Arranjos & Desarranjos escrita por Lily Masen, Shalashaska


Capítulo 5
Pincéis & Convites


Notas iniciais do capítulo

Olá! Shalashaska falando.
Quero agradecer o apoio que recebi nos últimos dias, que foram difíceis. Foi muito importante para mim ser acolhida com tanto carinho ♥ Eu e a Maria nos esforçamos para deixar esse capítulo pronto e não queríamos demorar mais para postar.
Boa leitura!



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Claire não se dignificara a olhar para o irmão o caminho inteiro, desde os jardins verdejantes até a sala de jantar luxuosamente decorada. Ela comeu em silêncio, lutando para controlar a própria respiração, enquanto sentia o olhar dele fincado sobre ela.

— Por quanto tempo você pretende continuar agindo assim? — Jude cruzou os braços, observando-a atentamente. — Você não é mais uma criança.

— Mamãe, não estou mais com fome. Com licença. — A garota respondeu, oferecendo um sorriso gentil à baronesa, antes de dar as costas para o rapaz e subir o longo lance de escadas até o seu quarto.

Bastou que a porta fechasse atrás de si, para que os sentimentos que a sobrecarregavam transbordassem. Claire apoiou as costas na madeira, deixando-se cair até o chão, inconformada. Quis gritar, abrir as janelas e esbravejar com a cidade inteira. 

Que se danem os londrinos, os ingleses, que se danem todos! Que vão para o inferno junto com essas malditas regras!

Ela cobriu o rosto com as mãos, visualizando todos os contos de fadas com os quais sonhara se desfazerem, queimando até que se tornassem nada além de cinzas. Talvez o amor verdadeiro não tivesse sido feito para pessoas como ela — com um sobrenome a zelar e tradições a cumprir — e conceitos infantis e ilusórios como pares perfeitos e felizes para sempre não passassem de fantasias às quais ela se agarrou por tempo demais. 

— Eu vou morrer sozinha. — ela sussurrou, abraçando os próprios joelhos e enterrando o rosto no espaço que se formara entre eles. A solidão a assustava, como um fantasma, esgueirando-se pelas sombras, engolindo-a.

Por um segundo, cogitou considerar que Jude tinha razão, ela não era mais criança. Já deveria ter feito as pazes com a ideia de se casar com alguém que não amava, afinal, não era esse o destino de todas as mulheres de sua classe? Mas ela sabia que aquilo não era justo, não queria sacrificar seus valores em troca de uma vida confortável. Claire queria se orgulhar dos caminhos que escolhera e, por isso, não poderia seguir pela direção mais fácil. Ela seria capaz de suportar um homem que não amava pela honra de sua família, mas ter de viver longe do que mais amava? Uma vida baseada em organizar festas, escolher paletas de cores ou tecidos seria o mesmo que morrer, ela estava certa disso.

Cavalheiro algum aceitaria uma dama como ela, com sua pouca instrução acerca de tantos tópicos considerados essenciais para uma moça: música, pintura, poesia, bordado e tantos outros que ela sequer saberia citar e — se eles soubessem do seu apreço por sujar a barra dos vestidos de terra ou que, longe da vista dos fofoqueiros, já usara as roupas do irmão para jogar inúmeras rounds de inúmeros jogos — não haveria chance de um casamento em seu futuro.

Mas sentir pena de si mesma não a faria bem algum, ela constatou. Claire suspirou profundamente, antes que fosse engolida pelos seus próprios pensamentos — que se afundavam em sua infelicidade, melancólicos e deprimentes — e se levantou do chão. Com a postura ereta, ela deixou seus aposentos e pediu que a criada a acompanhasse até uma propriedade não muito distante. Ela precisava de alguém que a ajudasse a vislumbrar algo além de um futuro lastimoso ao lado de um homem qualquer. Alguém inteligente e que não tivesse medo algum de dizer o que pensava, mesmo que estivesse contra uma sociedade inteira.

— Oooolá? — Pietra abriu um sorriso largo, escancarando a porta e abrindo espaço para que ela pudesse entrar. — Carlota não me disse que você vinha.

— Ela não me disse que vinha. — a garota de cabelos negros respondeu, aparecendo atrás de Pietra com um pincel nas mãos. — Mas não há problema, pode pintar comigo e com Nina. 

Carlota não percebeu na jovem senhorita o espírito vivaz que sempre a acompanhava, como se uma lufada de ar frio tivesse congelado o dia quente de verão que costumava associar às feições alegres de Claire. Talvez aquele fosse um dos raros momentos em que o otimismo excepcional da garota não fosse o suficiente para elevar seus ânimos, imaginou. A garota parada em sua soleira parecia sem jeito, como se ela tivesse dificuldade em pôr em palavras os sentimentos contornados que a trouxeram até ali.

— Bem, eu… — ela tentou dizer, mas logo foi interrompida pela jovem a sua frente, que limpava as mãos em uma pequeno pedaço de tecido. 

— Ah, você precisa conversar. — Carlota ofereceu-lhe um sorriso caloroso. — Pode me esperar lá em cima, eu vou só guardar essas coisas.

— Não, eu… pintar seria bom. — Claire forçou um sorriso, atravessando a sala com passos largos e confiantes.

