S.H.I.E.L.D.: Guerreiros Secretos (Marvel 717 2) escrita por scararmst


Capítulo 22
Qualquer Coisa que Precisar




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Alexis sentia cheiro de mar.

Não só mar. Mar, sol, areia, praia. Alexis nunca tinha sido o tipo de gostar muito de praia, ou de frequentar o local por conta própria, e portanto nunca tinha achado nada demais em qualquer coisa que o recordasse do ambiente. Mas já tinha aprendido, de uma forma muito dolorosa, o quão rápido o mundo podia girar. Essa era a primeira vez na qual essas voltas o enviavam para um local incrivelmente maravilhoso.

Não dormiu imediatamente. Ficou abraçado a Erasmus por um bom tempo, pensando que deveria voltar para seu próprio quarto, pois não fazia ideia de como a mãe reagiria se o pegasse ali, deitado na cama com o garoto e com pilhas de roupas espalhadas pelo chão. Mas não conseguiu se levantar. Não queria. Ficou ali, com Erasmus deitado sobre seu peito e dormindo com uma paz quase de dar inveja. E ali estava, o cheiro de mar.

Talvez emanasse dos cabelos dele, Alexis pensou, fazendo um cafuné quase sem se dar conta nos cabelos muito lisos do garoto. Fosse ou não o cabelo a fonte do cheiro, continuava sendo maravilhoso de passar os dedos, então continuou com o carinho mesmo depois de não fazer diferença para seus atuais agrados aromáticos.

Devia ser Eras. Ele era metade peixe, de certa forma, então talvez isso o concedesse algumas habilidades interessantes como emanar um delicioso cheiro de praia. Ou talvez nem fosse o cheiro de praia a ser tão incrível assim, mas Eras. Simplesmente Eras.

Alexis abaixou o rosto, tendo dali visão do topo da cabeça de Erasmus e do braço dele, que agora o envolvia em um abraço carinhoso. Começava a se sentir sonolento, mas mesmo assim demorou para dormir, distraído entre admirar o garoto e pensar no que tinha acontecido.

E quando enfim dormiu, foi para sonhar algo confuso e indecifrável, envolvendo terrígeno, mutantes, Erasmus e Purificadores. Tudo se tornou uma bagunça sem consistência como apenas sonhos conseguem ser e, nesse caso particular, uma bagunça terrível. Não soube dizer em qual momento seu sonho se tornou um pesadelo, mas nos instantes finais, foi confrontado por um Purificador sem face dando um tiro na cabeça de Eras, e então uma nuvem de terrígeno o sufocou até não conseguir mais respirar.

Acordou de uma só vez, sentando-se de repente e respirando com força, quase com desespero para encher os pulmões de ar. Erasmus, quem estava abraçado a si, acordou também graças aos movimentos bruscos, esfregando os olhos meio sonolento e olhando em volta com alguma letargia.

Ótimo, mais essa. Não queria tê-lo acordado.

— Lex? Tudo bem?

— Sim… — Respondeu, passando as mãos pelo rosto e controlando aos poucos sua respiração para um fluxo normal. — Sim, tudo bem. Desculpe, não queria te acordar. Foi só um pesadelo.

E não queria mesmo. Eras devia estar precisando de uma boa noite de sono depois de ter fugido da S.H.I.E.L.D. pela madrugada inteira. Alexis conteve um suspiro, olhando em volta por um instante, o suficiente para perceber uma iluminação esbranquiçada muito fraca banhando o quarto através da janela. A Lua estava alta, era madrugada e ainda estava no quarto com Eras. Não podia continuar lá até sua mãe acordar de manhã; ela era muito paciente e aberta com relação ao filho conseguir relacionamentos, mas Alexis desconfiava de que nem mesmo ela seria tão aberta a esse ponto.

— Tudo bem, já passou — Eras disse, fazendo um carinho no ombro dele. Lex sorriu ao sentir a textura agradável da mão do garoto em sua pele, e sentiu realmente os músculos relaxarem. — Você precisa terminar de dormir. Tem aula amanhã, não tem?

