O fim de tudo que conheço escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Apesar das vidraças quebradas, Jason resolveu apostar. A loja de caça era boa demais para não ser vasculhada. Desceu do carro e pediu para que Sarah vigiasse a rua. Com um taco de golfe em uma mão e uma lanterna na outra, caminhou sobre os cacos de vidro que antes eram a entrada. Acendeu a lanterna e a luz começou a revelar aquilo que a escuridão escondia: a loja havia sido quase completamente saqueada.

Pouco havia nos mostruários próximos da entrada. Jason conseguia ver em sua mente o que havia acontecido ali. Quando o desespero começou, pensou, as pessoas perderam as estribeiras. Invadiram casas que não eram suas, pegaram objetos que não eram seus e, em alguns casos, machucaram quem nem mesmo conheciam.

Com a luz iluminando o piso, Jason pôde ver pegadas sujas de areia, esgoto e sangue. O cheiro fétido e a imaginação das coisas que aconteceram ali quase fizeram o homem desistir e voltar para o carro. No entanto, ao levantar a lanterna, ele viu que havia muito o que olhar além das prateleiras da entrada. Caminhou enquanto rezava para encontrar algo que fosse útil. Foi atendido.

No lado oposto ao balcão do caixa, esquecido no chão, ali estava um rifle de caça. Ele brilhava ante o feixe de luz da lanterna e, por um instante, Jason esqueceu de todos os horrores que vivera até o momento. Correu até a arma e, examinando-a com um misto de animação e ansiedade, viu que ela estava em perfeito estado. Olhando para cima, viu ainda que havia uma vara de pescar esperando para ser saqueada. Isso vai ajudar a conseguir algum alimento quando chegarmos ao barco, pensou.

No entanto, ao se levantar para pegar o objeto, ouviu um estalo atrás dele.

— Largue a arma agora!

Virando-se lentamente, Jason ainda segurava o taco de golfe e a lanterna. O cone de luz revelou um velho enrugado com uma espingarda apontada para Jason. Ele estava atrás do balcão, os olhos tensos e a boca trêmula.

— Eu disse pra largar a arma! — o velho repetiu.

— Calma! Eu não vim fazer mal, mas eu preciso disso aqui. — Jason apontou com o taco para a espingarda diante de seus pés. — Eu não quero machucar ninguém.

— Eles vieram até a minha loja, quebraram tudo e ainda levaram minhas coisas. As pessoas enlouqueceram! Eu não vou tolerar mais isso! Vá embora daqui!

Jason engoliu em seco. A sua frente, a espingarda balançava enquanto as mãos débeis do velho a seguravam. O dedo indicador estava no gatilho e Jason sabia que a qualquer momento poderia virar uma peneira ensanguentada. Ainda assim, que opção tinha? Tenho uma grávida no carro, pensou, e não temos recursos.

— Senhor, eu estou pedindo. Por favor, me ajude! A minha esposa está aqui fora e ela está esperando uma criança. Não temos mais nada e, caso você queira, podemos fazer uma troca. O que acha?

— Eu disse pra você sair daqui!

O velho atirou para cima, fazendo um buraco na parede pouco acima da cabeça de Jason. O homem sentiu o coração explodir. Porém, no meio da adrenalina, percebeu uma oportunidade. As mãos frágeis do velho começaram a recarregar a espingarda. Lentas e pouco precisas, elas tinham dificuldade de colocar a próxima bala na arma. Foi o tempo que Jason precisou para se aproximar com agilidade e acertar um golpe com o taco de golfe na cabeça do velho. Ele urrou e caiu no chão atrás do balcão, saindo do campo de visão de Jason.

— Que porra é essa?!

Quando o homem virou o rosto, viu que Sarah havia entrado na loja. Com um revólver nas mãos, ela tinha as pupilas dilatadas não só pela escuridão, mas por todos os pensamentos trágicos que vieram em sua mente após ouvir o som do disparo.

— O velho... Ele... — Ofegante, Jason tentava emendar uma resposta que fosse lógica. — Ele não queria deixar que eu pegasse algumas coisas.

— O velho?

Foi então que um gemido atrás do balcão chamou a atenção do casal. Correndo para ver o que estava acontecendo, perceberam que o velho ainda estava vivo, mas com um terrível ferimento no olho.

— Você que fez isso? — Sarah não estava nada satisfeita com a cena.

— Ele apontou uma arma pra mim!

— Que seja, essa loja era dele! Eu sabia que isso nunca daria certo.

A mulher então abriu a bolsa que levava nas costas e começou a retirar alguns itens: álcool, ataduras e analgésicos.

— O que você está fazendo? — Jason perguntou.

— O que você acha? Não vou deixar o coitado agonizando.

— Sarah, eu preciso repetir? Ele atirou em mim!

Sentada ao lado do velho, a mulher encarou Jason. Apesar da escuridão, Jason sentiu de forma clara a reprovação contida naquele olhar. Dando as costas, começou a dar a volta no balcão enquanto pensava em procurar mais mantimentos na loja.

O breve momento de distração foi o suficiente para que o velho sacasse um pequeno revólver do bolso e atirasse contra Jason. Assustada, Sarah pegou a pistola e disparou contra o peito do velho, dando fim ao seu sofrimento.

