Linked Together escrita por Ginty Mcfeatherfluffy


Capítulo 1
Capítulo 1




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Começa com ausência e desejo

 

Começa com sangue e medo

 

Começa com uma descoberta das bruxas

 

 

Todos nós somos um emaranhado de ideias, vontades, emoções, esperança. Combinação perigosa, eu diria, gera um poder inimaginável que apenas aqueles muito ousados saberiam como administrá-lo. Os ousados costumam ser loucos também, não ligam para as consequências, mas, não é assim que deveríamos todos agir? Ás vezes isso me passa à cabeça, todos são loucos à sua própria maneira.

Nunca me considerei louca, nem ousada, embora em raras ocasiões pude perceber que aquele poder, na maioria das vezes adormecido, é capaz de causar severos danos, se desperto.

Espalhados pelo mundo, há muitos desses loucos, ousados, mas engana-se quem pensa que são meros humanos; Não, são seres muito mais complexos, geniais, fascinantes e perigosos. Vampiros, bruxas, demônios... Espécies diferentes, mas o desejo e a essência são os mesmos.

Conheci pessoalmente alguns desses seres, posso dizer que construímos uma amizade sólida, justamente no momento em que o caos se instaura por entre as instituições que os abrigam, como se não bastasse o perigo que correm diariamente.

Para aqueles conectados a Ciência, mais precisamente a Alquimia, os manuscritos de Elias Ashmole são inesgotáveis fontes de informação, no entanto, um em particular é praticamente inacessível, inclusive para os mais poderosos bruxos, o Ashmole 782. Ele guarda métodos de como obter a imortalidade, de como criar espécies, bem como aniquilá-las. Evidentemente, este é o artefato mais procurado por essa criaturas e é por isso mesmo que não pode cair em mãos erradas.

Em uma manhã de setembro, recordo-me de estar terminando um de meus quadros, em meu ateliê, na parte mais afastada do centro de Oxford; aquele mês me surpreendia com muitas encomendas, é gratificante constatar que ainda existem apreciadores de arte, de cultura, da tradição – e me pego refletindo sobre isso, por que eu mesma sou tão ligada ao antigo?

Enfim, não é esta a questão, e sim que acabei borrando a pintura, pois uma sensação inusitada tomou conta de mim, apesar de não ser necessariamente ruim, mas me atingiu em cheio, como se algo bastante significativo estivesse ocorrendo ou, prestes a ocorrer, e que traria consequências extremas positiva ou negativamente, disso não tinha certeza.

O sentimento era tão forte que precisei sair, chegava a ser sufocante, e me compelia a seguir um certo caminho, que fiz sem pensar muito. Nunca vim até essa parte da cidade, a não ser que precisasse, a fachada da Biblioteca Bodleiana, agora reparei em sua magnitude; Reparei também – e creio que importava mais que o aspecto do edifício – que parado ali havia mais alguém... Um homem, com seus quarenta e poucos anos, com o semblante tão perplexo quanto o meu. Algo brotou em minha mente, e no mesmo instante, o tal homem olhou pra mim, com as sobrancelhas franzidas, como se me questionasse quanto ao meu próprio pensamento – “Será que ele também está sentindo isso?” – Era isso que me passava pela cabeça, e aquele cara respondeu, assentindo com a cabeça quase imperceptivelmente.

Como se esse pequeno encontro não fosse inusual por si só, nós dois notamos uma jovem acadêmica – ao que parecia – sair do local às pressas. Sua expressão me partiu o coração, e fui ter com ela; pedi licença a sua colega ruiva, que também a abordara, e a levei para longe dali.

— Moça, tá tudo bem contigo? Está pálida... – A questionei, assim que ficamos fora da vista dos curiosos.

Ela engoliu em seco ao me ouvir, mas não respondeu nada, claro que ela não estava em condições de responder perguntas de ninguém; Foi então que vislumbrei uma ferida na palma de sua mão, e assustadoramente, senti uma dor cortante na cabeça... Aquilo não podia estar acontecendo, não era real. Trocamos olhares preocupados, e tomei sua mão, a apertando levemente, a assegurando que ela ficaria bem. – Sabe o ateliê em St. Aldate’s Street? Pode ir lá sempre que precisar, certo?