— Depois pode vir jogar comigo e com Matteo. — Enrico gritou, do cômodo vizinho, enquanto folheava a edição mais recente do jornaleco de fofocas.

— Seria um prazer! — disse, vibrante.

Por um segundo, esquecera-se da contenda que tivera com Jude há pouco tempo. Ela sempre sentira-se acolhida pelos Benedetti, como se pertencesse a este lugar — e como se fizesse parte da família — embora não carregasse o mesmo sobrenome que eles. Portanto, não teve dificuldade em achar a sala de desenho, os materiais de pintura e o avental branco, para evitar voltar para casa com o vestido azul pálido manchado. Logo, Claire estava parada diante de uma tela em branco, sem ideia alguma do que fazer com o pincel em sua mão.

— Nunca achei que você fosse do tipo artístico. — Carlota comentou, escondida sob o seu quadro quase terminado. Uma única mecha do cabelo negro cruzava a sua testa, enquanto o resto estava preso em um coque mal feito. — Você me lembra de tacos, bolas e… calças?

— Eu só preciso de uma distração. — disse, franzindo a testa, forçando-se a pensar em algo. Um campo florido, talvez? Não, muito básico. Um casal evocaria um romantismo que não lhe apetecia muito no momento…  — Mas parece que não está funcionando.

A outra inclinou a cabeça para o lado, de forma que pudesse ver Claire do outro lado do cômodo, com um semblante curioso. Então, fez a pergunta que a garota tanto temia: — O que você vai pintar?

— Não faço ideia. — admitiu, cruzando os braços sobre o peito. Talvez tenha sido uma má ideia, visto que aquelas tintas pouco faziam para ajudar a sua mente perturbada. Ao invés disso, a sua incapacidade de pensar em um tema a irritava ainda mais.

— Bem… que tal pintar sobre o que você está sentindo? — uma vozinha sugeriu, com um sorriso alegre. — Sempre funciona comigo!

— Grande ideia, Nina! — Carlota disse, com um olhar encorajador. — Estou ansiosa para ver o que você vai fazer. Você consegue.

— Fácil para você dizer. — ela resmungou, mergulhando o pincel na tinta preta.

Alguns traços irregulares marcaram a tela, enquanto alguns pareciam feitos totalmente ao acaso, outros pareciam de uma precisão impecável. Novas cores mancharam a pintura, vibrantes e sóbrias, tons pastéis e intensos, frios e quentes. Como uma explosão de sentimentos, a imagem se formou sob as cerdas do pincel, organizada e caótica. Ela soltou um longo suspiro, ao deixar sua última pincelada sobre o quadro — sentia-se aliviada, como se um grande peso tivesse sido retirado de seus ombros — surpresa ao notar que bater em uma bola com toda a sua força não era o único jeito de permitir que sentimentos negativos partissem. 

— Você… tinha razão? — Claire exclamou, em choque, afastando-se para apreciar a arte que criara.

Ela deixou o pincel em um pequeno recipiente de porcelana e retirou o avental sujo, apenas para notar que o tecido claro do seu vestido não escapara de um grande e amarelo respingo. Bem, era fato que os céus não a haviam abençoado com uma dose considerável de autodomínio, o que resultara numa jovem um tanto desengonçada no que se tratava de tarefas delicadas. Sua mãe fora a primeira a constatar sua profunda inaptidão para o bordado — depois, seu desgosto pela leitura e sua incapacidade de decifrar os segredos escondidos nas entrelinhas de um poema, e — por fim, a sua habilidade impressionante de conseguir transformar o pianoforte numa arma fatal. Dada as circunstâncias, ela nunca achou que uma tela e um pincel pudessem ser capazes de um feito tão fantástico.

— Quando é que eu não tenho? — disse, divertida, caminhando na direção de Claire com uma curiosidade sequiosa.

— É um pouco abstrato, não? — Nina, que também havia ocupado um espaço atrás da garota de cabelos castanhos e encaracolados, comentou. Ela se inclinou para a frente, analisando cada detalhe da pintura, com um olhar escrupuloso. — Tem muitos… traços, acho. Mas eu gostei!

— Parece-me um tanto… sombrio. — Carlota disse, com a mesma expressão que ocupara a fronte da irmã há poucos minutos em seus grandes olhos esmeralda. — Você quer me falar o que aconteceu?

— Na verdade, foi por isso que eu vim. — respondeu, ligeiramente envergonhada. 

Ela nunca gostou de despejar os seus problemas sobre ninguém, especialmente os que se tratavam de sua vida amorosa. Guardou as tintas no pequeno armário branco, assim como os pincéis, agora limpos.

— Certo, vamos para o quarto, então. — Ela sorriu, exibindo o vestido perfeitamente intacto após retirar o avental, e voltando o seu olhar para a irmã mais nova. — Quero ver o seu quadro quando terminar, Nina!

— Você será a primeira a ver. — a garotinha prometeu, enquanto as outras duas deixavam o cômodo e subiam os lances de escada que levavam até os aposentos de Carlota.

— O que houve? — irrompeu, assim que fechou a porta atrás de si, ao passo que Claire deixou-se cair na cama, com um ar derrotado.

— Jude me deu um ultimato. — Ela suspirou, inconformada. — Ou caso-me nesta temporada ou ele mesmo me achará um marido na próxima.

