Internato Limoeiro escrita por sam561


Capítulo 7
Capítulo VI - Laços sanguíneos


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♥



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As sextas-feiras tendiam a passar vagarosas no Internato Limoeiro, o principal motivo vinha da ansiedade que os alunos que iam para suas casas compartilhavam. Eram cerca de quatro da tarde quando os alunos foram liberados das salas de aulas para um breve intervalo. Na área verde, Mônica praticamente se jogou em um banco junto de Magali.

 

"Sinceramente, acho que nunca quis tanto ir pra minha casa e ver vizinho fofoqueiro." Mônica comentou com Magali, que riu.

 

"Sempre penso assim. Você já falou com o Cebola sobre o reforço?" ela perguntou.

 

"Nem me dei o trabalho de olhar na direção daquele grupo hoje. Quero evitar o estresse." a novata respondeu.

 

"E você vai falar com ele? Que eu também preciso falar, assim a gente podia ver isso juntas." a outra sugeriu.

 

"Tenho que falar, né? Mas não queria fazer isso na frente daquelas duas cobras." Mônica comentou.

 

As duas olharam para onde o rapaz caminhava ao lado de Toni, sem nenhuma das garotas.

 

“Nossa chance! Vem!” a de cabelos curtos disse se levantando e Magali fez o mesmo.

 

                                           X

Cebola e Toni haviam se sentado na mesa que eles geralmente ocupavam quando as duas apareceram.

 

“Oi, Cebolácio!” Magali falou e ele a olhou.

 

“O que a X-9 e a madame violência desejam?" perguntou.

 

“Se falou de desejo, estou aqui para ajudar.” Toni comentou piscando um olho para Mônica, que revirou os olhos.

 

“Seguinte, nós duas temos que fazer reforço de inglês e, por incrível que pareça, você é o monitor.” a novata falou e o moreno riu.

 

Por incrível que pareça? O que te faz achar que eu não posso ser monitor?” ele questionou.

 

Mônica deu de ombros.

 

“Sei lá, sua imaturidade? O tipo de gente que você anda? Suas atitudes?” ela disse e o rapaz franziu o cenho.

 

“Pois fique sabendo que uma coisa não tem nada a ver com a outra! Mas enfim, segunda às duas da tarde.” ele respondeu.

 

“Espera aí, eu tenho reforço de matemática nesse mesmo dia e, provavelmente, nesse mesmo horário!” Mônica comentou.

 

“Quem disse que isso é problema meu?” Cebola disse fazendo Toni rir.

 

“Ér, Cebola, não tem como mudar o dia ou até mesmo horário? Mônica não faz E.A!” Magali perguntou ao ver a amiga séria.

 

“Primeiramente, quem precisa de ajuda não sou eu, então não tenho a obrigação de me adequar às suas necessidades. E outra, eu não tenho esse tempo livre que vocês pensam.” ele disse.

 

Toni se espreguiçou.

 

“Cebola, por que você não fica uma horinha a mais pra ajudar ela? Tu é o chefão do grupo de xadrez.” ele sugeriu.

 

“Não, né, Toni!” o moreno negou.

 

“Calma, eu não terminei! E, com isso, Mônica faz alguma coisa que beneficie você.” o outro completou.

 

Os três olharam para Mônica.

 

“Do que você ‘tá falando? Eu não vou ficar com ninguém em troca de reforço, pelo amor, né?!” ela disse séria.

 

“Eu tenho namorada, lembra? Mas tudo bem, eu posso te ajudar das três às quatro em troca de me dever favores. Fechado?” ele estendeu a mão direita.

 

Mônica olhou para a mão dele e depois para Magali, que assentiu. Nisso, ela suspirou e apertou.

 

“Fechado.” concordou e o rapaz sorriu.

 

“Ótimo! E você, filhinha do diretor? Também ‘tá nesse esquema?” ele perguntou à Magali.

 

“Não, felizmente eu tenho E.A.” ela respondeu.

 

“Felizmente? Parece que além de X-9 é metida.” Toni observou.

 

“Não, eu não...” ela falava até as meninas do grupo aparecerem.

 

“Ué, o que essas duas ‘tão fazendo aqui? Perderram alguma coisa?” Penha perguntou.

 

“Já estávamos de saída! Bora, Magá!” Mônica disse e as duas saíram.

 

“O que elas queriam?” Denise perguntou se sentando com seu lanche em mãos.

 

“Reforço de inglês.” Cebola respondeu.

 

“A filha do diretor também? Há!” a ruiva comentou com um riso.

 

“Você vai colocar isso no jornal?” Sofia perguntou com receio.

