The One That Got Away escrita por Haru


Capítulo 1
The One That Got Away — Parte I




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The One That Got Away — Parte I

Ao longo de décadas, Yue cultivou o hábito de pegar uma cadeira de balanço, sentar-se na varanda frente a porta de sua casa e assistir o nascer do sol. Naquela manhã não foi diferente. Nada mudou muito com o passar dos anos, nem a rua onde ela morava. O local continuava calmo, o chão asfaltado, graças ao zelo dos moradores, mantivera-se limpo, bem como as cinzentas calçadas de concreto. As casas ainda não tinham muros a cercá-las, a fachada delas obedecia um padrão de cores estabelecido em comum e espontâneo acordo pelos moradores e eram todas simples, simplicidade prazerosa para os olhos.

Já Yue mudou muito. Fisicamente, pelo menos. Seus cabelos, outrora lisos, curtos e azuis claros com pontas loiras, hoje estavam grisalhos da raiz às pontas. Sua pele, antes bastante clara, firme e saudável, agora exibia os sinais de sua avançada idade, o castigo sofrido pelo tempo. Seus olhos cor de mel já viram o mundo com esperança, alegria, atualmente o encaravam críticos e cheios de misericórdia. Suas roupas expressavam o otimismo de sua personalidade, ela amava o amarelo, o violeta, o vermelho e o rosa, desde que sua juventude acabou, no entanto, passou a aparecer mais de preto, cinza, azul escuro. Naquela manhã, vestiu uma camisa marrom escura com mangas compridas e uma longa calça verde musgo.

Morava naquela rua desde os seus doze anos, então todos ali a conheciam. As crianças a respeitavam e amavam, saudavam-na da calçada quando passavam frente a sua casa para irem a escola, no final da tarde paravam para conversar com ela. Os adultos a cumprimentavam. Só um acontecimento fez Yue pensar em se mudar dali, mas ela nunca levou a ideia adiante. Amava aquele lugar. Nunca também mudou nada em sua casa, as paredes dela, dentro e fora, ainda eram verdes claras, o telhado permanecia laranja claro, a porta continuava marrom clara e de madeira maciça — mesma cor e material do assoalho da varanda. Só o que fazia era mandar retocar as cores, ajustar os pisos e as duas janelas ao lado da porta de entrada, mas sem nunca colocar algo diferente no lugar.

Uma moça idêntica à Yue quando jovem chegou na calçada com um garoto que aparentava ter entre doze e treze anos. Era Su, sua filha. A única chamativa diferença entre Su e a versão jovem de Yue eram o estilo das roupas e a cor dos cabelos, Su não os pintava, deixava-os castanhos como a natureza quis. O garoto chamava-se Haru, era neto de Yue. Sempre tensa, preocupada, Su subiu os três degraus de madeira que davam na varanda onde sua mãe se sentava, guardou um papel no bolso direito do terninho cinza e a encarou.

— Mamãe, a senhora pode mesmo cuidar dele hoje? — Até a voz dela era igual à sua. Por um breve instante, Yue retornou aos dias de sua juventude. — Eu ainda posso chamar a babá, liguei agora pouco e ela disse que vem, se eu quiser.

A resposta de Yue veio rápida:

— Eu cuidei de você e da sua irmã sem ajudas, até vocês completarem vinte anos. Não sei com o que está preocupada.

— E eu não preciso de babá! — Rebateu Haru. — Pedi pra vir pra cá porque a vovó é irada!

— Você acha isso porque ela deixa você fazer o que você quiser! — Disse Su. Quando percebeu o que falou, calou a boca. Não era necessário ser um observador muito arguto para notar que ela e a mãe tinham questões mal resolvidas. Além da irmã que Yue mencionou, Su tinha outras duas, que moravam com o pai. Depois do divórcio, Yue e o pai delas decidiram criá-las separadas, cada um em seu canto, mas as meninas tinham a liberdade de se ver e de se visitar sempre que queriam. Su se ressentia com a mãe porque a culpava pelo divórcio e pela separação da família. Respirou fundo, olhou para o menino e ordenou: — Vai lá pra dentro, eu quero conversar com a sua avó.

A criança deu um abraço na senhora e fez o que a mãe mandou. Segundos após Haru bater a porta, Su fitou a casa de Yue com atenção, olhou com curiosidade cada detalhe e, fitando o assoalho, cruzou os braços. Yue conhecia aquele olhar, sabia o que vinha por ali, mas já estava cansada daquela conversa, então levantou-se de sua cadeira, a ergueu debaixo do braço e se dirigiu até a maçaneta.