— Tenho — o garoto respondeu, levantando-se da cama e começando a pegar as roupas no chão para se vestir. — Não posso continuar aqui, mamãe vai ficar uma fera.

— Oh. Entendo — Eras respondeu, abrindo um sorriso e apoiando os cotovelos nos joelhos, observando Alexis se enfiar nas calças. — É melhor mantermos uma distância, então. Mas não muita, espero.

Não muita. Alexis riu, baixinho e sarcástico. Era a única reação possível agora. Ele se virou para Eras, inclinando-se para deixar um selinho estalado nos lábios dele.

— Não muita — respondeu, terminando de vestir a camiseta e saindo do quarto com um aceno de boa noite.

Se sua mãe desconfiou de algo, a mulher nada disse. Alexis acordou na manhã seguinte na própria cama, usando seu pijama e parecendo, ao menos ao que lhe cabia, ter estado ali a noite inteira. Ele desceu para o café da manhã, encontrando a mãe à mesa, mas sem sinal de Eras. Devia estar dormindo ainda, e tanto melhor. Que descansasse.

— Como está seu amigo? — A mulher perguntou, passando geleia na torrada e dando uma mordida antes de continuar. — Ele tem escola pra ir?

Não, não tinha. A S.H.I.E.L.D. se ocupava da educação dos agentes em fase escolar, então se Eras estava com ele, o garoto estava de certa forma matando suas aulas também. Não tinha parado para pensar nisso.

— Não aqui — respondeu, torcendo para a mãe não perguntar demais.

— Ele está em idade de escola, precisa estudar. Eu estava pensando em ver se mandamos ele para aquela escola de crianças com super-poderes que tem aqui na cidade.

Alexis quase deixou o pacote de biscoitos cair de sua mão ao ouvir a sugestão.

Não.

Eras, no Instituto Xavier? Primeiro, por que esse raio de lugar tinha que ficar o perseguindo desse jeito? De repente, Alexis percebeu que, caso sua mãe soubesse de suas próprias habilidades, era capaz de mandá-lo para lá sem pensar duas vezes. Era bom que ela continuasse sem saber pelos próximos três anos, no mínimo.

— Eles atendem mutantes, mãe — Alexis explicou, esperando conseguir racionalizar com a mulher. — Eras é inumano. É bem diferente.

— Ah. Entendi. Bem, nós vamos pensar em algo. Não se preocupe, ele não vai parar na rua até a gente pensar em alguma coisa, ok? Termine de comer logo que quero te deixar na escola mais cedo hoje, tenho algumas coisas pra resolver no trabalho.

Alexis assentiu, apressando-se como a mãe pediu. Deixou um bilhete para Eras na mesinha de cabeceira dele, só para se certificar de que o garoto saberia onde estava a comida, e que podia pedir qualquer coisa para a diarista e ela diria onde estava. Também fez questão de enfatizar que ele podia usar a piscina o quanto quisesse — tinha certeza, Eras iria querer — e só então, saiu.

Foi um dia distante. “Distante” era a palavra usada por Alexis para descrever períodos de tempo no qual sua mente viajava demais para longe de sua ocupação atual — nesse caso, pensando em Erasmus enquanto devia estar estudando ou se focando em seus golpes no dojô. Mas, ao contrário do que livros de romance diriam, Alexis não estava sonhando dia afora com mais momentos juntos ou outra coisa relacionada, não. Ele tinha outra coisa com a qual se preocupar.

Por que o garoto teria fugido da S.H.I.E.L.D.? Eras tinha comentado sobre a S.H.I.E.L.D. querer saber demais e, na hora, preocupado com o bem estar do garoto, não tinha pensado no que isso queria dizer. Agora, sob a luz de um novo dia, começava a ter uma boa quantidade de dúvidas.

Não era segredo a mania da S.H.I.E.L.D. de se meter em tudo e mais um pouco, então Eras dizer “eles queriam saber coisas demais” poderia muito bem ser referente a um desconforto de sua parte quanto a perguntas particulares como, por exemplo, o tamanho da peça íntima vestida por ele. Mas, mesmo que Alexis repetisse o argumento para si mesmo de novo e de novo, algo o dizia não ser bem esse o caso.

