Sob a Máscara escrita por Irene Adler


Capítulo 6
Capítulo 6




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Eu odiava esconder as coisas de Bruce. Odiava de verdade.

Fazia com que me sentisse como se estivesse outra vez trabalhando para o Coringa, outra vez uma criminosa procurada. Na verdade eu ainda sou procurada, mas agora é diferente. Agora eu estou do lado do Batman, do lado certo.

Mas será que algum dia eu realmente estaria do lado certo?

Mas o homem morcego nunca me levaria a sério se não resolvesse esse caso. O meu caso. Se provasse que minha hipótese estava certa, o Batman enfim enxergaria a Dama de Espadas de outra forma. Como igual. E eu tinha certeza de que Coringa estava envolvido nisso de uma forma ou de outra, só precisava provar.

Não precisei de muito tempo para pensar em qual seria o modus operandi do palhaço para conseguir entrar em uma cela do Arkham sem ser preso. Eu o vi fazer isso dezenas de vezes e sempre funcionava, é claro. Ele escolheria alguém que trabalhasse lá para ameaçar e colocar para fazer uma parte do trabalho sujo. Os capangas dele nunca tinham escolha, eu não tive.

Teria de ser alguém fraco. Não um médico, que provavelmente teria mais recursos e formas de se livrar das ameaças. Um enfermeiro, alguém que morasse em uma parte ruim de Gotham e por isso aprendeu a não confiar na polícia. Alguém sozinho, sem família a quem pedir ajuda.

Foi com essas características em mente que passei a ir a Narrows todas as manhãs, para seguir os funcionários que saíam do Arkham. O bairro que se formara ao redor do hospício era o pior possível, as ruas eram sujas e o lugar batia recordes de criminalidade até mesmo para os padrões de Gotham. Fiz o possível para me misturar ao ambiente.

Os enfermeiros seguiam o mesmo regime de trabalho de qualquer hospital; faziam um plantão de 12 horas e na sequência tiravam 36 horas de folga. As ruas próximas ao hospício ficavam ligeiramente movimentadas pouco depois das 8 da manhã, o que significava que um turno devia começar por volta das 20 do dia anterior.

Ficava quase sempre no ponto de ônibus mais próximo do Arkham, e escolhia quem seguiria até em casa naquela manhã. Não era difícil perceber quem eram os funcionários, mesmo os que não saíam com uniforme ou com crachá. Sempre era possível entreouvir alguma conversa, ler por cima do ombro alguma mensagem que enviavam no celular. Mas mais do que isso, era o mesmo olhar de exaustão que os identificava. Os olhos de quem via o horror quase todos os dias.

Depois de três semanas fazenso isso, meu alvo havia sido escolhido. Harold Coleman era enfermeiro do Arkham e morava sozinho em um pequeno apartamento no Bowery. Logo a Dama de Espadas lhe faria uma visita e uma proposta que ele não poderia recusar.

(...)

— Você mentiu pra mim. – Ouvi Bruce dizer assim que nossos lábios se separaram.

— O que? – Fiz uma expressão confusa.

— Disse que não ia mais voltar a fumar e voltou. Senti o gosto de cigarro.

— Nem todo mundo consegue ter tanto autocontrole quanto você, Sr. Wayne. E eu não voltei a fumar, só fumei dois cigarros hoje.

Já era noite e estávamos na caverna depois do meu treinamento do dia. Estava exausta e conseguia pensar em uma única coisa capaz de me animar.

— Acabamos por hoje, não é? Tô morta de cansaço, só queria que você me carregasse pra cama.

O braço dele que estava ao redor de minha cintura apertou-me mais forte e pensei que ele tinha considerado minha proposta no instante em que escutei o computador emitir um som. Suspirei e encostei a cabeça no peito dele porque já sabia o que aquilo significava.

— É um chamado...

— Do Gordon, eu sei. – Falei antes que ele pudesse.

— Não fiquei assim, vou voltar logo. – Ele se desvencilhou de mim.

— Não vai não. Não minta pra mim.

Cruzei os braços e observei-o sentar a frente do computador.

— Talvez queira vir também. É um assassinato que pode ter a ver com o seu caso.

— Acha que estamos pelo menos perto de descobrir alguma coisa? – Perguntei. – Sinto como se estivéssemos andando em círculos com essa investigação.

