Dinastia 2: A Coroa de Espinhos escrita por Isabelle Soares


Capítulo 22
Capítulo 22




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Janeiro de 2045

Joel Hernandez analisava uma das primeiras fotos tiradas de Bella pós – acidente com muita atenção. É claro que todos nesse momento não davam mais quaisquer sinais de interesse pela morte da duquesa. Já haviam se passado cinco meses e nem uma atualização importante para que tornasse necessária a reabertura do caso e a volta da investigação.

Mas de certa forma, Joel não se contentara com o simples resultado obtido pela polícia. “Acidente provocado por imprudência da condutora, motivado por estresse e paranoia múltipla”, fora isso que eles colocaram nos laudos finais do inquérito e que para o policial não parecia ser assim tão prático. Sentia que havia mais ali.

Nem ele entendia muito bem por que chegou a ter tanto interesse por esse caso específico. Mesmo depois que o caso fora encerrado, ele continuara tentando juntar todas as peças que já tinham sido desprezadas pela equipe responsável pela investigação. Ele não desistira nem por um segundo.

A explicação dessa obsessão talvez seja pelo fato de que conhecera a duquesa pessoalmente anos antes de sua trágica morte. Ele bem lembrava esse dia. Tinha acabado de chegar a Belgonia, um imigrante que tentava a sorte na Europa. Viera parar na pequena ilha, num dos países menores do velho continente, quase não lembrado, apenas por conta das melhores condições de vida que poderia encontrar mais facilmente do que em outros países.

A duquesa fazia uma visita à comunidade de imigrantes em Belgravia. Foi até onde ele vivia com a esposa e conversou com eles. O que o surpreendia era que ela não tinha aquele jeito doce e meigo meio Lady Di. Ela era tímida sim, mas bem austera. Falava com uma naturalidade imprescindível, sem distinções. Tinha firmeza em suas palavras.

“- Você devia entrar para a polícia. Te vejo um policial!”

Sim, foi isso que ela falara para ele, numa certeza quase premeditada ou como se o conhecesse há anos para ser capaz de entender que ele gostava do ramo. Ele lembrava de ter sorrido e pensado nisso por dias. Até que resolvera se candidatar a vaga de escrivão até ter dinheiro para fazer o curso preparatório para a polícia. Se hoje, dez anos depois daquele encontro, ele se tornara um policial, era somente por conta dela.

Então, era de se imaginar o que ele sentira ao ver que a vítima do acidente de carro na fronteira entre Genove e Belgravia tinha sido a duquesa. A era a equipe de Joel que estava de plantão quando tudo acontecera. Fora ele que vira pela primeira vez o estrago que tinha sido o acidente. Mas desde o princípio farejou que tinha muita coisa fora do lugar. Mesmo perturbado com tudo, pediu para que o fotógrafo da polícia tirasse foto de tudo ao redor. Sabia que haveria uma investigação em seguida.

A primeira coisa que notara de estranho era o fato do AirBag do carro não havia sido acionado. Era impossível que um carro tão moderno quanto o que ela dirigia não ter um utensílio de segurança tão importante quanto aquele. O velocímetro havia sido danificado pelo impacto da batida, mas como era digital ficara parado na última velocidade atingida pelo carro, 180 km por hora. O que para ele parecia mais do que impensável a duquesa estar dirigindo nessa velocidade numa pista escorregadia pela chuva fraca que caia. Ela não seria tão imprudente por nada.

Agora olhava novamente a foto que ele chamava de x da questão. O fotógrafo da polícia tinha capturado a duquesa dentro do carro numa posição que dava para ver bem de perto as lesões que ela tinha sofrido. Nela podia ser visto algumas manchas roxas. Ninguém levara isso muito em consideração na época por que um dos sintomas de morte cerebral eram manchas arroxeadas. Esse era o fato mais curioso que o impressionara até o dia de hoje, cinco meses após a morte de Isabella.

Joel não descansou até procurar um médico para lhe explicar mais sobre essas manchas e descobriu que sim, era um dos sintomas de morte cerebral haver marcas roxas em torno das orelhas ou dos olhos. Mas as manchas de Isabella eram no pescoço.

— Ainda está com esses arquivos, Joel? – Perguntou o delegado do distrito em passagem pela sala do policial.

— Só estou dando mais uma olhada.

— Guarde isso e pronto. Não quero ninguém mais investigando esse caso.

Joel apenas assentiu. Hoje os arquivos iriam ser guardados no que eles chamavam de “depósito”, um lugar onde eram armazenados todos os outros casos concluídos pela polícia. O protocolo determinava que depois de cinco meses com a investigação parada ou encerrada, não fazia sentido deixar os papéis tomando espaço nos arquivos do distrito.