Esse tipo de pergunta seria chata e incoveniente, mas causaria um instinto de fuga em Erasmus forte o suficiente para o garoto fugir na calada da noite sem falar nada com ninguém? Ele parecia ter medo de um segundo a mais ser uma diferença enorme e, para um segundo fazer tanta diferença, a informação escondida devia ser sensível.

E, usualmente, Alexis não se importaria com nada disso. Os segredos de Erasmus não eram e nem deveriam ser de sua conta, não é? Bem, exceto a parte na qual ele tinha fugido de um time coordenando uma investigação sobre terrígeno.

Alexis respirou fundo, treinando seus últimos golpes no dojô para aquele dia. Não costumava ir ao local diariamente, mas precisava esfriar a cabeça antes de acabar tomando uma atitude impulsiva. Já o tinha feito antes, juntando-se a um time de mutantes assassinos por ideais distorcidos sem pensar duas vezes em sua atitude ou nas consequências delas. Não queria repetir o erro.

Precisava perguntar a Erasmus, de fato, o que tinha acontecido. E podia não conhecer o garoto há muito tempo, mas algumas pessoas irradiavam energia positiva, e ele era uma dessas pessoas. Não dava para pensar em Eras fazendo ou sendo parte de algo cruel propositalmente, por mais suspeita que fosse sua atitude em fugir da S.H.I.E.L.D., uma organização responsável por investigações de situações irregulares, porque tinha informações as quais não queria dar.

Alexis voltou para casa com receios no coração, pois não queria fazer Erasmus se sentir pressionado, ou ele poderia fugir de sua casa de madrugada também. Mas não podia ser cego a ponto de fingir não estar vendo algo de no mínimo estranho naquela situação toda. Ele deixou o dojô um pouco ressentido consigo, lembrando-se de quando conhecera o garoto e tinha sido bastante incisivo com ele, de propósito daquela vez, e não conseguindo evitar sentir estar prestes a fazer o mesmo.

Era só ser delicado. Perguntar com calma. Tudo ia ficar bem. Ele chegou em casa procurando Erasmus pelo local, e não ficou surpreso em encontrá-lo boiando na piscina. Era provável que tivesse ficado ali o dia inteiro. Alexis abriu um sorriso pequeno, um tanto admirado, então respirou fundo e caminhou até a piscina.

Ele se inclinou sobre a água, tampando o sol sobre o rosto do garoto com sua própria cabeça. Isso fez o outro abrir os olhos na mesma hora e então sorrir largo ao reconhecê-lo.

— Lex! Te esperei o dia inteiro!

Alexis sorriu; seria impossível não sorrir. Erasmus era contagiante assim. Ele tirou a própria camiseta, jogando-a em uma das cadeiras ao lado da piscina, e pulou na água, mergulhando um pouco antes de emergir ao lado de Eras e deixar um beijo breve sobre os lábios dele em um cumprimento.

— Não muito, espero. Deve ter sido chato pra você ficar sozinho aí, né?

Eras deu de ombros, mergulhando na água por um instante e emergindo em seguida.

— Não tão chato assim, me distraí bastante. Como foi seu dia?

— Normal. Nada de mais. Dei uma passada no dojô antes de vir embora, estava pensando um pouco.

— Pensando em quê?

— Em você.

A primeira reação de Eras foi sorrir, mas Alexis assistiu o sorriso diminuir lentamente à medida que o garoto percebia a expressão séria o encarando.

— O que aconteceu? — Ele perguntou, a voz abaixando e a cabeça acompanhando, devagar.

— É só uma coisa que eu estava pensando um pouco… Você disse que a S.H.I.E.L.D. estava querendo saber coisas demais. Eles não te incomodaram com isso, incomodaram? Eu preciso socar a cara de alguém por ter te enchido de perguntas em uma sala de interrogatório?

E por favor, por favor que Eras dissesse que não. Não era nada disso, eram só coisas pessoais, era besteira, não? Não era nada demais. Por favor.

— Não era uma sala de interrogatório… Era só a sala do diretor.

Inferno.

— O que aconteceu?

