Tears - As lágrimas de uma menina escrita por manasama677


Capítulo 1
Tears - As lágrimas de uma menina (Capítulo único)




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/798609/chapter/1

Sempre que eu voltava da aula, o assunto do meu irmão com a minha mãe era o mesmo:

 

— AHHHHH! Que ódio daquele professor desgraçado!

— O que foi, menino?

— Um F! Como ele se atreve?

— Mas você acertou alguma coisa?

— Não!!

— Mas então, do que você está reclamando?

— Gente, cheguei.

— Mas é que ele…!!

— Aiai, ninguém me ouve.

 

Todo dia era isso, até que ele foi reprovado de uma vez. Conclusão: eu já o odiava antes mesmo de conhecê-lo…

 

(…)

 

— Cecille! Cecille! Rápido, preciso te dizer uma coisa!

— O que foi, Ada?

— Sabe o professor que começou o ano afastado porque estava doente? O Sr. Felps, que o substituía, está comentando que ele volta a partir da semana que vem!

— Sério? E aquele caderno de questões que a gente deveria entregar, o que vai acontecer com ele?

— Sei lá, estão dizendo que ele não vai mais levar esse trabalho em consideração só porque foi outro professor que passou! Aliás, estão dizendo que ele é terrivelmente chato! Sabia que eu estou até com medo de ele ser aquele professor que o seu irmão vivia falando? Seria muito azar, né?

— Ah, nem me fala!

 

A semana seguinte chegou e, com ela, o professor que a partir dali nos daria aula de matemática até o fim do ano.

 

— O nome dele é Ryan Spencer. Vi no mural a caminho daqui. E aí, é ele?

— O nome dele é o quê?

— Ryan. Spencer.

— Ai, não. Não. Pelo nome, é o próprio…! Espero que seja outro cara com o mesmo nome. Mas só a mamãe poderia responder essa, já que veio aqui no colégio umas sessenta vezes falar com ele no ano passado. Pior que sempre voltava para casa dizendo que ele era um cavalheiro! Pode isso? Que raiva!

— Vocês duas, que estão conversando, saberiam resolver esta questão que acabei de colocar no quadro?

— O quêêêêê?!

 

Ele era tão jovem que poderia ser facilmente confundido com qualquer um de nós. Eu podia jurar que se tratava de um aluno novo e não um professor.

— Quando foi que ele assinou isso, que eu não vi? - Ada me perguntou. Eu só queria sumir, então fiquei em silêncio.

— Se nenhuma das duas tomar a iniciativa, eu vou apontar uma de vocês.

— ELA!! - eu e Ada berramos, apontando uma para a outra.

— Professor – Ada me olhou com aquela cara de “o que é que você vai falar, garota?” - O senhor ainda não se apresentou!

 

Ora essa. “Senhor”. Que vacilo. O cara é tão jovem que parece que nunca fez a barba na vida!

 

— Ah, sobre isso...acho que uma de vocês acabou de dizer o meu nome – ele rebateu, apontando para nós com uma régua. Bom, mas tudo bem, vamos seguir o protocolo desta vez.

— Ufa…

— Quieta!

— O meu nome é Ryan. Ryan Spencer. Para vocês, Sr. Spencer. Sou seu professor de matemática oficial. Uma pneumonia me afastou nos primeiros dias de aula, mas não se preocupem, eu estou bem agora.

— Poderia ter ficado de molho mais tempo – eu cochichei para Ada. Ela me deu uma cotovelada.

— Minhas únicas exigências são disciplina, esforço e dedicação. Afinal, já perdemos muito tempo e eu não tenho noção da qualidade do ensino que foi ministrado a vocês até o momento.

 

Que arrogante.

 

— Os senhores têm mais alguma pergunta ou podemos seguir adiante?

 

Um silêncio generalizado tomou a classe. Ninguém foi capaz de respirar nesse momento.

 

— Muito bem. Obrigado por me ajudarem a pular esta parte burocrática. A propósito – disse ele, passeando pela sala e tocando no ombro de uma menina que se sentava algumas cadeiras antes de mim e Ada – o professor Felps disse ter deixado uma atividade antes de se despedir da turma. Eu quero este trabalho na minha mesa. Agora.