Mas Joel não queria se livrar deles assim. Resolveu que o certo era tirar cópia de tudo para si e continuar investigando por conta própria. Não podia desistir da duquesa, assim como ela um dia tinha acreditado nele. Ele sabia que aquele seria o caso de sua vida.

Já Renesme estava saído do hospital público de Clarence quando ouviu o seu celular tocar. Esse tinha sido mais um dos seus diversos compromissos. Ainda se lembrara bem do primeiro, após resolver assumir toda a agenda de seu pai e de seu avô. Não podia deixar de afirmar que havia sido um momento único. Estava nervosa, como sempre. Encarara bem todas as aquelas pessoas ao redor e tremeu por dentro. Suas mãos suavam, mas ela manteve o sorriso. Nunca podia deixar escapar que ela estava morrendo por dentro.

Lembrava de apertar diversas mãos e até se constranger por a sua estar muito molhada. Tentou lembrar das palavras que tinha se programado a dizer, mas sua mente estava em branco. Agradecia por ao menos o discurso está anotado. Resolveu tentar improvisar, mas se fiscalizava para não dizer alguma bobagem. Olhava para as pessoas e se sentia uma tremenda fraude. A quem ela tentava enganar? Nunca ela seria boa o suficiente para eles! E tinha raiva de si mesma por ser assim. Mas não tinha outro jeito. Tinha que tentar. Ao menos trabalhar por muitas horas seguidas a evitava de cair no grande abismo da depressão. Tinha que enfrentar os seus fantasmas de alguma forma.  

Entrou no carro com o celular ainda tocando em suas mãos. Respirou fundo e sentiu uma imensa vontade de vomitar. Ainda estava nervosa e rezava para chegar logo ao palácio. Olhou para a tela e viu que era Antony e isso a deixara feliz, pois sempre era ela quem ligava para ele ultimamente.

— Oi Tony! A que devo o prazer?

— Ainda sou seu irmão, não é?

— Claro que sim. Fico feliz por ter ligado!

— Sabe... Eu andei pensando em passar a páscoa por ai.

— Que maravilha! Papai estar precisando de um incentivo de nossa parte. Ele está mal, Tony.

— Eu sei... Olha Ness, não quero parecer insensível não, mas você sabe que eu não tenho conseguido estar ai...

— Eu entendo. O palácio... Tudo lembra ela, não é?

— Sim. É claustrofóbico!

— Eu pensei que a gente podia combinar com o vovô Charlie e com a Sue para passarmos a Páscoa juntos em Seraf.

— Foi o último lugar em que ela esteve.

— Mas é melhor do que estarmos no palácio ou Norfolk. Olha Tony, não adianta! Tudo vai lembrar ela por que na verdade a mamãe está marcada na gente.

Houve um silêncio no outro lado da linha. Tinha sido uma resposta dura, mas era a realidade. Renesme não lembrava de um único lugar onde as lembranças fossem menores.

— Temos que seguir em frente.

A princesa disse para Antony, mas era mais como um lembrete para si mesma. Não queria transparecer para o irmão o velho ressentimento que tinha. Tudo era mais marcante para ela do que para ele. Antony estivera esse tempo todo na Inglaterra, longe de tudo. Fora Renesme que estivera na linha de frente ao lado da mãe nos dois piores meses da vida dela. Sofrendo junto com ela todo aquele desespero e a tensão que se rodeara em torno dela.

— Tenho que apresentar uma pessoa para vocês. É importante!

Renesme parou um pouco antes de responder. Não sabia que Antony tinha conhecido alguém. Ele nunca falara sobre os seus relacionamentos.

— Prepara o papai, ok?

— Tony, me fale mais sobre isso, por favor.

— Não posso agora, Ness. Estou entrando na aula. Depois a gente se fala.

E a ligação terminou. Tão friamente quanto das outras vezes. Renesme ficou olhando para o telefone pensativa. Sentiu a mão quente de Tom em seus ombros, mas não se moveu.

— Você está fazendo a coisa certa, Ness. – Tom falou baixinho.

Renesme olhou para ele e encostou-se no ombro dele sem se preocupar em estar sendo observada por Emily e Toby. Tom permaneceu rígido, mas não a afastou.

— Acho que ele está chateado comigo e eu não sei por que.