— Nossa. — disse, franzindo o cenho. Normalmente, saberia o que falar, mas fora pega de surpresa pela notícia. — Uau, eu não esperava isso dele.

— Eu sei! Isso é um absurdo! — bradou, sentando-se da beirada da cama com uma postura ereta. — Eu sou uma pessoa completa. Não sou menos mulher por não ter um marido.

— É claro que não, mas… — começou, mas logo foi interrompida por Claire, que exibia feições embravecidas que raramente ocupavam seu rosto.

Argh! Eu deveria ter dado uma joelhada no saco do Jude quando tive a oportunidade, mas fiquei tão atordoada que sequer consegui pensar direito.

— Bem… agora você me entende.

Carlota suprimiu um sorriso, lembrando-se dos argumentos da amiga em prol do jovem Jeremy: burrinho, mas endinheirado. No entanto, ao que parecia, agora ela se encontrava na mesma posição e, sem dúvidas, não tinha pensado em usar nenhum dos seus próprios conselhos. Case-se com um homem rico que a deixe jogar as partidas que tanto ama, ela pensou em dizer, mas sabia que seria rude e inútil. Claire precisava de qualquer coisa, exceto do seu deboche agora.

— Você não está ajudando! — reclamou, fitando-a com seus olhos suplicantes e desesperados. Ela fora até lá em busca de uma solução, mas começava a questionar se tal coisa existiria.

— Certo, bem… eu tenho uma ideia… — disse, sugestiva, inclinando-se na direção da outra como se estivesse prestes a contar um segredo de Estado. — Na verdade, o correto seria dizer que eu tenho um homem para você… Ele não é burrinho e gosta de esportes, o que acha?

— Eu já tenho alguém em mente. — assumiu, consumida pela própria timidez. Era a primeira vez que dizia em voz alta que já tinha alguém em seu coração. — Não quero me casar com ninguém mais.

— Podemos trabalhar com isso. — Ela sorriu, tocando o queixo suavemente. Claire era quase capaz de escutar as engrenagens se movendo dentro da cabeça da garota, fazendo com que a maquinaria funcionasse e a fumaça lhe escapasse pelas orelhas. — Mas eu preciso de nomes.

— Ah… — A garota tornou-se tão vermelha quanto um tomate, cruzando as pernas e as balançando para se distrair. Mas não foi o suficiente para impedir que uma risada alta e nervosa lhe escapasse os lábios. — Eu prefiro manter segredo até que ele demonstre algum interesse.

Carlota bufou, praguejando baixinho em italiano: — Como hei de ajudá-la, assim?

— Bem, se nada der certo… sua sugestão pode vir a calhar. — Claire deu um sorriso amarelo, levantando-se da cama e caminhando em direção à porta.

— Então já veio até aqui com um plano? — disse, indignada, enquanto a seguia. Mas que audácia da senhorita Evans de pensar em uma trama e não incluí-la. — E não precisa de ajuda para pô-lo em prática?

— O meu plano é esperar, se é que isso faz sentido.

— Bem, eu não gosto de simplesmente confiar na sorte — tentou, mais uma vez sem sucesso, fazer com que Claire a desse ouvidos. — Se apenas me dissesse o nome do cavalheiro…

— O que você acha de cavalgar? — Carlota escutou alguém, parado ao final da escada, sugerir. — Tomei a liberdade de pedir aos criados que preparassem os cavalos.

Oh, eu adoraria. Mas não podemos ir sozinhos, infelizmente. — A garota se voltou para os degraus, olhando para cima com uma expressão esperançosa.

Em resposta, a outra bufou: — Claro, seria um prazer acompanhá-los.

O som de risadas esporádicas e conversas ecoavam no observatório da casa dos Berkshire, geralmente um cômodo silencioso. Margot, em seu íntimo, apreciava a diferença. Mesmo nas poucas semanas após se mudar para Londres, estava mais acostumada com a quietude das noites em que passava ali dentro com o irmão, observando o céu através de telescópios ou revendo cálculos e previsões pela milésima vez. Apenas de vez em quando, James chamava algum colega astrônomo ou físico, e as conversas não eram extensas. Subir no observatório enquanto a luz do dia ainda atravessava os vidros e acompanhada de amigas era uma mudança agradável.

Era o lugar favorito de Margot, além do jardim. Havia sido reformado há pouco tempo, adaptado para abrigar os estudos astronômicos de maneira efetiva, embora modesta em relação a demais observatórios existentes. Quem sabe fizessem alterações mais profundas no futuro? Por enquanto, tratava-se uma estrutura cilíndrica com teto adornado em uma bela abóbada, com três sacadas ao redor da torre e uma escada de ferro para um piso superior, utilizado somente para observações especiais. 

Não havia tantos móveis ali, apenas o suficiente para duas pessoas passarem longas horas estudando: poltronas, estantes baixas com livros e mapas, um globo giratório, materiais para escrita… Além de, é claro, um trio de telescópios com especificações diferentes. Margot não quis entediar suas novas amigas com explicações minuciosas sobre as diferenças dos aparelhos, mas demonstrou como funcionavam ao apontá-los para o horizonte. Naquele momento, as três estavam sentadas diante de cavaletes com blocos de papel mais grosso apoiados sobre a madeira e potes de água e tinta ao redor delas. Beatrice havia trazido uma pasta com seus desenhos para mostrar algumas técnicas e Margot também havia mostrado suas tentativas com aquarela. Há poucos passos delas, jazia um vaso com um trio de lírios — figuras que elas buscavam reproduzir no papel. 