Pouco a pouco, Alexis assistiu a expressão de Erasmus ir mudando, do antes sorriso inocente e alegre para algo neutro, e agora até uma leve nota de agressividade, refletida no cenho um pouco franzido e a forma como ele mergulhou na água por alguns segundos, quase fugindo da pergunta.

Acabou, porém, decidindo responder.

— Eles descobriram que eu sou de Attilan. Eu não quis contar isso antes porque não posso voltar pra lá.

— Ah. Só isso? Eles tentaram te devolver pra lá?

Eras engoliu em seco.

— Não…

Não? Qual seria o problema então? Algo não soava certo. Alexis percebeu muito rápido o quão fundada sua desconfiança tinha sido, e quase quis se bater por ter sido tão ingênuo. Quem fugiria da S.H.I.E.L.D. na calada da noite sem ter algo escabroso para esconder?

— Então, o quê…

— Nada, Alexis, nada! — Eras exclamou de uma vez, pulando para fora da piscina com uma habilidade de dar inveja e pegando a toalha ao lado para começar a se secar.

Alexis ficou parado na piscina por um instante, mas não precisou pensar muito para decidir segui-lo. Não ia deixar o que tinha acabado de começar entre eles morrer por causa de uma discussão qualquer. Alexis bem sabia o quanto tinha de bagagem em sua própria vida, não podia ser a pessoa a julgar Eras por qualquer bagagem na vida dele. Em verdade, se realmente havia algo, isso só ajudava a explicar a facilidade de Eras para ignorar e perdoar os erros de Alexis no passado. Era fácil ignorar o histórico manchado de alguém quando o seu próprio também tinha suas manchas.

— "Nada" teu cu — o garoto respondeu, saindo da piscina com muito menos graça e seguindo Eras até o meio do jardim. — Me escute: eu não estou perguntando para te condenar, ou julgar, ok? Você não me julgou. Eu não me esqueci disso. Eu estou te perguntando porque, se algo ruim puder te acontecer, eu quero saber. Eu preciso saber, ou não vou poder fazer nada para te ajudar.

Eras ainda parecia um tanto relutante. Ele se virou de costas, mudando a direção para a qual caminhava, mas Alexis se adiantou, colocando-se ao lado dele novamente e segurando sua mão.

— Por favor, Eras. Seja o que for, eu prometo, a gente tá junto nessa, ok? Eu prometo.

— Você não sabe o que está dizendo.

— Sei sim — Alexis reafirmou. — Eu sei exatamente o quão feias as coisas podem ficar. Eu vi. Ainda me dá pesadelos, às vezes, lembrar do que aconteceu nos esgotos. Mas não tem jeito, faz parte da minha história agora, eu vou ter de viver com isso. Eu sei muito bem o quão feias as coisas podem ser.

Erasmus parou de andar. Ele encarou Alexis nos olhos por um instante e Lex pensou no que ele estava pensando, se ia tentar enrolá-lo de novo ou se estava medindo as palavras para responder. Ou tomando coragem. Talvez um pouco de tudo.

E então Alexis descobriu estar bem mais certo que o esperado quando Erasmus soltou sua mão da dele, devagar, e com a voz baixa e trêmula disse o que vinha tentando esconder.

— O terrígeno… O massacre contra os mutantes, o surto de inumanos… Eu sei quem fez isso. Foi o meu pai. 

 

[...]

 

Se houvesse uma contagem para um recorde do quão rápido Eras se arrependeu de algo em sua vida, aquele instante, logo que a palavra “pai” deixou seus lábios, conseguia ganhar até mesmo de sua fuga de Attilan. Ele viu os olhos de Lex se arregalarem em surpresa e soube, na mesma hora, estava arruinado.

Não achava que Lex ia entregá-lo, ou fazer algo para prejudicá-lo; queria acreditar que o garoto gostava tanto de si quanto Eras gostava dele, mas algumas coisas apenas eram demais. Ele tropeçou casa adentro, tentando não prestar atenção nos passos de Lex conforme se dirigia até seu telefone, na mesa da sala. Pegaria sua mochila, pediria um carro e daria no pé antes que causasse algum problema pra Lex, mais do que já tinha causado apenas por confessar aquilo.

