Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 66
Passado


Notas iniciais do capítulo

Meio da semana, é hora de capítulo novo!
Uma curiosidade, a história nasceu praticamente desse capítulo e da citação inicial. A minha ideia era fazer um conto de época, mas como fiquei com medo de escrever alguma coisa errada sobre os fatos históricos, resolvi só por mencionar mesmo, assim nasceu o que vocês estão lendo!
Mas vou parar de enrolar e aconselhar que peguem os lencinhos.
Tenham uma ótima leitura!



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"E, quando ele morrer,

pegue-o e corte-o em pequenas estrelas,

e ele fará a face do céu tão bela

que todo o mundo estará apaixonado pela noite

e não prestará adoração ao sol berrante.”

 (Romeu e Julieta - William Shakespeare)

 

— Eu não acredito que já é segunda-feira! – Foi a primeira coisa que falei assim que ouvi o despertador tocando.

— Horas? – A voz de Alex saiu abafada, já que ele estava deitado na minha barriga.

— Cinco e meia. Que horas começa o seu dia? – Tentei por algum tipo de coerência em meu cérebro.

— Nove.

— Acho que podemos dormir até às sete. Merecemos isso. – Falei.

— Sim. – Alex se ajeitou da maneira mais confortável para ele e eu tornei a programar o despertador.

Dormi em menos de um minuto e quando o despertador tocou de forma definitiva às 07:00 da manhã, não teve mais jeito, me levantei, já contando as horas para poder voltar para a cama.

— Eu ou você? – Alex apontou para o banheiro.

— Você, eu tenho que escolher a roupa primeiro. Esqueci de fazer isso ontem. – Falei e segui para dentro do closet, Alex foi para o banheiro, e a única certeza de que tínhamos era a de que estávamos com sono. Com sono e cansados.

Nossos cérebros só foram acordar de vez com o café da manhã e foi quando começamos a conversar como seres humanos normais e eu tinha uma pergunta bem específica para fazer.

— E então, o seu veredicto sobre a minha família. – Joguei a bomba de uma vez, enquanto arrumava os nossos almoços.

— Achei que você já teria deduzido a essa altura. – Foi a resposta dele.

— Alexander Thomas Pierce não fuja do assunto. – Intimei.

— Gostei de todos. Seus irmãos e cunhadas vão ser ótimos companheiros de viagem, assim como seu sobrinho. Não preciso falar de Liv e Lena. Fiquei com medo de falar a palavra errada perto de sua mãe, não nego. Pode não parecer, mas ela impõe um respeito absurdo. O que ela faz, além de ser médica?

— É professora universitária.

— Está explicado.

— Então, continue.

— Pietra vai se dar realmente muito bem com Benny. Ela é uma figura. Melissa parece que são duas pessoas em uma. Quando está trabalhando é toda séria, mas é só sair do autódromo que vira outra pessoa. Gostei da sinceridade das duas e de Vic, são elas, que junto com você, formam o “Bando de Loucas”, certo?

— Sim. Somos nós quatro.

— Como eu disse, gostei de todos e espero poder reunir todo mundo de novo.

— Sei. E esses seus planos incluem o meu pai? - Questionei olhando bem para ele com a intenção de ver todas as suas reações.

Aqui Alex deu um passo para trás e desconversou.

— Sim. É claro. - Disse um tanto incerto.

— Não me convenceu. – Pressionei.

— Vamos dizer que agora eu realmente estou com medo da conversa que vamos ter em dezembro.

Tombei a minha cabeça e encarei Alex.

— Lembra que você me disse, logo na sua primeira noite, quando se mudou para essa casa, que meu pai impunha um certo respeito em você.

— Claro. E ele continua impondo, assim como sua mãe.

— É a mesma coisa com o seu pai, só que, com uma grande diferença. Se eu fizer alguma coisa errada, ou ferrar com tudo, não vou receber um castigo ou algo do tipo. Eu posso perder você. Porque aí vai ser o seu pai, seus irmãos e sua mãe contra mim.