 

“É clarro, né, Sofia? E parra com essa passividade toda com nossos inimigos!" Penha disse.

 

Para a surpresa de todos, Denise negou com a cabeça.

 

“Não, eu não vou. Eu posso até ter muita liberdade, mas o diretor deixou claro que se eu mexer com Magali eu vou ser barrada em outras coisas.” explicou e os demais assentiram.

 

“Bom, o lado bom é que agora Mônica me deve uma. Isso sempre é útil.” Cebola comentou.

 

“Por quê?” Penha perguntou.

 

“Ela também faz reforço de matemática, são no mesmo horário e eu dei uma 'ajuda'.” ele respondeu.

 

Denise riu.

 

“Ela devia ter sido esperta e ter pedido pro Nikolas mudar de dia, ele não pratica esportes e topa ajudar as pessoas no dia do esporte.” comentou.

 

“Como você sabe?” Toni perguntou.

 

“Querido, o que eu não sei? Eu tenho informantes nos reforços, de lá sai muita bomba. Sabia que tem gente que tenta subornar os monitores pra fazer em outro dia só pra não falar pra ninguém que faz? Bem ridículo, né?!” ela riu e os demais a acompanharam, exceto Penha que bebeu seu suco olhando para os lados.

                                                          *

As aulas voltaram e não demoraram muito para acabar. Quando o relógio marcava seis horas, muitos pais de alunos começaram a chegar e os corredores estavam barulhentos.

 

Rumo à saída, Nikolas, Tikara e Xavier caminhavam animados com o fim de semana.

 

“Cara, o que ‘cês acham de amanhã a gente jogar alguma coisa online? Nik disse que é gamer, vamos ver se é o bichão mesmo!” o de cabelos lisos sugeriu.

 

“Fechou! Eu não ando jogando muito, mas ainda levo jeito.” Xaveco disse.

 

“Eu sou incrível! Entendam isso.” Nik disse tentando parecer sério.

 

“Ai, cara, não fala assim. Parece a Denise falando!” Tikara comentou.

 

“Falando nela, como ela é no habitat natural? Em casa ela também é escrota?” o loiro perguntou curioso.

 

“Sei lá, eu quase nunca falo com ela.” o outro respondeu.

 

“Vocês moram juntos há pouco tempo?” Nik perguntou.

 

“Vai completar acho que seis meses, nossos pais são recém casados.”  ele respondeu.

 

“Como você consegue ignorar alguém que divide o teto com você por seis meses?” o dono dos dreads perguntou.

 

“Não é impossível. Metade do tempo ela 'tava aqui no IL.” o outro moreno respondeu.

 

“Me ensina! Assim uso isso com o Toni." Xaveco comentou.

 

“O que ele fez dessa vez?” Nikolas perguntou.

 

O loiro lambeu os lábios.

 

“Ah, nada que fuja das provocações habituais. É que irrita, sabe?” ele comentou e os dois assentiram.

 

Enquanto andavam, Nikolas sentiu alguém tocando em seu bolso traseiro. O rapaz olhou para trás dando de cara com Penha. Os amigos pararam e também olharam para a moça.

 

“O que foi? Perderram alguma coisa na minha carra?” ela reclamou e logo seguiu seu caminho.

 

“O que foi, Nikolas? Ela começou a te provocar também?” Xaveco perguntou.

 

“Não, é que... pensei que era outra pessoa!” ele disse e Tikara riu malicioso.

 

“Achou que fosse a Mônica, né? Safadinho! E olha que elas são bem diferentes.” disse e eles voltaram a andar.

 

Sorrateiramente, Nikolas pôs a mão em seu bolso traseiro e tirou de lá um pedaço de papel que continha o número do celular de Penha. Logo o guardou sem que os amigos vissem.

 

                                               *

No dormitório 226B, Ramona terminava de fechar sua mochila enquanto falava com Milena, que tinha uma toalha na cabeça.

 

“Você não vai pra casa?” ela perguntou.

 

“Só em feriados.” a morena respondeu.

 

“Ah, você mora muito longe?” a outra perguntou.

 

“Não, é que aqui no IL eu consigo manter melhor minha rotina de estudos e fico mais... em paz.” Milena disse e a ruiva riu.

 

“Usar paz e IL na mesma frase é uma novidade pra mim.” a outra brincou e a cacheada riu.

 

“Talvez eu tenha usado a palavra errada.” ela disse e, no mesmo instante, Denise entrou.

 

“Muito errada, Ramona!” completou.

 

Denise a encarou.

 

“Tava falando de mim?” ela perguntou.

 

“Por que eu estaria falando de você?” Milena disse e Denise deu de ombros.

 

“Ainda bem que hoje é sexta-feira!” exclamou indo arrumar sua mochila.

