O Patinador (Bokuaka) escrita por Linesahh


Capítulo 1
Bokuaka I One-Shot


Notas iniciais do capítulo

LINE NA ÁREA!!

Boa tarde, pessoal, como vai o domingo de vocês?

Aqui estou eu para postar minha primeiríssima one-shot Bokuaka, já escrevi ela há alguns dias, mas só agora deu tempo de revisar e postar (também porque estava ocupada terminando as atualizações de “O Engano”). Me inspirei numa linda fanart para escrevê-la ♥️

Eu e a Sahh estamos CORRENDO aqui para organizar as pequenas ones de Haikyuu que faltam ser postadas, então não estranhem se amanhã eu voltar a aparecer com outra kkkk

Boa Leitura ♥️



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O Patinador

por Line

 

 

“Mais um dia”.

“Só mais um”.

“Você aguenta”.

Eram sempre esses os tortuosos, insistentes e esperançosos pensamentos que preenchiam a mente de Bokuto Koutarou toda vez que estava a caminho da faculdade. Pensamentos vãos e desperdiçados, era notório. Nada adiantaria para aplacar aquele desconforto e aquela pressão que o engolia a cada dia que passava. Uma pressão que vinha crescendo ininterruptamente há mais de um ano, quando terminou o colégio e saiu de casa pela primeira vez a fim de começar o curso que lhe abriria portas para criar uma estabilidade financeira e que ditaria todo o rumo de sua vida.

Pensar no que seria de seu futuro era desgastante. Tortura era uma palavra melhor. Principalmente porque todos os caminhos apontados não eram capazes de lhe satisfazer por completo.

Possuir essa ciência tão real desanima. Chateia, na verdade. Não é uma sensação boa.

… Como sempre acontece quando se faz o que não se gosta.

Era apenas mais uma terça-feira comum, um dia da semana considerado relativamente normal, sem quaisquer insatisfações — como nos casos das segundas-feiras — ou atrativos — como nos casos das sextas-feiras. Um dia para ser levado com calma e singelo tédio. A faculdade estava normal, como sempre. Os professores estavam normais, como sempre. Os alunos estavam normais, como sempre — alguns falantes e amigáveis, outros quietos e ariscos, e, por fim, os ambiciosos e calculistas.

Para Bokuto, o grupo “amigável-e-falante” era mais a sua cara. Sempre foi uma pessoa fácil para se socializar, contudo, isso dependia das pessoas certas. Tinha amigos na faculdade, sim, mas sabia que suas verdadeiras intenções em se relacionar com eles giravam em torno de afastar a tão desconhecida e temida solidão.

No início, até que deu certo. Podia ignorar a insatisfação e a frustração de não se dar bem no curso quando saía para beber e se divertir com os caras. Podia levar uma nota vermelha em tom de piada e desinteresse, como se não ligasse, mas o peso da responsabilidade sempre estaria ali para lhe cobrar.

Mas, principalmente, o precipício existente entre ele e todos ali, seja desde o mais intelectual até o mais tapado, era enorme.

O precipício que separava os que realmente estavam ali porque queriam, e os que não queriam. Os que tinham certeza, e os que não tinham. Os que gostavam, e os que não gostavam.

Bokuto fazia parte do último grupo. E esse fato realista não foi mais capaz de ser ignorado por muito tempo.

E foi exatamente nesse dia — numa terça-feira comum e sem atrativos positivos ou negativos — que deu-se o estopim.

— Koutarou, aonde você vai? — Akinori Konoha, o rapaz com quem tinha mais proximidade ali, franziu o cenho quando o colega levantou-se abruptamente, guardando suas coisas e tomando a direção da saída da sala.

— Vou embora. Já deu pra mim. — respondeu, sem encará-lo. Não queria que o amigo visse em seu rosto o quanto estava desgastado, pressionado e cansado de tudo. Não queria que a realidade ficasse ainda mais clara do que já estava.

Uma realidade cruel e humilhante. Uma que representava a pura verdade:

Havia chegado a seu limite.

Konoha inclinou a cabeça, desconfiado. Seus cabelos louros-escuros estavam bagunçados naquela noite, dando-lhe um ar rebelde e desleixado. O rapaz era dono de olhos estreitos e perspicazes, e sua estatura mediana, apesar de nada reveladora, atraía muitos olhares cobiçosos.

Ele pigarreou.

— Ainda temos a última aula. E a galera tá combinando de se encontrar naquele bar mais tarde, não tá afim de ir? — tentou.

— Estou com dor de cabeça hoje. Na próxima, tá? — Bokuto assegurou, virando-se e exibindo um sorriso falsamente descontraído.

Konoha apenas acenou e deu de ombros, voltando a atenção para os outros amigos. Enquanto saía, Bokuto sentiu-se aliviado. Mesmo que o dia estivesse pior do que os outros, ainda conseguia fingir um estado de naturalidade satisfatório.

Apertou o passo nos corredores. Não podia ficar naquele prédio por mais um minuto que fosse. Temia que aquela pressão insuportável o engolisse de vez e não conseguisse sair mais dela utilizando-se de suas artimanhas. Estava cada vez mais difícil utilizar-se delas, na verdade.

Quando saiu pelos portões da faculdade, tendo o mundo lá fora como seu anfitrião, pôde respirar um pouco mais aliviado. Só de estar fora dali já ajudava um bocado a diminuir aquela sensação sufocante.

Mas ela ainda estava ali. E não parecia querer ir embora tão cedo.

Nevana um pouco aquela noite. Nada tão forte a ponto de impedir que as pessoas dessem um passeio. Eram somente 19:00, afinal. Apenas mais um início de uma noite de Inverno, cheia de possibilidades e planos para aproveitá-la da melhor — e pior, no caso de muitos — maneira possível.