Ia protestar, para dizer que meus irmãos e minha mãe gostaram dele, quando ele me pediu para esperar e continuou:

— Porque, Kat, sua família está pronta para te defender de qualquer coisa. E aposto que até a minha mãe ficaria do seu lado, dependendo do que acontecesse. Então, seja lá o que o seu pai for conversar comigo em dezembro, eu sei que eu vou ter que conquistar a confiança dele de uma maneira na qual ele tenha a certeza de que eu não vou fazer com você o que o seu ex fez.

— Você está com medo do meu pai?

— Tenho medo do que ele possa vir a falar com você sobre mim e como você vai reagir a isso.

Fiquei observando Alex por um tempo, decidindo se contava ou não o que meu pai havia me dito.

— Quer um conselho? – Falei por fim.

— Qualquer coisa é bem-vinda quando se trata de seu pai, Kat.

— Seja quem você é e haja normalmente. Só isso.

— E vai ser o bastante?

Já foi o bastante, Alexander. - Afirmei.

— E como você sabe?

— Vamos dizer que na hora em que minha mãe estava se despedindo de você, ele me disse isso. Ou quase isso. O que me leva a última pergunta, o que ele te disse?

— Que me caçaria até os confins da terra, se algum dia você ligar para casa chorando.

E isso é tão típico de meu pai.

— Não vai falar nada? – Alex me perguntou.

— Sobre o aviso do meu pai?!

— Sim.

— Não. Não vou. Essa é a essência de Jari-Matti Nieminen. Agora você só tem que se acostumar com ele. E com as encaradas que ele vai te dar.

— Porque ele me odeia.

Tive que rir.

— Muito pelo contrário. Ele gostou de você. E muito. Apesar de todas as tatuagens.

Isso pareceu melhorar o ânimo de Alex para a futura conversa.

— Já que é assim... será que posso chamá-lo de sogrão agora?

— A vida é sua. – Informei e fui acabar de me arrumar.

Quando desci Alex não estava em nenhum lugar à vista, assim, consegui esconder o bilhetinho que tinha escrito dentro da bolsa térmica que ele iria levar. Nos despedimos na garagem, cada um indo para um lado hoje. E essa seria a nossa rotina pelas próximas semanas.

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 Eu sabia que uma pilha de trabalho me esperava no escritório, só não sabia que seria tanto trabalho.

A mesa de conferência estava completamente lotada de relatórios, na minha mesa tinha mais coisa e minha agenda estava aberta no dia de hoje, com tudo o que eu tinha que fazer. E, para finalizar, havia um bilhetinho de Milena:

E olha que eu tentei filtrar a maioria das coisas, mas parece que todo mundo resolveu precisar de você na quinta e na sexta-feira. Boa sorte!

É, eu realmente iria precisar de muita sorte para dar conta de tanta coisa.

Como era o meu ritual, fiz um bule de chá, coloquei na minha mesa e busquei pela pilha que estava escrito “urgentíssimo”. Comecei ali e me afundei em trabalho até às 10:00 horas, quando Milena bateu na porta para me dar bom dia e logo veio Amanda.

— Preciso que levante a mão para que eu te encontre aqui, Chefa! Isso aqui está parecendo até um labirinto. Um labirinto de relatórios. – Disse a adolescente.

— Eu estou aqui na minha mesa.

As duas vieram dar as últimas notícias e eu aproveitei para usar um pouquinho da boa vontade de Amanda, para que ela me ajudasse a redistribuir os relatórios já prontos para os devidos setores.

— Algo de muito extraordinário aconteceu? – Perguntei para Milena.

— Não. Nada. Só excesso de serviço.

— Claro. Isso eu vi. – Apontei para a minha sala - Vou tentar colocar o máximo em dia por aqui, assim, preciso de Amanda para me ajudar, se importa?

— Nem um pouco, estou presa nos relatórios para o Conselho mesmo. Cobrando dos atrasados. E marcando as reuniões antes da sua viagem. – Minha secretária me respondeu e já foi avisando à Amanda que ela tinha uma nova, e temporária, chefe por hoje.

— Ótimo. Me avise quando isso já estiver organizado, por favor. E eu não estou para ninguém. – Pedi por fim.