 

Ramona colocou a sua nas costas.

 

“Tenho que ir nessa. Tchau, Mi.” a ruiva se despediu.

 

“Tchau, Ramona! Até segunda!” Milena disse tirando a toalha cabeça.

 

“Tchau pra você também, Ramoninha.” Denise falou em tom zombeteiro.

 

A outra assentiu.

 

“Tchau.” disse e, assim que abriu a porta, trombou com Sofia. O baque fora tão forte que quase caiu.

 

“Tudo bem? Quer dizer, olha por onde anda, Cegueta!” exclamou após olhar para Denise, que lhe lançou um olhar estranho.

 

Ramona olhou surpresa, Sofia nunca havia a tratado daquele jeito. A própria Sofia também parecia abobada com suas palavras.

 

“De-desculpa.” a de óculos disse e logo saiu.

 

Denise riu.

 

“Isso mesmo, Sofia, não deixa ninguém folgar em cima de você. Tchau, amore. Milena.” ela disse e saiu em seguida.

 

Milena observava Sofia, que, quando se deu conta, franziu o cenho.

 

“O quê?” perguntou.

 

“Você não ia fazer bullying com a Ramona. Só fez por causa da Denise.” ela disse e a outra arregalou os olhos.

 

“Na-nada a ver!” exclamou e a de cabelos longos deu de ombros.

 

“Tudo bem. Se você quer acreditar nisso...” falou enquanto colocava seus fones de ouvido e Sofia deitou na sua cama enquanto não tirava da cabeça a expressão amedrontada de Ramona.

 

                                     *

No dormitório próximo daquele, Mônica e Magali terminavam de arrumar suas coisas enquanto falavam com Gabriela.

 

“Então você vai ficar sozinha nesse fim de semana, Gabi?” Magali perguntou.

 

“Não, a Milena e o Cas também ficam no IL, sozinha eu não vou ficar e, de quebra, posso ficar com o Cascão sem muita gente em volta.” ela brincou com um sorriso nos lábios.

 

As outras duas forçaram um sorriso.

 

“Bom, então tenha uma bom fim de semana, miga!” Mônica disse deixando o quarto com Magali.

 

Gabriela se espreguiçou enquanto pegava seu celular e logo viu Penha entrar e se sentar em sua cama com sua mochila no colo.

 

“Ué, pensei que ia embora.” a loira comentou.

 

“Mesmo que eu não te deva satisfações, só estou esperrando meu motorrista chegar.” a morena disse e a outra deu de ombros.

 

Duas batidas na porta foram ouvidas e, quando se abriu, Penha arregalou os olhos, era sua mãe com várias sacolas em mãos.

 

“Penha, vamos lá.” a mais velha disse.

 

A de cabelos longos olhou para a loira que parecia não se importar, mas, na cabeça de Penha, ela estava a julgando.

 

“Que legal da sua parte vir me avisar que meu motorrista chegou! Obrigada!” ela disse com um sorriso forçado e Gabriela a olhou.

 

Penha saiu rapidamente e a colega de quarto apenas franziu o cenho, mas ignorou.

 

“Menina maluca.” comentou consigo mesma.

 

                                      *

Algumas horas depois, já longe do internato, Penha ajudou a mãe com as sacolas quando desceram do ônibus cheio em uma rua bastante barulhenta e movimentada. Assim que entraram na vermelha e modesta casa, a mãe logo começou a falar.

 

"Penha, vou ser sincera com você. Essa mentiraiada vai te trazer problemas. Devia aceitar sua realidade." ela disse de braços cruzados.

 

Penha suspirou.

 

"Mãe… eu só… não sei como fazer isso. Meus amigos vão me ver com outros olhos! Ou pior, todo mundo vai falar de mim! Me julgar!" ela respondeu.

 

"Se fizerem isso, é porque nunca foram seus amigos. E você sabe que nunca foi tão gentil assim com muita gente, tudo que vai, volta." a mais velha disse.

 

Penha franziu o cenho.

 

"Se tudo que vai volta, por que meu pai foi pra França resolver uns problemas, disse que ia voltar pra me buscar e nunca mais a senhorra falou dele?" ela questionou e a mais velha suspirou.

 

"Eu não sei. Mas você sabe que o internato é o melhor lugar para você ter um bom futuro! Se não se esforçar ou se se meter em problemas, vai perder a bolsa e eu não posso pagar nenhuma outra escola." ela exclamou.

 

“Isso que te incomoda? Pagar uma escola? Existem escolas públicas!” ela exclamou.