— Eu não tenho tempo pra sermão, Su. — Justificou sua saída. — Aliás, nem você tem, já deve estar atrasada para o seu trabalho.

Mas Su não a deixaria ir tão fácil, quando Yue pôs a mão na maçaneta para abrir a porta, ela começou a falar:

— Quase oitenta anos se passaram desde que ele construiu essa casa com as próprias mãos pra você e você não mudou nada nela, a deixou do jeitinho que ele fez. Você nunca aceitou o que aconteceu. Sempre viveu como se ele fosse voltar a qualquer momento e bater na sua porta. Foi por isso que o papai foi embora.

As mãos de Yue tremeram. Ela largou a cadeira de balanço, soltou a maçaneta e abaixou a cabeça. Su continuou o discurso:

— Não importava pra onde olhasse, o papai via o Sora Raikyuu em tudo. Uma hora ele se deu conta de que não podia competir com o Sora. Ele viu que nem as quatro filhas que teve com você podiam competir. Então, ele foi embora. Nem isso fez você mudar, nem ver suas filhas irem pra longe de você fez você mudar.

— Su, eu já te expliquei um milhão de vezes que não é tão simples! Não teve a ver só com o Sora, seu pai te disse isso! Nós-

— Eu não sei nem porque tô falando disso contigo, você não se importa. — Su a cortou, estava cansada das desculpas dela. Olhou para o relógio, ajustou a camisa social rosa e disse: — Eu volto às onze da noite pra buscar o Haru, ele ainda te admira. Lembra que eu também te admirava quando tinha a idade dele? Tenta não perder isso.

Yue se virou a tempo de vê-la descer os degraus e ir. Su tinha toda a razão. Embora seu ex-marido negasse, ela era a culpada pelo divórcio, pela divisão da família, tudo porque não aceitou que Sora se foi. Ele se foi há mais de setenta anos e ela ainda não acreditava, sofria como se ele tivesse partido ontem.

Ainda o amava mais do que a tudo e todos, como se fosse a adolescente otimista do dia que o conheceu. Mais do que se recusar a mudar o menor detalhezinho da casa, o exterior, ela também não aceitou mudanças interiores. Aceitar o amadurecimento significava aceitar a passagem do tempo, e isso implicava se dar conta de que Sora e todos os seus amigos a deixaram, que nunca mais os veria.

Yue não sabia se suportaria essa dor, por isso a embarreirava com a sensação de que um deles ligaria ou apareceria voando sobre sua rua a qualquer instante. A bloqueava com a descrença. Vivia como se ainda os tivesse, vivia amando-os, como se tivesse dito a eles o que significavam para ela. Eu devia ter te dito o que você significava pra mim, encostou a testa na porta e chorou.

Esse arrependimento a feria mais quando pensava sobre o Sora. Viviam brigando, se insultando, mas quando faziam algo um pelo outro, nenhuma palavra, frase ou texto eram capazes de expressar a grandeza do gesto. No entanto, queria ter usado palavras. Queria ter dito o quanto o amava. De todos, ele era aquele com quem ela mais se importava, mas nunca lhe disse. E isso a corroía por dentro todos os dias da vida dela.

Muitas décadas atrás...

Numa manhã como aquela, no mesmo segundo que Yue girou a maçaneta e entrou em casa, Sora adentrou um consultório médico. Todos só descobriram anos depois, mas ele estava com dores cardíacas que não o deixavam em paz, e estava preocupado, então, sem dizer a ninguém, procurou um especialista. Muito nervoso atrás da mesa de ferro, ele aguardava a resposta dos exames que havia feito na semana passada.

O velho especialista em saúde cardíaca largou os papéis sobre a mesa e guardou os óculos no bolso direito do jaleco branco. Seu semblante era sério, não parecia reservar boas notícias. Com as mãos sobre a mesa, estudava um meio de contar ao jovem rapaz de pé do outro lado dela que ele não tinha muito tempo de vida pela frente.

— E então, doutor...? — Sora bateu as mãos na mesa e o pressionou pela resposta. Naturalmente, o asiático estava impaciente. Ele suspeitava que sob seu peitoral sempre nu, mas todo tatuado, seu coração era uma bomba relógio, contudo, optou por ouvir o que a medicina tinha a dizer antes de se angustiar.

O médico demorava para responder. Sora sentia como se as paredes verdes água do consultório estivessem se estreitando, como se todas as aberturas da sala estivessem se fechando, sentia que o oxigênio estava lhe faltando. Jurava que daria uma surra naquele velho se ele demorasse mais um minuto para falar alguma coisa.


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