Back Home escrita por Foster


Capítulo 1
at least (now) i'm trying


Notas iniciais do capítulo

Querida Prongs,
primeiro preciso dizer que ADOREI ter te tirado! Quando vi o e-mail com o resultado meu coração ficou quentinho, porque você sempre foi uma fofa comigo e a cada interação que tínhamos no decorrer dos meses eu só pensava "meu Deus eu PRECISO caprichar nessa fanfic".
Acredito que tenhamos muito em comum - se eu estiver louca me fala hahaha - e isso de certa forma me ajudou bastante a desenvolver essa ideia. Levou um tempinho, confesso, mas quando o plot nasceu só segui o fluxo haha
Essa não é exatamente minha primeira Jily, mas é a primeira que realmente sinto que consegui satisfazer a ideia que tenho desse casal. Aqui, é claro, as coisas são um pouco diferentes, por se tratar de uma ua e eles serem melhores amigos. Curiosamente a ideia inicial era eles serem ex-namorados, mas senti que funcionaria melhor como melhores amigos e quando fui ver novamente o que você tinha dito que gostava lá no grupo fiquei "EU ACERTEI SOS", porque SIM, minha memória é horrível e eu não lembrava o que tinha sido dito kkkkkk

Você sabe que eu tenho mania de falar horrores - e escrever também, não à toa saiu essa bíblia -, então vou parar por aqui.

Espero que goste da fic ♥ Foi de coração!



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— Como você acha que estaremos daqui cinco anos? — Lily perguntou com um sorriso brincando nos lábios, enquanto observava Remus e Sirius trocando olhares nada furtivos a poucos metros dali. James tombou a cabeça para o lado, deixando os cabelos negros caírem também, pensativo, quando uma brisa gelada fez com que ambos estremecessem sobre a colcha disposta no chão. No mesmo instante ele apressou-se em ajeitar o cobertor que os enrolava, de maneira quase que inconsciente, aproximando-se de Lily. Ela agora conseguia sentir o calor que irradia da pele de James, tão próxima da sua. Era confortável. Era familiar. 

— Aqueles dois ali estarão casados, eu tenho certeza. — o rapaz riu pelo nariz, não deixando de pensar na sorte dos amigos. Eles se gostavam, só precisavam de um pequeno empurrão ou talvez mais maturidade, principalmente por parte de Sirius, mas James sabia que aquilo ali era para ser. Não era algo antigo, pelo contrário, o romance repentino de verão entre os dois, logo após o fim do ensino médio, deixou todos confusos e surpresos, exceto pelo Potter, que era particularmente bom em ler as pessoas e estava mais do que cansado de esperar que os amigos finalmente se dessem conta de que as brigas poderiam ser substituídas por beijos acalorados. Simplesmente parecia certo vê-los juntos.

Era quase injusto que tivesse demorado tanto para acontecer, já que dali poucos dias cada um iria para um canto diferente. Foi pensando nisso que o moreno se deu conta de algo que ele temia, de fato, admitir para si mesmo. Apesar de toda a hesitação, não estava nervoso. Sabia exatamente o que sentia. Talvez não fosse, entretanto, o melhor momento para verbalizar algo, mas sim fazer

Por isso virou-se lentamente para sua melhor amiga, com o coração acelerado, por quem sempre foi apaixonado, mesmo quando eram crianças e tudo que ela sabia fazer era ofendê-lo por ser um idiota. Bem, talvez ele tenha sido mesmo uma criança difícil, sempre pregando peças por aí com Sirius e Peter, mas eventualmente Lily e seu fiel escudeiro Remus acabaram unindo-se a eles, pois é impossível passar por algumas situações e não se afeiçoar um ao outro a ponto de se chamarem de amigos.

Quando tinham doze anos, Peter se perdeu em uma gruta que foram visitar com a escola. Ninguém parecia realmente ligar para o garoto perdido, exceto por James e Sirius, que não hesitaram em procurá-lo no ato. Não muito tempo depois Lily e Remus se juntaram às buscas, o que, de início, não agradou muito James. Lily o detestava, assim como não era muito fã de Sirius e Peter, então por que ajudá-los? 

O fato é que algo mudou quando a ruiva encontrou Peter e, tentando ajudá-lo, acabou presa também na mesma valeta. Mesmo com o pé quebrado, tudo o que ela fazia era tranquilizar Peter, que estava tendo uma visão extremamente gráfica da fratura exposta da garota. Foi ali que James percebeu que ela era mais forte e determinada do que ele havia pensado. Até então era somente a ruiva irritante que, por acaso, vinha a ser sua vizinha. Entretanto, a partir daquele momento, ela era Lily Evans, a destemida, e definitivamente sua nova amiga. 

