A Song of Kyber and Beskar escrita por Gabi Biggargio


Capítulo 7
Capítulo VI - O conde de Serenno


Notas iniciais do capítulo

Voltei, meus amores ♥

No capítulo de hoje, vamos contar com a ilustríssima presença do conde Dookan hahahaha

Espero muito que gostem ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/798716/chapter/7

Talvez Serenno não fosse o planeta mais visivelmente atraente ao se sair do hiperespaço. Em geral, nessas condições, os viajantes encontravam um planeta com montanhas e florestas frias que davam à sua superfície um aspecto cinza e sem vida. Mas, claramente, essa era uma primeira-impressão muito equivocada: Qui-Gon se lembrava muito bem da primeira vez que estivera no local, quando era apenas um Padawan, durante o colorido e alegre Festival do Solstício de Verão (na verdade, lembrava-se muito pouco, exceto por toda a bebida e toda a comida que consumira e dos vômitos embriagados que se seguiram no pós-festa).

— Já esteve em Serenno antes, Satine?

— Nunca, mestre Qui-Gon – ela respondeu. – É a minha primeira visita.

O navegador da nave os direcionou para o lado ensolarado do planeta e, assim que entraram na atmosfera, eles puderam ver o nascer do sol. Um lindo nascer do sol que contornava montanhas e pinheiros e tingia o céu de laranja. Uma vista apaixonante e que de nada lembrava a imagem cinzenta e nada convidativa que eles haviam visto do espaço.

Assim que passaram por cima da montanha, seu destino se tornou visível. Na face menos íngreme de um grande penhasco e cercado por três suntuosos jardins, o castelo da família do Conde Dookan se erguia como um refúgio entre as montanhas. Um local claramente pacífico e de muito silêncio. Enfim... sereno. Ao fim de uma curta estrada manualmente pavimentada que, cercada por duas filas de obelisco, ligavam a torre principal do castelo e a pista de pouso, uma figura humanóide os aguardava.

Obi-Wan, de posse dos controles da nave, baixou-a lentamente no ar até que, por fim, tocaram o solo.

Os três deixaram a nave simultaneamente, descendo pela rampa, com Qui-Gon à frente. O homem que os aguardava caminhava ansioso em direção a eles. Tinha uma certa idade, com os cabelos brancos começando a predominar sobre os fios pretos. Mas o que mais chamava a atenção nele era o seu sorriso, uma amostra de sua genuína felicidade em ver seu tão querido aprendiz após tantos anos.

Qui-Gon, muito solene, fez uma reverência quando chegou próximo a ele. Os dois se olharam por alguns instantes antes que, por fim, o Conde Dookan puxasse o Jedi para um apertado abraço.

— É bom ver você de novo, mestre.

— Não precisa me chamar assim – disse Dookan, amistosamente. – Eu não sou mais seu mestre. Nem mesmo sou mais um Jedi. Aqui, estamos entre amigos!

— É claro que sim – respondeu Qui-Gon. – Creio que se lembra de Obi-Wan?

— É claro que me lembro! – disse o conde, virando-se para o aprendiz enquanto esse também lhe fazia uma educada reverência. – Você cresceu bastante, meu jovem. A última vez que te vi, você era apenas um Iniciando e nem sequer tinha o seu próprio sabre de luz. Com quantos anos vocês está?

— Completei vinte e quatro no último mês – respondeu Obi-Wan, adiantando-se. – Infelizmente, eu não posso dizer que me lembro do senhor, conde. Como você bem pontuou, eu era bem jovem. Mas é uma honra finalmente poder te conhecer. Mestre Qui-Gon fala muito bem do senhor. E com muito carinho e admiração.

Emocionado, Dookan olhou para seu antigo Padawan, como se não merecesse tanto respeito.

— E essa é Satine Kryze – adiantou-se Qui-Gon, fazendo um gesto com a mão, indicando a moça. – Duquesa de Mandalore.

Dookan, imediatamente, voltou-se para ela, tomando a mão da jovem e depositando um beijo em seu dorso.

— Seja bem-vinda à Serenno, Duquesa – ele disse. – Minha humilde casa pode não estar à altura do luxo e do conforto dos palácios mandalorianos, mas espero que seja de seu agrado e que sua estadia possa ser confortável e cheia de tudo de bom o que meu amado planeta possa lhe oferecer. É uma honra, um prazer e um privilégio poder recebê-la.

— Eu fico imensamente grata pela hospitalidade e pela generosidade, Conde Dookan – Satine retribuiu o conde com o mesmo tom de voz pomposo, mas lhe lançando um sorriso amigável. – Tenho certeza que tudo o que possa me oferecer será de meu agrado. Muito obrigada por ceder seu espaço e seu tempo para me receber nesse momento tão delicado para mim e para o meu planeta.

A resposta, apesar de elaborada, saiu dos lábios de Satine com fluidez e naturalidade, deixando Qui-Gon e Obi-Wan impressionados com a desenvoltura dela enquanto política. Quantas aulas de etiqueta alguém da nobreza precisava ter para conseguir manter uma conversa nesse tom?

— Por favor, venham comigo – orientou Dookan. – Meus droides irão cuidar das malas de vocês. Quero mostrar seus aposentos. Imagino que devam estar cansados da viagem e queiram um tempo para descansar.

E, assim, conforme um grupo de droides adentravam a nave, os três começaram a seguir o conde pela estrada de pedra em direção ao castelo, ansiosos por um banho quente, uma boa refeição e um merecido descanso que lhes fizessem esquecer, mesmo que por algumas horas, do caos que viveram nos últimos dias.

 

Quanto Satine saiu do banheiro, enrolada na felpuda toalha que encontrara em seu interior, suas malas já haviam sido levadas ao seu pomposo quarto. Com os cabelos ainda levemente úmidos, ela se vestiu antes de, por fim, secá-los. Um fato era que havia uma certo prazer na liberdade de não ter suas damas de companhia seguindo cada movimento de sua sombra, mas Satine lamentava que os anos ao lado delas a fizera perder um pouco da prática de se arrumar sozinha. Nada que ela não pudesse adquirir sozinha novamente com um pouco de tempo.

Finalmente apresentável, ela deixou o seu quarto, tentando se lembrar do caminho que fizera. Sabia que poderia achar o escritório do Conde Dookan (onde haviam combinado de se encontrar) sozinha se chegaasse o hall de entrada. Afinal, o castelo não era tão grande e não deveria haver muitas direções a serem tomadas.

A Duquesa desceu as escadas no fim do corredor (após passar por dezenas de quadros de diversas épocas, um sinal claro de que o conde era um nato apreciador de arte) antes de, por fim, chegar ao hall de entrada. Lá, ela passou a ouvir vozes, as quais seguiu por uma porta lateral. Conforme se aproximava de sua origem, a jovem começou a conseguir distingui-las. Mestre Qui-Gon e Conde Dookan estavam conversando.