 

Levei as mãos à boca e olhei para Ada. Ela olhou para mim de volta. E eu percebi que não fomos só nós, cada dupla na sala fez o mesmo.

 

— Você fez, não fez?

 

Ela abanou a cabeça numa negativa. Eu já estava torcendo para que ninguém tivesse feito.

 

— P-professor – falei gaguejando – O senhor não ia desconsiderar este trabalho?

 

Senti as respirações presas se soltarem ao meu redor. Todo mundo ficou aliviado por não precisar perguntar isso pessoalmente.

 

— Perdão? O que disse?

— A...as meninas...disseram isso...e...eu e minha colega...não fizemos o nosso...

 

 

O Sr. Spencer levou a mão fechada à boca, e, apoiando o cotovelo no outro braço, ficou olhando para cada um de nós. As vozes foram timidamente surgindo em meio ao silêncio claustrofóbico da sala de aula.

 

— Eu também não fiz. Achei que não fosse mais valer.

— Oh, professor! Dá um desconto aí!

— Marca a entrega para outro dia!

— Ah, eu pensei que, mudando de professor, não fosse mais ter trabalho!

— Eu também!

 

Spencer suspirou, o que embaçou um pouco seus óculos. Ele o tirou, limpou com um lenço que tirou do terno marrom e o recolocou no rosto. Voltou a encarar a gente da mesma forma. Cara de quem queria nos matar. De repente, deu de ombros e pareceu mais relaxado. Voltou a caminhar, saindo do meio da classe em direção à lousa novamente.

 

— Muito bem. Pensando justamente nisso, eu elaborei uma prova com o conteúdo do Sr. Felps. Como ele me garantiu que a classe estava em dia com o conteúdo, acredito que vocês não terão dificuldade.

 

A cara de espanto da turma toda foi impagável. Seria engraçado, se eu não estivesse no meio de todos eles. Lógico que todo mundo ia se dar mal.

 

— Não teremos mais nem uma revisão?

— O Sr. Felps também disse que fez uma última revisão na sexta-feira. Aprendam, crianças. A rebeldia é uma doença que se cura com duas coisas: a idade e a conveniência.

— Não entendi, professor – alguém comentou.

 

Ele soube como ser odiado desde o começo.

 

 

(…)

 

 

Enquanto eu buscava encontrar algum sentido naquela prova diante dos meus olhos, eu percebi uma qualidade no professor Ryan Spencer, a única: ele era lindo tentando parecer mais velho naquele terno.

 

Sentado à sua mesa, ele lia um livro. Carregava no semblante um ar meio entediado e sorumbático, mas também sério e concentrado. Segurava entre os dedos uma teimosa mecha de cabelo que ficava caindo por cima de seus olhos. Conforme ele ia sendo absorvido pela leitura, sua expressão dura ia se desfazendo, e teve um momento que deu para ver que ele quase caiu para a frente de sono. A caneta que ele segurava na outra mão caiu, o que o assustou e o fez novamente voltar ao estado de vigilância. Eu pude ver nele dedicação, e, por que não dizer, alguma fragilidade. Aquilo simplesmente me desarmou. E pensar que, ao entrar em sala, eu o odiava por causa de tudo o que meu irmão falava dele…!

 

Será que o Sr. Spencer tem namorada?

 

(…)

 

Dias depois, eu descobriria que o professor era filho de um político muito importante, o deputado Richard Spencer. Todos o conheciam pelo uso ilícito do dinheiro público. Estava claro que o professor também tinha aspirações políticas, mas, antes disso, tinha que conquistar a comunidade local. Faltava-lhe, porém, carisma. Na minha sala, eu acho que ninguém votaria nele, sério. Já, eu só conseguia olhar para ele a aula toda em vez de prestar atenção no conteúdo. Aquele jeito “malvado” dele era hipnotizante.

