Hoje é segunda e estou acordando com um novo pensamento, sempre posto trechos de músicas que gosto no Instagram e tenho um número razoável de seguidores. Entretanto, eu decidi que vou fazer um canal no Youtube, Jane sempre me aconselhou a isso e eu nunca quis. Eu posto um vídeo ou outro no Facebook e sempre tenho bastante compartilhamentos e visualizações de amigos, nada mais do que isso. Acho que vai ser algo bom para mim, não será? Um desafio, minha vida anda tão pacata, sempre na mesmice. Preciso de um sacode, alguma coisa nova!

Estou indo trabalhar agora com uma nova perspectiva, me sinto até melhor. Amém, novos horizontes.

Tanto que o dia passa tranquilamente, ensaio os alunos para a audição, passo umas duas vezes a música que vou cantar com George. E, no fim da tarde, um aluno manda mensagem dizendo que está muito gripado e não pôde vir a aula. Dessa forma, como vou ter um tempo livre, decido usar a sala da escola para gravar o meu vídeo. Eu trouxe a câmera que uso geralmente e o tripé pequeno, posiciono de um jeito estratégico e me preparo. Só tem um problema, qual música eu vou cantar? Sempre posto Tiago Iorc e O teatro mágico, quero fazer algo diferente.

Já sei, tem uma que eu ando ouvindo bastante ultimamente, faz bem meu estilo de canto. O nome da banda é Melim e a música é "Ouvi dizer." Faço alguns exercícios de aquecimento, fecho a porta e ligo a câmera. Fico em dúvida sobre o violão ou ukulele. Decido pelo segundo, afinal está muito em alta na internet. Pego um banquinho, o instrumento e clico no controle da câmera para iniciar o vídeo.

"Oi, meu nome é Elizabeth, eu vou fazer um cover de Melim, voz e Ukulele."

Chego em casa ainda cedo, apesar de ter demorado na escola. Sai correndo de lá assim que terminei o vídeo, com medo de alguém me interceptar na saída querendo aula extra.

Vou para o notebook e começo a editar o vídeo, levo duas horas para deixar sincronizado. Agora eu preciso de um banho, ainda nem comi, geralmente essa a primeira coisa que faço quando chego. Quero muito ver a reação de Jane quando souber que seguirei o conselho dela.

Quero tanto que decidi fazer uma surpresa, envio o vídeo a ela e vou tomar banho, quando saio, Jane me para na porta.

— Liz, não acredito que finalmente vai fazer um canal? - Pergunta sorridente.

— Sim, Jane. Mal não vai fazer, não é? - Devolvo esfregando a toalha no cabelo.

— Certo, espero que você não fique brava. Eu mandei para o Bingley no Whatsapp, fiquei tão empolgada que quis compartilhar com ele. - Jane diz um pouco receosa.

— Tudo bem, Jane. Eu vou fazer um canal, né? Todo mundo vai me ver pagando mico! - Respondo indo para o quarto.

— Que mico? Você arrasa e essa música é linda. Charles adorou o vídeo, disse que vai divulgar nas redes sociais dele. - Informa entusiasmada.

— Acho legal, com tantos seguidores e conhecidos no meio da música, vai ser bom pra mim. Ainda bem que eu te enviei tudo bem editado, né? - Brinco, tentando conter meu nervosismo.

Darcy

Chego em casa de um dia cheio, com a cabeça doendo de tanta preocupação. Minha tia e eu administramos a empresa que meu pai deixou quando faleceu e nos últimos tempos a receita tem caído consideravelmente. Tenho feito de tudo para equilibrar a balança, mas às vezes acho que não vou conseguir. É tanta coisa para analisar, Catherine também não colabora muito, a parte burocrática fica tudo para mim.

Tomo um banho, deito no sofá e ligo a televisão da sala. Fico olhando a página inicial da Netflix pensando se realmente quero assistir alguma coisa. Ontem, para variar, Charles saiu com Jane e eu fiquei aqui nesse apartamento sozinho. Falei com Georgiana ao telefone e à noite a solidão era tão palpável, que eu até poderia tocá-la com minhas mãos.

Não sei porque tenho me sentido assim ultimamente, sempre gostei de estar só. Ou pelo menos não me importava tanto. Agora, parece que a solidão vai me sufocar a qualquer momento.

Ouço um barulho e pego o celular, Charles me mandou uma mensagem.

"Olha isso e me diz se não seria maravilhoso ter essa mulher na sua vida."

Faço o que ele pede e início o video, é Elizabeth com um ukulele. Ela está linda, os cabelos escuros estão soltos, jogados um pouco para o lado e os olhos expressivos fazem com que meu coração de um pulo dentro do peito.

Ela se apresenta e diz o nome da banda, nunca ouvi falar, por conseguinte, estou curioso. Preciso controlar minha respiração, porque eu estou tão alterado?

Consequentemente, sinto meu estômago dar um giro de 360 graus na minha barriga quando ela sorri no vídeo.

"Papapaparapapapa

Ôôuôô
Ôôuôô

Ah se eu acordasse todo dia
Com o seu bom dia
De tanto café na cama
Faltariam xícaras
Me atrasaria
Só pra ficar de preguiça... - Ouço ela começando a cantar de forma suave, o jeito dela é tão único.

A voz tem uma rouquidão leve, quase imperceptível. Talvez esteja sendo proposital agora, pois me lembro muito bem de como ela cantou no dia da festa.

Se toda arte
Se inspirasse em seus traços
Então qualquer esboço
Viraria um quadro
Monaliza

Com você tudo fica tão leve
Que até te levo
Na garupa da bicicleta
O preto e branco tem cor
A vida tem mais humor
E pouco a pouco o vazio
Se completa

O errado se acerta
O quebrado conserta
E assim, tudo muda
Mesmo sem mudar
A paz se multiplicou
Que bom que você chegou
Pra somar

Ouvi dizer
Que existe paraiso na terra
E coisas que eu nunca entendi
Coisas que eu nunca entendi

Só ouvi dizer
Que quando arrepia já era
Coisas que eu só entendi
Quando eu te conheci..."

O video acaba e eu fico sem saber o que responder ao Charles. O que essa mulher está fazendo comigo?

"Elizabeth manda bem, eu errei dizendo que não achei nada de extraordinário na voz dela."

Envio a mensagem, contradizendo o que disse anteriormente e nem respondo o comentário feito por ele, antes de me enviar o vídeo.