Ajeitou bem o cachecol, protegendo o pescoço do vento gélido e cortante. Agora, solto no mundo, tinha algumas opções viáveis para se livrar daquela pressão. Bebida era uma delas, mas não estava com vontade de ficar com mais dor-de-cabeça. Também não estava a fim de comer nada, considerando o nó chato em sua garganta. Voltar para o apartamento alugado também poderia ser uma boa alternativa, mas, por algum motivo, não conseguia se sentir satisfeito com a ideia de ficar trancado num cômodo solitário e tedioso. Ainda tinha alguns trabalhos pendentes da faculdade para fazer, mas tudo que menos queria agora era pensar em números e fórmulas.

Não. Queria ficar livre, sem preocupações ou responsabilidades. Ao menos por uma noite.

Vagou por muitas horas e por muitos lugares naquela noite, sempre com um passo leve e tranquilo, deixando claro que não tinha pressa para alcançar seu destino — seja lá qual ele fosse. Andou por muitas ruas desconhecidas, cumprimentou muitos rostos apagados e chutou muitas pedras ocas. Por algum motivo, a sensação de estar sem rumo foi acalentadora. Fez com que se sentisse vivo.

Foi quando algo despertou sua atenção após virar uma esquina estreita e ladrilhada por pedras de brilhantes. Um cenário que se diferenciava das demais lojas, casas e estabelecimentos repetitivos.

Uma pista de patinação.

 

◾◾◾

 

Bokuto não soube dizer o porquê de ter parado. Não soube a razão de seus olhos prenderem-se àquela pista com tanto interesse e atenção; assim como, também, não soube a razão de seus pés o encaminharem até lá, lentos, mas convictos de que era o certo a se fazer.

Estranhou o ato, deveras.

O que teria para ver ali, afinal? Era uma bobagem parar sua “caminhada-sem-rumo” — que estava indo muito bem, só para constar — e perder tempo vendo crianças que mal sabiam calçar os patins e adultos que viviam caindo no gelo pela falta de prática.

Era bobo. Mas, por algum motivo, foi atraído até lá.

A pista de patinação estava um pouco abaixo, sendo necessário descer um lance de escada para chegar até ela. Bokuto contou doze degraus, tomando cuidado para não escorregar na fina camada de gelo presente na estrutura de cimento. A neve ainda não havia cessado, mas continuava suave e quase inexistente, com seus flocos que se desfaziam antes mesmo que atingissem seus alvos, tornando-se minúsculas gotas de água gélida. Por conseguinte, seu casaco azul escuro adquiriu considerável umidade no tempo em que passou recebendo-as. A sensação de peso não era boa, mas também não era insuportável.

Logo, parou diante da pista, apoiando os cotovelos na grade que os separava e correndo os olhos pela extensão de gelo. Era uma pista enorme, de formato oval, o gelo branquíssimo e brilhante dava a impressão de refletir as estrelas.

Não havia muitas pessoas ali, e supôs que o local já estivesse prestes a fechar. Era compreensível, considerando que, àquela altura, já se aproximava das 22:00. Viu um casal — que já estava de saída — retirando os patins alugados e despedindo-se de um conhecido. Na pista, havia somente três pessoas: uma garotinha de uns dez anos que buscava inutilmente se equilibrar; um velho que não parecia interessado em patinar, encostado na grade e fumando um cigarro; e, por fim, um jovem rapaz situado no centro da pista.

Foi impossível os olhos do Koutarou não se prenderem instantaneamente na figura daquele rapaz. Deveriam ter possivelmente a mesma idade, mas não foi esse detalhe que chamou sua atenção.

Não. O que o fez pregar os olhos sobre sua figura solitária foi o modo como ele patinava.

Era como se ele flutuasse sobre o gelo, seus pés dando a impressão de sequer encostar sobre a estrutura lisa e escorregadia. Ele patinava com tanta delicadeza e destreza, que era praticamente impossível não parar um minuto para assistí-lo.

Foi com admiração que notou que os olhos dele estavam fechados. Sua segurança e confiança eram nítidas e perceptíveis até para o maior leigo que o observasse.

Logo, a menina saiu, sendo chamada pelos pais, restando apenas o exímio jovem patinador e o preguiçoso velho que já devia estar em seu quinto cigarro. Bokuto não saiu dali. Continuou encarando o rapaz, sondando cada movimento e gesto que ele fazia.

O patinador vestia-se todo de preto, sendo um ponto de destaque naquela pista branca. Seus cabelos eram igualmente negros e bagunçados, dando-lhe um ar enigmático e, sem dúvidas, fascinante.

E assim ficaram por um tempo: Bokuto assistindo, o rapaz patinando e o velho fumando.

O proprietário chamou a atenção, notificando que já estavam para fechar e que a pista deveria ser esvaziada. O velho resmungou, dando mais um trago. Jogou o baseado no próprio chão da pista e saiu dali em passos pesados.

Mas não o patinador. O rapaz sequer pareceu ter escutado alguma coisa, continuando a patinar e patinar como se não tivesse pressa em terminar. Como se não existisse hora ou responsabilidades para o dia seguinte.

Livre e ignorante.

E Bokuto soube. Soube o motivo de ter parado para olhá-lo.

Aquele rapaz havia conseguido exatamente o que estivera desejando a noite toda: ser livre, sem amarras, sem pressões, sem ter o insistente pensamento de que amanhã deveria fazer isso ou aquilo.

Apenas vivia o momento como se não houvesse mais nada no horizonte.

O invejou. É claro que o invejou. Aquele rapaz era um vitorioso. Obteve o que Bokuto ainda era incapaz de obter. Naquele momento, sentiu-se frustrado e irritado. A que ponto havia chegado? Sentir inveja de um cara que estava vendo pela primeira vez na vida…

Por que estava ali? Por que, então, não dava-lhe as costas e ia embora de uma vez?

Não soube a resposta. E também não saiu de lá.

Logo, o proprietário voltou a chamar a atenção. Foi só aí que o patinador parou. Ele retirou as mãos dos bolsos e abriu os olhos, parecendo voltar ao mundo real. Num segundo de foco, desviou-os na direção de Bokuto, tornando possível, pela primeira vez naquela existência, a união do azul-escuro com o dourado.

Exatamente como as estrelas que preenchiam o céu naquele momento.