Antes do almoço, consegui imprimir um ritmo alucinado e mais de sessenta por cento da papelada atrasada foi posta em dia.

Quando Milena e Amanda anunciaram que estavam saindo para o almoço, me permiti parar também, assim fui para minha salinha, tirei os sapatos e depois de lavar as mãos, fui atrás de meu almoço, para ser surpreendida quando abri a bolsa térmica, pois lá dentro tinha uma coisa que eu não havia colocado. Uma barra de chocolate com um bilhetinho.

Um chocolate para dar energia à minha formiga doceira favorta.

Rakastan sinua!

A. 

— Acho que alguém está querendo me engordar. – Murmurei sorrindo com a surpresa e deixei o doce em cima da geladeirinha para comer mais tarde.

Almocei, fiz um pouquinho de hora, dei um retoque na maquiagem e uma hora depois, estava de volta ao trabalho.

Às 17:30 dei meu dia como encerrado. Contente por ter colocado o serviço quase em dia, e por ter tido reuniões produtivas com os portos da Ásia.

Arrumei minhas coisas e peguei alguns relatórios para levar para casa, Alex tinha me avisado no meio da tarde que iria chegar tarde e me pediu para que pegasse o Trio Peludo no hotel, já que ele não conseguiria fazer isso.

 Minha primeira parada foi no hotel. Resgatei nossos cachorros e Stark quase que me joga no chão de tão feliz que ficou em me ver.

— Eu não ia esquecer vocês aqui. – Falei.

Emilly começou a rir.

— Aproveitei e fiz um check up completo nos três. Já estava na data do de Stark e aproveitei e fiz o mesmo com Thor e Loki. Todos três estão muito bem de saúde, apesar de Loki ter ficado um tanto amuado sem a mãe por perto, o que é completamente normal.

— Obrigada, Em. E Loki é assim mesmo. Antissocial até onde foi, parou e ficou. Não é Lokinho?

Meu cachorro só se escondeu atrás de minhas pernas. Emilly já estava saindo da clínica e como estava sem carro, ainda dei carona para ela.

— Só para ter certeza, Matt pediu para Alex dar uma olhada em uma moto... ele conseguiu descobrir o que tem naquilo?

— Alex já sabe o que é. Só não teve tempo de arrumar, até o final dessa semana fica pronta! Se você quiser avisar ao Matt.

— Vou avisar, mas esperava que não tivesse conserto... aquela moto é quase tão velha quanto minha avó. Vivo falando com Matt para comprar outra, todavia ele sempre me fala a mesma coisa, só quando não tiver mais jeito.

— Ele quer que a moto vire peça de museu, Emilly. – Brinquei.

— Pior que estou achando que é isso mesmo. E pode parar aqui. – Informou já que eu ia passando direto. – Muito obrigada pela carona, me economizou horas dentro de um Uber jogando conversa fora com um completo estranho.

— Sempre que precisar e obrigada por olhar o trio por nós.

— Faço com o maior prazer, ainda mais esses três. Tchau Kat, nos vemos sábado na praia?

— Se der, vamos.

— Arrastem a Pepper, ela tende a dar uma sumida quando o Will não está por perto.

— Pode deixar! Tchau Emilly.

Fiz a volta e acabei por parar em uma loja de peças para motos. Claro que minhas roupas e meu carro chamaram a atenção e tentaram me vender coisas que eu não precisava, coitado deles, comprei o que iria precisar para arrumar a moto de Matt e, foi só aí que o vendedor compreendeu que eu entendia do assunto.

Finalmente pude ir para casa e eu nem cheguei a abrir o porta-malas direito e o trio já foi pulando e saindo correndo pelo jardim, latindo.

— Pelo jeito sentiram falta de casa.

Entrei, troquei minha roupa, arrumei a casa, coloquei a roupa da viagem para lavar, e fui adiantar o jantar. Como Alex ainda não tinha chegado, resolvi fazer uma coisa que vinha protelando há um tempinho, marcar minha aula de avaliação no estúdio de pilates que Dona Amelia tinha me indicado e fiquei surpresa de constatar que ainda tinha vaga nessa semana.