Essa era a única explicação plausível para o distanciamento de Antony. Ele nunca fora uma pessoa fria, desligado sim. Renesme sabia que o irmão não era o tipo de pessoa que se preocupava muito com as coisas, vivia e apenas isso, independente das coisas ruins e boas. Ele estava estranho e essa mudança só poderia ter sido ocasionada pela morte de Bella. Por isso que Renesme se preocupava tanto. Insistia nas ligações até mais do que o necessário. Tinha a necessidade de cuidar dele, de protegê-lo, como Bella faria se estivesse aqui. Mas ficava tudo mais difícil com o afastamento cada vez maior dele.

— Ele não está com raiva de você. Apenas das circunstâncias que lhe foram impostas.

— Só que eu não tenho nada com isso.

— O tempo cura tudo, acredite.

Renesme esperava mesmo que sim. Não queria a sua família mais despedaçada do que já estava.

— Prepare-se, alteza. Estamos chegando nas minas. Ainda dá tempo de desistir.

— Eu não vou desistir, Emily.

Tom sorriu para ela e foi retribuído. Desde a última conversa que tivera com ele tinha ficado decidido que ela iria começar os seus trabalhos com relação à situação das minas e na crise resultante disso. Tinha visitado o hospital público de surpresa para ver como estava a situação real e não a enfeitada, como provavelmente encontraria se a visita tivesse sido oficial.

 Agora estava disposta a visitar as minas para ver de perto tudo que Tom lhe contara. Queria entrar lá, conversar com as pessoas, pois assim poderia entender toda a problemática. Era exatamente isso que sua mãe queria, não era? Mas é claro que ela tinha que ser menos impulsiva e agir de forma mais eficiente para tentar contornar a crise. Não podia encontra os limites do palácio e nem queria chamar atenção demasiada dos partidos a ponto deles se sentirem sendo colocados para trás no parlamento. Tinha que por a mente para trabalhar.

O carro parou em frente às minas, agora interditadas. Renesme olhou o cenário de fora e já se sentira claustrofóbica. Imaginava como era duro ter que entrar nesses túneis todos os dias. O que não se fazia para ter o sustento de cada dia?

Tom descera primeiro e abrira a porta do carro. A princesa desceu e seguiu com ele na sua cola. Em público, eles sempre se tratavam como dois desconhecidos. No privado, ela sabia o quanto ele estava eufórico com essa visita. Quando dissera a ele que ficaria mais uns dias em Clarence para fazer essas visitas, o tinha deixado surpreso, mas ao mesmo tempo animado. Afinal, isso era o que devia ser feito agora e ninguém melhor do que ele para entender a importância desses compromissos para a população local e a princesa estava mais do que satisfeita em poder ajudar.

Seguira em frente tentando esquecer a sua insegurança e tentando ser o mais natural possível para conversar tanto com os donos das minas quanto com os trabalhadores. À medida que a conversa fluía, ela ia deixando a curiosidade aflorar e tentava se informar ao máximo, sempre ouvindo os dois lados, como fizera no hospital nessa manhã. Eram tantos pontos negativos que era agora capaz de entender como as coisas chegaram a esse ponto e por que não tinham sido resolvidas.

— Quer mesmo entrar aí dentro, alteza? – perguntou um dos donos das minas.

A princesa olhou para dentro da mina e viu aquela escuridão profunda, isso a deixou temerosa. Sua mãe entraria lá sem pensar duas vezes, pensou.

— Claro! Minha missão hoje aqui é de reconhecimento.

— Então vamos! – disse o homem com um sorriso que Renesme interpretou como debochado.

— Não se preocupe, senhor, uma princesa também suja as mãos.

O cara gordo, dono da mina, apenas a devolveu um sorriso amarelo. Ela então se apressou a colocar os equipamentos necessários e quando estava completamente pronta olhou para Tom. Ele olhava para o interior com uma cara óbvia de descontentamento. Ela era capaz de entender, caso ele não quisesse seguir caminho com ela. Aquelas minas tinham sido toda a sua vida até ali e claro isso iria despertar lembranças dolorosas.

Mas Tom a seguiu pelos túneis. A princesa apenas sorriu em agradecimento silencioso. Tê-lo perto dela era uma motivação contínua. Ele seguiu em silêncio fazendo o seu trabalho de segurança, mas Renesme era capaz de adivinhar as expressões que ele fazia toda vez que o dono da mina fazia comentários nada agradáveis ou politicamente incorreto sobre os trabalhadores ou a crise econômica. A princesa não retrucava os comentários, e nem tinha como revidar, ela estava ali apenas para conhecer a realidade.