— Eu entendo perfeitamente que o posicionamento da Duquesa possa inflamar os sentimentos de alguns mandalorianos mais apegados às tradições – Satine ouvia a voz de Dookan por trás da porta. – Ela é uma progressista e mudanças tão radicais como as que ela propõe, apesar de necessárias e bem intencionadas, podem ser recebidas com muita resistência e aversão em um primeiro momento. Mas eu não entendo o que o Conselho viu nessa situação toda a ponto de achar que os Jedi devessem se envolver. Dos meus tempos de mestre do Conselho, não me lembro de muitos casos assim. De forma geral, assuntos locais eram tratados de forma... bem... local.

— Isso também me deixa confuso – Satine ouviu Qui-Gon responder. – A verdade, é que acredito que minha visão não esteja sendo imparcial. Nos últimos meses, venho enfrentando alguma represália do Conselho e acredito que o meu julgamento possa estra um pouco obnubilado pelos meus sentimentos.

Dookan riu.

— Então, você continua o mesmo, não é? – ele perguntou. – Não que eu queira lhe fazer uma crítica. Longe disso! No seu caso, a sua rebeldia sempre foi uma das maiores virtudes. O Conselho tem se perdido demais em sua própria soberba e são mentes como você que podem... algum dia... talvez... abrir os olhos deles.

— Virtude? – questionou Qui-Gon. – Se me lembro bem, o senhor era o primeiro a me repreender pelos meus atos de rebeldia.

— O que esperava? Eu mesmo era um mestre do Conselho. Eu tinha superiores a quem obedecer e agradar. Mas, não mais. Sair da Ordem foi uma das melhores coisas que fiz. Foi o que me permitiu ter uma visão mais distante de todas as falhas que os mestres estão perpetuando nas novas gerações de Jedi. Uma verdadeira lástima.

Houve um rápido instante de silêncio, antes que Qui-Gon continuasse.

— De qualquer forma, mestre Yoda mencionou sentir uma movimentação do lado sombrio nessa questão em Mandalore. Depois de meus últimos problemas com o Conselho, acho que eles não confiaram em mim o suficiente para me dar detalhes, mas com certeza querem um Jedi em campo para inspecionar.

— Acho engraçado enviarem você – rebateu Dookan. – Isso é trabalho para um Sentinela.

— Concordo – pontuou Qui-Gon. – Mas, segundo mestre Plo, essa missão está servindo como um teste para avaliar se continuo sendo merecedor de estar na Ordem.

O som que Dookan emitiu deixava mais do que claro a sua indignação.

— Mas que falta de respeito – ele murmurou. – Você é um dos Jedi mais brilhantes que já conheci, meu caro amigo. Diferente daqueles esnobes no Conselho, você é o que mais se mantém no caminho certo e honra o que um verdadeiro Jedi deve ser. E, se me permite uma opinião muito pessoal, eu acho que depois dessa afronta, você deveria se retirar da Ordem por conta própria, como eu fiz. Você tem potencial de ser um homem formidável, mas não precisa do Conselho como coleira. Eles não merecem você, Qui-Gon. Nunca mereceram e nunca irão merecer!

— Eu agradeço que tenha essa visão de mim – Qui-Gon respondeu lisonjeado. – E, sinceramente, eu penso em me retirar da Ordem já faz um tempo. Mas, infelizmente, não é a hora. Não poderia abandonar Obi-Wan agora que ele está tão perto de passar pelos Testes.... inclusive, antes de sermos enviados para Mandalore, eu estava prestes a preencher os documentos para isso... Seria injusto e cruel da minha parte e eu jamais conseguiria fazer isso com ele, que sempre foi um aprendiz tão bom e leal. Mas, assim que ele for nomeado cavaleiro, eu pretendo ir me desligando da Ordem. Aos poucos. Não quero que minha saída seja da mesma forma brusca e chocante que foi a sua.

Juntos, os dois homens riram.

“Eu também gosto de ouvir conversas atrás das portas de vez em quando.”

Horrorizada e com seu coração, Satine emitiu um grunhido e se virou com seu coração disparando em seu peito ao ouvir essas palavras, sussurradas a pouquíssimos centímetros de sua orelha.

No corredor, logo ao lado dela, Obi-Wan não conseguia conter o riso.

— Você... quase... me... matou... de susto! – Satine intercalou cada palavra com um tapa no ombro do Padawan, que não conseguia parar de rir.

— Me desculpe, alteza – ele disse, fazendo uma desajeitada reverência para ela. – Não consegui me conter.

Mas a risada de Obi-Wan era contagiante e, em questão de alguns instantes, Satine estava rindo com ele.

— Venha logo – ela disse. – Estou com fome e não queria esperar mais.

Juntos, os dois avançaram alguns poucos metros e entraram no amplo e imponente escritório de Dookan, admirando-se, por alguns segundos, com a maravilhosa vista que a imensa janela atrás da mesa central fornecia do vale no fim do penhasco.

— Ai está ela – Dookan se virou, sorrindo para Satine, mudando seu tom de voz para um com uma alegria enérgica com a facilidade de um ator. – Nossa convidada de honra! Venham todos. Pedi que os droides preparassem o melhor café da manhã ao estilo de Serenno para vocês.

 

O Jedi, calmamente, colocou o comunicador no centro do chão do quarto que lhe fora designado no castelo. Ele respirou fundo uma única vez, tentando se preparar para mais uma conversa com o Conselho, antes de utilizar a Força para acionar o aparelho. Em instantes, os hologramas de mestre Yoda e de mestre Windu se materializaram à sua frente, em tamanho real.

— Recebi a mensagem de vocês, mestres – disse Qui-Gon. – Gostariam de falar comigo?

— Informações sobre Hoovar, para lhe passar, temos – começou Yoda. – Poucas, infelizmente.

— O homem é um fantasma – continuou mestre Windu. – Já esteve detido em cinco prisões da República na galáxia e fugiu de todas elas sem deixar rastros. Em todos os casos, havia sinais de arrombamento, todos os seguranças e os outros presos foram mortos e todas as câmeras foram desligadas, o que claramente sugere auxílio externo.

Qui-Gon pensou por um instante, resgatando memórias.

— Eu acho que me lembro de já ter ouvido algo assim – ele disse. – Um desses casos foi no complexo correcional de Dubrava, há uns... quatro ou cinco anos?

— Precisamente, mestre Qui-Gon – Yoda confirmou. – Sobre associações criminosas de caçadores de recompensas, questionamos mestre Vos. Já ter ouvido falar de algo assim, ele nos contou.

— Ele disse já ter ouvido falar de uma associação de caçadores em uma de suas missões em Nevarro enquanto investigava um caso de tráfico de escravos – mestre Windu explicou. – Nós o enviamos para lá para tentar descobrir alguma coisa.