Decidi por ir trabalhar enquanto a roupa era lavada, e como ainda não tinha escritório, me sentei na bancada da cozinha mesmo, o que não foi uma ideia muito boa, já que comi o tempo inteiro, porém, agora sim, tinha terminado todo o trabalho atrasado.

Às 21:00 Alex finalmente abriu o portão e eu nem tinha conseguido me mexer na cadeira, quando Thor, Stark e até mesmo Loki passaram iguais a foguetes em direção à porta, latindo de alegria ao rever o dono. E assim que ele abriu a porta da frente, foi jogado no chão pelos três.

— Até você, Loki!? – Perguntou espantado e recebeu uma lambida no rosto em resposta. - É, também senti saudades de vocês! – Ele começou a brincar com os três, até se deitando no chão para isso.

— O jantar está quase pronto, pai de pet. – Avisei da porta da cozinha.

— Só estou matando as saudades dos meus filhos! Eu aposto que você já fez isso. – Alex me respondeu e subiu a escada para guardar a mochila no escritório, Stark o seguindo de perto, Loki apareceu do meu lado e pelo barulho, Thor se jogou no sofá para dormir.

— Trouxe trabalho para casa? – Alex me questionou assim que entrou na cozinha, alguns minutos mais tarde.

— Só o atrasado. Tinha muita coisa me esperando. E como foi seu dia?

Alex me respondeu enquanto arrumava a mesa do jantar, me contado em detalhes como fora seu dia e como o comercial estava saindo. E logo que nos sentamos para comer, ele inverteu as perguntas, questionando sobre o meu dia.

E seguindo a nossa rotina, ele lavou as vasilhas e eu sequei e guardei. Com tudo finalizado, ele soltou:

— Eu deveria ir fazer um pouco de academia, mas eu estou acabado.

— Se você for eu vou! – Falei só para incentivar, eu também estava morta de cansada.

Chegamos na porta da cozinha e olhamos para o anexo, depois de um para outro e sem muita animação, subimos para trocar de roupa e voltamos para a academia, onde ficamos por uma hora e meia. E na hora que nos deitamos, dormimos em segundos.

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Pensilvânia, verão/outono de 1.777

Papai entrou em casa com uma expressão um tanto diferente em seu rosto sempre sério. Havia algo que identifiquei como dor e desespero.

— Papai? – Chamei-o assim que ele passou pela porta da sala onde estava.

Ele parou por um mero segundo, estava olhando na minha direção, porém não me fitava, seus olhos, sempre tão claros e brilhantes, estavam opacos e pareciam ver algo muito distante dali.

Fechei o livro que lia, outro livro que Alex me emprestara, e corri em sua direção, levando-o até sua poltrona e sentando-o ali.

— Papai, fale comigo! – Pedi.

E nem assim ele disse algo.

Comecei a me desesperar, eu nunca vira meu pai agindo de tal maneira e, em minha ânsia de buscar por ajuda, por qualquer tipo de ajuda, acabei por esbarrar em sua mão e, de lá caiu um papel.

Curiosa com o conteúdo, abri, para logo em seguida me ver ajoelhada ao lado de meu pai. Ali estava uma carta do Exército Continental, assinada por não outro, senão George Washington, que, em poucas palavras prestava suas condolências e informava com o coração apertado que meu irmão fora morto em combate.

— Não Ian! – Murmurei. – Não meu irmão! Como ficarão Tanya e o pequeno Thomas... – Comecei a falar, ainda de joelhos perto de meu pai.

Ao longe, escutei alguém bater na porta, eu sabia que deveria atender, porém não encontrei forças para fazê-lo, tudo o que eu fazia era chorar, ela lamentar o meu irmão e lamentar que meu sobrinho jamais conheceria o pai.

Bateram mais uma vez e mais uma, a cada tentativa as batidas ficavam mais altas e urgentes, até que escutei o barulho de algo se quebrando e passos rápidos atravessaram o corredor e pararam abruptamente muito perto de mim. Quando levantei meus olhos que ainda miravam a carta, vi que era Alexander quem chegara.

— Katerina! Katerina! – Ele me balançava devagar, tentando me trazer para este mundo.