 

— Professor…

 

Quando ele parou de organizar suas coisas, afastou o cabelo para o lado e olhou para mim, fiquei espantada: ele parecia ainda mais jovem e bonito visto de perto. Parecia literalmente que ele tinha acabado de sair da faculdade. Quantos anos ele teria? Pela lógica deveria ser algo próximo dos trinta, mas ele parecia ter no máximo entre 22 e 25. Seus olhos me sondaram com uma curiosidade esnobe, que se desfez nos mais de três segundos que fiquei maravilhada com seu rosto perfeito, e que deu lugar a um tímido baixar de pálpebras. Droga, como ele era lindo.

 

 

— Em que posso ser útil? - o professor Spencer perguntou, restabelecendo o contato visual.

— O...o senhor…

 

...tem namorada?

 

Oh, droga. Que situação estranha. Não é isso o que eu tenho que dizer!

 

— Está com dúvida sobre o conteúdo? Precisa de ajuda com algum exercício, Srta. ...?

— Briggs.

— Briggs, claro.

— É… é i...isso!

 

Ele apontou para uma cadeira logo à sua frente. Eu demorei a entender o seu comando, e, quando compreendi, tomei assento rapidamente. Arrastei a mesma cadeira para ficar bem ao seu lado, de modo que o caderno ficasse visível para nós dois. Ficar lado a lado com ele me fez absorver toda a fragrância do perfume que ele estava usando. Aquilo não estava me ajudando a ficar menos distraída.

 

— Sobre o que você tem dúvida?

 

Não posso...ficar vermelha…

 

— ...tudo.

 

Mas a minha dúvida de verdade – se ele tinha namorada – passou a ser a mesma de muitas outras garotas da minha classe.

 

(…)

 

Tempos depois, eu fiquei sabendo que ele era completamente solteiro. Alguma corajosa conseguiu arrancar isso dele antes de mim. Aliás, ele vivia cercado daquelas garotas sonsas que diziam querer explicação de algo e na verdade ficavam se insinuando. Ele era o único professor que não tinha intervalo, e isso me deixava com muita raiva dele. Mas, se quer saber de verdade o motivo que me fez odiá-lo…

 

— Um D? Como, se eu acertei oito questões? O que aconteceu, professor?

 

...foi a minha nota na prova.

 

— Bom, sobre isso...Eu vi o caderno aberto embaixo da sua carteira, Srta. Briggs. Agradeça a minha benevolência; considerei apenas as questões incorretas. Imagino que não exista interesse de sua parte em questionar esse resultado, então se esforce mais para obter resultados melhores na próxima.

 

Quando foi que ele…? Ele estava lendo um livro e prestando atenção em mim ao mesmo tempo no dia da prova?

 

Se é assim, acabou a amizade!! Se é que um dia eu fui amiga desse antipático!

 

(…)

 

Meses se passaram. Mesmo com dúvida, nunca mais pedi orientações a ele.

 

Até que aconteceu. Um certo dia, no intervalo, quando eu estava caminhando à beira da piscina olímpica onde os alunos treinavam, um grupo de idiotas passou por mim. Um deles me atropelou com o skate. Eu perdi o equilíbrio e caí na água. Não consegui alcançar a borda e estava começando a me afogar por causa do peso do meu uniforme molhado. De todas as pessoas que estavam ali, ele foi o único que não riu. Sem pensar duas vezes, ele largou o livro que estava lendo e pulou na água de terno e tudo. Eu sabia que ia conseguir me salvar sozinha, mas ele me agarrou e não me deixou agir.

 

Eu me debatia e tentava dizer que não queria a ajuda dele, mas em algum momento tive que me render à sua teimosia. Quase matei nós dois juntos.

 

— Cecille! - escutei Ada gritando.

— Melhor chamar alguém da enfermaria – Spencer instruiu minha amiga.

— Eu já disse que estou bem!! Q-quer dizer… Obrigada, professor...vou ficar te devendo essa...

— Não se preocupe com isso – ele disse, retirando o terno – Você não me deve coisa alguma...

— S-sim…!!

 

Olhar para o professor com a roupa toda molhada fez o meu rosto corar. Isso não era nem um pouco conveniente. Não sei se o Sr. Spencer se deu conta do que estava acontecendo, mas baixei a cabeça para ele não perceber.

 

— ...mas se insiste em me “pagar” de algum modo, dedique-se aos estudos com mais afinco. Suas notas continuam sofríveis.