— Você… — Alexis murmurou, Eras ouvindo a voz dele soar com certo temor. — Você sabia que aquilo ia acontecer?

Oh. Não, não era desse jeito… Não queria Lex o confundindo com um assassino ou genocida deliberado; mesmo tentando ir embora da casa dele, não queria fazê-lo e deixar Lex pensando o pior de si depois. O pensamento o magoava.

— Não… Não desse jeito — e ao proferir essas palavras e ver Alexis ainda o encarando como quem tentava entender uma super complicada equação de álgebra, percebeu, se tinha começado a falar, era melhor terminar. — Eu comentei como minha família não tem direito à terrigênese, lembra? — Lex concordou com uma afirmação de cabeça. — Meu pai me procurou um dia e conversou comigo. Me disse para deixar Attilan e ir frequentar as ruas do mundo, como ele mencionou. E então disse que um dia a terrigênese viria até mim. Na época, eu não entendi direito, mas agora que já vi o que aconteceu, e sabendo que meu pai, meu tio e meu avô tinham conversas sobre tentativas de roubar terrígeno dentro da cidade, não é difícil juntar dois mais dois e saber quem forneceu o químico para o fabricante das bombas.

Alexis não respondeu nada. Ele puxou um banco da bancada da cozinha, sentando-se nele de frente para Erasmus e o encarando, ainda parecendo esperar por mais informações. Com um suspiro, Eras se sentou de frente para ele.

— Eu não sabia que isso ia acontecer. Eu achei que ele ia dar um jeito de mandar um cristal para mim ou algo parecido. Que seria mais fácil eu passar por uma terrigênese clandestina fora da cidade, sozinho. Só eu. Não… isso. E foi horrível, eu sei que foi, mas… Ele é meu pai. Eu não posso entregar ele pra S.H.I.E.L.D., não posso!

Alexis desviou o rosto para o tampo da bancada, mas não disse nada. Erasmus desejou que ele falasse qualquer coisa, mas teria de ficar desejando, pois nesse instante seu telefone tocou, rompendo o silêncio e o clima tenso entre os dois. Eras pegou o aparelho irritado, imaginando se tratar de outra ligação de Niko — já tinha atendido mais cedo para falar que estava bem, não era o bastante? —, mas aterrorizado reconheceu o DDD da chamada como sendo o de Attilan.

Ele sentiu o sangue fugir de seu rosto e encarou o telefone em silêncio, esperando que o aparelho parasse de tocar. Tinha trocado de telefone. Ninguém em Attilan deveria saber o seu número a não ser por seu pai, mas o número na tela não era o dele.

— O que foi? — Alexis perguntou, dizendo algo, finalmente.

— Attilan — Eras respondeu, levando o dedo ao botão vermelho de recusar chamada e o deslizando devagar, quase como se receando que o telefone explodisse ao recusar a ligação.

— Eles têm seu número?

— Não deveriam ter.

O telefone tocou mais uma vez. Eras trocou um olhar com Lex e o mutante apanhou o celular da bancada.

— Eu vou atender e fingir que é meu número. Que tal?

Sim. Era uma boa ideia. Eras concordou e Lex atendeu a chamada, pigarreando antes de falar.

— Alô.

Eras ouviu barulhos abafados de alguém falando algo do outro lado antes de Lex voltar a responder.

— Senhor… Drausus Aeliusamudri? — Repetiu, olhando para Eras, e o garoto sentiu o coração saltar.

— É meu pai! Pergunte a ele qual a cor da minha maquete preferida!

Erasmus tinha cinco miniaturas de barco montadas à mão em seu quarto, todas bem rústicas e feitas em grande parte com sucata encontrada pelos pais e coisas baratas compradas na esquina. Sua preferida, verde, ficava guardada no quarto do pai: tinha dado a ele de presente em um de seus aniversários.

— Ele disse verde — Lex respondeu.

Era ele. Era mesmo seu pai.

Eras estendeu a mão para pegar o celular, pressionando-o contra a orelha quase em susto pela chamada repentina.