Tudo o que fiz foi recomeçar a chorar.

— O que aconteceu? – Ele pedia desesperado.

Como não conseguia explicar a minha dor, só pude estender a carta.

Alexander leu o conteúdo, ele conhecera meu irmão e minha cunhada no dia do anúncio do nosso noivado, e olhou para mim, apertando forte minha mão, tudo o que fiz foi abraçá-lo.

— Eu sinto muito, Kat.

— Eu quero meu irmão de volta. – Pedi entre lágrimas.

— Se eu pudesse trazê-lo de volta para você, pode ter certeza de que o faria.

Os dias que se seguiram ao comunicado e ao enterro de meu irmão foram um borrão, várias pessoas vieram em nossa casa para prestarem suas condolências, as conversas ficavam exaltadas quando a guerra era o assunto principal e sempre acabava com a mesma frase:

— A Grã-Bretanha vai ter que aceitar que somos independentes.

Todos culpavam um único ser, a Grã-Bretanha. Esse país passou a ser para mim uma entidade maléfica. Que impedia a nossa liberdade, não aceitava nosso clamor de independência e agora tinha tirado o meu único irmão de mim.

Mais do que nunca eu comecei a me inteirar sobre tudo o que acontecia na política e na guerra, algo que desagradou a minha mãe que sempre tinha que me tirar do ambiente quando começavam a conversar sobre esse assunto.

— Não é problema seu, Katerina! – Ela chegou a falar uma certa noite, quando eu não consegui frear a minha língua e acabei dando minha opinião sobre tudo o que acontecia, chocando a maioria das mulheres presentes e espantando os homens que estavam à volta.

— Passou a ser quando essa guerra estúpida tirou o meu irmão de mim! A senhora não vê? Quantos homens mais terão que morrer? Quantas Tanyas mais terão que ficar viúvas? Quantos pequenos Thomas terão que crescer sem conhecer o pai? – Explodi.

Minha reação não foi bem recebida por minha mãe, ela me agarrou pelo braço e me levou até o quarto, até mesmo meu pai veio tentar entender o que tinha acontecido comigo.

E eu fui proibida de ir a qualquer lugar pelo período de uma quinzena.

Eu não saía, contudo, meu noivo vinha me visitar. Sempre. Todos os dias Alexander aparecia em minha casa, e mesmo sendo quase outono, nós dois nos sentávamos na varanda de trás da casa e ficávamos conversando. Ele sempre tentando entender a minha revolta. Querendo a minha opinião sobre o único assunto que existia no momento.

— Eu sei, Katerina, que você não concorda com o que está acontecendo. Nunca concordou na verdade. Mas, por favor, entenda, não houve no mundo nenhuma revolução sem guerra. Para mudar o que nos prende, precisa de revolução. Você gostaria de ser aquela que paga pelos luxos da Família Real Britânica até o fim de seus dias? Quer alimentar um país inteiro enquanto o seu é proibido de evoluir?

— Você sabe o que penso e qual é a minha resposta, Alexander! – Disse.

— Precisamos mudar isso! Precisamos lutar, Kate, se não por nós, por nossos filhos. – Ele continuou seu discurso apaixonado e eu olhei com atenção para seu rosto e entendi.

— Não você! Não! Você não vai para Saratoga! Eu não permito! Já basta Ian! Não! – Fiquei de pé em um pulo e lágrimas de raiva e desespero rolavam pelo meu rosto.

— Eu preciso ir, Katerina. Por nós!

— Não haverá um nós se você morrer, Alexander! Não faça isso comigo! Não posso perder você como perdi meu irmão! - Clamei.

— Eu vou voltar, Katerina. Eu sempre vou voltar para você. – Ele disse pegando as minhas mãos.

— Não, por favor. Não faça isso. – Implorei de joelhos, algo me dizia que se Alexander fosse, eu jamais o veria com vida novamente.

Ele me puxou pelas mãos até que fiquei novamente de pé e então me abraçou apertado. Quando nossos olhares se cruzaram, eu sei exatamente o que ele viu em meus olhos.

Dor, desespero e medo.

— Não fique assim. Não quero que essa seja uma das últimas imagens que eu veja antes de partir.

