Dose dupla escrita por SkyForget


Capítulo 1
O Trem




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DOSE TRIPLA

Acordei já nao querendo acordar. É meu primeiro dia de aula e começo a sentir aquela sensação de que tudo pode dar errado sem ao menos começar. Escola nova, cidade nova, amizades novas. Tudo conspirando contra mim. Apesar de eu ter apenas 16 anos, eu ja sinto que não vou me dar bem com ninguém e que vou ser a garota estranha e esquisita da sala.

Depois de bastante esforço pra sair da cama e de um pequeno incentivo da minha mãe, chamado balde d’água, eu finalmente comecei a me arrumar pra tortura. Botei meu uniforme, prendi meu cabelo, escovei meus dentes e desci pra tomar meu café da manhã.

cristal já estava la me esperando com a mesa pronta, sempre com seu sorriso no rosto e sua cara de humilde. Ela até que é legal, faz tudo que eu peço sem questionar, mas no fundo eu sei que ela me odeia e deve vir no meu quarto todo dia quando eu saio pra mexer nas minhas coisas. agora como eu sei disso se moro aqui há apenas 1 mês? simples, minha mãe é tão apegada a nossa empregada que ela simplesmente virou da família, e pra cada lugar que a gente se muda, cristal vai junto. Já faz 7 anos de toda essa palhaçada, desde os meus 9 anos.

Depois de estar totalmente pronta eu liguei para minha única amiga de Tóquio, Haku. Haku era uma amiga virtual minha, conheci ela jogando overwatch. A gente formou uma amizade de 2 anos e finalmente à conheci, depois de me mudar da Australia. Sim, eu não sou uma típica japonesa como você deve estar pensando agora, sou loira, olhos azuis, tenho um sotaque australiano puxado, e sou um pouco mais "encorpada" do que as meninas japonesas, ou seja, obviamente serei o destaque dessa escola. Mas não da forma positiva, não me gabaria no meio dessa situação.

Voltando a falar da Haku, ela mora na mesma cidade que eu, mas em outro bairro, por isso a gente acaba se encontrando na estação de trem todos os dias antes de ir pra escola. Ela fez questão de me mostra cada lugar de Tóquio, cada ponto turístico, e cada loja de mangá desde que eu cheguei aqui,e olha que eu nem sei como ler essas revistas.

Apesar de toda essa animação, Haku é a única pessoa que eu suporto desde que cheguei aqui, e a única com quem converso.

Indo para a escola encontro Haku no trem, mas do lado dela vejo um menino bonito, do padrão japonês. Ao sentar do lado dos dois o menino me cumprimenta e diz seu nome:

  -Prazer, me chamo Midori.

Nessa hora sem nenhum motivo aparente meu coração começou a acelerar e eu fiquei sem reação, e fui saber depois por Haku que eu simplesmente ignorei o cumprimento do menino, pois logo abaixei a cabeça esperando que o trem chegasse na escola. Primeira vergonha do dia obtida com sucesso.

Chegando na escola percebo que Midori não está nos acompanhando, e Haku explica que além do inconveniente que acabou acontecendo, o Midori geralmente se encontra com outros garotos da sua turma na saída do trem, já que ele é um ano mais velho que a gente. O nome da minha escola é "colegio yuekina" em tradução, "colégio informativo". Agora o porquê do nome? também não sei.

Como esperado, ao chegar no pátio principal 90% dos olhares vieram até mim, fazendo até mesmo Haku se sentir desconfortável com a situação.

Na Austrália eu posso ser só uma garota loira de olhos azuis normal, mas no Japão eu sou a única com os olhos e cabelos em tons diferentes, e de certa forma, isso pode complicar minha situação nessa escola.

Indo em direção a minha sala, vejo Midori passar por mim, e um clima desconfortável se instaura, mas como nem se vimos direito, foi só um ar gelado no meio do corredor, que já serviu pra me deixar mais nervosa nesse primeiro dia de aula.

Sento na minha carteira, obviamente a última e mais distante da sala, pra que ninguém tenha que me perguntar nada e me olhar de forma estranha. Já adianto que não serviu pra muita coisa.

Do meu lado sentou um garoto chamado Rio, e eu sei disso obviamente por conta das etiquetas desse colégio brega que tem um uniforme com nome gravado.