— Pai?

— Eras! — O garoto sentiu lágrimas subirem aos olhos ao reconhecer a voz do homem. Não falava com ele há tempo demais, e não fazia ideia de que sentiria tanta falta dele ao sair da cidade quanto sabia agora que já tinha partido. — Como você está?

— Bem! Estou bem, estou… — Parou. Não podia arriscar dizer exatamente onde estava. Tinham combinado de não dividirem informação sensível nas chamadas para o caso de serem grampeadas, e tinha de continuar assim. — ...com um amigo.

— Ah! Bom… Muito bom…

Drausus parou de falar, e por alguns instantes a chamada foi tomada apenas pelo ruído da respiração dos dois. Eras não podia falar muita coisa sem entregar muitas outras, mas, geralmente, nas pouquíssimas vezes as quais seu pai ligava, ele tinha notícias para contar. Eras decidiu encontrar algo para dizer.

— Você trocou de celular?

— Ah, não! O número… Uma mulher me devia um favor, eu pedi para ela um celular irrastreável para falar com você.

— Por quê? Você sempre me ligou do seu… Não entendo…

— Filho… Pegaram a gente.

A chamada entrou em silêncio mais uma vez. Eras ouviu a fala de seu pai, mas sua cabeça se recusava a computar o significado daquilo. Pegaram a gente. Não precisava pensar muito, sabia exatamente quem “a gente” era, e pelo quê tinham sido pegos. Essa não era a parte difícil. A parte difícil era a implicância disso.

— O quê? — Eras perguntou, sentindo os olhos se encherem de lágrimas, nublando sua visão. — C-como assim? Vocês disseram que não teria como… Papai, você disse que estava tudo bem…

— Está tudo bem. Vai ficar tudo bem, eu não quero que se preocupe, por favor. 

— Não me preocupar? Mas… E a sentença? Eu… Pai… Eles… Eles não vão… Eles só vão prender o senhor, né? E o vovô também...

Silêncio. Erasmus sentiu o estômago afundar e seus braços tremerem em um misto de desespero e ódio nunca antes experimentado em sua vida.

Seu pai ia morrer. Era como Attilan tratava traidores, tinha aprendido isso a vida inteira. Burlar o processo de terrigênese de qualquer forma era traição do mais alto nível, e para traições de alto nível, a pena era uma só.

— Pai… Pai…

— Me escute. Onde quer que você esteja, eu quero que continue aí, tudo bem? Com seu amigo. Não fique sozinho.

Erasmus se deu conta nesse momento de que estava chorando. Sentiu a mão de Alexis pousar em sua coxa em um carinho suave, mas nunca tinha sentido uma dor e um desespero tão grandes quanto agora. Era grato a Alexis pelo gesto, mas não estava fazendo nada pra diminuir o que sentia. Como poderia? Era demais. Não podia ser verdade, simplesmente não podia ser…

Precisava fazer alguma coisa. Qualquer coisa, não podia permitir que aquilo acontecesse…

— Quando? — Eras perguntou, levantando-se do banco devagar. Precisava descobrir quando. Precisava chegar em Attilan antes, encontrá-los e salvá-los da pena. Precisava dar um jeito, qualquer um…

— Filho, não…

Quando? Eu mereço saber — resmungou, travando os dentes com força e sentindo o gosto de sangue se espalhar em sua boca por conta dos muitos micro-cortes causados pelo gesto. — Quando?

— Amanhã, ao meio-dia.

Eras puxou o pulso de Lex, virando-o para olhar as horas no relógio. Tinha menos de vinte e quatro horas para chegar no Himalaia, invadir a cidade de onde tinha fugido e sair de lá com três traidores condenados à morte. Moleza, passeio no parque. Ia dar muito certo, tinha certeza.

— Eu te amo, filho. E tenho muito orgulho de você. Só queria que você soubesse disso.

E é claro, seu pai jamais desconfiaria de uma coisa dessas. Eras sempre tinha sido do tipo medroso, dado a fugir das situações em vez de enfrentá-las de frente. Era apenas um instinto de auto-conservação. Mas morar nas ruas por anos e ter de se virar sozinho de tantas formas diferentes tinha feito muito pelo seu caráter. Seu pai apenas não sabia disso ainda.