— Puta merda — disse Jason antes de cair no chão.

Com as mãos trêmulas, Sarah não sabia o que fazer. Era a primeira vez que matara outro ser humano. Para piorar, o estado de seu marido não era o dos melhores: com as costas feridas, ele gemia de dor enquanto o sangue se espalhava pelo chão.

Na escuridão, apenas o reflexo da lanterna nas paredes denunciava a tragédia em curso. A mulher tentava a todo custo estancar o sangramento, mas quanto mais agia, pior a situação ficava. Pálido, Jason tinha uma respiração cada vez mais lenta e um olhar distante. Estava ficando longe de si mesmo.

— Jason, fique acordado! Não me deixe!

Ela tentou tudo que pôde. No fim, ficou sozinha ao lado de dois cadáveres.

Sentada no chão, só tinha forças para chorar. A crise mal havia começado e ela já acreditava que sortudos eram os que morriam cedo. Como ela seguiria? O mundo em frangalhos e ela, viúva e grávida, tendo que seguir só.

Olhou para a arma e, por um instante, pensou em pôr um fim ao sofrimento. Porém, ao sentir a vida que levava no ventre, respirou fundo. Tinha que seguir em frente, tinha que continuar lutando por aquela criança. Mesmo que trêmula e fraca, encontrou forças para se levantar. Quando deu o primeiro passo para deixar aquele cemitério, ouviu uma batida.

Atrás do balcão, onde o velho jazia sem vida, havia uma porta. Por um momento, Sarah acreditou que aquele barulho fora fruto de sua mente perturbada. No entanto, bastou mais um instante para que o som se repetisse. Atrás da porta, ouviu uma voz infantil:

— Vovô? Você está bem?

Engolindo em seco, a mulher teve que encarar mais uma vez o horror que havia acontecido ali. Mantendo o silêncio, ouviu a criança falar mais uma vez:

— Vovô?

Havia medo naquela voz ingênua. Sentindo as forças irem embora mais uma vez, Sarah vomitou próximo ao cadáver do marido. Perguntou a si mesma se aquilo não era o inferno invadindo a Terra.

Respirando fundo, tomou uma decisão. Afastou os cadáveres e os colocou embaixo de uma lona que havia nos fundos da loja. Em seguida, aproximou-se da porta.

— Olá — disse de forma insegura, pensando nas palavras enquanto as sílabas saíam da sua boca. — Aconteceu uma coisa. Eu... Eu não sei explicar.

Ouviu a porta ser destrancada. Em um movimento lento, a maçaneta girou e a porta se abriu. Do outro lado, ali estava uma menininha de no máximo oito anos. O vestidinho rosa e o cabelo amarrado de forma infantil contrastavam com seus olhos tristes e cansados.

— O que houve? Cadê o vovô?

— Ele... — Sarah começou a falar, mas foi interrompida por lágrimas. Olhou na direção onde havia deixado os cadáveres e, voltando a encarar a criança, respirou fundo uma última vez antes de contar a verdade. Ou quase isso. — Ele foi atacado por homens maus, minha criança. Eu tentei salvá-lo, mas ele não resistiu.

— O quê?

Os olhos da garotinha se encheram de lágrimas e ela fez menção de procurar o corpo do avô. Antes que andasse, porém, ela foi parada pelos braços acolhedores de Sarah. Prendendo a menina num abraço, a mulher disse:

— Ele está num lugar melhor. Qual o seu nome?

A criança tentava se soltar, mas sua força era insuficiente. Desistindo de se debater, respondeu:

— Jessica.

Sarah interrompeu o abraço, mas manteve as mãos afagando os ombros da pequena Jessica.

— Lindo nome, Jessica. Eu me chamo Sarah. Antes de partir, seu avô me fez um pedido.

Se antes a criança buscava o avô com os olhos, desviando de todos os olhares de Sarah, ela agora encarava fixamente a mulher.

— Qual?

— Ele pediu para que eu não te deixasse só. Queria que eu cuidasse de você.

Jessica engoliu em seco. Aquilo parecia algo que seu avô faria.

— E agora?

— Agora nós iremos para um lugar mais seguro. Tenho um carro aqui fora. Podemos encontrar um lugar muito bom para nós duas! — Sarah falava como uma mãe, disfarçando as lágrimas com sorrisos que traziam esperança.

— Certo, mas antes tenho que pegar algo.

A garota então se desvencilhou dos braços de Sarah e correu de volta pela porta que saiu.

Aproveitando a solidão momentânea, a mulher permitiu que a torrente de lágrimas voltasse a imperar sobre seu rosto. Como uma cachoeira, os olhos jorraram a água quente e salgada como se não houvesse amanhã. No entanto, ao ouvir os passos da criança se aproximando, Sarah respirou fundo e retomou a compostura de antes.

Jessica apareceu segurando um unicórnio cor de rosa com uma cauda de arco-íris.

— O presente que o vovô me deu no natal passado — explicou a garotinha.

— É lindo! — Sarah se esforçou para sorrir. — Podemos ir?

— Vamos.

Sarah e Jessica deram as mãos e saíram da loja.


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Notas finais do capítulo

Este breve conto nasceu de uma sessão de RPG com amigos. Espero que tenha gostado da leitura. Não esqueça de deixar um comentário :D



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