— Excelente – disse mestre Qui-Gon.

— Que traga Hoovar vivo para Coruscant, é de extrema importância, mestre Qui-Gon – insistiu Yoda. – Se uma liga de caçadores ele chefia, muito mais crimes podem ser descobertos em seu interrogatório. Muito a revelar, ele tem.

Qui-Gon fez uma reverência.

— Será feito, mestres – ele disse. – Entrarei em contato com mestre Vos assim que possível. Que a Força esteja com vocês.

— Que a Força esteja com você – Yoda e mestre Windu repetiram simultaneamente.

No instante seguinte, os hologramas se desfizeram.

 

— Então, você sempre quis ser um Jedi? – perguntou Satine.

O fim de tarde em Serenno fazia jus ao seu nome. Tranquilo e silencioso, exceto pelos sons dos pássaros, que ainda transitavam entre as árvores. Nos jardins, a vista do penhasco era fenomenal, sendo possível observar o vale com a luz alaranjada dos poucos saios de sol que conseguiam contornar às montanhas. E a Duquesa de Mandalore não podia deixar de ter aquela experiência.

Obi-Wan, logo atrás, vinha em silêncio, apenas atento a potenciais perigos. A pergunta de Satine o retirou de seu estado de alerta rapidamente.

— Como?

— Quando você decidiu que queria ser um Jedi? – ela perguntou.

A resposta do aprendiz foi imediata.

— A verdade é que eu não tive muita escolha... – ele disse. – Eu devia ter uns três anos quando a Ordem me identificou como um sensitivo à Força e me levou para ser treinado no Templo. O que já é bastante tarde, já que a maioria dos Iniciandos são identificados e trazidos à Coruscant antes de completarem um ano.

Satine se virou para trás, olhando-o espantada.

— Mas isso é um horror! – ela deixava seu choque estampado em cada uma de suas palavras. – Tiram você de suas famílias sem esperar que tenham idade pra decidir por si só?

— Sim – confirmou Obi-Wan. – Mas as famílias ainda tem poder de decisão, embora a maioria entenda que a sensibilidade à Força é um dom raro e que pode ser desenvolvido para benefício da galáxia. Em geral, a Ordem recebe poucos “nãos”.

A jovem ainda não parecia convencida.

— Mas e quanto à opinião de vocês?

— Isso não é tão relevante – respondeu Obi-Wan.

— Como não? – Satine o questionou completamente indignada, quase como se Obi-Wan tivesse feito um ataque pessoal a ela. – Vocês não têm poder de decisão quanto ao que querem fazer com a própria vida? De decidirem por si mesmos? Isso é... isso é... – ela gaguejava, tentando encontrar as palavras certas para expressar sua indignação.

— Mais normal do que você pensa – Obi-Wan a ajudou em sua tarefa de terminar a frase, mas não da forma como Satine planejava. – É o seu caso também, Satine. Você nasceu na realeza. Alguma vez te perguntaram se queria ou não ser a governante de Mandalore? Acredito que não. Muito pelo contrário. Eu apostaria que todos ao seu redor sempre lhe educaram no sentido de que ser Duquesa era um dever a ser cumprido, não é? O mesmo conosco. No Templo, somos educados desde pequenos para entender nossa sensibilidade à Força como um dever que temos a cumprir com a galáxia. Mas nós podemos mudar de idéia. Durante toda a nossa educação, somos informados da possibilidade de deixar a Ordem, se assim quisermos. É o caso do próprio Conde Dookan, por exemplo. Embora o caso dele tenha sido um pouco mais traumático...

— Por quê?

— Porque ele era um mestre do Conselho – explicou Obi-Wan. – Existe uma lista interminável de Jedis que deixaram a Ordem ao longo da história, mas não de mestres. O conde foi o vigésimo mestre a deixar a Ordem. E... digamos... não foi uma saída amigável. Houve desentendimentos, brigas, acusações dos dois lados... Eu não me lembro muito porque era bem novo, mas por um bom tempo tudo isso foi o único assunto no Templo.

Satine se calou, incapaz de rebater àquilo. Talvez, o aprendiz estivesse certo. Havia imposições, sim. Deveres a serem cumpridos. Mas havia liberdade também. Assim como os Jedi podiam abandonar a Ordem, ela podia renunciar, se quisesse. Embora jamais fosse fazer algo assim. Seria uma traição indescritível. Bo-Katan teria toda a razão do mundo em lhe acusar disso se fosse o caso.

— Você não precisa andar atrás de mim como um empregado – ela respondeu.

Obi-Wan olhou surpreso para ela, que lhe fez um sinal com a cabeça. Imediatamente, o rapaz apertou o passo por alguns segundos antes de estar lado a lado com ela, caminhando pelos jardins.

— Você nunca imaginou como seria a sua vida se não fosse um Jedi? – Satine perguntou. – Ou se deixasse a Ordem?

— Na verdade, eu já quase deixei. Em termos...

A Duquesa o olhou surpresa e Obi-Wan soube que era queria detalhes.

— Vou resumir e dizer que eu não fui o Iniciando mais dedicado e comportado que o Templo já teve – ele se explicou e Satine riu. – Eu era muito bom, mas não tinha o melhor perfil para atrair um Jedi que quisesse me treinar. Quando eu fiz treze anos, nenhum Jedi havia dado indícios de que me queria como seu aprendiz, então fui enviado para trabalhar na Corporação Agrícola, em Bandomeer. Mas a Força agiu de forma bem misteriosa e, não muito tempo depois, mestre Qui-Gon foi enviado em missão pra lá e nós acabamos tendo que trabalhar em conjunto. Depois disso, ele acabou me aceitando como seu Padawan.

— Então, você quase não se tornou um Padawan

— Por muito pouco – Obi-Wan confirmou.

— Mas você ainda não respondeu a minha pergunta – Satine o lembrou.

Obi-Wan engoliu em seco antes de, finalmente, respondê-la.

— Na verdade, eu nunca nem tentei imaginar uma vida fora da Ordem porque não sei o que faria da minha vida – ele disse. – Eu não sou bom em mais nada e tudo o que sei eu aprendi com os Jedi.

— Isso é mentira – disse Satine, apoiando-se em um guarda-corpo de metal e observando o vale à sua frente. – Deve ter mais alguma coisa que você saiba fazer bem além de ser um Jedi.

— Você diz isso porque não conviveu tempo suficiente comigo – ele rebateu e os dois riram. – Posso só te pedir para não comentar sobre essa história com mestre Qui-Gon? Tudo isso traz algumas lembranças um pouco ruins pra ele...

— Claro – Satine aceitou o pedido imediatamente. – Mas por que ruins?

Obi-Wan pensou por alguns instantes se deveria ou não responder aquela pergunta. E, se fosse responder, se era mais fácil falar uma mentira do que expor a verdade. No fim, optou pela verdade. Atenuada, mas, ainda assim, a verdade.