— Eu também te amo, pai. Muito.

— Eu preciso desligar… Eu sinto muito, não era para ter sido assim.

— Tudo bem — Eras respondeu, sentindo a voz agarrar em um bolo de choro na garganta. — Você não tem culpa.

— Tenho. É por isso que estou aqui — Drausus suspirou. — Adeus, Eras.

E a chamada caiu. Eras encarou o celular por alguns segundos, quase como se esperasse por um milagre, uma chamada de seu tio dizendo ter sido uma pegadinha de mau gosto ou qualquer outra coisa, mas conhecia seu pai. Ele era muito sério para participar desse tipo de piada. Era real. Seu pai tinha sido condenado.

— O que aconteceu? — Lex perguntou, e Eras se levantou de uma vez, pegando a toalha e começando a correr escadas acima enquanto respondia.

— Vão matar meu pai. Eu preciso chegar em Attilan, rápido.

O quê? Eras, calma, volta um pouco, o que aconteceu…

Erasmus soltou uma lufada de ar cansada, explicando por alto as leis de Attilan e como seu pai, tio e avô seriam executados no meio-dia do dia seguinte se não estivesse lá para impedir. Já tinha terminado de empacotar toda sua mochila ao falar, e estava decidido. Lex não ia conseguir impedi-lo. Era melhor nem tentar.

— Calma, Eras, você não está pensando direito! Como vai chegar em Attilan a tempo?

— Eu preciso tentar.

— Você pode ser pego lá e acabar tendo o mesmo destino, não pode simplesmente…

Eu preciso tentar! — Exclamou, virando-se para encarar Alexis no rosto. Não sabia se ele entenderia, talvez fosse impossível. — É meu pai, Lex. Ele fez coisa errada? Fez. Mas que seja preso na Balsa se for o caso, não… a outra coisa. 

— Não vou conseguir te fazer desistir disso, vou?

— Não.

— Ok. Então eu vou com você.

Erasmus não conseguiu se impedir de dar uma risadinha sarcástica entrecortada. É claro, ia mesmo levar Alexis para Attilan. Só se estivesse louco.

— Nem pensar.

— Me deixe ajudar, eu disse que estava contigo, não disse? Eu falei sério!

— Lex, é Attilan. Você tem ideia do quão alta é a probabilidade de você respirar terrígeno lá dentro? Eu não posso deixar você fazer uma loucura dessas.

— Não pode ser tão alta assim. Vocês não evitam contato com terrígeno pra evitar uma segunda terrigênese?

Droga. Maldito dia em que tinha contado isso para ele.

— Lex, eu…

— Não, chega. Ponto final. Além do mais, eu sei lutar, você não. Se algo der errado, posso brigar pra gente sair de lá. Vê aí qual a passagem mais rápida pro Nepal.

Eras pegou o telefone, ainda olhando para Lex muito preocupado, pensando em como se livrar do garoto no meio do caminho, mas isso teria de ser um plano improvisado, pois não podia perder muito tempo discutindo com Alexis.

— A próxima é… amanhã de manhã. Não, tem que ter mais cedo… São dezesseis horas daqui até o Katmandu, depois de compensar o fuso horário das dez horas de diferença de voo, mais o tempo para escalar até Attilan, mais os atrasos dos voos, não vai dar tempo…

Erasmus sentiu as mãos tremendo enquanto pesquisava por outras companhias áreas, mas a maioria sequer oferecia voos diretos para o Nepal, e para as que ofereciam, não haviam mais passagens para o mesmo dia. Nepal era um lugar pequeno e pouco visitado, não havia uma infinitude de voos disponíveis diariamente. Para piorar, percebeu depois de pesquisar por mais alguns instantes que precisava de documentos para pegar um voo comercial, e um passaporte por ser um voo internacional. Tinha perdido tudo depois de sua terrigênese, perdidos na areia da praia onde tinha se tornado um casulo e provavelmente levados pelo mar. Eras apertou o celular, sentindo o coração apertar também e o choro começar a subir para os olhos de novo.