Bokuto não soube o que o fez cortar o contato, virar-se e ir embora. Talvez por constrangimento de ter sido pego observando, ou por ter sentido a pressão das palavras impacientes do proprietário, mandando-os sair dali logo…

Fosse o que fosse, ele sabia que ainda havia um terceiro motivo; certamente o mais provável de ser o correto:

A incapacidade de fixar aqueles olhos que deram a impressão de, por um mísero e assustador instante, enxergar sua alma.

 

◾◾◾

 

No dia seguinte, ainda que se intrigasse e questionasse por dentro, Bokuto não parou de pensar naquele patinador enigmático por um instante sequer. Passou a madrugada inteira tendo sonhos estranhos e indecifráveis com pistas de patinação brancas como leite, neve fina e úmida, fumaça esbranquiçada de cigarro e dois pares de olhos intensos providos de uma coloração azul-escura brilhante e sumptuosa.

Esquisito. Muito esquisito.

O dia na faculdade havia sido relativamente tranquilo. Não perdeu a cabeça como no dia anterior, nem mesmo sentiu aquela pressão esmagadora lhe inundar quando um teste surpresa foi anunciado, como normalmente acontecia. Não soube dizer bem o motivo para tal êxito psicológico, mas desconfiava que tivesse algo a ver com o fato de estar com os pensamentos perdidos em outro cenário; um cenário longínquo, com pistas de patinação e jovens exímios exibindo seus talentos até tarde da noite, em meio à flocos de neve finos e úmidos e espirais de fumaça de tabaco no ar.

Na saída, recusou, novamente, acompanhar Konoha e os amigos para o bar que comumente frequentavam, seguindo o sentido oposto do deles. Não era natural de sua parte rejeitar uma noite de descontração duas vezes seguidas, mas, naquele momento, não se importava em estar começando a deixá-los intrigados.

Em vez disso, seus pés o levaram longe, pelos mesmos lugares da noite anterior, pelos mesmos rostos apagados e pelas mesmas pedras ocas na beira das calçadas.

Logo, estava diante da pista de patinação.

Estar ali, de novo e no mesmo horário, fez-lhe lembrar que a noite anterior realmente havia acontecido, e não passado apenas de um sonho. Não conseguia explicar o que o moveu novamente até lá, no meio de uma semana atarefada e de uma noite ainda mais fria do que de costume. Poderia estar fazendo outras coisas mais legais e que realmente importavam para ele.

Mas não. Sua vontade era estar ali. Somente ali.

Desceu os lances de escada, e, tão logo a pista abrangeu sua visão, essa prendeu-se, novamente, sobre a figura misteriosa em destaque. Era o mesmo rapaz, patinando com a mesma suavidade e delicadeza da noite passada, como se nada no mundo importasse para ele.

As poucas pessoas ali estavam indo embora, deixando os patins alugados na recepção e recolhendo-se para suas casas, provavelmente ansiando por uma boa noite de sono. Mas o patinador, curiosamente, ignorou a tudo e a todos por mais alguns minutos.

O que ele tinha de tão impressionante? Por que Bokuto, simplesmente, não conseguia deixar de contemplá-lo?

Qual era o poder que aquele desconhecido tinha sobre ele?

Como um replay, o proprietário chamou a atenção novamente, pedindo, com clemência, que esvaziassem o local para que pudesse fechá-lo devidamente.

Dessa vez, Koutarou não esperou: deu às costas para a pista e saiu de lá antes que pudesse ter a chance — ou o risco — de ter aqueles olhos sobre os seus novamente. Com as mãos nos bolsos, avançou poucos metros pela calçada e, quando estava prestes a atravessar, ouviu um chamado à suas costas.

Virou-se e não escondeu a surpresa ao ver, diante de si, o patinador. Ele se aproximava em passos tranquilos, segurando os patins com uma mão enquanto ajeitava o cachecol preto com a outra. Agora, de perto, Bokuto notou que os patins não eram iguais aos que as pessoas alugavam na pista de patinação. Eram maiores e exalavam qualidade, decididamente caros.

Mas o olhar dele, de longe, foi o que mais lhe petrificou. As íris azuis eram penetrantes e intensas, capazes de fazer com que direcionasse e focasse sua atenção totalmente sobre elas.

Sem esperar, o patinador enigmático foi o primeiro a tomar a palavra.

— Você veio aqui ontem. — disse apenas, impassível.

Bokuto inclinou o rosto levemente, confuso e intrigado com o motivo que levou aquele cara a segui-lo e abordá-lo daquela maneira inesperada. Talvez tivesse sido uma má ideia ter voltado ali…

Sem saber bem o que dizer, deu apenas de ombros.

— Hum… É.

O patinador o analisou. Não dava para saber o que ele estava pensando, e isso acabou deixando o Koutarou, vagarosamente, desconfortável.

Ele fez um curto silêncio antes de continuar.

— Quer aprender?

Bokuto, a princípio, não compreendeu a pergunta, até seus olhos descerem para os patins na mão do outro.

Relaxou a expressão, negando.

— Na verdade, não. Não é a minha praia.

O patinador o observava com um interesse intrigante. Bokuto desviou por um segundo da intensidade de seus olhos, direcionando-os para a rua pouco movimentada. Já tinha ouvido falar de pessoas que possuíam um olhar arrebatador, e aquele cara, decididamente, tinha esse olhar. Por fim, os lábios dele repuxaram-se em um pequeno sorriso.

— Também não é a minha. — disse. — É complicado demais.

Bokuto não conseguiu deixar de estranhar deveras aquela frase. Viu com os próprios olhos o quão bom ele era, quase um especialista. Sem pensar, acabou soltando seus pensamentos em voz alta:

— Você parece saber patinar há anos. É muito habilidoso.

— Você acha?

Sem saber bem o que dizer, Bokuto apenas massageou a nuca, constrangido.

Deu de ombros.

— É.

Mais uma vez, não conseguiu definir a expressão do outro com exatidão. Ele apenas o observava em silêncio, como se seus pensamentos estivessem focados em outras coisas; longes dali e vagando por um mar de contemplações.

Qual era a daquele cara?