— Vamos de novo, Aurora. — A moça descendente de italianos riu, bondosa em sua correção. Aproximou-se mais um pouco para conferir o progresso — ou a falta dele — da amiga, para então voltar-se ao próprio desenho. — Vou repetir como se faz essa pincelada e você tenta mais uma vez.

— Ah, senhorita D'Angelo… — Respondeu com as bochechas coradas, mas não ofendida. Margot sorriu com a reação adorável e educada da moça irlandesa, enquanto mexia seu pincel na água em silêncio. Quando convidou Beatrice para uma tarde em sua casa, ela sugeriu que Aurora fosse convidada também, pois as duas tinham se dado bem no baile. E por que não? Margot apreciava a companhia e até agora as três estavam se divertindo. — Eu sou melhor com costura, não com desenhos. E certamente aquarela não é meu forte!

A outra arqueou uma sobrancelha, intrigada pelo nível de cortesia de Aurora. Parecia sempre estar em um salão, de tão delicada e gentil. No entanto, Margot também havia notado a preocupação dela ser demasiadamente educada, como se não pudesse ainda relaxar. E, assim como Beatrice, queria que ela pudesse folgar na companhia de amigas:

— Sabe que pode me chamar pelo primeiro nome, sim? 

— Ah, perdão… Beatrice.

Beatrice sorriu e depois inclinou a cabeça, pensativa:

— Talvez fosse melhor tirar as luvas. 

De doçura, a face de Aurora foi para o pânico. A mudança de sua expressão foi ligeira e logo ela tentou disfarçar, mas Margot já havia notado como ela prendera a respiração e arregalara os olhos. A moça havia encarado as próprias mãos, depois os braços de Beatrice e por último os braços de Margot, cuja pele ostentava cicatrizes pálidas. Não eram cicatrizes tão feias, a maioria causada por travessuras no campo ou acidentes na montagem de telescópios. Margot não se envergonhava delas, mas sabia que nem todos tinham a educação de simplesmente não ligar para suas cicatrizes, tanto é que também costumava usar luvas.

Não foi difícil imaginar que Aurora tivesse alguma marca semelhante e que não se sentia à vontade expondo-a.

— Ah, eu… — Sorriu sem graça, buscando as palavras com dificuldade. — Bem…

Margot decidiu intervir:

— Só tome cuidado para não manchar as pontas dos dedos com a tinta, Aurora. — Segurou a mão dela, sem pedir que tirasse as luvas, e sorriu. — Não são manchas difíceis de limpar, mas para quê se dar ao trabalho? Requer um pouco de treino para desenhar com elas, você consegue.

— Ah, sim. Obrigada, Margot. — Os olhos cor de mel dela transbordavam alívio. E ela foi rápida para mudar de assunto, tanto para livrar-se da situação quanto para não deixar a outra confusa. Desenlaçou sua mão de Margot e deu mais uma pincelada: — Beatrice, você acha que está ficando bom?

— Sim, melhor que antes. — Ela disse com sinceridade e chacoalhou o pincel. — Não se preocupe em gastar o papel, temos bastante aqui. O importante é se divertir!

Margot assentiu e completou:

— Beatrice pinta belos cenários da Itália. Logo você poderá pintar lugares da Irlanda só pela memória.

— Eu certamente teria que usar mais verde.

A italiana riu:

— Temos o suficiente para você mapear cada variação de tom de grama.

— E você, Margot? O que vai pintar?

Ela deixou o pincel suspenso, sem tocar o papel enquanto pensava. Acostumara-se com cores escuras para retratar a noite, deixando espaços para a luz de estrelas e a palidez da lua. O carvão e a pluma e tinteiro eram suas ferramentas favoritas. No entanto, a aquarela abria novas possibilidades.

— O céu. — respondeu, pensando no final da tarde ou no fim da madrugada, quando o sol surgia ao Leste. Depois o oceano subitamente preencheu seus pensamentos, trazendo o cheiro salgado e a memória de sua luneta. Onde estaria Salazar Roffman? — Talvez o mar. Os dois têm estrelas, certo?

Antes que Beatrice ou Aurora pudessem rir da comparação sem graça, um toque na porta despertou-as da conversa. A anfitriã logo repousou o pincel no cavalete e se levantou, tirando o avental.

— Ah, deve ser o nosso chá. Pedi para Lilian trazer…

Quem bateu não esperou resposta. A porta se abriu e a figura que adentrou o observatório definitivamente não era a criada chamada Lilian, mas sim um homem vestido com um casaco vermelho como uma romã. Parecia tão confuso de encontrar o trio de mulheres ali dentro quanto elas. Enquanto Beatrice e Aurora lhe lançavam olhares preocupados, Margot apenas cruzou os braços para o rapaz de aspecto altivo. Frederik Strawell era um conhecido e a única coisa que a moça estranhava era um ferimento acima do olho esquerdo, assim como o dorso do nariz levemente inchado. Soubera através do jornaleco de fofocas que ele andou brigando por aí há alguns dias na cidade, mas achou que era mero boato.