— E como queres que eu fique? Feliz com a sua partida? Eu preciso de você aqui, comigo. Quero você aqui.

— E me terá, Katerina. Nós casaremos, teremos vários filhos e envelheceremos um ao lado do outro, e quando estivermos bem velhos,  morreremos abraçados enquanto dormimos. – Ele descreveu o nosso futuro e me deu um beijo. Eu tentei fazê-lo entender, diante desse gesto que eu precisava dele aqui, que ele não poderia partir.

Mas meu noivo é teimoso e decidido. Ele iria para guerra.

Pelo restante do tempo em que Alexander ficara em minha casa eu não me desgrudei dele. Era quase uma necessidade ficar ao seu lado. Era como se ele fosse o meu mundo e nada mais importava.

Cedo demais ele se foi. E eu prometi que o veria no dia seguinte.

Mal dormi. E o pouco que consegui, sonhei com meu noivo, só que não era ele voltando para mim...

Acordei desesperada e sem querer dormir com medo de ver o que eu vira, fiquei me balançando na cadeira perto da janela até que o dia amanheceu.

Quando chegou a hora, me vi acompanhando Alexander, Sr. Pierce e Dona Amelia até a praça central de onde sairia o mais recente destacamento do Exército Continental.

Os homens, em seus uniformes, estavam orgulhosos, pois lutavam pela nossa liberdade. Já as mulheres, pesarosas.

Alexander se despediu de seu pai, de sua mãe e quando parou na minha frente, eu quis agarrá-lo e levá-lo comigo de volta para casa e trancá-lo lá.

— Eu vou voltar, Katerina, e quando eu voltar, eu vou me casar com você! – Falou e depois levou as minhas duas mãos aos lábios e as beijou.

Encarei seus olhos azuis, ainda mais destacados por conta da cor do uniforme.

— Eu vou estar te esperando. – Confirmei com lágrimas nos olhos.

Chamaram por todos os alistados e Alexander se virou para os pais uma última vez, seu pai lhe deu um aperto de mão, sua mãe lhe abraçou. Ele beijou minha testa e montou em seu cavalo negro como a noite, indo para muito longe de mim. Indo de encontro com o perigo.

Diante da partida de Alex, não teve como meu pai me proibir de acompanhar o que acontecia. E eu não era a única mulher que se inteirava da guerra agora. Várias outras, com filhos, maridos e noivos no front, começaram a querer saber o que se passava.

Alex tinha me entregado a chave de seu escritório, e não raro eu era encontrada lá, nas altas horas da noite, lendo, estudando, aprendendo. Se meu noivo fora defender a liberdade do país de nossos filhos, era meu dever aprender os nossos novos ideais e passá-los para frente, para que meus filhos não passassem por isso.

O verão se foi, as folhas começaram a cair, o calendário me informava que estava fazendo um ano que conheci Alexander. E nem essa lembrança me confortava. Não passava um dia sem que me preocupasse com ele, sem que eu temesse por sua vida.

Ocasionalmente Alexander me escrevia, sempre tentando me informar que estava, e ficaria, bem. E ainda me dava algumas notícias de como estava indo a batalha. Nós tínhamos uma vantagem agora.

Essa pequena vantagem virou uma grande vantagem, todos já davam a nossa vitória como certa, até que na primeira semana de outubro, eu parei de me importar com o resultado da guerra.

Era dia 02 de outubro, um dia frio demais para um outono que mal começara, eu estava no escritório de Alex, organizando as coisas e lendo um dos processos que lá estava. Um garoto de recados bateu na porta, me chamando para ir até a casa dos Pierce. Como eram poucas as pessoas que sabiam do meu paradeiro, logo meu coração se encheu de alegria, pois eu achei que Alex tinha, finalmente, voltado para casa. Que a guerra tinha terminado. Acompanhei o menino andando o mais rápido que conseguia. Ao chegar no portão da casa dos Pierce, dei a devida moeda a ele e caminhei apressada até a porta, não precisei bater, pois Sr. Pierce a abriu assim que meus sapatos fizeram barulho na madeira da varanda.