 

“As mesmas que você sempre teve um preconceito ridículo? E outra, além de você gostar de se sentir superior a todo mundo de um jeito que arranjaria problemas no primeiro dia, você sabe muito bem que o IL tem um ótimo ensino, não seja boba! Guarde as coisas pra mim." ela pediu e saiu da sala.

 

Penha bufou e foi guardar as coisas enquanto pensava em como queria ter ido para a França com o pai. Ingenuamente, acreditava que ele havia ido embora por conta da mãe, que não seguia mais padrões da alta sociedade há anos, e que ele só não voltara porque a ex mulher não autorizava.

 

Olhou em volta, para sua casa extremamente diferente que outrora, e suspirou. Estava cansada dessa nova realidade, mas ainda amava a mãe, então tentava reclamar menos.

 

                                                         *

O fim da sexta-feira não demorou a chegar e logo já era sábado de manhã. Em uma casa rústica, Toni levantou, estranhando por um momento a ausência das camas do internato, e logo lembrou estar em  casa.

 

Assim que foi tomar café da manhã, abriu a geladeira à procura de algo para seu desjejum e sentiu uma estranha vontade de comer um ovo frito, como sua mãe fazia algumas vezes. Assim que o rapaz pegou uma frigideira, ouviu uma tosse seca e sentiu um cheiro forte de cigarro. Só podia ser seu avô.

 

“O que está fazendo com essa panela, Marco Antônio? Sabe muito bem que cozinhar é coisa de mulher!” o mais velho perguntou.

 

“Eu só quero um ovo frito, Vô.” respondeu.

 

“Peça à Candinha que faça!” o outro exclamou.

 

“Mas a Candinha é sua cuidadora, não nossa empregada.” Toni lembrou pacientemente.

 

“Mas é mulher, e é isso que mulher tem que fazer! Cândida! Venha até aqui e faça um ovo pro Marco Antônio!” o idoso gritou.

 

A cuidadora apareceu com o semblante enojado.

 

“Sério isso? Eu ‘tava arrumando seus remédios, seu Antônio!” ela exclamou.

 

“O menino quer comer um ovo! E neto meu não esquenta a barriga em fogão nenhum!” exclamou e a mulher bufou enquanto ia até lá, se não precisasse do dinheiro, teria pedido demissão há muito tempo.

 

Toni não teve coragem de encará-la, mas agradeceu quando ela colocou o ovo frito em sua frente.

 

“Mais alguma coisa?” perguntou séria.

 

“Não, obrigado.” ele disse.

 

O rapaz deu sua primeira garfada no ovo quando seu pai apareceu.

 

“Esse cabelo comprido... pura frescura! Parece que ‘tá até com glitter.” ele comentou e o rapaz engoliu com dificuldade.

 

“Impressão sua.” Toni disse.

 

“Acho bom! Eu só deixo você usar esse cabelo comprido porque a piranha da sua mãe me enche com aquilo de deixa o menino, ele já sofreu muito na infância. Tudo frescura.” ele disse e o filho apertou o garfo, odiava quando o pai falava de sua mãe.

 

“No meu tempo não tinha essas bobagens de...de bule? Essa é a palavra? Enfim, homem era homem de verdade, nem que fosse na marra! E digo mais, você é muito mole com esse moleque, Marcos, se eu fosse o pai dele, teria dado uma boa surra quando era pequeno e veio com aquilo de bule por ser gordo!” o velho lembrou.

 

Toni praticamente engolia seu café da manhã enquanto ouvia a mesma história que sempre ouvia. Assim que acabou, levantou da mesa.

 

“Eu vou estudar. Licença.” falou e logo deixou a cozinha.

 

No quarto de Toni havia um saco de areia que seu pai lhe dera para que ele treinasse como bater em alguém, uma vez que, de acordo com ele, seu filho não precisava dos psicólogos que a mãe insistia em levar. O loiro deu um forte chute no saco de areia enquanto sentia seus olhos umedecerem, conforme socava sentia as lágrimas surgirem cada vez mais. Após um último golpe, respirou ofegante.

 

“Para de chorar! Você é homem ou não é?” questionou-se zangado consigo mesmo.

 

                                               *

Em uma casa um pouco distante dali, Cebola saiu de seu quarto enquanto bocejava e deu de cara com uma senhora desconhecida na cozinha junto de Maria, sua irmã mais nova.

 

“Ér... oi.” cumprimentou e ela sorriu.

 

“Ah, oi! Você deve ser o menino que fica na escola durante a semana. Sou Filomena, a nova governanta!” ela estendeu a mão e ele olhou surpreso antes de apertar.

 

“Governanta? Isso ainda existe? Quer dizer, sou Cebolácio! Desculpe a surpresa, é que eu estive aqui há menos de uma semana e... minha irmã tinha uma outra babá.” ele disse e ela riu.