Quando entrava cada vez mais no túnel, acabou tendo um pensamento inesperado. Pensou o que William Lamb pensaria em vê-la ali. Deu um sorriso mental. Por que isso tinha surgido em sua cabeça? Ela não sabia responder. Mas tinha que confessar que vez por outra acabava por ler as matérias dele. Bella as adorava e indiscutivelmente sabia dizer o porquê. Ele era terrivelmente bom em seus artigos. O que ele diria dessa visita dela hoje? A princesa balançou a cabeça para tirar o pensamento de sua mente. Mas de certa forma, lembrar de William Lamb, trazia além da raiva, também a fazia lembrar da mãe. Se ele aprovasse, ela também aprovaria.

De certa forma, Renesme deu graças Deus ao sair do túnel. Não tinham ido muito longe, mas pra ela tinha sido o suficiente. Com certeza alternativas para esse ramo tinham que ser encontradas e logo.

Tom também estava aliviado pelo fim da visita. Estar ali era como voltar ao passado. Como se seu pai tivesse vivo de novo, assim como todo o seu sofrimento. Não queria ter de reviver isso. Especialmente por que acendia a chama do ódio que tinha dentro dele e ele não queria que o vulcão explodisse, ainda mais estando ao lado da princesa.

Emily veio em passos apressados em direção a Renesme. Devia ser o telefone. Ela só esperava que não fossem más notícias. A secretária fez uma reverência breve e entregou o celular para a princesa.

— Alteza, é o terapeuta do seu pai. Você me disse que aguardava a ligação dele com urgência.

— Sim. Obrigada Emily.

Renesme pegou o celular e se afastou para atender. Tom ficou para trás, dando espaço a ela. Não queria ter que entrar ainda mais na intimidade dela.

— Oi doutor Brown. Foi muito bom que tenha me ligado.

— É um prazer, alteza.

— Quero saber como anda as sessões com o meu pai. Eu sei que você mantém o sigilo dos seus momentos com os seus pacientes, mas eu queria que abrisse essa exceção para mim. Ando muito preocupada com o que ele possa fazer.

— Eu entendo perfeitamente. Não tenho muito a dizer a respeito. O príncipe não tem colaborado muito. Permanece como sempre. Calado e quase imóvel.

Renesme suspirou e sentou-se na primeira pedra que vira. Estava difícil demais tentar fazer com que seu pai se recuperasse. Ela sabia o quanto ele era propício à depressão. Já tivera uma antes e até já tentara suicídio. Fora Bella quem tinha lutado por ele e insistido nas terapias. Ela contara a Renesme que tinha medo de deixar Edward sozinho se o pior acontecesse, pois sabia o quanto ele era frágil.

— Isso me preocupa, doutor. Nós também tentamos conversar com ele, mas é tudo inútil.

— Mas é importante que não desistamos. A sua alteza real está apenas passando por um momento difícil.

— Mas já fazem cinco meses... – Renesme disse de boca pra fora. Sabia que ela mesma não tinha se recuperado.

— O que são cinco meses diante de mais de trinta anos de convivência.

— Tem razão. Se ao menos houvesse alguma coisa que pudesse nos ajudar....

E isso era exatamente que Joel pensava. Estava decidido a continuar a investigar o caso da morte da duquesa, mas sabia que sozinho seria muito difícil. Teria pouca colaboração. Estava olhando as notícias no celular e viu uma notícia aleatória que William Lamb estava voltando a Belgonia, após um “afastamento temporário”. Uma lanterna se acendeu na mente dele. Lembrava bem dos artigos que o jornalista do The Globe escrevia. De certa forma parecia que ele conversava com a duquesa de alguma forma. Ela agia e ele dava uma resposta em seus artigos. Donalson havia acusado os dois de estarem unidos contra o “bem da nação”, o que Joel sempre achara um tremendo absurdo. Mas talvez William poderia ser uma boa ajuda para o caso...

O celular do policial gemeu em sua mão, era uma mensagem criptografada de um amigo seu que trabalhava com carros descartados de acidentes ou aprendidos pela polícia. Joel pedira, quase sem esperança, para que ele desse uma busca pelo carro acidentado de Isabella para ver o que podiam encontrar nele. A mensagem dizia:

Encontramos o carro que você estava procurando. Tive um duro danado! Mas espero que ele lhe sirva.”

Joel deu um salto na cadeira. Era inacreditável ler essas frases. Olhou para a foto de William Lamb novamente e interpretou isso como um sinal de sorte e que estava indo pelo caminho certo.

Por favor comente! Só assim saberei o que está achando dos rumos dessa história.


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Notas finais do capítulo

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