Por fim, o patinador apenas imitou seu gesto, dando de ombros. Com passos leves, passou por Bokuto, olhando-o meio de lado.

— Sabe o que é mais engraçado? — seus olhos fixaram os de Koutarou com uma intensidade desconhecida. — Ontem foi a primeira vez que patinei na vida.

Com isso, atravessou a rua, o deixando.

 

◾◾◾

 

Bokuto não parou de pensar naquelas palavras. Passou a noite quase em claro, apenas revivendo aquele momento estranho e, ao mesmo tempo, misterioso. O que aquele cara estava querendo, afinal? Por que mentir daquele jeito? Bokuto viu com os próprios olhos que ele patinava super bem…

Era intrigante demais.

No dia seguinte, mesmo contrariando seu bom senso, foi até lá outra vez, no mesmo horário. Rejeitou outra oferta de Konoha — dessa vez para jantar — e rumou até a pista de patinação com um pouco mais de firmeza, decidido a tentar entender o que estava se passando com aquele rapaz deveras peculiar e questionável. Repassando a curta conversa que haviam tido durante toda a madrugada em sua cama, Bokuto não pôde deixar de admitir que aquele cara exalava uma aura diferente de todos que já havia conhecido.

Uma aura indecifrável e fascinante.

Uma parte sua queria se afastar, temendo o destino desconhecido que lhe aguardava caso se aproximasse daquele patinador. Era como se estivesse receosa, com medo de se deixar… levar. No entanto, a outra parte, a mais abrangente, estava curiosa para saber mais sobre ele; quem era, o que fazia, e, quem sabe, aonde havia aprendido a patinar daquele jeito.

Como sempre, não demorou para identificá-lo, situado no centro da pista. Dessa vez, ele usava um cachecol cinza-escuro, que combinava com seus cabelos negros e despenteados. Observou o patinador ali, patinando com nítida destreza e habilidade. Seus movimentos eram sublimes, e cada curva feita, seja desde a mais curta até a mais aberta, exalava uma emoção pura e envolvente.

Não demorou muito, e ele logo o viu. Diferente das outras vezes, Bokuto sustentou seu olhar, sem deixar-se abalar ou fraquejar ante a mira intensa. O rapaz, então, fez algo inesperado:

Patinou na direção de Bokuto, parando a sua frente e apoiando as mãos na grade, somente poucos centímetros de onde o Koutarou apoiava as dele.

— Você veio de novo. — somente disse, sem apresentar grande surpresa na voz. O azul-escuro de seus olhos sondou, enigmático, as íris douradas à frente. — Sabe, estou começando a ficar intrigado. Por que está aqui?

Bokuto não respondeu de imediato, mas sentiu a cabeça pesar ao pensar nos problemas e pressões que vinha sentindo; todos, sem exceção, relacionados à faculdade. A pressão esmagadora havia dado uma pausa nos últimos dois dias, mas parecia ir voltando com ardilosidade agora.

Contudo, não podia permitir-se demonstrar fraqueza na frente de um estranho que não tinha nada a ver com seus problemas. Ainda não havia chegado a esse ponto.

Por fim, apenas deu de ombros.

— Passando o tempo. — respondeu, exibindo um forçado desinteresse, desviando os olhos para que não fosse decifrado.

O patinador o observou com atenção. Era como se estivesse o avaliando.

— Uma pessoa como você não combina com a solidão. — comentou inesperadamente. Ergueu uma sobrancelha. — Está fugindo de alguma coisa?

Esse comentário, decididamente, pegou-o desprevenido. Bokuto não pôde impedir de se sentir extremamente desconfortável ao constatar, perplexo, que estava sendo lido por um completo desconhecido com tamanha facilidade. Num gesto raro de vir dele, retraiu-se.

— Você não me conhece tão bem a ponto de saber com o que eu combino ou não combino. — replicou, soando um tantinho áspero.

O patinador, por outro lado, não se intimidou.

— Aí depende. — falou. — Por exemplo, você também não me conhece, mas, olhando para mim agora, acha que eu sou um cara que prefere a solidão ou a agitação? — lançou a inquirição no ar.

Bokuto hesitou. No segundo seguinte, sentiu-se derrotado ao ter a resposta tão clara em seus lábios.

— A solidão — resmungou.

O patinador sorriu.

— Acertou. Está vendo? — seu tom não foi de convencimento, pelo contrário. Ele parecia, na verdade, estar gostando da conversa. — Mas ainda não me respondeu... Está fugindo de alguma coisa? — repetiu a indagação de antes.

Bokuto colocou as mãos no bolso. Não tinha nada para fazer mesmo. Talvez fosse uma boa ideia deixar o assunto se desenvolver e ver até aonde aquilo iria chegar.

— Depende. Se estiver se referindo a algo ou alguém, não. — respondeu, decidindo por usar um tom mais impessoal e indiferente.

— Então foge de si mesmo?

Pela segunda vez, deu de ombros.

— Venho tentando.

Ambos ficaram em silêncio por um tempo, repassando as frases que iam sendo proferidas e buscando, talvez, arrumar uma maneira de complementá-las. A quietude foi quebrada, de repente, pelo próprio Bokuto:

— E quanto a você? Está aqui fugindo de alguma coisa? — decidiu inverter o jogo, ávido para saciar um pouco de suas dúvidas em relação ao outro.

O patinador, porém, continuava a sorrir enigmaticamente.

— Quem é que sabe? De qualquer forma, nunca conseguimos de fato fugir de nada, não é mesmo?

Bokuto piscou algumas vezes, preso na fala do outro. Antes que pudesse dizer algo, no entanto, foi interrompido pela voz do proprietário, que chamou a atenção deles, dizendo que já era hora de sair.

Ambos assentiram e, antes que Bokuto pudesse seguir para a saída, o patinador pediu para que o esperasse. Observou-o seguir para a saída da pista e retirar os patins, calçando os sapatos normais. Logo, caminhou em sua direção.

Bokuto ficou admirado quando ele estendeu-lhe a mão.

— Ainda não nos apresentamos. Sou Akaashi Keiji.

Retribuiu o cumprimento.

— Bokuto Koutarou.