Levou mais tempo para que ela amolecesse, mas as visitas diárias do garoto, que lhe levava doces e as lições de casa, acabaram surtindo algum efeito e, quando o pé dela finalmente se recuperou, James continuou sendo uma presença na casa dos Evans e ela na residência Potter.  

Não foi aos doze anos, entretanto, que James Potter percebeu que estava apaixonado por sua melhor amiga, certamente não, porém bastaram os primeiros convites para sair começarem a pipocar no armário da garota que ele soube. Simplesmente cada célula de seu corpo vibrava em compreensão: estava apaixonado pela ruiva destemida, o que talvez fosse o motivo pelo qual ele não conseguia gostar de fato de nenhuma das garotas que ficava. 

Poderia ter tentado algo com ela, já que, para ele, falar com garotas era fácil. No entanto Lily não era qualquer garota. Era Lily Evans, sua melhor amiga. Não queria voltar a ser odiado por ela caso ficasse ofendida com as insinuações dele. Era bem provável que Lily acreditasse que não se passava de uma piada de mau gosto, já que conhecia bem o histórico dele. 

Contudo, sentia que precisava arriscar antes que fosse tarde. Tinha planejado tentar algo no baile de formatura, já que iriam juntos. Mal acreditou quando a buscou na porta de casa, pois tinha certeza que algum cara do clube de debates que ela participava provavelmente teria convidado-a e, portanto, o trato deles iria por água abaixo. Se foi convidada ou não, Lily não disse, apenas sorriu abertamente enquanto o acompanhava. Tiraram fotos, como deveriam ter tirado, dançaram, como deveriam ter dançado, beberam, mas não como deveriam ter bebido, pois Lily estava mais do que alterada, o que fez com que James perdesse a esperança de finalmente beijá-la. Mesmo que ela fosse bastante forte para bebidas e não acostumasse se esquecer do que havia feito no dia seguinte, ele não queria que fosse daquela forma. 

Se arrependeu de não ter tido alguma atitude antes que as coisas ficassem confusas, já que não foi nada prazeroso vê-la beijando Amos Diggory nos dez minutos que ele se afastou para buscar o carro para levá-la e tentar deixá-la sóbria antes que os Evans o matassem por ter embebedado a caçula, entretanto o que ele poderia fazer? Lily não fazia ideia dos sentimentos dele e, para todos os efeitos, estava gostando até demais de beijar Diggory. 

No entanto, contando a partir da formatura, ainda tinham algumas semanas antes das coisas mudarem drasticamente. Agora só tinham alguns dias. Lily iria para Nova Iorque e James para Cambridge. Os dois estariam a mais de 5 mil quilômetros de distância por vários anos, isso se Lily sequer cogitasse retornar à Londres. 

E foi ali, sob as estrelas, sentindo a brisa gelada da noite, ao som das águas do lago favorito deles, que James decidiu beijá-la. Sentiu um arrepio na espinha em antecipação, afinal tinha esperado muito tempo por aquele momento, entretanto conforme se aproximava, não fazia ideia de que Lily travava uma batalha interna, que havia começado alguns dias atrás, em sua noite de formatura. 

Havia recusado cinco convites. Cinco. Se sentia uma idiota, porque seu acordo com James consistia em irem juntos caso ninguém os convidasse, porém era simplesmente impossível que James não tivesse sido convidado por nenhuma das garotas que era loucas por ele. Quando o questionou a respeito, dois dias antes do baile, o Potter apenas deu de ombros, rindo.

— Nenhuma garota com quem eu realmente queira ir me convidou. 

Poderia ter sido uma sentença simples para encerrar o assunto, mas Lily não deixava de se perguntar quem seria a garota com a qual ele gostaria de ir. Supôs que talvez fosse Emmeline Vance, com quem ele teve um romance ioiô bastante exaustivo, porém ela não estava disponível. Ou pelo não deveria estar, sendo popular como era. 

O quinto e último convite aconteceu na véspera do baile, enquanto limpava as prateleiras da pequena mercearia em que trabalhava com Amos Diggory.

 — É óbvio que você já teria um par. — murmurou ele cabisbaixo, embora tentasse sorrir levemente, após Lily gentilmente dispensá-lo.

— Bem, na verdade é só o James. — sentiu a necessidade de justificar-se. Não era exatamente um encontro, então poderia deixar subentendido que estaria disponível para dançar e beijar. Entretanto, apesar da reação dos outros garotos terem sido bastante positivas, Amos não pareceu se animar com a proposta. — Combinamos de ir juntos se ninguém nos convidasse e, bem, ele não foi convidado por ninguém, então não posso desmarcar em cima da hora. 