— Mestre Qui-Gon foi enviado para Bandomeer para investigar uma situação que, no final se revelou uma armadilha de um antigo aprendiz para matá-lo – respondeu Obi-Wan. – Então, esse não é o tipo de assunto do qual ele goste de comentar, entende? Mesmo entre nós, esse assunto ainda é um tabu que preferimos fingir que não existe.

— Bem, obrigada por compartilhar isso – disse Satine, verdadeiramente grata pela confiança. – Mas, quanto a mim, pode ficar tranquilo. Minha boca é um túmulo.

— Obrigado – ele respondeu prontamente. – Mas e você? Já pensou em abdicar do trono?

Satine, novamente, olhou para ele horrorizada.

— Jamais! – ela respondeu de forma enérgica.

— Me desculpe, Duquesa – Obi-Wan voltou a assumir uma postura mais cordial, mantendo-se parado atrás dela, próximo ao guarda-corpo de metal, da mesma forma que estava antes. – Não quis ofendê-la. Apenas quis saber se também já tinha imaginado uma vida fora de seus deveres na realeza. Devo ter expressado mal a minha pergunta.

— Não ofendeu – Satine tentou se corrigir, assumindo um tom levemente mais suave, ao perceber o equívoco que havia cometido. – Mas não. Eu nunca pensei. Por mais que existam algumas dificuldades, aquele trono é um dever que eu tenho com meu planeta. Abandoná-lo seria a maior vergonha que eu consigo imaginar.

Diante daquele momento tão delicado que acabara de se desenvolver, Obi-Wan ouviu a resposta da Duquesa e se manteve em silêncio. Um silêncio no qual Satine usou quase que integralmente para lamentar, silenciosamente, seu péssimo temperamento que a fez explodir antes mesmo de pensar em outras possíveis interpretações para a pergunta do Padawan.

 

“Concentre-se”, a voz de Qui-Gon ecoou em sua cabeça. “Sinta o ambiente ao seu redor. O que você vê?”

Tentando ao máximo esvaziar a sua mente, Obi-Wan concentrou-se, tentando ouvir os sussurros da Força. E, aos poucos, tudo começou a se manifestar ao seu redor. Cada uma das milhares de formas de vida presentes nos jardins de Serenno, ao seu redor, explodindo em sua mente como centenas de sensações e emoções distintas. Cada árvore, cada inseto, cada folha seca caída ao chão arrastada pelo vento.

— Eu sinto... tudo...

“Agora, quero que saia do jardim”, Qui-Gon o orientou. “Me diga... Onde Satine está no castelo?”

Como se saísse de seu corpo, Obi-Wan conseguiu se afastar dos jardins. Ele não tinha uma ampla visão do castelo, mas conseguia sentir cada detalhe de seu exterior. Era como se a Força pintasse um quadro de sensações e como se, apenas meditando, ele conseguisse interpretá-lo.

Mas a periferia do quadro estava borrada. Longe dos jardins, seus sentimentos eram nebulosos. Dentro do castelo, principalmente. Um imenso borrão de sensações as quais ele não conseguia identificar ou traduzir.

— Eu não sei, mestre – ele respondeu, honestamente.

“Abra os olhos”, Obi-Wan conseguia ouvir o desapontamento na voz de seu mestre.

O aprendiz obedeceu. Qui-Gon estava parado ao seu lado, olhando-o com seriedade.

— O que está acontecendo agora?

— Eu não sei, mestre.

— Pare de mentir pra mim – disse Qui-Gon. – Em Sundari, você conseguiu sentir o perigo iminente e só por causa disso, a Duquesa está viva. Porque conseguiu lá e aqui não?

— Eu não sei, mestre! – o aprendiz insistiu.

Qui-Gon parecia impaciente. Poucas vezes na vida Obi-Wan o vira dessa forma.

— Você está deixando seus sentimentos pessoais interferirem na sua percepção – disse Qui-Gon. – E isso não foi uma pergunta – ele acrescentou no momento em que Obi-Wan abriu a boca para protestar. – Algo está te preocupando e isso tem te bloqueado. O que aconteceu em Sundari para que você conseguisse e aqui não?

O rapaz, então, tentou se lembrar do momento. Logo após o ataque à Satine na pedreira. Estava tentando dormir, mas a sua frustração consigo mesmo lhe impedia de descansar. Foi quando decidiu meditar. Provar para si mesmo que era capaz.

— Eu estava com raiva de mim mesmo, mestre – confessou Obi-Wan. – Eu estava me questionando como poderia me tornar um bom Jedi se não fui capaz de perceber o ataque à Duquesa na mina de beskar, como você percebeu. Estava pensando em como teria fracassado na missão se estivesse lá sozinho por não ter a mesma capacidade de percepção que você.

Houve alguns instantes de silêncio entre os dois. Envergonhado, o aprendiz baixou a cabeça, incapaz de olhar seu mestre no rosto. Até porque ele sabia muito bem que seu mestre o encarava. Conhecendo-o como o conhecia, Obi-Wan sabia que havia preocupação e pena no olhar de Qui-Gon. E nada na galáxia o deixava mais constrangido do que esse olhar.

— Se importam se eu tentar?

Os dois levantaram o olhar. Dookan estava no alto de um guarda-corpo de pedra nos jardins observando os dois com atenção e curiosidade.

— Como, mestre?

— Se importam se eu tentar? – o homem repetiu. – Conduzir a meditação?

— De forma alguma – respondeu Qui-Gon.

Obi-Wan, crente de que sua opinião não era necessária, manteve-se quieto.

— E você, meu jovem? – Dookan insistiu. – Eu posso?

O Padawan o olhou surpreso.

— Eu...? – o aprendiz questionou, curioso e surpreso por ter a sua opinião considerada nesse assunto.

— Mas é claro – disse Dookan, descendo os degraus da escada lateral à varanda que estava, caminhando suavemente em direção aos dois. – Eu vou ter acesso à sua mente. Seria de extrema deselegância fazer isso sem a sua permissão. E não se sinta forçado a dizer sim. Você acabou de me conhecer e vou entender perfeitamente se não confiar em mim pra ter um acesso tão íntimo à sua mente. Eu posso?

Um pouco surpreso com a delicadeza de seu anfitrião, Obi-Wan apenas fez que sim com a cabeça.

— Excelente – Dookan lhe sorriu amigavelmente. – Agora, feche os olhos, meu jovem.

Obi-Wan o obedeceu.

“Concentre-se nos seus sentimentos”, a voz de Dookan ecoou em sua mente.

Aquilo era novo... Qui-Gon sempre o orientava a se concentrar no exterior, mas Dookan lhe mandava ao seu interior. Uma abordagem diferente, sim. Mas se a abordagem de Qui-Gon não estava funcionando, por que não tentar algo novo?