Os dois saíram de lá, logo alcançando a rua. Enquanto caminhavam, Akaashi ficou em silêncio, pensativo.

De repente, ele falou:

— Koutarou... Posso te chamar assim? — indagou, e após o outro acenar, continuou: — Posso te pedir um favor?

Bokuto ficou um pouco hesitante, mas assentiu mesmo assim. Ele não poderia pedir nada demais de qualquer forma, afinal, mal se conheciam...

— Você poderia não vir amanhã?

Bokuto parou o passo, estranhando o pedido. Na verdade, sentiu-se até mesmo um pouco ofendido.

— Como?

Akaashi, notando seu tom aborrecido, apressou-se em consertar sua frase:

— Espera, não é que eu não goste da sua companhia, não me entenda errado... — desviou o rosto, dando uma pausa. Suspirou. — Olhe, não venha amanhã. — repetiu. — Mas venha depois de amanhã, ok?

Bokuto continuou confuso. Na verdade, ainda mais confuso do que já estava.

— Mas qual o motivo?...

— Quero fazer um teste. — interrompeu-lhe. — Não pergunte agora, pois não vou ser capaz de explicar. Apenas venha depois de amanhã, ok?

Bokuto, sem saber o que fazer, concordou. Não poderia fazer diferente tendo aqueles olhos tão intensos e ofuscantes presos aos seus.

Voltou para o apartamento com a cabeça confusa, estranhando ainda mais as atitudes daquele patinador enigmático. Mais uma vez, quase não conseguiu dormir. No meio da noite, precisou tomar um ar fresco na varanda, tendo esperanças de que assim se acalmaria e conseguiria fechar os olhos sem ter que ver a imagem daquelas íris azuis indecifráveis. Vendo que nem o ar estava lhe ajudando, atravessou o quarto, indo até o banheiro e enchendo as mãos com água, despejando-a em seu rosto e pescoço. Olhou seu reflexo inquieto, notando a cor vívida de seus olhos dourados. Nunca os vira daquela forma tão… intensa.

O que aquele cara estava fazendo consigo?

Desabou sobre a cama, sentindo sua cabeça latejar. Estava exausto. Num dado momento, abriu os olhos, fixando-os em uma sombra tamanho média de formato oval acima de seu armário. Por um instante, suspirou, nostálgico. Conseguia até mesmo reviver as doces e vitoriosas lembranças que era tê-la em contato com sua mão, mesmo que por um único segundo.

A saudade o inundou. O sentimento cálido e reconfortante foi insuperável. Haviam sido bons tempos...

Só após isso, conseguiu entregar-se ao sono.

 

◾◾◾

 

No dia seguinte, ficou tentado a ir para a pista de patinação. Muito tentado, na verdade. No entanto, desistiu, respeitando e seguindo com o pedido de Akaashi Keiji. No outro, agora sendo uma sexta-feira, pensou seriamente se deveria ou não aparecer. Talvez tudo não tivesse passado de uma brincadeira. Talvez aquele patinador fosse apenas um arrogante e tivesse inventado aquele pedido só para se livrar dele.

Mesmo assim, decidiu ir, contrariando — novamente — seu bom senso. Ao chegar lá, encontrou Akaashi na pista. Ele patinava admiravelmente, como sempre, mas, dessa vez, tinha os olhos abertos e atentos. Tão logo viu Bokuto, aproximou-se de onde ele estava.

De cara, Bokuto notou que tinha algo diferente. Akaashi carregava um hematoma roxo no lado direito de seu maxilar, ainda que o cachecol (preto, dessa vez) cobrisse boa parte dele. Franziu o cenho, intrigado, e perguntou, de supetão, o que havia acontecido com ele.

A expressão de Akaashi não alterou-se, mostrando que ele estava tranquilo com a situação.

Respondeu:

— Isso não foi quase nada. Meus braços estão todos enfaixados também. — ergueu-os um tanto, ainda que não desse para enxergar através da blusa.

— Por quê?

Ele não respondeu nada por um momento e Bokuto conseguiu ver e sentir a hesitação em seus olhos. Era como se Akaashi tivesse perdido a voz e não soubesse exatamente o que falar.

Ou melhor: não soubesse como falar o que queria falar.

Ele desviou as íris azuis, abrindo a boca algumas vezes, indeciso, mas sempre desistindo no final. Bokuto já estava considerando que ele havia se metido numa briga no dia anterior, quando Akaashi, num impulso, aproximou-se um “passo” dele, agora, sendo separados apenas pela grade de metal. Por causa dos patins, ele alcançava sua altura exata.

Por fim, ele respirou fundo.

— Koutarou... Olha, talvez você me ache louco. — soou sincero, o que só intrigou o de cabelos platinados ainda mais. Continuou: — Esses machucados foram feitos ontem, enquanto eu patinava. — revelou, para a admiração do outro.

— O quê? — o tom incrédulo ficou evidente em sua voz.

— Eu não consegui me manter em pé nem por um instante nesse gelo. — explicou com mais clareza.

— Como isso é possível?

Sua pergunta era bem válida. Em todos esses dias vendo o rapaz patinar, nunca o vira cometer qualquer erro ou deslize na pista.

Akaashi apoiou-se na grade, e Bokuto deu um passo para o lado, dando-lhe mais espaço.

— Como já disse, comecei a patinar nessa semana mesmo. Eu não sou um especialista como você acha, mas, por algum motivo que não entendo... — ele comprimiu os lábios, concentrado. — Desde que você apareceu, como posso dizer isso... — ele respirou fundo, mostrando que, o que quer que fosse, era algo difícil de ser dito. Fixou-o. — Eu não cometo erros. É como se meu corpo já soubesse patinar há séculos.

Bokuto piscou algumas vezes, encarando-o em um silêncio incrédulo.

Naquele momento, acreditou verdadeiramente que ele estava tirando uma com a sua cara.

Vendo que não falaria nada, Akaashi continuou:

— Isso é tão bizarro para mim quanto para você, acredite. — faz questão de frisar.