Reparei que ela meneou a cabeça positivamente e deu um leve sorriso; eu repeti o gesto e a deixei para que seguisse com sua rotina. Logo depois, voltei para a Biblioteca, e a adentrei desta vez; o recinto estava impregnado com um aroma que eu não reconhecia, mas me conectei profundamente com ele. Foi como um transe, e assim que despertei dele, vi que haviam duas pessoas ao meu lado, sorrindo suavemente, envoltas em uma luminosidade magnífica, me olhavam como se aprovassem algo que eu fiz e, me senti bem com aquilo.

Já de volta ao meu ateliê, ouvi batidas na porta, leves, porém, obstinadas; Levantei-me para ver quem era, e sorri ao reconhecer a moça que encontrei mais cedo – Hey! Entre, fique à vontade.

Ela adentrou o cômodo simples, porém, não sentou-se – Quer alguma coisa? Água, chá? – A moça loira, então, pediu uma xícara de chá. – Não nos apresentamos ainda... Meu nome é Diana Bishop, muito prazer.

Já havia ido para a cozinha, a fim de preparar-lhe o chá; e ao ouvi-la, parei à sua frente, sorrindo – Prazer, Diana. Meu nome é Joanne Kingsolver. Daqui a pouquinho trago teu chá.

Voltando a cozinha, tratei de finalizar o preparo da bebida, despejei em uma xícara e entreguei a ela. Pedi que se sentasse e ficasse confortável e, assim que ela o fez, perguntei se estava tudo bem. – Lembra de quando saí da Biblioteca, e você veio falar comigo? Preciso falar com alguém sobre o qua conteceu lá dentro... – Apenas assenti, deixando-a à vontade para prosseguir – Estou fazendo uma pesquisa para uma conferência que será apresentada em novembro, à respeito de Alquimia. E pesquisava justamente sobre Ashmole e seus manuscritos; acontece que quando abri o volume 782, coisas estranhas começaram a ocorrer e, foi assim que aconteceu aquela queimadura – Levei a mão à cabeça assim que a mesma apresentou mais uma vez aquela dor. Precisei fechar os olhos devido a sensação desanimadora de peso em meus ombros e cabeça, e consegui visualizar imagens de um livro, com a ilustração de um bebê, um jarro de vidro transparente o envolvia, assim como folhas e flores. Possivelmente pertencia à tal publicação que senhorita Bishop acabara de relatar, mas como? Imediatamente descrevi a ela o que vi, e ela confirmou, claramente incrédula – Você já conhecia a obra?

— Acreditaria se eu dissesse que não? Porém, sinto que algo liga nós duas a esse livro, Dra. Bishop...

Dias depois, intencionando espairecer um pouco, me dirigi ao Brown’s Cafe, onde gosto de me encontrar com amigos; se bem que na hora, não havia nenhum. Dando uma “escaneada” no local, avistei Diana em uma das mesas, certamente realizando alguma pesquisa, trabalhando em seu livro. Me aproximei, feliz por vê-la, e relanceei a tela de seu notebook, Matthew Clairmont— acho que li em voz alta, pois ela logo virou-se e encontrou meu rosto. – Opa, desculpa... Deve estar ocupada, vou procurar outra mesa.

A acadêmica me assegurou que estava tudo bem, que eu podia fazer-lhe companhia; Sem fazer barulho, então, sentei-me ao seu lado. E, antes que eu pudesse vocalizar a minha curiosidade sobre quem seria esse Matthew, mais alguém adentra o estabelecimento; o mesmo homem que vi naquele dia. – Alguma coisa interessante?

— Você tá me seguindo? – Demandou Bishop, notoriamente ofendida. 

— Trabalhamos no mesmo lugar, é comum nossos caminhos se cruzarem novamente.

— Mas o senhor nunca pareceu notar sua existência até esse momento, hum, Professor Clairmont.

Retruquei de maneira bem humorada e, logicamente, um silêncio super desconfortável caiu sobre nós, pude ver um meio sorriso em cada rosto, e meu coração disparou quando ouvi as seguintes palavras – Senhorita Kingsolver, presumo. Pode me acompanhar, por favor?

Engoli em seco, relanceando seu rosto, depois o da Dra. Bishop, e o dele mais uma vez antes de respirar fundo e finalmente, segui-lo. Ele me guiou até a praça e indicou um banco para que eu me sentasse, então, começou. – É uma moça bastante inteligente, senhorita. Mais do que isso, você teve a mesma sensação que eu e todas as criaturas obtiveram, não gaste nosso tempo negando... Nos vimos na frente da Bodleiana, ouvi teu pensamento.