Imediatamente, Obi-Wan obedeceu.

E havia luz. Uma pequena e insignificante luz envolta em trevas. Uma treva opressora que o envolvia e o diminuía. Que fazia seu coração acelerar. Que o deixava alerta diante do perigo iminente. Que fazia a sua pele congelar e todos os pelos de seu corpo se eriçarem de pavor. Que fazia um calafrio interminável percorrer a sua espinha, congelando cada músculo de seu corpo.

“O que você vê?”

— Ansiedade – respondeu Obi-Wan, quase que involuntariamente, entregando seus mais íntimos sentimentos de forma tão aberta aos dois homens que o assistiam. – Medo. Insegurança.

“E por que sente isso?”

— Por que eu não me sinto pronto.

“Pra quê?”

— Para os Testes – ele respondeu.

Não... não... não! O que estava acontecendo?!

As palavras saiam de sua boca no exato momento em que se formavam em seu cérebro, incapaz de filtrá-las antes de as exteriorizar. O que diabos Dookan estava fazendo com ele?

“E por que isso está te incomodando agora?”

— Porque eu ouvi mestre Qui-Gon conversando com mestre Windu – Obi-Wan respondeu. – Ouvi ele planejando realizar meus Testes em breve.

“Você está com medo dos Testes?”

— Em parte.

“E do que mais?”

— Da minha responsabilidade como Jedi – ele confessou, incapaz de controlar as suas palavras. – Se eu já falho às vezes, mesmo sendo supervisionado, tenho medo de falhar quando estiver sozinho. E não ter quem possa me ajudar a consertar o meu erro.”

Havia algo de diferente se formando ao redor da luz. Um tipo diferente de treva. Uma treva que não estava lá poucos instantes antes. Uma treva que surgia juntamente com um aperto no peito e um nó na garganta. Era dor. A dor que sentia ao, finalmente, se livrar de seus demônios pessoais, mas, ao mesmo tempo, machucar seu tão querido mestre, a poucos metros dele.

Conseguia sentir a decepção de Qui-Gon no ar.

“Você se sente pronto para se tornar um cavaleiro?”

— Não – ele respondeu prontamente.

“Por que não?”

— Porque me sinto imaturo – Obi-Wan assumiu. – Sinto que ainda falta muito a aprender. Que não sei nem metade do que preciso para exercer minhas funções.”

“Agora, quero que reúna todos esses sentimentos”, Dookan o orientou. “Faça com que eles assumam sua forma física. Faça com que eles assumam uma forma que possa ser destruída.”

E Obi-Wan obedeceu. Não sabia como fazer aquilo, mas, com Dookan falando em sua mente, tudo parecia tão simples. Simples demais...

Lentamente, toda a treva se aglomerou, assumindo uma forma humanóide.

Do meio desse conjunto, Obi-Wan viu seu mestre se materializar.

“Agora, destrua-o”, disse Dookan. “Livre-se de tudo o que o impede de crescer!”

Incapaz de controlar suas próprias ações, Obi-Wan agarrou seu sabre de luz, ativou-o e golpeou seu mestre. A figura de Qui-Gon à sua frente se dissolveu em poeira no ar no exato instante em que que a lâmina de plasma azul o tocou.

“Levante-se, Obi-Wan Kenobi, futuro cavaleiro da Ordem Jedi.”

Nesse momento, Obi-Wan abriu os olhos.

Estava sentado na mesma posição nos jardins. Dookan estava à sua frente, sorrindo com satisfação.

Mas era a expressão de Qui-Gon que lhe partiu o coração.

O Jedi olhava para seu aprendiz em choque, paralisado, ainda tentando processar tudo o que havia presenciado.

— Pelo menos, o problema foi resolvido – disse Qui-Gon, por fim.

O amargor na voz do homem atingiu o aprendiz com um soco no peito, deixando-o quase sem ar. Um nó se formou na garganta de Obi-Wan, que, secretamente, desejava que Qui-Gon tivesse avançado contra ele e o agredido. Teria sido uma dor menos difícil de suportar.

O Jedi, então, virou-se, voltando pelo pavimento do jardim e se dirigindo ao castelo.

— Mestre! – Obi-Wan o chamou.

O rapaz se levantou e começou a avançar pelo jardim em direção a Qui-Gon, mas a mão de Dookan em seu ombro, segurando-o com força, o impediu.

— Deixe que ele vá, meu jovem – Dookan o orientou. – Ele tem muito o que refletir. E você também.

Com o coração apertado em seu peito, Obi-Wan observou amargurado seu mestre deixar os jardins.

 

O droide bateu à porta, adentrando o cômodo logo em seguida. Ele deslizou com suas rodas por alguns centímetros adentro do grande escritório no palácio de Dookan antes de, por fim, direcionar-se ao seu dono e a Obi-Wan e Qui-Gon, que o acompanhavam.

— A Duquesa Satine, de Mandalore – droide anunciou.

Mas a jovem já estava dentro da sala quando o droide terminou de falar. Dookan sorriu ao vê-la se aproximar e se adiantou para recebe-la.

— Eu lamento ter que chamá-la a essa hora, Duquesa – disse o homem. – Mas nós gostaríamos de conversar algo de grande importância com você.

Ao se aproximar, Satine viu que, ao redor da mesa de Dookan, havia quatro cadeiras. Qui-Gon e Obi-Wan ocupavam duas delas. A única cadeira atrás da mesa ainda tinha o seu estofamento moldado pelo peso de seu dono, que acabara de se levantar. Com as mãos, Dookan indicou a cadeira vazia ao lado de Qui-Gon.

— Por favor, Duquesa, fique à vontade – disse ele.

Foi apenas quando se sentou que Satine notou, em frente à Qui-Gon, uma caixa de metal. Dookan ocupou o seu lugar e, então, todos os presentes olharam para Satine, perfazendo um longo silêncio que a deixou ligeiramente constrangida.

Havia uma tensão no ar. Como se os três homens estivessem temerosos em iniciar uma conversa sobre um assunto muito delicado e que, eventualmente, pudesse deixar de ser uma conversa para se tornar uma discussão.

— Nós estamos enfrentando uma situação muito grave, Duquesa – começou Dookan. – As múltiplas tentativas de assassinar a senhora falam por si só. Felizmente, a Ordem Jedi foi sábia o suficiente para perceber que a sua proteção é uma necessidade e eu fico pessoalmente feliz que esses dois tenha sido os Jedi designados para garantirem a sua segurança. Você pode tê-los conhecido a poucos dias, mas eu lhe dou a minha palavra de que a senhora não poderia estar em melhores mãos.

— Disso eu já me dei conta, conde – respondeu Satine. – Qui-Gon e Obi-Wan já tiveram a oportunidade de mostrar suas habilidades em duas situações distintas e eu estou mais do que grata pela minha guarda contar com o reforço dos dois.