Os pensamentos de Bokuto foram se concentrando aos poucos, unindo as peças conforme lembrava de todas aquelas noites em que viera até ali. Akaashi parecia soar sincero, e, de fato, o rosto sério e esculpido dele não dava a impressão de carregar um piadista em seu interior.

Abriu a boca devagar.

— Então é por isso que você me pediu para não vir ontem? — indagou, cauteloso.

O patinador assentiu.

— Exato. Esse foi o meu teste. Queria ver se eu continuaria patinando tão bem como nos outros dias se você não viesse. Bem, o resultado foi esse. — ele indicou os machucados. — E hoje, com você aqui, eu não caí nenhuma vez. De novo.

— Como isso é possível? — tornou a perguntar, sentindo o surrealismo daquela situação atingir-lhe com força.

— Não sei. Não sou muito inclinado a acreditar no sobrenatural, mas também não acho que isso seja apenas uma coincidência. Não sei. — repetiu, verdadeiramente perdido. — Talvez seja um distúrbio da minha mente? — considerou.

Bokuto não soube bem o que responder, afinal, estava tão intrigado quanto o outro. Aquela situação era, com certeza, a mais estranha que já havia passado em toda sua vida; e olha que ela não estava nem perto de acabar. Analisou-o bem, avaliando sua expressão e estatura. Akaashi não parecia estar mentindo, os machucados comprovam isso. Mas, ainda assim...

Como isso era possível?

Diferente de Akaashi, Bokuto até que era inclinado a acreditar em coisas do destino, assim como fenômenos inexplicáveis, que o mundo terreno não era capaz de explicar ou compreender. Era quase a mesma coisa que acreditar em fantasmas, por exemplo.

Seria algo do destino? Mas qual o significado de estar ligado justamente àquele cara desconhecido?

Ou talvez fosse realmente algum distúrbio oriundo da mente perturbada de Akaashi Keiji?

Ambos ficaram em silêncio, incapazes de dizer algo que possuísse lógica depois daquela avalanche de palavras desprovidas de qualquer razão. Bokuto encontrava-se perdido em indagações e pensamentos céleres, buscando entender toda aquela situação.

De repente, a voz de Akaashi cortou o silêncio.

— Quer patinar?

Saindo de seu estupor, Bokuto ergueu as sobrancelhas.

— Eu?

O outro deu de ombros.

— Somos só nós dois aqui. — sorriu amenamente.

O Koutarou checou os arredores, averiguando que, de fato, a pista estava vazia, com exceção de Akaashi.

Ainda assim, manteve-se relutante.

— Melhor não... Não sei patinar.

Aquilo era verdade, ao menos.

— Ora, eu também sou um novato. — Akaashi argumentou. — Mas já que você está aqui, acho que poderei usufruir dessa “magia” que me faz patinar tão bem. Venha. — insistiu.

— Não tenho patins. — apontou para os pés, jogando sua cartada final.

O moreno apenas revirou os olhos.

— É uma pista de patinação. Basta irmos na recepção e alugar um par. Deixe que eu pago. — ofereceu, dando fim às recusas de Bokuto.

Mesmo contra a vontade, Bokuto acompanhou-o até a recepção. Mal se aproximaram, e o proprietário fez questão de avisar que em dez minutos a pista seria fechada. Bokuto até quis aproveitar-se da oportunidade para recusar de vez o convite, no entanto, Akaashi foi irredutível.

— Dez minutos serão suficientes. — disse enquanto estendia o dinheiro.

Com isso, pegaram um par de patins relativamente satisfatório. Enquanto os calçava, Bokuto não deixou de reparar o quão patéticos eles pareciam em comparação com os de Akaashi. Dava para ver de longe a diferença de qualidade entre os dois.

Começaram a patinar. Bokuto se desequilibrou bastante no início, afinal, não havia mentido quando disse que não sabia patinar. Mesmo quando criança, nunca teve muita coordenação para se equilibrar naquele gelo extremamente escorregadio. Por isso, escolheu manter-se próximo às bordas, a fim de se apoiar e ter a segurança de se segurar caso vacilasse. Akaashi ficou por perto durante todo o tempo, afastando-se alguns metros para não ficar totalmente parado no gelo e aproximando-se em seguida. Bokuto até pediu algumas dicas, mas Akaashi considerou-se incapaz de dar qualquer uma por ser tão leigo no ramo de patinação quanto Bokuto.

Bokuto reclamou em pensamento, tendo cada vez mais certeza de que estava sendo feito de besta por aquela conversa fiada do outro. Como Akaashi podia dizer que não sabia nada de patinação sendo que estava ali, diante de si, patinando naturalmente como se fizesse aquilo todo santo dia?

E foi nesse momento, enquanto se equilibrava mais uma vez na grade após um deslize incontido, que teve seus pensamentos cortados ao sentir sua mão ser enlaçada pela do outro.

Akaashi o olhou de uma forma que Bokuto não soube decifrar bem. Talvez fosse compaixão e… não sabia dizer bem...

Atração?

— Venha comigo. Não te deixarei cair. — disse apenas, seu tom convicto transpassando pura confiança.

Bokuto, em meio ao vento gélido e petrificante, sentiu uma queimação em suas faces. Não conseguiu deixar de sentir-se um pouco envergonhado com a atitude do outro.

Com isso, deixou-se ser guiado por Akaashi, sem fazer objeções. Ele o conduzia em um ritmo lento e sem muitas curvas, para não desequilibrá-lo — o que foi um alívio. Bokuto apertava ocasionalmente a mão dele, em momentos de oscilação e pelo medo de cair. Logo, ambas as palmas estavam quentes, confortáveis com o encaixe perfeito e a presença confiável da outra.

“As mãos dele são maiores que as minhas…”, o pensamento passou por sua mente como um sopro divagante. Não soube dizer bem o porquê, mas esse fato transmitiu-lhe uma segurança indubitável. De alguma forma, sabia que Akaashi Keiji cumpriria com sua promessa de não deixá-lo cair até o fim.

Num dado momento, Akaashi parou e, para a surpresa de Bokuto, sentou-se no meio da pista de gelo, indicando para que fizesse o mesmo. Sem pensar muito, obedeceu, sentando-se de frente para ele.