 

Ele estendeu a mão para eu apanhar e, mesmo zangada com seu último comentário, obedeci sua sugestão. Demorei a levantar, porque me distraí por tempo demais a olhar para tudo aquilo que a água revelava.

 

Naquele ponto, Ada tinha me contado por que ele falava tanto de se dedicar aos estudos. Enquanto lecionava, escondia sua frustração por sua vida ser completamente oposta aos seus planos.

 

— Você não sabe? A história dele é bem conhecida para a minha família, que é amiga dos Spencers há vários anos. Confesso que fui descobrir por esses dias que Ryan Spencer, o professor, era um deles. Nunca tinha ouvido falar dele antes, e acho que isso é até proposital. Ele não é filho dos Spencers de verdade. O filho mais velho deles, Rychardson, ficou seriamente ferido em um acidente quando pequeno, a ponto de a mãe prometer que ele seguiria a vida religiosa se fosse salvo. Só que, como as pretensões políticas do deputado estavam todas depositadas em seu filho único, eles modificaram a promessa, acolhendo uma criança de baixa renda e fazendo com que ela cumprisse a promessa em lugar de seu filho. E é nessa hora que o professor Spencer entra!

— Do que você está falando?

— Em troca de bons estudos e apoio financeiro para toda a sua família, seus pais o entregaram para cumprir a promessa dos Spencers. Acho que é por isso que ele se desvia de todas as garotas que se insinuam para ele. Ele vai ter que virar padre.

 

O quê??

 

Saí de perto dela, transtornada. As pessoas ao redor me olhavam com estranheza. Acho que eu estava pensando em voz alta, mas não me importava com o que nenhuma delas ia pensar.

 

— Tenho que falar com ele! Mas...não assim, toda molhada feito uma idiota...Vou me enxugar, é isso. Vou falar com ele mais apresentável! Vou secar minhas roupas, pentear meu cabelo…e depois...

 

Fui para a enfermaria por recomendação de pessoas que me garantiram que lá ia ter toalhas e uniformes reservas. Por uma fresta na porta, no entanto, percebi que aquela ala já estava ocupada. O Sr. Spencer estava lá. Ele havia tirado os sapatos e estava com mais da metade da camisa aberta. Ele estava terminando de desabotoar a roupa, quando subitamente parou. Voltou-se para a entrada e perguntou:

 

— Tem alguém aí?

 

Eu não sabia nem o que dizer, nem onde esconder minha cara vermelha de vergonha. Apelei para a desculpa mais óbvia:

 

— E-eu q-queria usar a secadora para enxugar a minha r-roupa… M-mas, se o senhor está aí, e-eu po-posso i-ir embora...É só...isso.

 

O clima já estava muito tenso quando eu olhei para ele com as roupas molhadas diante de todos os meus colegas, mas agora era pior, porque estávamos sozinhos. Ele também parecia intimidado com a minha presença. Virou de costas para mim e disse, lutando para manter a respiração controlada:

 

— Não imaginei que fosse estar aqui. Perdão. Eu deveria ter me apressado mais. Era óbvio que você viria para cá, como não pensei? - discursava, enquanto fechava de volta os botões da blusa aberta.

— Professor – chamei, mas ele disparou na direção da saída.

 

Não tive alternativa, a não ser agarrá-lo pelo braço. Isso fez com que sua mão engatasse na roupa, abrindo um pouco a parte perto da gola. Ele não era muito forte, mas tinha um peitoral satisfatoriamente definido. Foi para essa parte do corpo dele que olhei fixamente antes de articular a pergunta que era o motivo de eu estar ali:

 

— É verdade que o senhor vai entrar para a vida religiosa? E a política? Você também é um Spencer! Tem o direito de participar! Por que está se sacrificando por um propósito de vida que não é o seu?

 

Ele olhava para mim como se não conseguisse acreditar que eu tinha acesso àquelas informações, o que era natural. Desviando-se de mim, terminou de abotoar sua blusa e recolocou sua gravata, molhadas como estavam. Eu destilava desejo por todos os poros, mas por ética ou medo, ele fingia não perceber.

