sim, ser a responsável por todo um escritório.

— É um excelente plano, minha filha. Só faltou um detalhe.

— Que detalhe, mamãe?

— Chegou a pensar que Matti não estará sozinho nessa reunião? Que Cavendish e o Sr. Dempsey também estarão lá, e pelo que você me descreveu em nossas conversas, Dempsey tem alguns contatos interessantes dentro da empresa e vai tentar agir como se fosse dono e herdeiro de tudo.

 - Bom para ele! O poder que ele acha que tem, não vale de nada. Se ele pensa que o que mandou que fizessem comigo nos portos de Los Angeles e San Diego me afetou... coitado. Ele realmente não me conhece, coisas assim sempre aconteceram e vão continuar.

— Torço para que esteja certa, minha filha. E que você tenha a cabeça no lugar para poder encontrar com os três amanhã.

— Eu, querendo ou não, mamãe, tenho que fazer isso. Vamos deixar os dados rolarem e esperar para ver o que acontece.

— Eu só quero que saiba, KitKat, que você não está sozinha.

— Eu sempre soube disso. – Garanti.

— Eu sei, mas em horas assim, é sempre bom reafirmar. – Minha mãe pegou a minha mão e a apertou.

— Obrigada. Agora...

— Você quer saber o que conversei com Matti?

— Sim. Essa conversa está pairando na minha cabeça nos últimos quinze dias.

— A versão resumida é que eu mandei-o ficar longe de minha família e parar de mexer com minha filha e meus netos.

— Algo que pelo visto ele não deixou de fazer... tendo em vista que Liv está com medo dele.

— Olivia tem sido um problema à parte. Ela realmente ficou traumatizada com tudo o que aconteceu, está tendo dificuldades para dormir... só tem se acalmado quando vem para cá.

— Ontem ela parecia bem, hoje também.

— Com quase toda a família ao lado dela, Liv fica tranquila. Complicado está sendo mandá-la para a escola. Nós a deixávamos na porta e ela sempre voltou para casa ou de metrô ou a pé, nas últimas semanas estou buscando-a, porque ela morre de medo de que Matti apareça.

— Ela me contou tudo isso e... bem... me fez um pedido que, se Ian descobrir, vai colocá-la de castigo e vai querer a minha cabeça.

— Pediu para morar com você em Los Angeles. – Minha mãe adivinhou.

— Sim. Eu tentei explicar que é inviável, que ela está segura aqui, que Ian e Tanya jamais deixarão que algo aconteça com ela, contudo, ela tem certeza de só ficará tranquila e sentirá segura novamente se ficar muitas milhas distante de Matti e de seus seguranças.

— Não concordo nem discordo de Olivia. Ela se sentiu segura e querida em Los Angeles, Londres deixou de ser um local seguro momentaneamente para ela, então minha neta está buscando a segurança que perdeu. É compreensível que ela queira te seguir agora, porém, não é o certo. Primeiro, os pais e irmãos estão aqui. Segundo, fugir nunca é a solução. E eu já conversei isso com ela.

— E ela?

— Fez-me prometer que, até o fim do ano letivo, vou levá-la e buscá-la na escola. E eu vou fazer isso. Porque sei que Matti não vai chegar perto dela se eu estiver por perto.

— A senhora ainda acha que ele vai tentar alguma coisa?

Minha mãe me deu um sorriso que me deu calafrios.

— Ah! Ele vai. Vai tentar se aproximar de Tuomas, de Liv, de Elena. Ele pode tentar, agora se vai ter algum sucesso.

— O que a senhora pretende fazer?

— Eu já fiz. Ele não pode chegar perto de nenhum dos meus netos.

— O processo...

— Claro. Não foi só contra o segurança, que só não foi preso ainda, porque está sendo muito bem protegido, mas também contra Matti. Ele não vai arriscar que essa bagunça respingue no nome da amada empresa.

— Mas como a vovó Mina está levando tudo isso?

— Ela está aqui, não está? As aparências estão sendo mantidas pelo bem de todos e de Elena, que é muito pequena para tentar entender alguma coisa, todavia, não há muito mais o que Matti possa fazer. Não se ele não quiser estampar a capa do The Sun[4] no dia seguinte.

— Quando a senhora fez tudo isso?

— Na sexta-feira depois que tudo aconteceu e no sábado pela manhã, a decisão saiu no sábado a noite e no domingo ele foi cientificado.

— Mas e a conversa que a senhora teve com ele? A senhora não ia...

— Você o conhece, KitKat, acha que ele iria aceitar algo assim, sem vir reclamar?

— Ele apareceu na casa do Ian e da Tanya?

— Não, ele foi lá em casa. Na verdade, estava me esperando dentro do carro e, assim que estacionei o meu, veio praticamente querendo gritar. Não vou te contar as palavras que trocamos, mas ele não entrou na minha casa.

— E o que papai acha disso tudo?

— Eu te pedi para não contar a ele, porque eu queria contar. E fiz isso assim que a decisão saiu.

— Me admira que ele tenha ficado no Oriente Médio.

— Não ficou. Veio para Londres e trabalhou da fábrica. Sabe que isso é possível.

— Então, só eu tive que ficar plantada longe de tudo e no escuro? – Tive que controlar o meu tom de voz para que minha mãe não se ofendesse.

— Porque eu precisava que você tomasse a sua decisão de como agir nas reuniões dessa semana por si mesma, sem estar influenciada pelos acontecimentos daqui.

— Eu estou influenciada, mamãe.

— Não, você está revoltada com o que aconteceu. Se você estivesse influenciada, teria ido direto tirar satisfação com Matti. Eu te conheço, minha filha. Ou você age por impulso e solta tudo o que você tem que soltar, ou você para, pensa, reflete e arma a sua vingança. E você está no modo vingança. Pode não saber como vai fazer isso, mas sabe que irá.

Encarei minha mãe. Como ela poderia estar tão certa?

— Não vai dizer mais nada, KitKat?

Fiquei calada e olhei pela janela.

— É, não vai. Eu estava certa afinal. E como quero esse assunto encerrado a partir de agora, vou te perguntar só mais coisa.

Me virei para ela.

— Quando vocês vão anunciar o noivado para essa parte da família?

— Nessa semana. Não sei quando Alex vai querer fazer isso, mas será nesta semana.

— Espero que seu pai não o tenha assustado muito... – Ela disse com um sorriso ao olhar pela porta de vidro, na direção em que meu pai e meu noivo haviam tomado quase uma hora e meia atrás.

 

[1] Vovó!

[2] Bem-vindo à família.

[3] Obrigado, senhora.

[4] Tabloide de fofocas sensacionalistas da Inglaterra.


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Notas finais do capítulo

E aqui está! Espero que tenham gostado, misturei o drama com um pouquinho de comédia para não ficar muito pesado, afinal, o próximo capítulo vai ser meio barra pesada... e já digo, é uma novidade nessa história a forma como foi narrado...
No mais, gostaria de agradecer a cada um dos leitores que vêm acompanhando a história, que tira um tempinho para comentar. Obrigada de coração, é muito bom ver o número de visualizações crescendo e o número de pessoas que acompanham a história também. Aos leitores que deixaram comentários, muito obrigada pelas palavras de incentivo! Aos leitores fantasminhas, obrigada por serem fiéis!! E se quiserem comentar também, me deixaria muito feliz, eu respondo todos os comentário, tá? ;) Dito isso, desejo um ótimo 2022 para todos, com muita saúde, alegrias e que seus sonhos se tornem realidade!
xoxo



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