Ele parece ser um garoto normal, sem nenhum destaque, além de seus cabelos alaranjados, o que pra mim já é bom, porque até agora não me olhou estranho. Ou isso pode ser realmente estranho, já que da sala ele foi o único que não me observou, e ele está logo do meu lado. Não sei como interpreto essa atitude.

Nos primeiros períodos de aulas eu vivi o que já esperava: me apresentar para toda a turma, responder perguntas sobre o porquê de estar aqui, e receber olhares de desconforto de todas as garotas da sala. Os meninos até que me surpreenderam, a maioria demonstrava um olhar de admiração, ao contrário do que eu esperava.

Rio continuou a aula sem olhar para o lado, sempre de cabeça baixa escrevendo e se levantando levemente para olhar pra frente. Não sei o porquê, mas comecei a me incomodar com essa situação e fiquei o encarando. Ele percebeu o que estava acontecendo, e de uma forma inesperada deu um sorriso de lado, como se estivesse envergonhado. Logo, pra amenizar a situação, eu mandei outro sorriso, dando a entender que estou aberta pra conversa e que não queria aquele ambiente desconfortável logo do meu lado.

   -Oi, me chamo Rio. Você é nova aqui né? Lauren? Nome bonito, nunca ouvi por aqui na região. Fiquei com dúvida na hora da sua apresentação, você tá aqui temporariamente ou vai morar em Tóquio?

E do nada isso me acontece, de menino envergonhado ele me veem e solta várias perguntas. 8 ou 80? Não estava preparada.

—Hahaha, obrigada pelo elogio. Seu nome é bonito também, me lembra a cidade que meus avós nasceram. - Digo envergonhada - Sou aluna nova sim, cheguei no Japão mês passado.

Eu não deixei cláro se vim morar aqui porque é algo que ainda não sei. O trabalho dos meus pais é confuso, mas provavelmente devo passar os próximos meses na cidade.

De uma forma desconfortável, porém confortável ao mesmo tempo eu respondo Rio. Fico feliz por ele ter sido a primeira pessoa a conversar comigo, mas ao mesmo tempo, toda essa situação foi inusitada. Quantos questionários virão a seguir?

Depois de mais algumas conversas trocadas, parece que finalmente tenho alguém pra conseguir ter um mínimo de papo além de Haku nessa escola. Por falar nisso, esqueci de dizer, Haku só não está na minha sala pois somos de turmas diferentes, apesar de ser do mesmo ano. Nem nisso tenho um pingo de sorte.

Terminando o dia eu me despeço de Rio e vou me encontrar com Haku na sala ao lado. No caminho do trem, falo do clima estranho que rolou entre mim e Midori, seu amigo do 2º ano. Evito falar de Rio pois saindo da escola o único assunto que ficana na minha cabeça é o que aconteceu mais cedo.

—Amiga, o Midori é gente boa, não sei por que você o tratou com tanta ignorância.

O pior é que não sei o que falar pra ela. Também não sei por que tratei ele assim. Óbvio que ele é bonito, mas aí eu o ignoro por isso? Sou maluca agora? Também não tenho interesse nele.

—Haku, você sabe que ainda não conversei com ninguém nessa escola, e me botar pra encontrar logo um menino mais velho do seu lado no trem? Não tive controle da minha reação. Nem eu sei o que fiz direito. 

Confesso que realmente não sei o que me aconteceu, quando já vi eu estava de cabeça baixa e a minha estação já tinha chegado.

Chegando no trem eu me dou conta de algo terrivel que terei que viver todos os dias, o horário de pico. Saio da minha escola as 18h, por ser tempo integral e esse horário geralmente é o mesmo da saída de outras escolas, faculdades e trabalhos. Então o trem fica lotado. Não sei nem como vou conseguir respirar lá dentro.

Entrando no vagão sou empurrada por alguém atrás de mim, e assim eu acabo me perdendo de Haku, mas não faz mal, já que ela solta na próxima estação. Quando me adapto à aquela situação eu olho pro lado e percebo que Midori está ali, espremido no meio de várias senhoras, desconfortável com a situação. Eu não tive outra reação a não ser rir. Ele não iria notar mesmo. Um pouco do lado dele eu consigo avistar um cabelo avermelhado espremido também no meio das senhorinhas, era ninguém menos do que Rio. Só falta a Cristal com aquele sorriso falso pra cima de mim nesse vagão, o que não desconfio, já que 18h ela sai lá de casa para ir para sua em outro bairro.