Sim, tive aquela sensação, mas do que importava? O que eu poderia fazer? – O Ashmole 782 foi invocado, será mais seguro para Dra. Bishop se ele ainda estiver em poder dela.

Levei uma mão à testa, fechando os olhos

— Isso é uma ameaça? Olha, esse livro, seja lá qual for, está onde sempre esteve, por que não a deixam em paz?

Aquele sorrisinho lateral não abandonava os lábios do homem, e me peguei olhando para eles por mais tempo que devia; claro que eventualmente, desviei o olhar e me acalmei. Ele aproveitou meu silêncio e continuou – É muito louvável tua preocupação com ela, acredite, compartilho dela. Porém, há muito mais em jogo, senhorita Kingsolver.

Pisco algumas vezes, direcionando meu olhar ao chão – O que quer que eu faça?

— Que a proteja, e a previna sobre o manuscrito. – Ele segurou meu queixo, me fazendo reconectar o olhar com o dele – Posso contar com a senhorita?

Assim que meneei a cabeça positivamente, nos apartamos. Voltei para perto de Diana, e a convidei para uma bebida, descrente que fosse aceitar, mas acabou cedendo e fomos ao pub mais próximo. Lá, rimos um pouco e ela me contou sobre suas tias, seus pais, até como eles eram e... Aquela cena na Biblioteca retornou á minha mente: Então, aquele casal aparentemente feliz, e magnificamente iluminado era, na verdade, os pais de Dra. Bishop. E, acho que ela notou minha expressão de surpresa, pois me questionou e, não querendo esconder nada, contei a ela. Me lembro que seus olhos marejaram, e temi que fosse embora, pensando que eu fosse louca e estivesse me aproveitando dela; Mas ela não saiu dali, apenas ficou em silêncio por alguns minutos. – Dra... por favor me desculpe.

— Não precisa mais me chamar assim. – Sua voz estava embargada, logicamente, mas mantinha a simpatia de uma profissional acadêmica. O resto da noite fora divertido, conversamos sobre assuntos menos dolorosos, ou saudosos.

Na manhã seguinte, ao fazer minha caminhada, nem me ocorreu passar pela Bodleiana, porém, o destino sempre possui outros planos. Deparei-me com Professor Clairmont, elegantemente vestido e com seu característico ar misterioso, austero; nos cumprimentamos normalmente – se é que havia alguma normalidade naquilo tudo – e ele sugeriu que entrássemos, pois ele gostaria de fazer algumas perguntas e terminar uns estudos a respeito de Lehninger. Não havia razões para declinar de seu convite, nem para ser grosseira, então o acompanhei até a Biblioteca. Notei alguns olhares curiosos, certamente direcionados ao bioquímico, por isso não me preocupei; o que me deixava realmente desconfortável era o olhar do próprio Clairmont.

Respondi grande parte do questionamento a que fui submetida, e não deixei de fazer o meu; No entanto, suas palavras foram entrecortadas por passos e vozes pertencentes a três pessoas.

— Ele já colocou em seus pedidos. Esses também são, entregue-os a ele.

— Claro – Essa voz eu conhecia, amigável e sincera, Sean.

— Oi, o que está havendo? – Doutora Bishop... Esse dia está cada vez melhor.

O bibliotecário a informou que um cientista resolveu honrar a Bodleiana com sua presença, e que infelizmente, solicitou a bancada que Diana costumava sentar-se. A historiadora deixou claro seu descontentamento – tanto que eu poderia até jurar que vi um feixe de luz emanar de seu corpo – mesmo assim, fez seu caminho até nós enquanto Sean dispunha os pedidos de Clairmont sobre a mesa.

Tão logo o rapaz se retirou, a loira se aproximou, visivelmente à contragosto e tratou de depositar suas coisas acima da escrivaninha. Os colegas se cumprimentaram friamente e a recém-chegada direcionou seu olhar a mim. – Bom dia, Joanne, é bom vê-la aqui.

— Oh, bom dia, Diana! – Dei um risinho e enfatizei seu primeiro nome, já que não nos tratamos mais com tanta formalidade.

— Também é bom ver que tinha companhia, espero não estar incomodando vocês.

