Marca-Texto escrita por Siaht


Capítulo 1
Marca-Texto


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas lindas!!!
Tudo bem com vocês?
Primeiro, eu queria agradecer às organizadoras do Fevereiro Drastoria por criarem esse projeto tão legal que vai encher esse mês de fanfics maravilhosas. E aproveitar para já recomendar que procurem as outras histórias do projeto, porque estão incríveis. Essa é a minha primeira de três contribuições e espero sinceramente que gostem! ♥



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Astoria Greengrass era uma criatura de hábitos. Práticas repetitivas. Costumes esquisitos. Manias. Excentricidades. Chame como quiser. Dormia sempre do lado direito da cama. Se recusava a vestir roupas escuras. Lavava os cabelos apenas com shampoo de coco. Andava descalça pelo jardim, para recarregar as energias. Bebia chás açucarados todas as manhãs, exceto nas segundas. Segundas-feiras eram feitas para café amargo. Jamais começava um novo projeto em um dia ímpar. Consultava seu horóscopo e a posição dos astros antes de tomar qualquer decisão importante. Era, em outras palavras, uma pessoa um tanto extravagante. 

Draco Malfoy, seu cético, ranzinza e tradicional marido, aprendera a aceitar cada um daqueles pequenos hábitos. Se acostumara a eles. Em algum ponto de seu casamento, chegara até mesmo a amá-los. Eram, afinal, parte da constelação de peculiaridades que formavam a mulher de sua vida. A mulher que trouxera  cor e sol para seus dias cinzentos e tempestuosos. Ainda assim, por mais que tentasse, havia um desses hábitos com o qual  nunca conseguira lidar. Uma prática que ele sempre julgara horrenda, criminosa e intolerável. Astoria tinha a mania de grifar livros.

Não havia como traduzir o desgosto que tomava conta do bruxo sempre que pegava um exemplar — na imensa biblioteca da Mansão Malfoy —  e encontrava as páginas coloridas por marca-texto trouxa ou repletas de anotações. Aqueles livros caros, raros e antigos grifados em amarelo, laranja, cor-de-rosa, verde, azul… 

Havia um código secreto. Havia lógica naquele caos. Não seria Astoria se não houvesse método naquela loucura. Cada cor representava alguma coisa, ele sabia. O homem, contudo, nunca tivera paciência para tentar desvendar o algoritmo mental da esposa. Não havia tempo para isso, quando se deparar com aquele arco-íris absurdo sempre o deixava tão irritado. 

O casal quase nunca discutia. No geral, os dois conseguiam chegar a consensos satisfatórios com muita civilidade. Apesar das diferenças, eram pessoas essencialmente calmas e que não gostavam de conflitos. Entretanto, quando se tratava do estado de seus livros, ambos se transformavam em guerreiros ferozes e travaram algumas batalhas épicas. 

Draco argumentava que a esposa deveria ter mais respeito pelos objetos, especialmente por aqueles que carregavam o status de clássicos. Que deveria reverenciá-los e ter cuidado ao manejá-los. Dizia que era absurdo destruir obras importantes daquela forma. Astoria, por sua vez, defendia que livros não deveriam ser vistos como algo sagrado e que não fazia sentido ler uma história, se não pudesse interagir com o que fora escrito e expressar o pensava a respeito. O marido achava que ela se expressava demais. A mulher achava que ele se expressava de menos. No meio do caminho, havia sempre alguns gritos e palavras de baixo escalão que deixariam a boa sociedade — da qual faziam parte — escandalizada. 

No fim, aquela briga não era exatamente sobre livros. As coisas nunca eram tão simples assim, afinal. O cerne do problema residia em outro lugar. Draco era o tipo de pessoa que sentia imensa dificuldade em se desvincular do passado. Assim, se tornava incapaz de deixar de olhar para trás e abandonar o misto de veneração e medo que estava sempre pesando sobre seus ombros. Talvez por isso amasse tanto antiguidades e as colecionasse, mantendo-as intocadas e protegidas das intempéries das décadas. Sempre às suas vistas. Evitando que se perdessem, mas também impedindo qualquer mudança. Qualquer intervenção. Qualquer superação. 

Já Astoria era o tipo de pessoa que gostava de viver no presente, mas não conseguia deixar de sonhar com o futuro. Gostava de deixar registros de sua eu-do-agora para que sua eu-do-amanhã (ou qualquer outra pessoa, na verdade) pudesse encontrar, refletir e assimilar. Desejava perceber o quanto evoluíra ou se reencontrar com uma versão melhor de si mesma, caso precisasse. Desejava, acima de qualquer outra coisa, deixar evidências de sua existência. Gostava de ser vista, de ter suas ideias difundidas, de gritar que estava ali, que respirava, que pensava, que  sentia, que amava e até mesmo que errava. Para ela, o passado não devia ser uma corrente, mas uma fonte de ensinamentos e acalento. E ela sabia que encontraria isso cada vez que abrisse novamente um daqueles livros. 

Em vinte anos de matrimônio, o casal nunca chegou a qualquer acordo. Jamais chegaria. Astoria havia morrido naquele verão. Vítima de uma doença rápida, porém letal. Tudo acontecera de forma tão súbita que Draco ainda não conseguia acreditar. Era como se a amada houvesse desvanecido em um piscar de olhos, se dissolvendo no vento, escapado por seus dedos. A presença dela, entretanto, ainda estava em todo lugar. A mulher, afinal, deixara suas digitais em todos os cantos. Tocara o marido e o mundo, os pintando com suas cores excêntricas. Da mesma forma que pintara todos aqueles livros. Em cada página uma prova de que existira. Em cada página um pouquinho dela e de tudo o que ela fora. 

Agora, os livros grifados já não despertavam no Malfoy qualquer descontentamento. Na verdade, eram as únicas coisas, além de Scorpius, que lhe traziam algum conforto, alguma alegria. As únicas coisas que o faziam sentir que Astoria ainda estava ali, falando com ele, transformando sua vida de algum modo. 

Sendo assim, Draco estava fadado a passar o resto de seus dias olhando para aquelas páginas, lendo e relendo cada anotação, cada marcação. Tentando decifrar a lógica daquelas cores, procurando desesperadamente se agarrar à mulher que amara e perdera. Um Orfeu em busca perpétua por sua Eurídice. E assim como Orfeu, seu erro seria justamente olhar para trás, quando amada desejaria apenas que olhasse para frente. Draco Malfoy, contudo, era alguém que tinha imensa dificuldade em se desvincular do passado. Estava condenado e aceitara a maldição de permanecer naquele mesmo lugar, preso a um relógio quebrado. Uma estátua de mármore, atemporal e anacrônica, coletando poeira em uma biblioteca silenciosa e vazia. 


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Notas finais do capítulo

Pois é...
Sinceramente não sei nem o que dizer...
(...)
(...)
(...)
Bom, acho que todo mundo estava esperando uma história mais feliz e fofinha, então sinto muito pela propaganda enganosa. Prometo que as outras fics terão final feliz.
Eu tinha planejado postar essa história em formato de drabbles, mas ao reler percebi que funcionaria melhor como uma one-shot e acabei fazendo mudanças de última hora. Talvez tenha alguns problemas por isso e acabou ficando curtinha, mas espero realmente que tenham gostado. ♥
Beijinhos,
Thaís