— Resolver um caso sempre tem mais a ver com se lembrar do que com descobrir algo novo. Nós já vimos a resposta, logo vamos nos lembrar dela.

— Espero que esteja certo.

— E alguns casos se provam insolucionáveis até mesmo para o Batman, Lauren.

— Mas eu não sou o Batman. – Sorri. – E comprei aquele modulador de voz.

(...)

O assassinato da vez tinha ocorrido em Bryantown, um bairro ocupado em sua maioria por membros da classe operária, em um apartamento pequeno e próximo da linha do trem.

Entramos pela janela dos fundos, como da outra vez, para nos depararmos com uma cena que era ainda mais sangrenta. O homem, que parecia ter ascendência árabe, teve a cabeça arrancada colocada ao lado do corpo, que jazia com a mão esquerda estendida. Tinha uma tatuagem em forma de demônio no pulso.

Observava a carnificina quando vi pelo canto dos olhos um policial chegar e parar na soleira da porta.

— Demorou hoje. – Ele disse na direção de Batman. – Só tem mais cinco minutos.

— Sinto muito. – Falei e sorri na direção dele antes de ler sua identificação. – Talvez tenha sido eu quem atrasei, detetive Bullock.

O policial me olhou de cima a baixo, com uma nítida expressão de desagrado antes de voltar-se para o morcego.

— Gordon quer falar com você depois. – Fez uma pausa e me olhou de canto. – Sozinho.

— Fingir que não estou aqui não vai me fazer desaparecer, sabe. Na verdade pode fazer até com que a gente se encontre outra vez, em uma situação muito mais desagradável.

— Dama. – A voz grave soou. – Não temos tempo.

— É claro que não. – Voltei-me para a cena do crime. – Sabemos o nome dele?

— John Al-Maktoum. Ele ficou dois anos preso, era parte de uma gangue que fazia assaltos a mão armada. – O policial me respondeu dessa vez. – Saiu no ano passado.

— Pelo visto não tem nenhuma mensagem escrita com pólvora hoje. - Aproximei-me de uma das paredes.

O quarto estava na mais completa desordem, com roupas, papéis e garrafas de cerveja espalhadas pelo chão. Peguei um dos papéis para enconrrar alguns números de telefones rabiscados e anotações em uma caligrafia incompreensível.

Vi Batman se abaixar ao lado da cama e pegar um frasco no chão cujo rótulo não consegui ler a distância.

— O tempo de vocês acabou. – Bullock olhou para Batman. – Não se esqueça de encontrar o Gordon depois daqui.

Fomos embora sem dizer nada, no melhor estilo de desaparecimento que o Batman gostava de fazer. Suponho que o ajudava a compor o teatro, mas era trabalhoso demais.

— O que era o frasco? – Falei assim que entramos no batmóvel.

— Era adrenalina. Acho que Al-Maktoum foi reanimado antes de ter a cabeça cortada.

— Por que não só cortar a cabeça do cadáver? Isso tudo era vontade de fazer o homem sofrer mais?

— O assassino fez questão de deixar o frasco visível, queria que eu o encontrasse. Queria passar uma mensagem.

— Sabe qual maluco do Arkham ele quis referenciar dessa vez? - Olhei-o pensando que havia alguma coisa errada.

— Não, ainda não.

Batman tomou um caminho diferente e fomos em silêncio para o centro da cidade ao invés de retornarmos à caverna. Ele estacionou em uma rua deserta e quase sem iluminação que supus estar próxima do DPGC.

— Vai ter que me esperar aqui. – Ele disse depois de parar.

— Enquanto Gordon tenta te envenenar contra mim?

— Dama...

— Pode me chamar pelo nome, não tem ninguém nos ouvindo.

— Não é isso que vai acontecer, Lauren. – A voz dele mudou e era Bruce de novo.

— Eu posso apostar que vai.

— Gordon estava lá na noite da morte do Harvey Dent. Ele sabe o que você fez e é muito grato.

— Mas ele com certeza não confia em mim.

— Mas eu confio. - Olhou-me por alguns segundos. – Já volto.

Fiquei sozinha no carro por pouco mais de dez minutos perguntando-me se alguma vez Gordon se sentiu culpado por ter deixado a Dama de Espadas assumir aquelas mortes. Sabia que Bruce ainda devia carregar uma culpa imensa por tudo que me aconteceu no ano em que nos conhecemos, mas uma parte de mim adoraria saber como Gordon reagiria se me visse depois de tudo. Talvez ainda pensasse que eu fazia parte de algum plano do Coringa e seduzir o Batman era a próxima etapa. Seria uma boa teoria, levando em conta que o comissário não sabia nossas verdadeiras identidades.

