Bate o sinal para o recreio, me nego a sair da sala antes dele. Ele que chegou a cidade seis meses atrás e desde o momento que o vi pela primeira vez num sei o que aconteceu, simplesmente não consegui tirar ele da minha mente, aqueles olhos azuis que pareciam sempre mirar o horizonte, aquele cabelo aparentemente macio, meio ondulado, castanho.

Seu nome? Rafael, mas logo aquelas meninas pegajosas que não saiam de perto dele começaram a lhe chamar de Rafinha, era óbvio que ele num gostava daquilo, mas quem disse que aquele monte de meninas sonsas e sem noção perceberam isso? Nunca, e assim continuaram com esse apelido.

Ele é um dos últimos a sair da sala pra ir para o recreio, eu saio sempre em seguida dele, sendo quase sempre o último, mas isso nunca me importou, na verdade, pra mim sempre valeu a pena, poder admirar ele mais esses segundos.

Agora, já é fim de ano, as provas logo acabarão, hoje, quinta-feira ele não veio na escola, para minha decepção, mas mesmo sem ele ali, passei o dia a olhar sua carteira vazia, como se ele ainda estivesse ali. O dia sem ele, não sei bem o porquê, passou muito mais devagar, e eu rezava para poder passar rápido e o dia seguinte chegar e eu poder ver ele. Então, por fim o tempo passou, o dia seguinte está ai, manhã chuvosa, bem chuvosa. Sexta-feira, sem prova, somado a essa chuva, provavelmente quase ninguém iria a escola, mas ainda sim tinha a esperança de ver ele, assim, vou a escola, mesmo debaixo de chuva. Chego lá, assim como esperado, havia poucos alunos na escola, da minha sala só eu e mais duas pessoas, por sorte, uma dessas duas era o Rafael, motivo suficiente para deixar certo Gabriel mais do que feliz, não contive um sorriso de canto.

Mas é nisso que me assusto, ele reparou que eu sorri olhando para ele, mas o que me assustou mesmo foi ele retribuir esse sorriso, um sorriso tão meigo, como nunca tinha visto antes. Tivemos as duas primeiras aulas como normalmente, mas foi bem mais “light”, já que havia só três alunos, a terceira aula seria de Música, mas a professora dessa disciplina faltou, assim a Alessandra, a única menina da minha sala que veio, foi para o pátio ver se encontrava alguma amiga de outra turma com aula vaga. Eu permaneci no meu lugar, iria ficar na sala mesmo, já que ele, o único que me importava, estava na sala.

O silêncio pairava na sala, eu queria quebrar o silêncio, mas sem idéias, me lembro que no dia anterior Rafael havia faltado, ainda estava um pouco preocupado com isso, então, por que não perguntar? Foi o que fiz, perguntei.

- Rafael – chamei, ele logo olhou esperando eu dizer algo, com uma expressão de curiosidade – Bem... Por que faltou ontem?

Ele parece ter se surpreendido com a pergunta, mas após um sorriso e em seguida um riso leve. Levantou-se e se sentou na carteira em frente a minha, sentado ao contrário na cadeira, olhando diretamente para mim, o que foi suficiente para me fazer corar, mas não tinha certeza, porém senti meu rosto esquentar de vergonha.

- Tive alguns problemas em casa, meus pais tiveram que sair, nesse meio tempo meu irmão mais novo teve febre, tive que levar ele ao hospital e ficar com ele lá, como não consegui contatar meus pais e eles chegaram já tarde ao hospital me deixaram faltar para poder descansar – ele sorria, parecendo muito feliz, porém eu num entendia bem o motivo – Sabe... – ele falhou um momento – Fiquei feliz por ter perguntado, você foi o único que se preocupou com isso, Gabriel...

Ele sabia meu nome, isso me deixou feliz, ele sabia meu nome!

Ele então pegou minha mão e fez um gesto com a cabeça para eu ir com ele, eu fique confuso de primeiro momento, mas acho que não tinha nada a perder. Guiou-me, sem soltar minha mão, até a sala de música, aonde era pra termos tido a aula. Eu ainda não entendia o que se passava ali, então na porta ele deixou minha mão, eu não saio do lugar, ele foi até o piano, olhou para mim, deu um sorriso tímido, olhou para o piano em sua frente e começou a tocar.

Aquela melodia era quase como um sonho, era serena, me embalava em seu ritmo, parecia entrar por debaixo da minha pele, penetrar no meu corpo, na minha alma. Eu sem reação, apenas fechei os olhos e deixei meus ouvidos atentos àquela melodia, acho que sorria enquanto ouvia, mas não tinha certeza, pois só prestava atenção aquela melodia. Fique ali o ouvindo tocar, parecia que permaneci ali por anos, em plena paz. Mas o que era de se esperar ocorreu, a música acabou.

Eu, por fim, abri os olhos, ele me olhava, aquela sua expressão tímida me fez achar ele o mais fofo do que já achava, não contive meu sorriso, que foi de orelha a orelha. Sua mão me chamou até ele, eu fui, me sentei ao lado dele, em frente ao piano.

- Você gostou? –perguntou com certo receio na voz.

- Eu... Simplesmente amei! –disse sorrindo e lhe olhando nos olhos. – Tem nome essa melodia?

- Fico feliz por te gostado tanto assim, já que... – ele não terminou a frase, parou por um instante. – Bem, não tem nome, não consegui pensar em um digno...

Eu estava curioso, para saber o que ele iria dizer, ficamos em silêncio por poucos instantes, percebi que nossos rostos estavam bem próximos e pareciam se aproximar mais a cada segundo, era algo quase que involuntário. Já está perto, perto demais! Tudo o que eu menos esperava aconteceu, meus lábios tocaram o dele, senti o calor dos seus lábios, meus olhos se fecham. Nossos corpos se aproximam mais um pouco. Sua língua quente invadiu minha boca, então começa a brincar docemente com a minha. Eu apenas deixava acontecer.

Aquilo foi um beijo. Aquilo foi mesmo um beijo! Pena que acabou. Ele olha pra mim sorrindo, eu envergonhado desvio o olhar. Sua mão, com leveza, levanta meu rosto, me fazendoeu voltar a olhar em seus olhos.

- Eu... Eu compus essa melodia, única e exclusivamente para você - ele diz com um sorriso meigo e tímido no rosto.

Eu não conseguia acreditar no que ouvia.

- Desde a primeira vez que te vi, quando cheguei nessa escola, você não sai da minha mente, e foi pensando em você que fiz essa melodia, cada nota foi composta pensando em você, Gabriel.

Eu estava sem palavras, apenas conseguia sorrir. Muita emoção, emoção demais. Resultado? Comecei a chorar, um choro de alegria, choro que não durou muito, pois ele tratou de logo enxugar meu rosto com seus dedos e me presentear com um selo, demorado e molhado.

- Você não imagina o quanto eu te admirei desde o momento que te vi, Rafael – falhei por um instante – Sempre meus pensamentos eram voltados pra você, sempre te quis perto, perto assim como agora.

Eu falava rápido, era muita coisa acontecendo de uma vez, mal podia acreditar. Meu coração mal podia processar o monte de sentimentos que por ele passavam. Eu te amo Rafael, era tudo o que vinha na minha mente.

- Eu te amo! – ele disse a mim.

Não pude acreditar, apenas abraçar ele forte, ele por sua vez, me aconchegou em seus braços e depositou um beijo na minha testa. O sinal do término da aula e início do recreio soou, mas permanecemos ali, juntos, como há muito tempo queríamos.