As estações vão passando e o trem acaba se esvaziando. Rio finalmente percebe a minha presença no trem, mas pela distância e desconforto de toda a viagem ele apenas acena com sua mão. Eu retribuo dando um tchau, já que a próxima parada era a minha.

Chegando em casa começo a refletir no meu banho sobre o primeiro dia louco que tive. Um desconforto além do normal com uma pessoa que mal conheço, uma nova amizade, a volta desconfortável. Tudo que eu não esperava no meu primeiro dia de aula. Achei que seria uma coisa mais calma, sem amizades, e apenas o desconforto normal de se apresentar em sala e receber os olhares constrangedores.

Indo dormir mando uma mensagem pra Haku e pergunto se está tudo bem. Ela me responde de forma alegre dizendo ter encontrado seu crush na volta da escola, na estação do trem, e por isso acabou se dispersando de mim quando estava entrando no vagão. Me questiono como no meio de toda aquela confusão ela conseguiu encontrar alguém, mas tudo bem, não posso falar nada já que encontrei Rio e Midori no mesmo lugar.

No dia seguinte vou em direção ao trem, já agradecendo por esse horário ser vazio e ter espaço pra sentar, já que minha estação é uma das primeiras em partida na direção da escola. Entrando no vagão eu não encontro Haku, o que já me traz um leve desespero. Completando, a única pessoa no meu vagão, sentada no banco a minha frente se chama... Midori. É uma perseguição do destino né, só pode. Quem mandou morar perto, estudar na mesma escola e utilizar os mesmos meios de transporte. O clima foi de desesperador sem amiga para desesperador sem amiga + encontro indesejável. Comecei meu dia bem.

Enquanto não chegava a próxima estação, Midori mexia no seu telefone, de forma calma, mas por algum motivo ele parecia desconfortável, não que já não bastasse a minha presença ali, mas sei lá ne, nunca se sabe. Vai que ele está num péssimo dia mesmo?

—Seu nome eu sei por conta do seu uniforme, mas se eu não soubesse nem isso você teria me falado ontem, né?

 Jura que naquele momento pesado ele solta uma dessa? Meu nervosismo atacou.

—Desculpa por ontem, não sei por que reagi daquela forma. Mas você ta percebendo esse clima estranho né? não queria ter criado, sorry

Ainda coloquei um inglês no final tentando ser fofa. Garanto que não serviu de nada.

—Uma estrangeira agir dessa forma ignorante me impressiona, geralmente elas que são amedrontadas pelas pessoas da região. Mas você tem sangue forte né? - Diz ele em tom debochado

Realmente não sei se ele falou isso de forma sarcástica ou foi um elogio. Agora como posso responder sem piorar essa situação?

—Ignorante? Desculpa se soei assim, é tudo muito novo para mim, a Haku deve ter mencionado.

Como se isso fosse uma desculpa para aquilo que aconteceu ne? sou muito burra mesmo.

—Até que ela comentou algumas coisas mesmo, mas o básico.

Ele não soltou mais nenhuma palavra, deixando o clima estranho ainda pior. Mas parece que ele pelo menos teve uma iniciativa de falar comigo, o que eu deveria ter tido, óbvio. Mais algumas estações e eu chego na escola.

Chegando na portaria vejo Rio saindo de um carro chique, o que difere muito da realidade  de ontem onde ele estava espremido no vagão. Ele logo vem me cumprimentar e me acompanhar até a sala.

—Bom dia Lauren, fez o trabalho para a aula de hoje?

Preciso nem comentar que a resposta é não. Agora com que cara irei aparecer em casa mostrando uma advertência por trabalho não feito logo no primeiro dia de aula?

Pela expressão que fiz, Rio percebeu que eu nem sabia qual aula eu iria assistir hoje.

—Faz o seguinte, pega esse meu caderno e anota o que você conseguir até o segundo tempo. Só erra algumas questões pra não ficar tudo igual, ok?

Ele fala isso e logo sobe na frente a caminho da aula. Não sei o porquê dessa pressa se ele vai sentar do meu lado, mas já agradeço pela preocupação e pela ajuda.