 

“A Xabéu, né? A pobrezinha não aguentou a pressão, você tem pais bem exigentes. Você deve estar faminto, coma alguma coisa!” ela disse e o rapaz assentiu.

 

“Ah, sim.” ele disse se sentando.

 

A mais velha colocou algumas outras coisas na mesa e logo saiu para a lavanderia com um cesto de roupas de sua irmã. Enquanto isso, o rapaz ainda tentava processar o fato de a babá ter durado apenas uma semana.

 

“Maria, o que você fez pra Xabéu sair?” ele perguntou.

 

“Nada! A mamãe e o papai queriam uma pessoa que cuidasse de mim toda hora, mas a Xabéu não podia.” Maria respondeu calmamente.

 

“Por que eles queriam alguém que ficasse mais tempo com você? Os dois trabalham em home office!” ele disse.

 

Maria olhou confusa.

 

“Homem o quê?” ela perguntou e ele riu.

 

Home office, em casa!” ele repetiu.

 

A menina sorriu fraco.

 

“Eu não sei, mas você vai ficar um tantão comigo, né, Cebolinha? A mamãe e o papai não têm tempo pra brincar comigo e a Filó só me dá quebra cabeça e outras coisas chatas.” Maria perguntou.

 

Cebola olhou com pena para a irmã.

 

“Mariazinha, eu... eu só fico aqui com você no fim de semana, mas prometo brincar com você do que você quiser.” ele disse e os olhinhos dela brilharam.

 

“Mesmo?!” perguntou e ele sorriu assentindo.

 

“Vamos, Maria, hora de fazer algumas atividades!” a voz de Filomena soou e a menina levantou.

 

“Mas hoje é sábado!” Cebola exclamou incrédulo.

 

“Desculpe, Cebolácio. Ordens dos seus pais. Vamos, querida.” a governanta disse estendendo a mão à menina que pegou.

 

“Depois a gente brinca, Cebolinha. Agora tenho que aprender adi... adi...” ela falava esquecida.

 

“Adição, meu amor, continhas de adição. Vamos lá.” ela disse e as duas saíram.

 

Cebola olhava zangado, seus pais eram extremamente rígidos com a educação dos filhos, mesmo que sempre tivessem deixado muita coisa nas mãos de babás e professores particulares, eram muito ocupados. Porém, quando optaram pelo home office, ele tinha em mente que ao menos com Maria as coisas seriam diferentes, mas parecia estar sendo a mesma coisa.

 

“Oi, Nana, sabe onde estão meus pais?” ele perguntou a uma empregada.

 

“Ih, seu Cebola, seus pais estão fora em um evento desde segunda. Só voltam daqui dois dias.” ela disse apoiando-se na vassoura.

 

“Espera aí, eles não ficam com minha irmã desde segunda?” ele questionou.

 

“É o trabalho deles, né? Licença.” ela disse e o rapaz bufou incrédulo.

 

                                               *

Na casa de Denise e Tikara, quem passasse na rua acharia que algo horrível havia acontecido. Os adultos estavam furiosos por descobrirem que os dois adolescentes não se falavam ao longo da semana.

 

“Como assim vocês nem se falam? Tikara, você literalmente não conhecia ninguém! Denise podia te apresentar aos amigos dela ou pelo menos ajudar na adaptação!” o pai de Denise falou.

 

“Ainda bem que não apresentou! São tudo uns lixos, um pior que o outro!” Tikara exclamou.

 

“Lixo é você e aqueles esquisitos que você chama de amigos!” ela rebateu.

 

“Gente, não briguem! Aposto que se fosse necessário, um ajudaria o outro!” a mãe de Tikara tentou apaziguar.

 

“Tá sonhando demais, mãe. O amiguinho dessa daí sumiu com minhas cuecas e o que ela fez? NADA!” o rapaz revelou.

 

“Ué, ele sumiu com as SUAS cuecas, isso é um problema seu! Cuidasse melhor.” a moça se defendeu.

 

"Como é? Sumiu com cueca? O quê?" o mais velho questionou.

 

"Era só uma brincadeira, gente. Ele devolveu!" a ruiva disse.

 

“O que você chama de brincadeira, eu chamo de bullying. Inclusive, a princesa aí é praticante, principalmente com novatos!” ele exclamou e os dois olharam surpresos.

 

“Vai se ferrar, Tikara!” Denise exclamou mostrando o dedo médio.

 

“Denise, que gestos são esses? E que história é essa de que você faz bullying?” o pai perguntou sério.

 

“É mentira dele! Ele não gosta de mim e quer sujar minha imagem!” ela exclamou.