 

— Quanto a isso, não precisa se preocupar. Eu ainda vou continuar dando aulas até o fim do ano. A turma não será prejudicada.

— Até...o fim...do ano? E depois?

— Bom, depois farei os votos.

— É uma promessa, não é? Uma promessa que não é sua. Mas, e a sua vontade? Como fica no meio disso tudo?

— ...quê?

 

Ele ouvia falar de vontade própria como se fosse algo absurdo, intangível. Sua dívida de gratidão com os Spencers devia ser muito grande. Mas…

 

— Você só foi usado por eles! Não se consegue de dar conta disso?

— Srta. Briggs, por favor! Esta conversa é imprópria. Você está sendo impertinente.

— Eu sei, mas isso não importa! Não vê que eu te amo?

— O que você disse?

 

Se eu ia levar um fora como todas as outras garotas que se aproximaram dele, eu não fazia ideia. Mas duvido que alguma delas tenha atingido o mesmo nível de coragem. Desviando-me de suas mãos que me repeliam, eu o beijei. Agarrei sua gravata e o puxei para mais perto de mim. Os óculos dele me atrapalhavam, então eu os arranquei e guardei dentro do bolso do terninho do meu uniforme. Ele estendeu a mão para tomar de volta o objeto, ao que eu segurei seu pulso e empurrei sua mão para baixo. Como ele a levantasse novamente sob o mesmo pretexto, eu simplesmente a tomei e a pus por cima do meu coração. Colocando minha mão sobre a dele, eu o convidei a conhecer minhas medidas, pressionando sua mão na maciez do meu seio e deslizando-a até a curva afunilada da minha cintura, onde ele resistiu à minha tentativa de fazê-lo me tocar por baixo da blusa. Não esmoreci com isso nem me dei o trabalho de estudar sua cara de choque. Abafei novamente todas as palavras que Spencer tentou me dizer, usando suas sílabas não pronunciadas como rotas de acesso para os seus lábios, e, em seguida, para a sua língua, que eu acariciei com a minha. Nesse momento, ele fechou os olhos e me correspondeu, num ato que foi mais instintivo do que planejado. Para alguém que foi preparado a vida toda para ser padre, até ele era bom nisso.

 

— É desta vontade que eu estou falando, professor – falei, ao me separar dele. Olhei uma última vez para aquele rosto inocente e assombrado e completei, devolvendo seus óculos ao lugar de origem: - Se viver sem isso não te deixa incomodado, eu não posso mais fazer nada para ajudá-lo.

 

De onde eu arranjei coragem para falar e fazer aquelas coisas eu não faço a menor ideia, mas naquela situação inusitada ele era o aluno, e eu a professora.

 

— Eu só te peço uma coisa, Sr. Spencer: tente ser mais gentil com as pessoas ao redor...só assim eu irei saber que o senhor é realmente feliz!

 

 

(…)

 

A partir dali, o professor evitava me olhar, falar comigo. E, principalmente, ficar a sós comigo. Será que ele está sentindo o mesmo que eu? Eu o beijei e fugi, não esperei sua resposta...eu estava com medo do que ele me diria. Se ele se importasse comigo, com certeza já teria me procurado. Acho que ele vai virar padre, mesmo.

 

Eu certamente o deixaria em paz se soubesse que ele está bem. Tenho até o fim do ano para virar a partida.

 

(…)

 

— Entender o assunto, até que a gente entende. Mas você não acha que ele é rigoroso demais? - Ada se queixou comigo certa vez.

 

Durante os meses que se passaram, ele se tornou muito mais amargo do que já era. Não era de se estranhar, já que ele estava a caminho de tomar a pior decisão de sua vida. Será que ele também pensava em mim? Eu tinha pouco tempo para descobrir isso.

 

— Como última atividade, gostaria que vocês estudassem os capítulos…

 

Ele parecia ignorar meus sentimentos. Isso me deixava abalada, tanto que eu fiquei de recuperação. Não poderia ser pior.

 

(...)

 

Eu já tinha terminado minha prova há muito tempo quando o penúltimo aluno se despediu, entregando sua prova. Eu esperei de propósito, porque queria falar com ele uma última vez. Para tentar de novo…

 

A promessa é deles, mas a decisão é sua, professor! Não se esqueça!