Sentando na carteira começo a copiar tudo, e ele já olha de canto de olho rindo da situação, vendo que não consigo entender nada do que está escrito.

—De onde você veio a escrita é diferente né? Relaxa que eu copio pra você.

Já estava me sentindo em casa e e vendo  ele sendo a Cristal pondo meu café na mesa, a diferença é que o sorriso dele parece ser real.

—Realmente eu ainda não consegui entender e diferenciar esses formatos, mas até semana que vem eu aprendo e espero a anotar tudo que os professores passam de dever também.

Apesar de ser o segundo dia de aula, já sinto que Rio será uma amizade boa de se ter no dia a dia. Ele me distrai com algumas coisas aleatórias, perguntando da minha vida na Australia, sobre os costumes diferentes e de como estou me adaptando no Japão.

—Você já tem feito muitas amizades por aqui? Alguém com a sua aparência deve chamar a atenção de muita gente.

Agradeço o elogio e falo que ele é a primeira pessoa que eu realmente troquei algumas palavras desde que cheguei em Tóquio.

—Mas e você? Ontem te vi no trem lotado e hoje chegou em um carro todo chique, você pega outros caminhos na volta?

Espero que eu não pareça muito intrometida com esse assunto, mas já que ele está me perguntando sobre toda a minha vida, acho que tenho direito de saber disso.

—É que a minha família é meio controladora. Sempre venho de carro porque minha mãe é superprotetora, mas geralmente volto de trem porque gosto de passar em outros lugares antes de voltar para casa. Lá eu sou tratado como o menino perfeito sabe? Parece até clichê, porque é mesmo.

Então ele é tipo um príncipe rebelde das histórias de romance, só que japonês.

—Entendo, na Australia minha mãe gostava de saber cada passo que eu dava, mas como a gente se mudou e é uma cidade nova e mais tranquila, ela acaba me deixando mais livre. Pode parecer contraditório por ser uma cidade nova, mas acaba que eu pego só o trem e ja chego na escola, então não tem muito perigo.

O sinal toca e a gente arruma nossos materiais para descer até o almoço. O clima entre nós dois está bom, sinto que ele parece realmente gostar de ser meu amigo, e não está forçando algo pra depois me expor para toda a sala. Acredite, isso já aconteceu antes.

Desço primeiro que ele e vou até o refeitório, onde todas as mesas estavam praticamente ocupadas. Vejo Haku acenando de longe, e já vou direto na direção da minha salvadora.

—Amiga ainda bem que você tá aqui, se não eu não ia saber onde enfiar minha cara.

—Relaxa garota! O único problema é o clima estranho que vai ficar nessa mesa, mas você supera. - Diz ela rindo 

Ela fala isso e eu não tinha reparado em quem estava sentado. Não preciso nem fazer um drama e dizer que é o Midori né? Então...

A gente começa a comer e ninguém troca uma palavra, mas Haku tenta ser extrovertida e lançar algumas piadas na mesa, o que acaba não funcionando.

—Vai fazer o que depois da aula? Se quiser pode voltar com a gente de trem, vi sua cara de desespero no vagão ontem. - Midori diz com uma voz de preocupado

Surpreendentemente Midori solta sua primeira frase, e mais uma vez ele toma iniciativa na conversa. Como assim voltar com ele? Como ele me viu no vagão? Depois de me chamar de ignorante ele ainda quer minha companhia? Ou tá só fazendo um charme pra impressionar a Haku? O que não faz sentido já que ela está envolvida com outro menino.

—Ahh, sim, cláro. Único problema é aquele trem lotado né?

Digo isso rindo de uma forma desconfortável e com vergonha.

Do meu lado sinto alguém se sentar, e pela cor dos cabelos já identifico que é Rio. Agora pensa na cena, eu, Haku, Rio e Midori na mesma mesa. Não sei nem como esse encontro vai funcionar daqui pra frente.

—Pelo visto você já conheceu meu irmão, não é mesmo Lauren? Se o trem tiver cheio a gente volta no carro dos nossos pais, te deixo no caminho.

Rio diz sorrindo olhando nos olhos de Midori. O clima estranho que eu estava sentindo só piora, como assim esses dois são irmãos?


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