 

“Eu quero sujar sua imagem? Você faz isso sozinha! Não tem uma pessoa naquela escola que confia em você, se for ver nem seus amigos!” Tikara exclamou.

 

Denise riu irônica.

 

“Você tem é inveja da minha popularidade que você e seus amigos nunca vão ter!” ela exclamou.

 

“Que popularidade? Você acha que é endeusada, mas todo mundo te odeia!” o rapaz rebateu.

 

A moça olhou feio.

 

“Odeiam tanto que leem meu jornal sempre! Odeiam tanto que tudo que digo vira fato! Pode tentar me derrubar, Tikara, mas eu tenho moral!” ela disse séria.

 

“CHEGA! Denise, fazer bullying é...” a mais velha dizia até a ruiva bufar.

 

“Ai, me deixa em paz!” ela reclamou.

 

“Denise! Respeito!” o pai exclamou.

 

“O quê? Ela ‘tá dizendo que eu faço bullying porque é o filho dela que ‘tá dizendo! Não tem nenhuma prova que eu realmente faço!” Denise falou apontando para Tikara.

 

“Eu estudo no mesmo lugar que você! Eu sei das coisas!” ele exclamou.

 

“E me odeia também! Vão mesmo acreditar nas palavras de um cara que me odeia?" ela perguntou saindo em seguida.

 

Tikara olhou incrédulo para ela, mas sua incredulidade cresceu quando viu os olhares dos mais velhos, era como se tivessem caído na conversa dela.

 

“Não acredito que vocês vão cair nessa!” ele exclamou.

 

“Tika... você sabe o que aconteceu com a mãe dela, é uma coisa meio... difícil de lidar.” sua mãe disse.

 

“Eu também tenho problemas com meu pai e nem por isso eu faço bullying com as pessoas. Quer saber, podem ficar do lado dela! Eu não dou a mínima!” ele exclamou e também deixou a sala.

 

Tikara ia para seu quarto quando tropeçou em algo. Olhou para o chão e viu ser o pé de Denise. A moça logo se aproximou dele.

 

“Escuta aqui, seu caguetinha de merda! Eu já disse uma vez e vou repetir: fique fora do meu caminho!” ela exclamou apontando o dedo no rosto dele e logo entrou em seu quarto e o rapaz entrou no seu.

 

Na sala, os adultos tinham o semblante preocupado. Queriam muito que os filhos se dessem bem, mas eles pareciam se odiar mais que antes.

 

                                               *

Outra casa em que acontecia uma pesada discussão era a de Mônica, seus pais haviam sido notificados sobre a ida da moça à diretoria, então, assim que se reuniram para tomarem café da manhã, veio a chuva de xingamentos.

 

“Mônica, ninguém aqui ‘tá cagando dinheiro pra você arrumar encrenca em todo colégio que for matriculada, não!” sua mãe reclamou.

 

“Você foi pro internato justamente pra dar um jeito nesse seu temperamento explosivo.” o pai lembrou.

 

“Que culpa eu tenho que aquelas duas vaga... chatas vieram me provocar? Eu não podia deixar elas falarem o que queriam e ficar quieta!” defendeu-se.

 

“E acha que ir pra cima delas resolve? No fim das contas, quem foi pra diretoria? Você!” a mãe disse.

 

“Uma delas também foi!” lembrou.

 

“Não interessa! Você ‘tá começando lá! Tem que ao menos mostrar que não é uma barraqueira!” a mãe exclamou.

 

Mônica bufou.

 

“Eu prometo tentar não brigar com mais ninguém, satisfeitos?” ela questionou.

 

“Não, você não vai tentar, você não vai mais brigar! É sério, Mônica Sousa!” o pai exclamou.

 

A filha assentiu.

 

“Tá, eu não vou mais brigar!” ela exclamou.

 

Mônica saiu da mesa com um suspiro. Por mais que não quisesse aguentar tudo calada, entendia a preocupação que os pais tinham. O fato de ter sido expulsa da antiga escola fez com que muitas portas se fechassem, então precisava se controlar.

                                            *

Na casa de Magali, acontecia o oposto da casa da amiga, o silêncio na mesa era cortante.

 

"Então, Magali, falou com o monitor?" seu pai perguntou.

 

"Sim. Vai ser na segunda pouco antes do E.A, às duas." ela respondeu.

 

"Acho bom que tire o maior proveito disso!" Carlito exclamou.

 

"Sim, senhor." a moça respondeu.

