O relógio marca 9:23hs e me pergunto se tinha algo na agenda, até me lembrar de que hoje é sábado e merecia um pouco de descanso. Estou em pé, de frente para a cafeteira, que parece estar no mesmo ritmo que eu hoje: preguiçosa. Respiro fundo, enquanto a observo trabalhar. Tudo bem, talvez eu não esteja tão preguiçosa assim, aliás não é tão tarde.

Olho para as xícaras no armário com portinhas de vidro, organizadas em fileira. Me atento ao alinhamento delas por um momento, até voltar minha atenção a cafeteira que continua com seu trabalho lento. Me pergunto se estou sem paciência hoje ou se é só um problema atípico. A primeira opção parece mais próxima da realidade.

Saio da cozinha e caminho pela sala de estar. Paro um instante em frente ao sofá e o analiso, tratando de arrumar as almofadas.

Tudo bem. Estou ansiosa. Digo a mim mesma quando me pego mordendo a parte interna da bochecha pela segunda vez esta manhã. Cinna ficou de vir às 10 horas, então não vai levar muito tempo. Meu coração acelera de repente. Penso em várias formas de contar tudo o que preciso para ele, mas aparentemente nenhuma delas parece boa.

Penso na reação dele. Se talvez ele ficará com raiva por não termos conversado sobre isso antes.

Olho em direção a varanda. Está um lindo dia lá fora. Tento focar nisso, mas não tenho tanto sucesso. Minha cabeça está a mil. Volto para a cozinha e dessa vez me sirvo com uma xícara de café. Ponho duas colheres de açúcar e tomo aos poucos.

Dentro de poucos minutos a campainha toca. É agora, penso enquanto me dirijo até a porta, olhando de relance para o corredor enquanto caminho. Mordo novamente a parte interna da bochecha.

Abro a porta e Cinna me aparece com seu semblante sereno como de costume. Ele abre um sorriso típico e eu o convido para entrar.

— Milagre te ver de robe - ele comenta quando fecho a porta.

— Não pretendo sair hoje, então coloquei algo confortável - explico enquanto nos direcionamos ao sofá. Cinna já é de casa e fica à vontade. - Você quer um café? - ofereço. - Acabei de fazer.

Cinna move o canto da boca, ponderando sobre sua resposta.

— Acho que vou aceitar, sim.

Pego outra xícara e sirvo o café, deixando que ele decida o que colocar. Cinna nem sempre toma seu café da mesma forma.

Nunca fui muito boa na cozinha, mas ao menos o café me atrevi a fazer. É algo que a época dos Jogos me fez consumir bastante. Com o tempo fui melhorando um pouco nisso.

Cinna coloca uma colher de açúcar e toma um gole sem fazer cara feia. Parece que estou indo bem no quesito café. Tomo mais um gole do meu e percebo que está morno, pois havia ficado um tempo na mesa. Não me importando muito, trato de terminar, então Cinna puxa o assunto quando estou terminando.

— Você parecia um pouco ansiosa no telefone - ele diz, olhando para a sua xícara. - Aconteceu alguma coisa?

Meu coração acelera. Estou nervosa de novo. Tudo bem. Vamos lá. Não vai ser difícil. Aliás, é o Cinna.

Passo a língua nos lábios rapidamente antes de pousar minha xícara no centro. Inspiro e solto o ar pela boca. Em seguida me sento ao lado de Cinna e meu olhar se volta ao corredor rapidamente. Cinna parece perceber, pois ele acaba olhando na mesma direção.

— Cinna, eu preciso te contar uma coisa - começo a falar, após respirar fundo. Cinna permanece me fitando, aguardando que eu prossiga. Me sinto levemente sob pressão e, quanto mais tempo levo para falar, pior fica a minha situação. - Antes de mais nada quero que saiba que não faz muito tempo e você é a primeira pessoa que está sabendo isso, ta bom?

Cinna franze o cenho, sem entender o que estou querendo dizer. Olho novamente para o corredor e Cinna me acompanha.

— O que tem no corredor, Effie? - indaga. - Já é a terceira vez que olha pra lá.

Continuo olhando e dou um pigarro. Tudo bem. Acho que já está na hora.

Entendendo o meu recado, Haymitch sai do corredor com sua camisa e calça de moletom, parecendo que acabou de acordar - apesar de não ter feito tanto tempo que saiu da cama. - A reação de Cinna é quase imediata e ele solta uma breve e baixa risada, a qual Haymitch retribui enquanto se aproxima de braços abertos.

— Eu devia ter desconfiado - Cinna diz ao se levantar para cumprimentar Haymitch. Eles trocam um abraço amigável e me sinto aliviada em poder ter uma reunião assim fora da época dos Jogos.

Haymitch está aqui desde a véspera do réveillon, quando combinamos de juntar toda a equipe de preparação em comemoração a mais um ano juntos. Aparentemente conseguimos ser bastante discretos na virada de ano, mais uma vez sem levantar suspeitas. Ele vem na minha direção e senta no braço do sofá, apoiando-se no encosto. Sua mão vai até a minha e então ele beija o topo da minha cabeça.

— Tem café pronto na cozinha - digo e ele responde que tomará depois.

Cinna nos observa com um sorriso no rosto.

— Desde quando vocês estão…? - ele deixa a pergunta no ar.

— Desde os últimos Jogos - respondo. Cinna arqueia rapidamente as sobrancelhas.

— Então é sério - não foi uma pergunta. O que me faz suspirar antes de responder, enquanto olho nossas mãos entrelaçadas. Mas Haymitch acaba respondendo por mim.

— É sim - ele diz e dou de ombros, tendo a visão de um Haymitch sorridente olhando para mim. Ele se aproxima e sela os lábios nos meus antes de se levantar para tomar café.

Acompanho com o olhar Haymitch seguindo para a cozinha. Ele parece tão mais tranquilo assim, sem estar no centro de treinamento, no prédio dos tributos. Está tão melhor só… aqui.

— Ele gosta mesmo de você - Cinna diz, me trazendo de volta a realidade. - E pelo visto é recíproco.

Sinto minha face corar e concordo de imediato com o que Cinna diz.

— Posso dizer que vocês são clichês e imprevisíveis ao mesmo tempo - prossegue. - Talvez por serem clichês demais.

— Como assim? - pergunto, segurando o riso.

— Vocês vivem discutindo e dois minutos depois estão bem, se ajudando… Não é à toa que sempre rolam boatos de que vocês já tiveram um caso.

Haymitch parece ter ouvido esta parte, pois ouvimos um engasgo vindo da cozinha. Torço para que seja isso e não que o meu café tenha ficado ruim.

— Espalharam boatos sobre a gente? - ele pergunta da cozinha.

— Sim - Cinna confirma. - Mas até agora são só boatos.

Suspiro aliviada. Está tão bom assim.

— Podem ficar tranquilos, se depender de mim. O papel de contar as boas novas é todo de vocês.

Sorrio e olho em direção a cozinha. Haymitch está encostado na parede, bem na entrada, tomando seu café. Ele está tranquilo, sem muitos vestígios daquela ressaca diária dele. Está bem.

Nós estamos bem.