— Perdão, senhoritas. — Ele fez uma mesura respeitável. — Vim encontrar James e ele geralmente fica no observatório. 

Ele disse que estaria aqui? — Questionou-o e quando Frederik confirmou, ela descruzou os braços e relaxou os ombros. Ainda teria que ter uma conversa com James sobre respeitar seus pedidos, pois ela requisitara privacidade naquela tarde. Entretanto, o pobre Frederik nada tinha a ver com isso. — Então ele não deve demorar a chegar. — Virou-se para as amigas e o introduziu: — Este é Frederik Strawell, dono de um negócio de importações e amigo do meu irmão. À direita está Beatrice D'Angelo e à esquerda, Aurora Wintergarden.

Ou aquilo era rubor genuíno ou as duas tinham pingado um pouco de tinta vermelha em suas faces. Margot foi obrigada a engolir seco para não rir, ao mesmo tempo em que pensava que Frederik não era tão bonito assim. Ele era elegante e muito educado com as mulheres, mas Freddie — como seu irmão e outros amigos chamavam frequentou o suficiente sua casa para a loira saber que ele era um tanto bobo e certamente um boêmio. Deste modo, Margot não conseguia enxergá-lo de nenhuma outra forma além da amizade.

E um pouco de deboche saudável.

De qualquer modo, as duas levantaram-se brevemente para cumprimenta-lo com uma mesura, as vozes esmiuçadas pela timidez. 

— Olá.

— Prazer.

Ele sorriu com tal reação das jovens, observando-as. Depois, passou a andar e encarar o ambiente com vaga atenção, alternando entre os objetos do observatório e os desenhos espalhados. Enquanto isso, Margot acompanhou a reação das amigas: Aurora havia retornado a sua postura de extrema gentileza e Beatrice seguia a mesma linha. No entanto, enquanto a irlandesa parecia pender para o lado da cortesia, a italiana revelava algo mais em seu rosto.

Margot apreciava a figura de Beatrice, seus olhos verdes pareciam esconder uma personalidade muito mais audaz do que sua baixa estatura sugeria ou que ela mostrava em um primeiro momento. Era intelectual, poliglota, educada. Quando estava à vontade, esboçava opiniões articuladas e honestidade. Mas Margot compreendeu que Beatrice não olharia para seus lábios assim como ela encarou-lhe quando se conheceram e, na realidade, estava tudo bem. Parecia algo impossível afinal, e ela se satisfazia verdadeiramente com sua amizade.

E achava um tanto engraçado Beatrice ficar alterada justamente por Frederik, um libertino de bom coração.

— Há peças boas aqui, — Ele disse, acariciando o maior telescópio. — Mas acho que vocês dois vão preferir a encomenda que chegará ainda nesta semana.

Aquilo atiçou a curiosidade dela. Um lampejo atravessou seus olhos azuis e, de repente, ela se viu mais perto de Frederik para investigar.

— Chegará a tempo do evento da comunidade de astronomia?

— E eu já atrasei alguma entrega, Margot?

Deveras. — Ela admitiu. — Nas entregas, o senhor é extremamente pontual.

Frederik estreitou as pálpebras, desconfiado:

— Perdoe-me se estou errado, mas senti um toque de ironia na sua voz.

— Muito perspicaz. James já me contou o seu hábito de chegar em horários inoportunos… Tanto é que hoje veio cedo demais, não?

O sorriso dele foi largo e cativante, tanto que naquele momento Margot quase pôde confessar que sim, ele era bonito — mesmo com o rosto marcado por alguma briga recente. Frederik uniu as mãos atrás das costas e caminhou até Aurora e Beatrice, muito observador.

— Não se deixem enganar por estas palavras, jovens damas. Talvez eu tenha que melhorar minha pontualidade, mas possuo outras virtudes. — Ele argumentou, sua voz muito macia. — Inclusive… Quero propor um chá da tarde no parque, para provar que consigo me ater aos horários previstos. O que me dizem? Leve seu irmão, Margot.

Ela cruzou os braços.

— E quem mais estará lá, senhor Strawell?

— Meu primo, como deve esperar. Henry Dashwood. — Virou-se para as jovens com um sorriso, explicando quem era. — Talvez mais alguém, mas não posso afirmar.

Margot soltou um suspiro. De fato, ele era um tolo charmoso e agora ela estava realmente curiosa como tal encontro se desenrolaria — e como Aurora e Beatrice iriam se comportar lá. Sem conter o sorriso no rosto, ela buscou o olhar das duas e perguntou:

— O que acham de uma tarde um tanto imprevisível?

 — Talvez… — Aurora riu e desviou o rosto. — Seja adorável.

Beatrice levantou as mãos, rendida:

— Fui convencida.

O sorriso satisfeito de Frederik foi ainda mais largo, ainda mais brilhante e, aos olhos atentos de Margot, se assemelhava à lua quando míngua. Ele assentiu e fez uma nova mesura, agradecido.

— Mandarei o local e o horário em breve, senhoritas.

— Combinado, senhor Strawell. Mas devo dizer que somos exigentes.

— Ah, eu sei disso. 

Margot retrucou:

— Oh, ironia na sua voz?