 

Magali engoliu a comida sem muito sabor enquanto observava sua mãe, que apenas ouvia tudo sem dizer nada, a mais velha nunca interferia nas escolhas do marido. Tanto que quando ele quis matricular a filha na instituição com intenções que iam além de uma educação tida como a melhor de todas, a mãe não se opôs, sequer opinou.

 

Assim que o homem saiu da mesa, a mais velha se manifestou.

 

"Então você está com problemas..." ela falou.

 

"Não é pra tanto." Magali disse.

 

"É sim! Você é filha do diretor, Magali! Precisa dar o exemplo." a outra falou.

 

"Que exemplo? De como ser uma banana? Porque é assim que todo mundo me vê!" a mais nova exclamou séria, andar com Mônica estava a influenciando a, pelo menos com quem confiava, se expressar mais.

 

A mais velha olhou para o corredor e depois para a filha.

 

"Você sabe o quanto é importante para o seu pai essa imagem de perfeição do internato, não quebre isso." ela disse.

 

"Todo mundo sabe que lá não é perfeito, muito pelo contrário. Eu vejo novatos sofrerem e meu pai simplesmente ignora! Por dinheiro!" Magali exclamou e a mãe fez um gesto que falasse baixo.

 

"Quer que alguém te ouça? O que vão pensar do seu pai?" ela perguntou.

 

"O que todo mundo já sabe: que ele se vendeu! Eu amo meu pai, mas ele é um péssimo diretor!" a filha disse.

 

A mais velha, de súbito, se levantou.

 

"Não vou entrar nessa discussão. Tem bolo na geladeira, só não exagera." a mãe disse saindo da cozinha.

 

Magali negou com a cabeça enquanto a mãe se afastava, a mulher sempre fugia de discussões sobre o internato. A filha não sabia o motivo, mas odiava essa postura que a mãe mostrava.

 

                                         *

Um pouco distante dali, e horas depois, Xaveco estava com seus familiares almoçando. Não estava muito animado já que o assunto da vez era sua irmã.

 

"Já perdeu o emprego, Xabéu? Não durou nem uma semana?" uma tia falou.

 

"Deixa a menina, os patrões, pelo visto, eram péssimos!" o pai a defendeu.

 

"Não existe patrão bom." outra tia falou.

 

Xabéu largou seus talheres fazendo um barulho alto.

 

"Então vai lá trabalhar numa família que obriga uma criança de sete anos a estudar o dia todo, não deixa ela brincar e ainda quer que você supra a falta de atenção que eles dão com mais atividades! Vai lá pra você ver se também não pede as contas!" Xabéu rebateu brava.

 

"Calma, Xabéu. E você, Xavier, como tem sido lá no internato?" a mãe perguntou calma.

 

Xaveco suspirou, não queria ser o assunto da mesa.

 

"É uma coisa nova. É uma rotina muito cheia e nem todo mundo lá é legal. Sofri até trote." respondeu.

 

"Ah, mas trote é uma coisa comum! É boas-vindas." seu tio falou.

 

"Não me senti bem-vindo." o rapaz comentou baixo.

 

"Já fez amigos pelo menos?" o pai perguntou e Xaveco sorriu.

 

"Sim! Fiz dois amigos que me ajudam a manter a sanidade." respondeu.

 

"Não exagera, Xavier! Não deve ser tão ruim assim aguentar uma piadinha ou outra." um outro tio comentou.

 

No mesmo instante, Xaveco se lembrou do soco que Toni lhe dera, dos trotes e das provocações. Mas não disse nada.

 

"E as namoradinhas?" uma tia perguntou.

 

"Foi a primeira semana de aula!" o rapaz respondeu sem ânimo.

 

"Mas já deve ter visto alguma menina que fez você dar aquela arregalada de olho. Sabe o que quero dizer, né?" um dos tios comentou cutucando o rapaz.

 

Xaveco lembrou de ter passado por essa "surpresa", porém não havia sido depois de ver uma garota. Mas não iria falar disso com eles.

 

"Não tive tempo pra isso, como eu disse, tem muito o que se fazer por lá." respondeu simples.

 

"E como são esses seus amigos?" sua mãe perguntou.

 

"São boas pessoas. Um deles é um veterano que fala tudo que precisamos saber, e o outro conheci durante um trote." Xaveco respondeu.

 

"E uma amiga? Dessas que você começa na amizade e depois uns faz esqueminhas, como vocês dizem hoje em dia." o tio falava malicioso quando Xaveco se irritou.

 

"Eu estudo num internato onde o tempo todo somos vigiados e estamos ocupados! Além disso, tem trote! Acha mesmo que eu vou ficar indo atrás de esquema? Mas que coisa!" o rapaz exclamou e saiu da mesa pisando duro.