— Fico grato eu ouvir isso, Satine – adiantou-se Qui-Gon. – Mas, infelizmente, a situação é ainda mais grave do que pensamos e mesmo eu e Obi-Wan, por mais bem intencionados que estivermos, podemos não ser o suficiente para garantir a sua segurança.

Nesse momento, Satine olhou para o Jedi com curiosidade.

— O que quer dizer?

— Em uma conversa com Dookan, nós chegamos à mesma conclusão que eu e Yarsek chegamos em Sundari, quatro dias atrás, em uma conversa particular – respondeu Qui-Gon. – A senhora não foi informada sobre isso pois Zaar nos aconselhou a manter isso em segredo, uma vez que a senhora recusaria. Mas, com meu antigo mestre concordando com essa via, eu e Obi-Wan achamos que essa é uma alternativa que pode salvar a sua vida, algum dia.

— E o que seria?

E ela realmente estava curiosa. Afinal, aparentemente, aquele era um ponto em que Qui-Gon e Yarsek haviam concordado. Se algo importante assim havia acontecido, com os dois homens passando por cima de seus desentendimentos pessoais para concordar sobre algo, aquele deveria ser um assunto a ser tratado com seriedade.

Nesse momento, Qui-Gon lhe passou a caixa de metal. “Um presente do conde para você”, disse Qui-Gon no momento em que Satine tomou a caixa em suas mãos. Curiosa, a moça a observou por alguns instantes antes de abri-la, revelando um blaster. Pequeno o suficiente para ser guardado escondido no cinto ou dentro de uma bota.

— Não – a jovem disse, imediatamente, com firmeza. – Nunca!

— Satine, por favor, escute – pediu Obi-Wan pacientemente. – Sua postura pacifista pode, inclusive, ser uma vantagem. Se algum dia eu e meu mestre não conseguirmos garantir a sua segurança, ninguém que a atacar estará esperando que você revide. Isso – Obi-Wan apontou o blaster – pode salvar a sua vida.

— Mas isso... isso... isso é um sacrilégio! – protestou Satine. – Não podem estar me pedindo uma coisa dessas!

— Duquesa, eu entendo o seu posicionamento e o admiro muito – Dookan interveio. – Mas Obi-Wan tem razão. Não estamos pedindo que atire aleatoriamente nas pessoas na rua. Essa é uma medida adicional, mas que pode ser significativa. E apenas estando viva, você poderá instituir o pacifismo em Mandalore. Morta, essa possibilidade se esvai. Até porque, se não me engano, a próxima na linha de sucessão seria sua irmã mais nova, não é? E, até onde sei, ela não compactua com os seus ideais.

Dookan tinha razão em cada uma de suas palavras, mas Satine se recordava de ouvir um discurso muito semelhante, vindo do próprio Obi-Wan, apenas alguns dias antes. De que precisava estar viva para governar Mandalore. Então, para isso, valeria a pena abrir mão de seu pacifismo?

— Que tipo de governante seria eu se abrisse mão de meus ideais nos momentos que fossem convenientes?

— Uma governante sensata e viva – respondeu Qui-Gon. – Não quero lhe passar a idéia de que os fins justificam os meios. Não justificam. Mas cada situação a ser enfrentada precisa ser analisada de modo individual e, infelizmente, nem sempre o pacifismo é a melhor saída. Para proteger a sua vida, as vezes, ter um blaster para se defender pode ser a melhor alternativa.

Satine olhou do blaster para Qui-Gon. E havia um misto de decepção e desprezo em seu olhar.

— Pacificadores, não é? – ela disse, referindo-se à conversa que tivera com Qui-Gon no dia em que se conheceram. – Me desculpe, mestre, mas eu não posso ceder a esse ponto. Eu jamais conseguiria viver com a hipocrisia.

— Mas sem o blaster, talvez você não consiga sequer viver – Obi-Wan emendou imediatamente. – Sua teimosia a impede de sequer considerar uma possibilidade e isso pode ser determinante na sua segurança.

Após Obi-Wan terminar de falar, Qui-Gon levou as mãos ao rosto, cobrindo os olhos e incapaz de acreditar que ouvira o que seu Padawan havia acabado de dizer (Obi-Wan, por sua vez, demorou alguns segundos para perceber o seu erro). Satine se calou, furiosa com Obi-Wan por não ter uma resposta na ponta da língua para jogar na cara dele naquele momento.

Mas o que deixava a Duquesa ainda mais furiosa não era o fato de não conseguir revidar a argumentação de Obi-Wan. Isso feria seu orgulho, sim. Mas ser chamada de “teimosa” era quase um ataque pessoal. Não só porque ele tinha razão, mas porque Satine tinha plena consciência de que a teimosia era uma parte muito marcante de sua personalidade (uma virtude ou uma falha, ela ainda não havia conseguido decidir). O aprendiz não era a primeira pessoa a lhe dizer isso e, com certeza, não seria a última.

— Eu lamento, Padawan, mas essa Duquesa é teimosa demais para ser dobrada tão facilmente.

Satine se levantou, olhando para todos os homens à mesa, com exceção de Obi-Wan.

— Eu agradeço imensamente o presente, conde, mas terei que recusar – ela disse, visivelmente agitada. – Não posso abraçar a paz quando eu mesma ainda me rendo a um símbolo de violência como esse. Agora, eu peço licença.

— É claro, Duquesa – disse Dookan pomposamente.

Satine lançou a Obi-Wan um olhar frio que congelou a espinha do aprendiz em um calafrio duradouro. Sem dizer mais nada, ela se virou, deixando a sala. A intransigência da Duquesa havia colocado um ponto final na discussão poucos instantes após ela ter se iniciado, deixando claro o quanto ela era uma pessoa bem intencionada, mas, ao mesmo tempo, deixando igualmente evidente que a sua teimosia poderia ser uma falha de caráter com graves consequências.

Por alguns instantes, os três homens se mantiveram em silêncio, pensando na quão desastrosa aquela conversa tinha sido.

— Eu falei que ela não ia aceitar – disse Obi-Wan.

— Pelo menos, nós tentamos – rebateu Dookan, pensativo. – Espero que essa recusa não se mantenha. De qualquer jeito, o blaster é um presente. Levem ele com vocês em sua nave para o caso de a Força fazê-la mudar de idéia. E eu espero que faça.

— Eu agradeço, mestre – disse Qui-Gon. – Tentarei conversar com ela mais tarde. Espero que ela esteja um pouco mais calma e mais aberta ao diálogo.

— Acho uma sábia decisão – disse Dookan, levantando-se. – Espero que consiga colocar um pouco de luz na cabeça dela. Ela, com certeza, é muito teimosa. O que pode ser uma benção ou uma maldição para alguns políticos.