E o que eu vi em seus olhos foi exatamente a mesma dor, o mesmo desespero que vira nos olhos de meu pai alguns meses atrás. E ele não precisou me falar nada, eu sabia.

A dor, o desespero, meu coração se partindo de vez.

Alexander não voltaria para casa. Eu jamais o veria novamente. Nunca mais veria seu sorriso com covinhas, não ouviria sua voz, não ficaria até tarde discutindo com ele que tipo de livro era melhor. Nunca mais ele implicaria comigo por ler meus romances de Shakespeare. Nunca mais nos deitaríamos à luz das estrelas e ele me mostraria as constelações.

A dor era tanta que eu não respirava, não me mexia, não conseguia falar.

Como eu viveria sem ele?

Como ele tinha feito isso comigo? Ele prometeu! Ele me prometeu que voltaria! Que se casaria comigo!

Sr. Pierce me levou para dentro de casa e assim que Dona Amelia me viu, me abraçou e nós duas lamentamos a morte do mesmo homem. Ela perdera o filho e eu, o amor da minha vida.

Alguns dias depois uma charrete, puxada pelo cavalo que um dia fora de meu noivo, chegou na cidade trazendo quatro caixões de pinho. E entre estes, o de Alex.

Se eu sofri com a morte de meu irmão, nada se comparava ao que eu passava agora. A dor era infinitamente maior. E quando enterram meu noivo, uma parte de mim foi enterrada junto, eu sabia que jamais seria feliz novamente.

Um por um, os que vieram prestar suas condolências foram deixando o cemitério. Eu fiquei lá, ao lado de Dona Amelia. Minha sogra tinha envelhecido anos em questão de dias e não conseguia sequer encarar a sepultura do filho.

Após o enterro, eu perdi completamente a noção dos dias e das noites. Passava os dias presa em casa, não conversava com ninguém e à noite, eu saía escondida e ia para o cemitério, onde me deitava sob a lápide de meu noivo e ficava vendo as estrelas, tentando me lembrar de seus nomes, os nomes que Alexander me ensinara no último ano e sempre conversando com Alex como se ele estivesse presente.

O outono virou inverno e eu continuei com esse ritual, algo me dizia que se eu observasse as estrelas tempo suficiente, eu poderia escutar a voz de Alex e, se tivesse sorte, achar seu rosto na imensidão brilhante.

E, certa noite eu podia jurar que escutei, claro como a água, eu ouvi ele me chamando. Pude ouvir o tom de deboche de sua voz ao notar que eu novamente lia um romance que ele achava bobo demais.  

Romeu e Julieta não era um romance bobo. Pois agora eu entendia a dor de Julieta ao encontrar o corpo de Romeu sem vida ao seu lado quando acordou. Eu compreendia toda a sua agonia, todo o seu desespero, porque eu estava passando por isso.

Julieta era a minha descrição. William Shakespeare, mesmo sem saber, tinha descrito a minha dor, quando escreveu esse livro.

E, deitada no meio da neve, sob a lápide de Alexander, eu me virei para o céu, para as estrelas e comecei a murmurar a passagem que tanto fazia sentido para mim.

"E, quando ele morrer,

pegue-o e corte-o em pequenas estrelas,

e ele fará a face do céu tão bela

que todo o mundo estará apaixonado pela noite

e não prestará adoração ao sol berrante.”

Fiquei ali, olhando para a infinita noite, até que Alex me chamou novamente. Levantei minha cabeça, estranhamente eu não sentia mais frio, não sentia mais dor. Eu estava bem. Eu realmente estava bem.

— Vem, Kat. – Ele disse ao me estender a mão. – Vem comigo.

E eu o acompanhei, pois finalmente Alexander cumprira a sua promessa, ele tinha voltado, voltado para me levar com ele para que passássemos a eternidade juntos.


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Notas finais do capítulo

Eu avisei que precisariam de lencinhos... portanto, não me culpem!
No mais, apesar do final triste, espero que tenham gostado.
Muito obrigada a você que leu e agradeço ainda mais os comentários, é muito bom saber que tem gente que está gostando da história!
Sábado postarei mais um capítulo. Até lá!
xoxo



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