 

Xaveco amava seus pais, mas odiava os tios que viviam se intrometendo na vida dos sobrinhos. Tanto que Xabéu havia o confidenciado que fora por culpa deles que ele precisou ir para o internato, eles haviam feito a cabeça dos pais com os dizeres que Xaveco precisava se encontrar, um encontro que o loiro ainda não sabia o que significava.

 

                                            *

Assim que acabou o almoço, Nikolas pegou seu celular para mandar alguma mensagem à Penha para que ela salvasse seu número. Assim que pegou o aparelho, seus pais riram.

 

"Vem sábado, vem Nikolas com celular na mão." o pai brincou.

 

"Dia de folga." o rapaz disse.

 

"Como estão as coisas no internato?" a mãe perguntou.

 

"A mesma coisa. Eu vou dar monitoria de matemática de novo." respondeu monótono.

 

"Que orgulho do meu gêniozinho!"  a mãe afinou a voz fazendo o filho rir.

 

"Falando em gênio, eu disse era sua tia que você pode ajudar seus primos com umas tarefas deles. Ah, e o Jão pediu pra você dar uma olhada no computador dele, a tela fica preta e não liga." o mais velho disse.

 

Nikolas levantou a sobrancelha.

 

"O computador é de boa, mas acho que agora eu entendi porque minha tia insistiu tanto que me colocassem no internato. Não era porque eu gosto de jogar, ela queria que eu virasse professor particular dos filhos dela." ele comentou.

 

"Ah, Nik, não custa nada! Você entende da matéria e sabe o quanto matemática é difícil." a mãe disse.

 

"Não é só matemática, mas não leve sua tia a mal. Ela sabia que você tinha um potencial que estava sendo desperdiçado com jogos online." o pai falou e o rapaz revirou os olhos.

 

Nikolas até tentava não mostrar a raiva que sentia da tia, mas o fato de ser por conta dela e do marido que fora parar no internato o impedia. Seus pais tinham em mente que ele ainda guardava ressentimentos, mas assumiam que era bom ver o filho fora do computador o dia todo e que ele parecia muito mais esforçado que antes.

 

                                              *

Ramona e a mãe não haviam falado sobre o internato já que, desde que chegara de lá, estavam em casa, mas na sexta receberam visita e no momento seu pai estava lá. Os dois não eram mais casados, mas sempre se reuniram quando possível pela filha.

 

A moça ia falar sobre suas experiências ruins quando ouviu uma briga entre os pais.

 

"Ela não está infeliz na escola, homem! Vai ser bom pra ela perder essa timidez que pegou da sua parte da família!" a mãe exclamou.

 

"Mas jogar a menina num internato foi demais! Ela não vai aguentar, Viviane! Minha mãe mesma vive dizendo que Ramona é muito frágil, e sabemos que ela realmente é!" o pai exclamou.

 

"Mas ela não pode ser assim! Ela precisa aprender a lidar com as pessoas para a vida!" Viviane rebateu.

 

"Sei que você quer fazer sua segunda lua de mel com seu novo marido, mas não pode jogar a menina num lugar desses só por isso." ele falou.

 

"Quem é você pra opinar? Nunca está aqui, só naqueles matos! Por isso eu quis o divórcio! E outra, eu coloquei ela lá pra melhorar a interação, não coloque palavras na minha boca!" a mulher continuou.

 

A discussão continuou, mas Ramona já não ouvia mais nada já que estava no jardim com os olhos cheios de lágrimas. Não sabia ao certo o motivo das lágrimas, mas um sentimento de impotência a acometeu a ponto de fazê-la tomar uma decisão. Limpou as lágrimas, lavou o rosto e foi até os pais.

 

"Mãe, pai. Eu 'tava pensando em, a partir do próximo fim de semana, ficar no IL mesmo. Eu fiz dois amigos que sempre ficam e… adoraria ficar com eles!" a moça disse decidida.

 

Os dois olharam surpresas.

 

"Oh, Ramona. Então você está gostando do internato?" a mãe perguntou.

 

Ramona evitou o contato visual.

 

"Sim! Eu… acho que vou melhorar minha socialização de fato." ela disse.

 

Viviane olhou vitoriosa para o ex-marido.

 

"Minha filha, tem certeza que está gostando?" ele perguntou e ela assentiu.

 

"Sim, só preciso me acostumar a morar na escola." a adolescente respondeu.

 

Ramona manteve um falso sorriso enquanto imaginava como seria seu ano. Depois do que ouviu, mesmo que soubesse que o pai estava mais preocupado com a segunda lua de mel da ex-esposa do que com o resto, decidiu ficar fora do caminho dos pais, mesmo que para isso ficasse todos os dias no internato que tanto odiava.


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