O Tempo Que Não Passa Nessa Cidade escrita por Youth


Capítulo 1
Marcos - verão é a estação do amor




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         1

Foi num dia assim, no ápice do verão mais quente que essa cidade já viu, quando a noção de tempo se perdia quase que literalmente em razão do calor, bem como da baixa expectativa de diversão por aquelas bandas. Marcos estava sentado numa cadeira de aço, daquelas de barzinho de esquina, na frente da locadora da família, folheando uma revista em quadrinhos, ouvindo alguma música bem antiga nos fones de ouvido e aproveitando a continuidade gritante de seus dias de férias, sempre na mesma medida, sem nenhuma novidade: acordar, abrir a locadora, não alugar nenhum filme, fechar a locadora e ir embora.

                Numa cidade em que o tempo parece não passar, infelizmente a família de Marcos não teve a sorte de retardar ou mesmo anular a existência da internet — e da Netflix — e, manter uma locadora de filmes era o ápice da obsolescência, mas era o amor dos olhos do avô (E do neto, diga-se de passagem, já que Marcos era o maior cinéfilo que aquela cidade já tinha visto, tendo assistido cada um dos dois mil filmes naquelas estantes, religiosamente). Marcos detestava tudo que era novo: celulares muito modernos, redes sociais, serviços de streaming. Viver naquela cidade seria uma benção, não fosse o fato de que o tempo podia parar para tudo, menos para a modernidade e tecnologia. Era assim e pronto: o povo de lá podia ter “um pensamento atrasado”, como diria a irmã de Marcos, mas quando se tratava de “modernismo” estavam sempre com dois pés para frente.

                Eu já disse: era verão. Porque todas as histórias de amor começam no verão? Porque todas as histórias de terror começam no inverno? Qual influencia a estação tem nos sentimentos de alguém? Marcos não sabia, mas se sentia mais solitário no verão. Não que fosse de muitos amigos, afinal, não tinha mais que três... talvez dois... A irmã conta? E o avô? Bem, enfim. Ele era solitário em todas as estações, mas, no verão, ver todos os outros garotos e garotas de sua idade saindo juntos para fazer, bem, nada — afinal não tinha nada pra fazer naquela cidade além de juntar um grupo de amigos e ficar na praça fazendo absolutamente nada, num marasmo total — o fazia sentir levemente triste e melancólico. As vezes tudo que alguém precisa é de um amigo para sentar no meio-fio e fazer nada, mas um aproveitando a companhia do outro.

                Oh! Era verão... e que verão. Estava muito quente, mas tão quente que era impossível ficar dentro da locadora. Marcos pegou seu banquinho, seus fones e seu aparelho de mp3 — sim, ele tinha um mp3 intacto, que devia ter uns dez ou quinze anos — e se sentou na calçada, diante da fachada da locadora. Colocou os fones, começou a ouvir a música e passou a folhear uma revistinha de quadrinhos — oh meu deus, ele realmente parecia alguém preso no tempo.

Seria tudo igual a todos os dias, como sempre, naquela cidade onde o tempo não passava. Sabe o que mais não passava? Duas coisas: Marcos não passava protetor solar — e mesmo assim ficava sob o sol ardente, usando roupas pretas — e não passava uma viva-alma naquela rua. Fazer o que? Não bastasse escolher colocar a locadora numa cidade parada no tempo, ainda escolhia a rua menos movimentada possível para se abrir um negócio — coisa do avô. Marcos não pensava muito nisso.

Afina, seria tudo igual? Sim, era verão, estava quente, estava silencioso, estava solitário, estava ouvindo suas músicas favoritas, diante do seu lugar favorito, na sua cidade e rua nem tão favoritas. Sozinho. Sozinho. Sozinho.

— Ou — alguém chamou — ou — chamaram outra vez — ou — mais uma — ou — e dessa vez seria impossível não ouvir. Marcos ergueu o rosto e observou a fachada da residência que ficava exatamente à frente da locadora: haviam aberto um sebo. Como ele não tinha percebido isso ainda? Ou pior, como ele não tinha percebido aquele garoto que estava sentado diante de si, menos de cinco metros de distância, segurando um livro e com fones de ouvido, com cabelos coloridos e olhos redondos e brilhantes, sob um olhar sagaz e sádico de uma raposa. Marcos olhou para ele. Ele olhou para Marcos. Ele sorriu. Marcos corou — Você chama ou por acaso? — ele disse. Marcos ficou encarando por um tempo, sem entender. O garoto sorriu em um tom de deboche. Ele tinha caninos lindos.

Marcos finalmente entendeu. Revirou os olhos, botou os fones de volta, pegou a cadeira, a revistinha e o mp3 e foi embora, com uma cara fechada, mas não antes de mostrar o dedo para o garoto do sebo e dizer:

— Babacão.

Naquela cidade que o tempo não passava, as mudanças podiam chegar, no fim. As vezes tardavam, as vezes vinham rápido demais... Mas chegavam. Aquele garoto chegou... E abriu um sebo na frente de uma locadora. Talvez os dois mais inúteis tipos de negócios para aquela cidadezinha pequena em que o tempo parou pra tudo, menos para certas coisas, como a internet e as modernidades tecnológicas.

Dois garotos. Um sebo e uma livraria. Cinco metros de distância. Um calor infernal. Roupas pretas de um lado, cabelos coloridos do outro. Um livro em uma das mãos, uma revista de quadrinhos na outra.

Era verão... Então o que esperar: uma história de amor ou uma história de terror?


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