Obi-Wan repetiu o gesto, levantando-se de sua cadeira no momento em que Dookan começou a se afastar da mesa, em direção à saída. Mas, quase que instantaneamente, Qui-Gon lhe fez um gesto com a mão, chamando a atenção de seu aprendiz.

— Poderíamos conversar? – perguntou o Jedi.

Dookan olhou para os dois, levando apenas alguns segundos para perceber que Qui-Gon queria ter uma conversa à sós com seu Padawan. Como o lorde que era, ele se dirigiu aos dois:

— Vou deixá-los à vontade. Boa noite.

Em poucos instantes, Qui-Gon e Obi-Wan se viram sozinhos.

— Pois não, mestre? – começou Obi-Wan, como se não tivesse certeza absoluta de qual seria o tema da conversa que iriam desenvolver.

Uma gota de suor frio escorreu pelas têmporas do jovem aprendiz, aguardando mais uma das broncas intermináveis de Qui-Gon que sempre o faziam se sentir absurdamente culpado (no caso, mais do que ele já se sentia). Mas, ao contrário disso, o rapaz viu compaixão no rosto absurdamente expressivo de seu mestre.

— Quando você me ouviu conversando com o mestre Windu sobre os seus Testes? – o Jedi começou.

— Há umas cinco semanas – Obi-Wan confessou. – Me desculpe, mestre, eu sei que não devia bisbilhotar e... eu realmente não estava... mas ouvi o senhor mencionando o meu nome e...

Qui-Gon levantou a mão em um gesto muito simples, pedindo por silêncio.

Obi-Wan não ousou desobedecer.

— Você não precisa se explicar – disse o mestre. – Eu teria feito o mesmo se ouvisse alguém conversando sobre mim. Na verdade, eu gostaria de te pedir desculpas.

O queixo de Obi-Wan caiu. De todos os rumos que aquela conversa poderia tomar, aquele era um cuja existência o rapaz nem sequer havia considerado. Desculpas? Pelo quê?

— Mas... – o aprendiz gaguejou.

— Eu jamais deveria ter mencionado o tema com mestre Windu sem antes falar com você – disse Qui-Gon. – Então, acho que, agora, é meu dever esclarecer tudo para você. Por favor, sente-se.

Mais uma vez, mesmo estando com a sensação de estar por cima da situação, Obi-Wan não ousou contestar. Qui-Gon se reclinou em sua cadeira, aproximando seu rosto do de Obi-Wan para podê-lo observar claramente.

— Antes de mais nada, eu gostaria de dizer que eu jamais te mandaria para os Testes sem antes falar com você – Qui-Gon começou a se explicar. – Você tem sido um aprendiz dedicado e que me traz muito orgulho. Fazer uma coisa dessas seria uma deslealdade tremenda em relação a você e eu jamais teria coragem de fazer isso. A última coisa que você merece é que eu haja dessa forma. Seria um desrespeito não só ao aprendiz que você é, mas à pessoa que você é.

— Eu agradeço a consideração, mestre – respondeu Obi-Wan, lembrando-se que Aayla havia lhe dito palavras muito semelhantes poucos dias antes.

Nesse momento, Qui-Gon engoliu em seco, parecendo tão nervoso quanto o próprio Obi-Wan.

— E eu preciso fazer um mea culpa, mas eu estava sim pretendo realizar os seus Testes em um momento próximo – continuou o Jedi. – Mas tudo não passava de um simples planejamento, meu caro. Embora a nossa missão com a Duquesa parece ter adiado os meus planos por tempo indeterminado e... – Qui-Gon prestou muita atenção nas feições de alívio de seu Padawan no momento em que disse essas palavras – e... eu percebo o quanto isso te satisfaz.

Nesse momento, Obi-Wan congelou. Ele sabia o que viria em seguida.

É claro... Qui-Gon estava sendo sincero com ele, abrindo seu coração para o rapaz. Era mais do que óbvio que exigiria uma postura similar de seu aprendiz. Mas Obi-Wan não estava pronto para isso. Longe disso...

— Posso saber por qual motivo a simples idéia de fazer os seus Testes tem te instabilizado tanto? – quis saber Qui-Gon. – Há semanas você tem tido dificuldades para meditar, mas eu sei que os Testes são apenas a ponta do iceberg. Há algo a mais que tem te deixado nervoso. O que é?

Obi-Wan sentia seu coração pulando em seu peito como um animal enjaulado. Sabia que aquilo ofenderia Qui-Gon, mas não tinha mais como omitir. A verdade precisava ser falada e a simples idéia de a expor deixava o aprendiz mais ansioso e nervoso do que nunca. Ele transpirava terrivelmente e as pontas de seus dedos formigavam de nervoso.

— Eu não quero ser uma decepção pra você – ele sussurrou, incapaz de olhar seu mestre nos olhos.

— Perdão?

Mas Qui-Gon havia escuta perfeitamente. Ela não queria que Obi-Wan repetisse. Ele apenas não conseguia imaginar uma dimensão em que Obi-Wan fosse uma decepção para ele.

— Eu... – Obi-Wan gaguejou, quase não conseguindo falar e, definitivamente, incapaz de encarar o homem diretamente. – Eu não quero envergonhar o senhor, mestre. Depois de Xanatos, eu não sei se sou bom o suficiente para honrar o seu legado e não quero que meus Testes passem pro Conselho uma idéia errada de que você não consegue treinar um Padawan decentemente.

Obi-Wan quase vomitou essas palavras e, logo em seguida, murmurou um “Me desculpe”.

Qui-Gon, surpreso com o que ouvira, encostou-se completamente em sua cadeira, pensativo diante do que acabara de ouvir. Ele observou o seu Padawan por longos segundos. Segundos nos quais Obi-Wan desejou que qualquer coisa rompesse aquele silêncio constrangedor. Uma nave entrando pela janela ou uma manada de banthas passando pela porta, talvez. Mas aquilo precisava acabar.

— Me desculpe... – ele murmurou novamente. – Eu não queria ter mentido pra você, eu...

— Obi-Wan, pare – pediu Qui-Gon, por fim, interrompendo-o. – Olhe pra mim.

Mas Obi-Wan não o fez. Não conseguia. Levaram alguns poucos segundos para que Qui-Gon percebesse que o estado de estresse e de ansiedade do aprendiz o estava fazendo soluçar e lacrimejar. E isso lhe cortou o coração.

— Obi-Wan, olhe pra mim – ele tornou a repetir. – Por favor.

Lentamente, o rapaz levantou a cabeça, enxugando as lágrimas antes que pudesse, finalmente, estabelecer contato visual com seu mestre novamente.

— Entenda uma coisa – começou Qui-Gon. – O que aconteceu entre eu e Xanatos não tem nada a ver com você. Você não precisa se responsabilizar pelos erros de outras pessoas, muito menos pelos deles e menos ainda pelos meus. Que isso fique bem claro.

— Sim, mestre – ele murmurou.