Mas ele nem se preocupou com a acidez falsa na voz da jovem. Parecia já pensar nos detalhes da ocasião como se tudo já tivesse acontecido. Mais uma vez sua atenção alternou-se entre os desenhos e as jovens, até que declarou com entusiasmo:

— Será tão agradável que aposto que irão pintar as memórias do evento. E devo dizer que são muito boas nisso, principalmente você. — Ele ancorou seu olhar em Beatrice, que por sua vez permaneceu calada. — Já pensou em montar uma coleção de pinturas de paisagens e cidades? Pois deveria. 

Os lábios de Beatrice se abriram e fecharam sem que sua voz escapasse da garganta. Havia um brilho novo no verde de suas íris, mas antes que pudesse encontrar as palavras certas para dizer, um timbre masculino diferente atravessou a sala.

— Importunando as meninas, Strawell? — James andou até metade do observatório e realizou uma mesura para cumprimentar suas visitas. Depois, ele ajeitou o casaco escuro e  os cabelos loiros em gestos rápidos, em uma tentativa de se mostrar mais apresentável. Quem sabe tivesse vindo correndo pelas escadarias, coisa comum. — Senhorita D'Angelo, senhorita Wintergarden.

Margot pigarreou de leve, atraindo a atenção de James.

— Cumprimentos para sua irmã cairiam bem.

Ele só lhe lançou aquele olhar divertido que poucos testemunhavam do astrônomo, o suficiente para Margot ficar satisfeita. Ainda assim, porém, iria confrontá-lo sobre mandar visitas onde ela já havia dito que queria privacidade. 

— Vamos descer, Frederik. — Ele fez um gesto com as mãos, chamando-o. — Não quero incomodá-las com assuntos enfadonhos sobre negócios e nem com as suas anedotas das viagens.

— Peço licença, senhoritas. — Ele se afastou e fez uma despedida educada, assim como James. — E até breve.

Aquele encontro seria deveras imprevisível, disso Margot tinha certeza. Frederik ainda iria convencer James a ir no café da tarde — embora não fosse difícil, já que Margot iria — e não duvidava de que ele iria se esforçar para realmente levar Henry Dashwood, mas tudo aquilo não passava de um evento curioso para ela. E ela adoraria uma dose de diversão com Beatrice e Aurora, ainda mais se fosse para testemunharem juntas o quanto rapazes podiam ser tolos com as palavras. Era um excelente entretenimento, assim como as anedotas de viagens de Strawell.

Mas, naquele instante, ela se importou mais com o chá e os bolinhos que ainda tinham que ser servidos.

O som da bengala de Henry Dashwood ecoava no piso do depósito próximo ao porto, fazendo um barulho oco e espaçado enquanto ele caminhava entre os caixotes de madeira. Henry podia enumerar os defeitos de seu primo em uma lista, mas não podia acusá-lo de não cuidar bem de suas propriedades e negócios, pois ao contrário de muitos depósitos perto do mar — que geralmente sofriam com umidade e ratos — aquela construção estava livre de grandes problemas e parecia sofrer constantes revisões. No entanto, ele ainda não havia entendido a ordem dos caixotes e era por isso que sua visita ao depósito não estava sendo nada breve. 

Era por uma boa causa. Quando Salazar Roffman apareceu sem aviso em sua casa, pedindo ajuda para encontrar uma lente de um diâmetro e curvatura específicos, ele se dispôs logo a deixar o livro que estava lendo para auxiliá-lo. Não era todo dia que Salazar solicitava falar com Frederik e, como parecia urgente, Henry concluiu que a situação era grave. Frederik não estava ali, mas Henry podia acompanhá-lo até o depósito. Quem sabe fosse algum pedido extraviado de um cliente importante, algo que absolutamente não poderia aguardar um novo carregamento do navio dali a algumas semanas.

Mas a história que o outro lhe narrou era muito mais interessante. Henry duvidava que ele fosse contar a mesma versão ao seu primo, e talvez o rapaz até não dissesse-lhe nada ou ainda trocasse farpas com Frederik. Parecia plausível. O fato é que Salazar conhecera alguém durante um baile, em uma situação improvável e deveras poética. Ora, uma estrela cadente é uma moça adorável em um jardim? Soava-lhe como uma história inventada, planejada. Não que o próprio Salazar se alongasse para falar sobre o acontecido, mas Henry podia se orgulhar da sua própria capacidade de enxergar um pouco mais do que os olhos viam, ou — no caso — compreender mais do que as palavras que escutava. 

Enquanto ele refletia sobre a situação, Salazar aproveitava para conferir a carga de mais um caixote de madeira. Aquele estava marcado como “frágil”, “vidro” e “instrumentos científicos”, portanto deveria ser o lugar correto para encontrar o que precisava. Depois, Henry ainda teria que aconselhar melhor seu primo sobre classificação e organização de mercadorias para que ao menos parecesse seguir uma ordem lógica.

Salazar soltou um suspiro ao debruçar-se sobre o interior do caixote:

— Ainda é difícil acreditar que não tenho justamente essa lente. 

— De fato. — Concordou, apoiando-se na madeira do lado oposto com o quadril, quase sentado. Ficou com os braços apoiados na madrepérola de sua bengala, sorrindo pela ironia da situação. — Logo você, que aprecia antiguidades.