— Isso não pode estar acontecendo…

— E a S.H.I.E.L.D.? — Lex perguntou. — Ligue para eles, eles vão querer seu pai por ser testemunha! Vão capturar ele, mas vai ser pra levar vivo, né?

Eras piscou os olhos por um instante, encarando Alexis e absorvendo o pensamento. Teria de contar para a S.H.I.E.L.D. o que sua família tinha feito, mas agora isso não parecia tanto um problema mais. Era muito melhor eles estarem presos do que mortos. Ele achou o número de Niko às pressas no celular, sendo uma das chamadas recebidas mais recentes, e ligou. Não houve resposta.

— Ah, fala sério, você me ligou o dia inteiro e agora não vai atender?

Eras tentou de novo. E de novo. Quando enfim Niko atendeu, foi para dizer que todo o time tinha levado o Zephyr em uma viagem para a Alemanha, tinham acabado de sair e não iam voltar tão cedo. Com o quinjet tendo sido roubado por Agnes, não havia mais transporte disponível na base.

— Eu sinto muito, Eras… O que aconteceu? Você precisa ser buscado com urgência? Estamos sem aviões aqui, mas se você entrar em contato com a central, tenho certeza que alguém passa aí e te busca na hora.

— Não, não é isso… Niko, me desculpe, eu menti.

— O que quer dizer?

Eras engoliu em seco, trocando um olhar com Alexis, buscando coragem. Ainda não sabia se esse era mesmo o melhor caminho, mas não achava ter outra saída. Precisava tentar.

— Eu sei quem forneceu o terrígeno para as bombas da I.M.A. Foi minha família.

Niko não respondeu nada no instante seguinte. A chamada ficou muda por alguns segundos e Erasmus imaginou o que estaria se passando na cabeça de Niko. Não podia esperar ela absorver a informação, porém, era caso de urgência.

— Niko, Attilan os descobriu, e prendeu. Eles vão ser executados amanhã. Por favor, você precisa fazer alguma coisa! Vocês precisam… Não podem falar com eles, dizer que precisam deles pra investigação ou qualquer coisa assim? Por favor, por favor, faz alguma coisa…

Ele ouviu um suspiro, algo soando como cansaço e surpresa.

— Eu… vou entrar em contato com Adrian. Nós vamos dar um jeito, ok? Te retorno quando tiver mais notícias.

— Vocês tem que ser rápidos… Eles só tem até meio-dia de amanhã.

— Tudo bem. Vai ficar tudo bem, ok? Eu prometo. Eu vou fazer alguma coisa. Não se preocupe. Te ligo assim que tiver notícias. Tente ficar calmo.

— Ok… Obrigado.

— Por nada. Até mais.

Ela desligou. Erasmus encarou o celular por alguns instantes, ainda chocado e sentindo o coração disparado contra seu peito. Ele sentiu uma mão de Alexis em seu ombro, e a outra tocou seu queixo com delicadeza, o puxando para cima, para olhar Alexis nos olhos.

— Vai ficar tudo bem. Tente se acalmar. Estou aqui com você, ok?

Erasmus queria responder, mas não conseguiu. Tudo o que pôde fazer foi abraçar Alexis com força e voltar a chorar.


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Notas finais do capítulo

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Considere favoritar essa fic e Homem de Gelo também. Vai deixar meu coração bem quentinho ♥

Além dessa, tenho vagas também para uma interativa original sobre revoltas civis. Acesse aqui:
https://www.spiritfanfiction.com/historia/a-rosa-do-tempo--interativa-19350882/

Considere também dar uma olhada nas minhas outras histórias? :D Eu tenho coisas para vários gostos ^^

Leia a duologia Hunters! Comece aqui: https://fanfiction.com.br/historia/771022/Hunters_Hunters_1/

Leia minha original de fantasia urbana, Carmim! https://fanfiction.com.br/historia/787245/Carmim/

Leia minha fanfic de Harry Potter! https://fanfiction.com.br/historia/781763/Marcas_de_Guerra_Historias_de_Bruxos_1/
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