Batman voltou para o carro e me fez despertar dos devaneios.

— O que ele queria? – Fiz uma pequena pausa. – Não fala, me deixe adivinhar. Te disse pra tomar cuidado comigo?

Ele apenas suspirou antes de dar a partida.

— É isso, não é? Pode contar, não vou ficar chateada.

— É, Lauren, era isso. Gordon acha que eu não devia confiar tanto em você.

— Mesmo sabendo do que eu fiz por Gotham naquela noite? – Falei com deboche. – Ele ainda acha que sou louca.

— Nada disso importa. Disse a ele que precisava confiar no meu julgamento.

Não consegui evitar me sentir mal por estar planejando uma invasão ao Arkham pelas costas dele.

(...)

Estávamos de volta à caverna e eu já usava minhas roupas normais enquanto Bruce estava sentado na cadeira do computador ainda com o traje do Batman e apenas sem máscara.

— O que significava o crime de hoje? Não parecia com nada que vi nas fichas do Arkham que analisamos, mas você obviamente sabe o que é.

— Toda a cena é muito familiar, mas não se encaixa no padrão que vimos até agora.

— E por que não? – Apoiei-me na mesa e fiquei na frente dele.

— A cabeça cortada, a tatuagem de demônio no pulso, o sobrenome árabe. Tudo parece remeter a um homem que conheci. Um dos responsáveis por meu treinamento e também um dos primeiros adversários que enfrentei quando voltei pra Gotham. O nome dele era Ra’s Al Ghul, que em árabe significa “cabeça do demônio”.

— A velha história do aprendiz que supera seu mestre. Não tem medo de me ensinar e eu fazer o mesmo com você? – Falei e consegui arrancar um meio sorriso dele. – E Ra's Al Ghul não está preso no Arkham, é claro. O que houve com ele?

— Ele morreu. Todos os outros criminosos referenciados pelo nosso assassino até agora estavam vivos.

— Não existe nenhuma chance dele ainda estar vivo? E onde entra o frasco de adrenalina nisso tudo?

— Eu o vi morrer. A filha dele me amaldiçoou pra sempre por não tê-lo salvado. Sobre o frasco...

— A filha dele? - Cortei-o ao sentir que havia algo mais nessa simples frase. - Quando foi que a filha do seu rival entrou nessa história?

Percebi que Bruce se arrependeu do que tinha acabado de dizer e pareceu pensar no que diria a seguir.

— Isso não tem importância, eu a conheci na época do meu treinamento e...

— E pelo visto se encontraram depois, já que ela te amaldiçoou pela morte do pai que aconteceu quando você já era o Batman.

— Sobre a adrenalina; existiam lendas de que Ra's era imortal, de que não importava quantas vezes morresse seria possível trazê-lo de volta, mas nunca acreditei nisso. Acho que o assassino induziu a morte de John Al-Maktoum e depois o trouxe de volta para cortar a cabeça dele como uma forma de dizer que eu devia ter feito isso a Ra's Al Ghul, para garantir que ele continuasse morto. Seja lá quem for o responsável, ele conhece bem meus inimigos do passado.

— Você tem uma ex-namorada imortal e não me contou?

— De tudo que falei, é isso que absorveu? – Bruce pareceu segurar uma risada.

— Claro que não, eu absorvi tudo que disse. É que tinha pensado que eu era sua primeira paixão que também era envolvida com... Negócios escusos.

— Minha primeira criminosa, no caso. – Ele me corrigiu. – E o mais importante não é quem foi a primeira, e sim que você vai ser a última. – Deixei escapar um sorriso com as palavras dele. – Agora vamos voltar ao caso, sim?


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Notas finais do capítulo

O número de visualizações dos capítulos têm continuado o mesmo, mas o de comentários têm diminuído, então façam uma autora feliz e deixem a opinião de vocês.
Sobre a menção à filha do Ra's, a Talia, fiz essa pequena modificação na cronologia do Nolan porque não gosto muito da participação dela no terceiro filme e preferiria muito mais que ela fosse introduzida na história antes, então fiz esse retcom aqui.



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