O rapaz interrompeu sua busca pelas lentes para trocar um olhar constrangido e divertido com o outro. Não pode fazer nada além de sorrir de volta, derrotado.

— Pode rir do meu maldito azar, Dashwood. Ao fim, tive que procurar ajuda no depósito do Frederik.

— Não seria o senhor que diz tanto que “a desgraça só é desgraça se vem em dobro”?

Uma gargalhada escapou de Salazar.

— Talvez eu devesse economizar essa frase.

— Agora deixe-me confirmar se entendi corretamente: por acaso, durante o último baile, você se deparou com uma donzela prestes a cair de um banco e, também por acaso, você a pegou nos braços e a luneta dela se espatifou no jardim?

Não havia muita luz no depósito naquele fim de tarde, o que era uma pena: Henry adoraria conferir com detalhes se de fato seu amigo estava ruborizado ou não. O amigável, cortês e reservado Salazar Roffman corado deveria ser uma visão, no mínimo, singular. Talvez justamente pensando em não expor sua face, o viajante mexeu mais a fundo no caixote e trocou de lado, dando as costas para Henry.

— Eu te contei uma versão totalmente desprovida de deboche, senhor Dashwood.

— E também desprovida de um sotaque galês muito interessante. — Retrucou, depois ergueu uma das mãos em sinal de rendição quando Salazar lhe lançou um olhar um tanto aborrecido por detrás do ombro, embora entretido também. — Perdão, sou um romântico incorrigível, sabe disso. Não é à toa que coleciono os livros que encomendo ao senhor.

Apesar dos inúmeros deveres em Stormhold, Henry Dashwood encontrava sempre tempo para ler e não escondia sua preferência por assuntos fantasiosos — como o folclore da região e demais mitos de outros lugares — e romance. É claro que as obras da época tinham o seu devido valor, tanto é que acompanhava as últimas publicações de Byron. Undine, de Fouqué, tinha uma proposta interessante e combinava os elementos fantásticos como um espírito d'água que se casou com um homem para ganhar uma alma. Mas sua irrefutável preferência era Jane Austen.

Sua falecida esposa gostava de livros também. Na realidade, Henry acreditava que a maioria das jovens apreciava o hábito da leitura e com Elizabeth não era diferente. Ela adoraria ter lido um livro de Austen no qual a protagonista carregava seu nome e teria encontrado muito prazer em desvendar fofocas de romance das temporadas sociais de Londres.

Não havia uma única vez que ele não se recordava dela com carinho e se questionava se poderia sentir-se assim de novo. Apaixonado. Nervoso e ardente por esconder esse sentimento volátil no peito, praguejando por suas bochechas lhe traírem. E então, a absoluta calma ao segurar a mão de quem amava. Parte de si queria aconselhar Salazar a não demorar-se muito na fase da negação de tal sentimento, mas a outra parte de si o convenceu a ficar em silêncio. Seu amigo era bem focado quando queria e iria arrumar sua própria forma de expor o que se passava em seu coração.

E talvez fosse melhor ele conhecer mais a moça.

— E vai ficar sem nenhum livro se não tirar esse maldito riso do rosto.

Foi a vez dele rir com essa resposta petulante de Salazar.

— Eu deveria atingi-lo com essa bengala e depois falar à guarda do porto que existe um intruso neste depósito. Fale direito como ela é. — Insistiu, ajeitando as mangas de seu casaco verde-musgo. — Vamos, me conte pelo menos o nome.

— Margot.

Margot. — Repetiu, lembrando-se do significado do nome, que era deveras apropriado para um homem que adorava o mar. — Quem diria, não? Parece que o pirata encontrou uma valorosa pérola. Ou deveria chamá-lo de corsário?

— Curiosamente comecei a achar que ser chamado de pirata não é tão ruim assim.

Henry estreitou os olhos, mais uma vez sentindo um significado maior nas palavras do amigo. 

— O que não está me contando, Roffman?

— Encontrei! — Ele ergueu a lente e testou seu diâmetro na luneta, que até então estava guardada em seu bolso. — Veja, encaixa perfeitamente.

— Não desvie do assunto. 

Mas um estrondo interrompeu o interrogatório: tratava-se da porta do depósito abrindo-se e não demorou para que uma figura se aproximasse com passos decididos, além de uma expressão ladina no rosto. A presença de Frederik Strawell realmente era impossível de não ser notada e naquela tarde ele estava particularmente vibrante, tanto que o vermelho de suas vestes parecia brasa incandescente. Ele parou diante dos dois e cruzou os braços, intrigado.

— O que estão fazendo no depósito?

— Salazar precisava de uma nova lente para a luneta dele e eu o trouxe para cá, já que você não estava em lugar nenhum. — Henry adiantou-se, ciente de Salazar não tinha muita paciência com o modo teatral de Frederik, nem seus hábitos libertinos. Mas, apesar de querer manter a paz, não podia deixar de provocar o primo. — Vejo que ao menos não arrumou nenhuma briga.

— Eu estava tratando de negócios na casa dos Berkshire, para sua informação. — Ele retrucou, nada afetado pelo comentário — pelo contrário. Sua animação somente cresceu. — E retornei com excelentes notícias! Quero que suspenda qualquer coisa na sua agenda e vista suas melhores roupas daqui a dois dias.