— Em segundo lugar, eu quero que saiba que, se eu acho que você está pronto para os Testes, então você está pronto para os Testes – continuou o Jedi. – Eu treino você há mais de dez anos e eu garanto que, nesse tempo todo, eu vi uma evolução gigantesca. Eu vi aquele menininho assustado e ansioso que você era se tornar um homem e um dos mais brilhantes Jedi que eu já conheci e eu tenho certeza absoluta que você vai fazer a melhor sequência de Testes da história da Ordem e deixar aqueles esnobes de queixo caído. Eu não tenho dúvida nenhuma disso.

— Obrigado, mestre... – ele disse, voltando a abaixar o rosto.

— E, terceiro... – disse Qui-Gon. – E o mais importante de tudo... Você nunca vai ser uma decepção pra mim. Mesmo que tentar. Mesmo em um delírio em que você reprove nos Testes. Você nunca vai decepcionar porque eu conheço o homem que eu treinei. Você já é um orgulho muito grande pra mim e não são os Testes daqueles ególatras do Conselho que vão mudar a minha opinião, independentemente dos resultados. Eu fui claro?

Obi-Wan apenas fez que sim com a cabeça.

— A última coisa que eu queria era te ofender, mestre – Obi-Wan disse, em seguida, voltando a encarar o chão.

— Não ofendeu – Qui-Gon rebateu imediatamente. – Eu estou envelhecendo e me esquecendo quais são as preocupações dos jovens. Deveria ter imaginado o peso que isso teria pra você, mas eu fui insensível a isso. Espero que possa me perdoar.

— Não há o que ser perdoado, mestre.

— Ótimo.

Imediatamente, Qui-Gon se levantou, dando poucos passos em direção a ele e tocando seu ombro com suavidade. Nesse toque, ele percebeu o quanto seu aprendiz ainda estava tenso e nervoso com toda aquela situação. Obi-Wan sabia que menções a Xanatos não eram as conversas que Qui-Gon mais tinha prazer em desenvolver, então, diante desse tipo de estresse, em sua cabeça, guardar seus medos para si tenha lhe parecido a melhor alternativa. E Qui-Gon se culpava horrivelmente por não ter despertado a confiança de seu próprio aprendiz para que Obi-Wan pudesse se abrir para ele.

— Agora, eu acho que vou tomar uma xícara de chá – disse o mestre Jedi, na esperança de que isso o deixasse mais relaxado. – Me acompanha?

 

— Eu agradeço pela hospitalidade – disse Satine, na manhã do terceiro dia após a chegada do trio a Serenno, quando todos já estavam parados em frente à nave, preste a ir embora. – Sua boa vontade e sua ajuda jamais serão esquecidas pelo povo mandaloriano e eu espero retribuir tudo isso no futuro.

— Minha casa sempre estará aberta para amigos – Dookan respondeu. – E a Duquesa de Mandalore é uma amiga que sempre será bem-vinda. Eu gostaria de fazer mais para ajudar, mas fico feliz que o pouco de pude fazer tenha sido de seu agrado.

Dookan fez uma reverência para a Duquesa (que se adiantou para o interior da nave) antes de se voltar para seu aprendiz.

— Tem certeza de que não querem ficar mais alguns dias?

— Eu adoraria – Qui-Gon respondeu. – Mas mestre Yoda acha que é mais seguro nos mantermos em movimento. Não ficarmos muito tempo no mesmo lugar.

— Eu detesto ter que dizer isso, mas concordo com ele – assumiu Dookan. – Nesse caso, que a Força esteja com vocês.

— Que a Força esteja com você também – Qui-Gon e Obi-Wan disseram simultaneamente.

Juntos, os dois Jedi subiram na nave.

Do solo, Dookan observou a nave ganhar altitude por alguns segundos, antes de deslizar pelo ar e se perder em meio às nuvens, desaparecendo no céu em direção ao vácuo do espaço. O homem inspirou fundo antes de girar em seus calcanhares e retornar pela estrada pavimentada.

No silêncio do palácio de Sereno, o conde caminhou lentamente até a sua grande sala. Lá, um simples gesto bastou para que alguns botões em sua mesa fossem acionados. Mesmo longe da Ordem Jedi a tantos anos, a Força era intensa nele.

Ao atingir a mesa, o homem se ajoelhou no exato momento em que o projetor nela instalado projetou o holograma de uma figura sinistra. Uma figura vestindo uma túnica e com o rosto coberto por um capuz tão escuro quanto a sua alma.

— O rastreador foi implantado na nave, conforme o senhor ordenou, Lorde Sidious – disse o Conde Dookan.

— Excelente – disse a figura, sua voz sendo capaz de congelar a alma de qualquer um que a ouvisse. – Em breve a Duquesa estará morta e poderemos progredir com nosso plano. Quando a nossa guerra finalmente começar, a neutralidade de Mandalore poderá ser um grave problema a ser enfrentado.

— Então, porque não me deixou matá-la aqui? – perguntou Dookan.

A figura demorou alguns instantes para responder.

— Paciência, meu caro – foi a resposta. – Matá-la ou chamar Hoovar até Serenno poderia levantar suspeitas contra você, e eu ainda preciso que você mantenha uma posição de honra e respeito na República por alguns anos antes de darmos os próximos passos. Deixemos que os caçadores de recompensa cuidem do trabalho sujo. Agora, avise Hoovar imediatamente. Diga a ele que o rastreador está ativo.

— Farei isso – disse Dookan, sem nem mesmo levantar a cabeça para olhar o holograma à sua frente.

Houve mais alguns instantes de silêncio.

— Você tem sido útil e leal, conde – disse Sidious. – Se tudo ocorrer como planejo, logo meu aprendiz estará morto e você ocupará o lugar dele ao meu lado.

— Eu fico muito agradecido pela oportunidade, – Dookan respondei imediatamente – mestre.

Em seguida, a transmissão foi interrompida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu pensei MUITO se eu colocava essa última cena ou não na história porque... assim... ela não vai ter GRANDES repercussões na história (vai ter, mas bem pequenas hahaha). Mas eu li uma vez em algum lugar que o Palpatine já vinha treinando o Dookan no lado sombrio desde antes do Maul "morrer" em Naboo, então achei que dar essa pitadinha de easter egg seria interessante.

E quem leu o Especial de Natal das Tales COM CERTEZA reconheceu o plot do Testes hahahaha Então, esse capítulo serve muito para eu informar uma coisa: eu vou SIM reaproveitar alguns contos da Tales (obviamente, os Obitine são os principais deles haha), mas vou dar uma repaginada neles, claro. Não tinha como eu trazer o plot dos Testes pra essa história e manter o tom de comédia né hahahahaha

Enfim, espero MUITO que tenham gostado ♥ Quero muito ver a opinião de vocês.

Beijinhos ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Song of Kyber and Beskar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.