Com isso, sem prévias, avisos ou dianteiras, simplesmente passaram a conversar.

— O que te faz vir aqui toda noite? — Akaashi o observava com calma e tranquilidade, dando indícios de que não se importava em tornar o diálogo acelerado. Seu tom deixou claro que aquela pergunta despertava fortemente sua curiosidade.

Mesmo não estando ainda tão confortável e aberto para expor seus sentimentos com um estranho, Bokuto sentiu, no fundo da alma, que aquele dia, aquele momento, e com aquele rapaz, poderia ser franco sem ter medo de ser julgado.

— Sinceramente, não sei. — riscou o gelo, friccionando a estrutura férrea do patins levemente contra ele. — Sinto que não tenho para onde ir.

Akaashi inclinou a cabeça.

— Bem, estamos aqui, não é? De toda forma, é um lugar que conta como destino. — comentou.

Houve uma pausa agradável entre eles após a fala do Keiji, no que Bokuto sentiu-se mais à vontade para continuar a conversa.

Ergueu os olhos na direção dele, pela primeira vez, transpassando pura curiosidade em seu semblante.

— Por que decidiu patinar? — foi a pergunta feita.

Akaashi olhou para o céu.

— Não sei ao certo. — respondeu depois de um tempo. — Uma noite, passei por aqui após sair da faculdade. Vi uns jovens patinando, e pensei: “por que não tentar?”. Eu não tinha nada para fazer à noite, de toda forma. — encolheu os ombros.

— É uma razão simples. — comentou.

— A maioria das razões são simples. — o moreno o encarou, reflexivo. — Simplesmente somos movidos a fazer algo por causa de detalhes que se unem e formam uma decisão estruturada. No caso da patinação, eu apenas olhei para aquelas pessoas e pensei que pudesse ser divertido fazer algo diferente. — expôs de forma clara.

Por algum motivo, Bokuto ficou preso nas palavras do patinador. Filtrou-as devagar, tentando compreendê-las e encaixá-las em sua vida. Inesperadamente, um sentimento de identificação foi o primeiro sentido.

— Razões são simples, é?... — murmurou mais para si mesmo, perdido em pensamentos.

Akaashi, alheio à sua divagação interna, apenas assentiu.

— É o que acho. Outro bom exemplo são esses patins que comprei. — movimentou minimamente os pés, exibindo-os. Ergueu uma sobrancelha. — Dá para ver que são caros...

— Você deve ter gastado uma nota. — ainda que fosse um comentário parcialmente impertinente, Bokuto não conseguiu segurar a língua.

Um meio sorriso humorado desenhou-se nos lábios do Keiji.

— É, gastei mesmo. Eu me arrependo de vez em quando, mas algo em mim me dizia que se eu comprasse patins de qualidade, poderia me ajudar na hora de aprender a patinar. — confidenciou, seu tom baixo passando a sensação de estar dividindo um segredo bobo.

Bokuto lançou-lhe um olhar de desdém.

— Você é mais supersticioso do que eu pensava. — arqueou uma sobrancelha.

— Não diria supersticioso... — o outro replicou, ainda que parecesse um pouco incerto. — Acho que gosto de apostar na sorte.

Ambos ficaram em silêncio novamente. A brisa tornava-se cada vez mais gélida, levando consigo os quase invisíveis floquinhos de neve que iam espalhando, um por um, sua umidade e tenacidade para o mundo.

Akaashi, então, pigarreiou.

— Qual é o problema?

Sua pergunta não soou inquisidora, tampouco intrometida. Ele simplesmente queria saber o que se passava com o platinado da mesma forma que Bokuto queria saber o que se passava com ele.

O Koutarou, enfim, suspirou. Não via mais sentido em continuar com aquela barreira. Decidiu abrir-se de uma vez.

— Eu curso economia. — as santas palavras saíram com mais facilidade do que esperava, dando-lhe o ânimo e a confiança para continuar. — Não estou sabendo lidar com a faculdade. Na maior parte do tempo, me sinto perdido, e me questiono a cada dia que passa se escolhi fazer o curso certo. Não tenho andado nada bem. Me sinto pressionado e tenso… — suspirou novamente, alongando o pescoço a fim de tirar quaisquer tensões nos ligamentos. — É isso.

Akaashi ficou em silêncio, mas Bokuto conseguiu, com certa dificuldade, notar que ele ficou um pouco surpreso. Talvez ele não esperasse que fosse esse o problema.

Por fim, ele permitiu-se fazer apenas uma pergunta:

— O que o fez escolher esse curso?

Bokuto desviou os olhos, incomodado e, em seu íntimo, sentindo um pouco de vergonha.

— Não foi bem uma decisão minha. — murmurou. — Eu estava muito confuso na época, e não sabia ao certo o que queria ser da vida. Meus pais tomaram as rédeas de tudo, e quando vi, já estava matriculado. O pior foi quando descobri que teria que mexer com muita matemática. Sempre me dei mal nessa matéria. — revelou, fazendo uma careta ao lembrar-se dos tempos do colégio e da coleção de notas vermelhas. — Meu pai não deu atenção, e apenas disse que seria bom para que eu aprendesse tudo de novo.

— Foi uma razão simples. — o moreno comentou, apoiando o queixo no joelho dobrado.

— Sim, foi. Mas a decisão final não foi minha. Agora, já faz mais de um ano que estou vivendo essa tortura.

O Keiji o analisou com cuidado e minuciosidade. Inclinou a cabeça.

— Há algo que você realmente gosta de fazer?

Bokuto surpreendeu-se com a pergunta. Ainda que ela representasse certa importância e atenção, admirou-se ao notar, abismado, que não recordava-se da última vez que ela fora proferida para sua pessoa.

Não precisou pensar duas vezes, sentindo o sentimento nostálgico e aconchegante preenchê-lo por inteiro. O sorriso chegou fácil em seus lábios.

— Eu gostava de jogar vôlei no colegial. — confidenciou. — Lembro que era uma das minhas atividades favoritas na escola.