 

Ele não me disse nada. Sequer olhou para mim. Devia estar muito constrangido. Mas eu devia saber…

 

— Obrigada...e…

 

...eu é que fui inconveniente…

 

— …adeus!

 

Entreguei minha prova para ele e me virei, no intuito de correr. As lágrimas já lavavam meu rosto e embaçavam minha visão. Sem me importar com mais nada, tinha as mãos livres. Ia deixar todo meu material para trás, só queria ir embora dali. Quando alcancei a maçaneta da porta, ele começou a falar:

 

— Eu tenho uma irmã… ela tem mais ou menos a sua idade agora. Ela tem uma doença degenerativa muscular que a tem debilitado cada vez mais. É claro que ela não vai se recuperar, ninguém nem tem esperança disso… mas há tratamentos indispensáveis para que ela tenha melhorias na sua qualidade de vida… para que sua existência neste mundo seja menos insuportável e dolorosa… esses tratamentos só podem ser pagos com a ajuda da família Spencer.

 

Franzi a testa, tentando imaginar aquele cenário, e como ele impactava na forma como o professor vinha me tratando. Ele continuou antes que eu precisasse raciocinar mais:

 

— Se eu consegui fazer tudo certo… Nenhum passeio, nenhuma festa… eu nunca me misturei aos colegas de faculdade, não recebia amigos em casa nos tempos de escola… eu nunca estive presente em reuniões familiares para não ser visto em sociedade… eu nunca coloquei uma gota de álcool na boca, nunca aceitei as cartas de nenhuma garota…

 

Sem querer encarar o professor, voltei à minha mesa para pegar a pasta com meu material. Ele me perseguiu com o olhar, como se estivesse me acusando de algo. Dei alguns passos em direção à saída, mas, como não queria sair, fiz hora me recostando à lousa, esperando que ele concluísse seu desconexo raciocínio.

 

— ...por que fez isso?

 

Ele se aproximou de mim, e eu pude notar que ele tinha lágrimas nos olhos. Ao ver isso, comecei a lagrimar também. Ele encostou o punho cerrado na direção um pouco acima da minha cabeça, o que murou a minha saída. Olhei para os lados, preocupada com o que aconteceria se alguém nos visse naquela situação.

 

— Que direito você tinha de me colocar em dúvida justamente agora?

— Isso quer dizer que você gosta de mim? Que nós podemos…?

 

Ele fez um prolongado silêncio antes de abanar a cabeça numa negativa. Tentei tocar seu rosto, mas ele tomou minha mão delicadamente e a tirou de cima dele.

 

— Não, não faça isso. Você vai conhecer outras pessoas… ainda tem tanto tempo, é jovem. Você me entende, não entende?

 

Como fiz da primeira vez, retirei seus óculos. Fitei seus olhos tristes e tentei gravar na mente a lembrança de seu rosto que eu com certeza nunca mais tornaria a ver.

 

— Professor, a única coisa que eu consigo entender agora é que eu odeio sua família.

 

De um arranco só, eu o envolvi em meus braços e o reduzi à minha altura, convidando-o para um beijo que, como da outra vez, ele tentou resistir de início, mas depois correspondeu apaixonadamente.

 

(…)

 

As férias passaram rápido, e um novo e agitado ano letivo teria início.

 

“A rebeldia é uma doença que se cura com duas coisas:

 

— Resolveu soltar o cabelo, Cecille?

— Lógico! Com aqueles rabos de cavalo, eu acabava sendo confundida com uma garotinha!

— E desse jeito você acha que não?

 

a idade e a conveniência.”

 

Foi isso o que eu aprendi com ele, da pior forma.

 

— Vamos conhecer o novo professor, Cecille! As meninas estão dizendo que já o viram pelos corredores, e sabe da maior? Ele é um gato!

 

Sr. Spencer…

 

— Boa tarde, meninos e meninas! Meu nome é Roger Thompson, e eu estou pronto para ouvir seus nomes e como foram as férias de todos vocês!

 

...eu prometo que vou ser uma boa aluna para o novo professor!

 

 

FIM


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Tears - As lágrimas de uma menina" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.