Minha resposta a esse comentário descabido foi franzir meus lábios, enquanto o homem ao meu lado virou uma página de seu livro, tão natural e sardonicamente que me fez dar um risinho, de escárnio, desta vez. A tensão na sala Duke Humfrey era palpável, eu quase podia ouvir os pensamentos de ambos, podia sentir o cheiro de coisas indefiníveis emanando desses dois e de alguma forma, podia suspeitar que tinha muito mais a ver comigo do que eu imaginava.

Consegui duas informações: Matthew Clairmont era um vampiro, e Diana Bishop, uma bruxa, e sinceramente... Achei aquilo muito bacana! De verdade, mal podia disfarçar minha animação, mas não queria que a pesquisadora ficasse desconfortável por conta disso, afinal... Ela evitava a qualquer custo sua herança mágica.

O fato é que outras bruxas e outros vampiros, juntamente com pessoas comuns lotavam a biblioteca – era como se estivessem vigiando algo, ou alguém – e, sendo honesta, aquilo me causou um arrepio na espinha, e aquela dor na cabeça retornava. Bem que eu suspeitava que não estávamos a sós neste mundo; Quero dizer, o universo é amplo demais para os humanos sem graça que somos. Porém, naquele local, muitos seres diferentes e nem tão pacíficos rondavam, direcionavam seus olhares hostis para nosso pequeno grupo. Tentei puxar assunto com Diana, de verdade, no entanto ela não queria saber de conversa, e fazia um grande esforço para concentrar-se no trabalho; Mas foi Clairmont que, depois de alguns comentários sobre – justamente – as bruxas que abarrotavam o recinto, ela simplesmente fechou o computador.

— Dra. Bishop, espera aí... – Fiz menção de segui-la, porém Matthew segurou meu cotovelo, movendo-se de seu assento tão depressa que entonteci. Tencionando me libertar de seu aperto, acabei jogando-o para longe e reparei que minhas mãos cintilavam; Aturdida, minhas pernas conseguiram impulso apenas para ver como estava o vampiro. Lágrimas brotavam de meus olhos. – Matthew, Matthew, me perdoa!

As feições do vampiro eram de puro espanto, dor e algo mais que não consegui discernir, e nem queria. Um fio de voz ordenou para que eu fosse atrás de Diana, e assim o fiz; Não esperava, porém, topar com aquela ruiva novamente. Algo nela fazia meu sangue ferver. – Aquele era um vampiro.

— Sim. – Dissemos em uníssono, enquanto eu ergui uma sobrancelha, a encarando. Acho que ela se chamava Gillian, não era difícil perceber que Bishop ficava desconfortável com a presença tóxica dela. Seu olhar atirou facas afiadas e geladas em minha direção, até dirigi-lo na pesquisadora ao meu lado novamente e perguntar o que Matthew fazia na biblioteca; deixei que Diana respondesse e, por fim, guiei a bruxa para longe daquela mulher. – Ela é uma bruxa também?

Vi sua testa vincar ao me mirar, uma questão pairava acima de sua cabeça, ou várias. Respondi as perguntas silenciosas dela, pacientemente. – Sim, sei que você é uma bruxa, que Clairmont é um vampiro e tudo mais, só não sei porque tantos seres estão sempre lotando a Bodleiana.

— Aquele livro que lhe falei, Joanne, lembra? Há algo nele que os atrai. Depois que o abri, coisas aconteceram...

— Notei isso também. Mas não se preocupe, certo? Estarei aqui com você.

Já era noite e eu estava a caminho de meu estúdio na St. Aldate’s Street, pois queria pintar um pouco antes de voltar para casa. A arte sempre me ajudava a clarear a mente e ver as coisas numa perspectiva diferente; aquele incidente na Bodleian não fora por acaso, com certeza. Fui procurar a chave na bolsa, e senti algo frio na nuca, e o pior... podia farejar alguém perigosamente próximo a mim, alguém que podia ser ameaçador. – M-Matthew? O que...?

— Gostaria de conversar com você, sobre o que aconteceu mais cedo. Acho que não vai se importar. – Claro que me importaria, nem sei como fiz aquilo e não estava disposta a retomar esse episódio. Engoli em seco e minha expressão deixou transparecer minha resposta. Um sorriso lateral e sinistro surgiu nos lábios finos do vampiro, iniciaríamos uma longa discussão que poderia gerar consequências ruins, não fosse uma mão vindo de encontro a minha boca.


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