Akaashi pareceu se interessar.

— E por que não continuou?

— É óbvio. — revirou os olhos — Apostar em esportes é arriscado. Não há muitas garantias.

O moreno pareceu perder-se em pensamentos.

— Eu joguei vôlei por alguns meses no colegial. — disse depois de alguns segundos. — Jogava como levantador. Não era meu esporte favorito, mas também não era ruim.

Bokuto deu de ombros.

— Não consigo pensar em mais nada do qual tenha gostado tanto de fazer além disso.

— Se você realmente gosta disso, acho que já é o suficiente para acreditar. — Akaashi foi sincero, sem forçar expectativas ou fingimentos. Somente falou a verdade. Por fim, soltou sua última observação:

“Além do mais, sempre temos a opção de trancar a faculdade e começar uma nova”.

Essa frase fez Bokuto encará-lo fixamente. Ponderou as palavras de Akaashi com concentração.

Foi como se a cortina negra que cobria sua vida tivesse sido puxada, abrindo caminho para os raios de sol carentes e ávidos por ter seu momento de brilho.

Era tão simples.

Antes que pudesse dizer algo, porém, a voz irada do proprietário cortou a pista, os mandados sair de lá e lamentando que só era um pobre homem que desejava, ao menos uma única vez, dormir mais cedo.

Trocando um breve olhar, ambos ergueram-se, contudo, para sua surpresa, Akaashi desequilibrou-se no momento em que colocou-se de pé, caindo em cima de Bokuto e levando ambos ao chão.

Um pouco aturdido, Koutarou somente teve ciência da respiração quente do moreno em seu pescoço e no agarre de sua mão em seu braço; frutos do reflexo pré-queda. Inebriado, sentiu o sutil aroma floral que exalava da pele dele inundar seus sentidos.

Naquele momento, o frio pareceu inexistente para ambos os corpos.

— Algum problema? — soltou a indagação quando Akaashi ergueu o tronco, saindo de cima de seu torso.

O rosto do moreno, apesar de apresentar sinais de um leve rubor, parecia estar perplexo.

— Inacreditável. — seu queixo estava caído. — Não consigo mais ficar em pé com esses patins!

O tom verdadeiramente surreal em sua voz fez com que Bokuto, por algum motivo, risse da situação.

— Perdeu o jeito, finalmente? — seu tom foi irônico.

Akaashi pensou por um segundo antes de responder, e o brilho firme que invadiu seus olhos refletiu sua resposta concreta.

— Acho que é o contrário. Eu recuperei o jeito. — deu então um sorriso triste. — Parece que a “magia” acabou.

De alguma forma, não foi necessário dizer mais nada, pois ambos compreenderam que, o que quer que tivesse acontecido de enigmático e sobrenatural ali, havia, enfim, se resolvido.

Com isso, ambos retiraram os patins e saíram de lá a pé mesmo. Enquanto calçavam os sapatos, Akaashi desviou os olhos para si, levemente expectativos.

— Você vai vir amanhã?

Bokuto deu de ombros.

— Acho que sim.

A estatura do moreno relaxou.

— Vai ser bom. Assim nós dois aprendemos juntos a patinar. Você também pode trazer alguma bola de vôlei, se quiser… — sugeriu, dando o nó no último cadarço. — Mesmo já fazendo um tempinho, acho que ainda lembro como se levanta. Será uma boa troca, não acha?

Bokuto sorriu. Verdadeiramente.

— Seria legal.

Por fim, se despediram. Na calçada, quando estavam para se separar, Akaashi o chamou.

Virou-se.

— O quê?

O rapaz pensou um pouco antes de soltar os dizeres, deixando claro que queria soar da melhor maneira possível. Assim, falou:

— Lembre-se: somos jovens. Ainda estamos começando a nos descobrir. Nunca é tarde demais para ir atrás do que realmente queremos. Não se sinta culpado, seja lá qual for sua decisão.

Bokuto encarou-o com intensidade. Não sabia como era possível ligar-se tanto a uma pessoa em tão pouco espaço de tempo, mas era o que estava acontecendo.

Sentiu-se inspirado e grato.

— Essa talvez tenha sido a razão mais simples da noite. Obrigado. — acenou.

 

◾◾◾

 

O caminho até o apartamento pareceu curto. Certamente a sensação equivocada derivou-se de todos os novos e empolgantes planos que iam-se formando em sua mente elétrica e ativa.

Pela primeira vez em muito tempo, tinha certeza de algo. E tudo graças aquele “exímio” patinador que, de alguma forma, foi capaz de entendê-lo como ninguém nunca foi capaz de entender.

Sem hesitar, discou o número de seu pai. Logo, a voz rouca de sono atendeu na outra linha.

Não esperou um segundo sequer.

— Vou trancar o curso. Não é o que quero. — sua voz soou firme e certa, como nunca esteve.

O silêncio na linha foi aflitivo, mas não capaz de desanimá-lo ou desencorajá-lo.

Um suspiro derrotado soou.

— Tem certeza disso?

Bokuto Koutarou olhou para o topo do armário, vendo a bola de vôlei empoeirada lá em cima, apenas aguardando o momento em que brilharia novamente.

Sorriu.

— Absoluta. 


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Eu até pensei em repartir essa one em dois capítulos para não ficar muito grande, mas no fim escolhi por ser tudo de uma vez logo. Pessoalmente, acho que foi uma das ones mais inspiradoras que já escrevi. Me senti muito bem ao terminar

Além de que imaginar nosso irresistível Akaashi como patinador é realmente um sonho

Ah, vou dar uma notícia rápida! Pessoal, a Sahh está trabalhando num pequeno projeto de one-shots de Haikyuu que serão todas interligadas uma com a outra, sobre diferentes shipps e que se passarão em um universo-alternativo. Estou auxiliando ela, e sério: a cada one-shot que ela está escrevendo, estou amando e me apaixonando em níveis absurdos! Logo logo a primeira sairá, e explicaremos direitinho como vai funcionar

Comentem o quê acharam da one, ficarei muito feliz com seus feedbacks! Amanhã tem Kagehina na área! Até!



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