— Ah, Frederik…

Salazar permaneceu em silêncio com a luneta em mãos, ao passo que outro suspiro cansado escapava da boca de Henry. Talvez ele devesse frequentar mais as partes baixas da cidade para arranjar outras brigas e somente voltar quando saísse com o nariz quebrado.

— Temos uma adorável chá da tarde marcado no parque e eu recuso qualquer resposta negativa da sua parte. Preciso que tudo esteja perfeito. — Continuou. — A dama Berkshire é exigente quando o assunto são doces.

Ele cutucou o ombro do primo com a ponta da bengala, na tentativa de trazê-lo um pouco mais perto da realidade.

— Só porque você faz negócios com os Berkshire não quer dizer que ela tenha paciência com suas historietas.

— Eu não diria que ela tem paciência, mas certamente Margot se diverte às minhas custas.

O ar dentro do depósito soprou mais frio, ou essa foi a sensação que Henry teve ao vislumbrar o rosto de Salazar, ainda que de relance. O nome havia despertado algo nele e não foi necessário raciocinar muito para estabelecer relação entre um ponto e outro: Roffman conhecia aquela Margot. E ela — até onde Frederik lhe contava — sustentava algum tipo de relação com aquele libertino tolo. Com o decorrer modo tempo, Henry Dashwood soube que não passava de uma relação comercial amigável, mas Salazar não poderia supor nada disso com o que Frederik havia dito ali, agora. E certamente deveria estar imaginando o pior, como um sério cortejo de Strawell. Salazar lutou para disfarçar e qualquer um poderia ser convencido de que a sua reação não era nada demais… No entanto, para confirmar as suspeitas de Henry, o rapaz questionou:

Margot Berkshire?

— Exato. Você já deve ter feito negócios com o irmão dela também, o James. Então, querido primo, — Frederik inclinou-se, alheio ao que Henry havia notado. — O que me diz? Sim, claro ou com certeza?

Ele tinha uma decisão fácil a tomar: embora não carregasse nenhum interesse particular em ser arrastado para qualquer evento social organizado por Frederik, não tinha nada a perder. Inclusive, era algo leve e inócuo, como todos os chás da tarde deveriam ser. Poderia ainda adicionar uma condição e, desta forma, promover mais um encontro entre seu amigo Salazar e sua dama um tanto avoada.

— Bom, eu me sentiria mais à vontade com mais conhecidos no local. — Deu de ombros, fingindo não ligar muito para a situação. Frederik odiava quando ele soava indiferente e estava tão ávido para que o primo aceitasse o convite que poderia concordar com quaisquer condições. —  Salazar, por acaso tem uma tarde disponível?

O viajante respirou aliviado.

— Sim, eu… — Engoliu seco. — Adoraria te fazer companhia.

— Ótimo! — Frederik uniu as próprias mãos, em um gesto único de bater palmas. — Haverá mais damas no lugar e James Berkshire também nos concederá sua ilustre presença. Quero todos prontos as quatro horas, vou pedir que a carruagem fique impecável até lá. — Depois encarou Salazar. — E pela sua ajuda, nem vou cobrar a lente da luneta, senhor Roffman.

— Eu insisto.

— Na verdade, já estou de partida. 

Foi a vez de Henry Dashwood ficar exasperado.

— Veio aqui somente para nos dizer isso? 

— Não, é claro que não. Também quero dizer que vou ao clube de cavalheiros e quem não quiser me acompanhar, que não me espere amanhã cedo. Eu e Hartridge iremos planejar uma noite no clube que promete ser intensa. Já estão convidados!

Henry estalou a língua.

— Você é um diabrete, Frederik.

Mas ele já sabia disso e assumia toda responsabilidade por suas travessuras. Ao mesmo tempo em que se dirigia para fora do depósito, ditava as orientações para Henry e Salazar:

— Daqui a dois dias, quatro horas, melhores roupas para um chá da tarde. Não se esqueçam!

Ele partiu tão rápido quanto tinha chegado, levando consigo aquela onda de calor e animação que costumava contagiar as pessoas em festas e possíveis parceiros de negócios. Henry gostava disso no primo, a empolgação e seus caprichos aleatórios. Ainda que muitas vezes tal comportamento — completamente oposto ao de Henry — pudesse se tornar exaustivo ou soasse um tanto esnobe, não podia reclamar de uma rotina enfadonha ou poucas aventuras. Se Frederik Strawell recebesse o título de Conde no fim, Stormhold passaria a ser um local muito mais movimentado e atraente.

No entanto, isso não era importante naquele momento.

Henry apoiou a bengala no caixote onde estava sentado e cruzou os braços, encarando Salazar. Sua expressão gotejava satisfação e curiosidade.

— Então… — Ele começou sua pergunta, a voz muito macia e o tom de escárnio. Desta vez, pôde saborear o rubor no rosto do amigo. — Margot Berkshire?


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Notas finais do capítulo

Hmm, mistério sobre quem chamou a Claire para cavalgar hihihi
Frederik já começou a colocar seus planos em prática, muahaha. E sim, Margot é bi.
Estamos curiosas para saber o que acharam! Beijos ♥