Para quem costumava ser extremamente agradável e simpático, Amos soube lançar um olhar de escárnio e soltar uma risada debochada, o que fez com que Lily se perguntasse se por acaso estava perdendo alguma coisa. Desde quando ele agia assim?

— Lily… Você é mais inteligente do que isso. 

Quis socá-lo com força e talvez o tivesse feito se não fosse o horário de trabalho. Não pediu mais explicações, até porque a onda de raiva pelo comentário ainda tomava conta de cada célula do seu corpo, mas quando chegou em casa e se acalmou desejou tê-lo feito. O que ele quis dizer com aquilo? 

A resposta veio na mesma noite, de ninguém menos que Emmeline Vance, com quem topou ao fazer um ajuste de última hora no vestido para o dia seguinte. A loira estava lá, com cara de poucos amigos, mas que estranhamento melhorou um pouco ao ver a ruiva. 

— Verde? Não exatamente a cor favorita do Potter. — o tom parecia desinteressado, porém era evidente a diversão na voz. 

— Não preciso usar a cor favorita dele. É o meu vestido de formatura, Emmeline. — foi o óbvio a se responder, mas Emmeline apenas balançou a mão, achando graça em algo que Lily definitivamente não entendia. 

— Ele vai gostar de qualquer trapo que você colocar, de qualquer forma. — não teve nem tempo de ficar indignada pelo comentário, pois, pelo que Lily notou, Emmeline falou sem pensar, ficando séria logo seguida e lançando-lhe um olhar culpado. — Não estou dizendo que é feio, pelo contrário, cai muito bem em você. Mesmo. E não estou te desejando nada de mal ou coisa do tipo é só que… — ela suspirou pesadamente. — Não vou tentar mentir dizendo que estou satisfeita de não ir com James e que já o superei, porque, bem, seria uma mentira. Tenho mais amor próprio do que parece, apesar de que nesse momento eu pareço extremamente patética. É só que… — ela se remexeu desconfortavelmente na cadeira. — James sequer disfarça o quão feliz está indo com você. E… Claramente não sentiu por mim metade do que sente por você, mesmo durante nosso relacionamento. — ela fez uma careta. — Se é que eu posso chamar aquilo de relação. Eu sempre fui um estepe. 

Lily sentiu que precisava se sentar, por isso o fez, praticamente largando-se ao lado de Emmeline, que a encarava com um olhar curioso. Não era um olhar à toa, a ruiva supôs depois, pois deveria estar genuinamente surpresa. Ela não era burra, sabia muito bem o que Emmeline estava querendo dizer com aquilo, entretanto não conseguia acreditar e, portanto, precisava de mais informações. 

O quê? — foi apenas o que conseguiu verbalizar, muito embora seu cérebro estivesse a mil por hora, querendo saber como diabos Emmeline poderia estar dizendo tudo aquilo e que fazia muito sentido James não ter convidado nenhuma garota ou aceitado convite algum. 

A loira parecia ligeiramente irritada, no entanto sorriu de canto, suspirando profundamente. No fundo sempre foram simpáticas uma com a outra, talvez não o suficiente para se chamarem de amigas, mas talvez tivessem sido isso quando saíam em grupo com James, Remus, Peter e Sirius.  

— James nunca escondeu que não sentia nada por mim e, bem, eu achei que não sentiria também. Só que era inevitável não perceber como ele olhava para você. E antes que você venha me dizendo que são melhores amigos, isso não exclui o fato de que ele sente algo por você. 

As palavras de Emmeline pareciam ecoar na mente de Lily, que precisou ignorar as ligações de James pelo restante do dia, caso contrário perguntaria se tudo aquilo era verdade, torcendo para que, no fundo, não passasse de uma impressão da loira. Não podia imaginar como as coisas ficariam entre os dois se James realmente fosse apaixonado por ela. Se fosse verdade, ele estava lidando muito bem com aquilo e escondendo perfeitamente, entretanto ela saber mudava totalmente a situação. Ele esperaria algo dela? E se ela não pudesse corresponder, o que seria da amizade dos dois? Não poderiam engatar um romance às vésperas de se separarem para a faculdade, por que como é que ela poderia prendê-lo a uma relação quando ela sequer sabia se sentia o mesmo? 

As possibilidades eram infinitas e uma mais assustadora do que a outra, por isso o recebeu em sua casa para irem ao baile com um sorriso que parecia pregado ao seu rosto. Se aparentasse estar reflexiva ou qualquer coisa do tipo James perceberia na hora e a atormentaria até que dissesse o motivo de tudo aquilo, então era melhor fingir estar extasiada pela noite. 

O nervosismo fez com que ela exagerasse um pouco no esquenta improvisado no píer e ainda mais com as bebidas que Sirius havia contrabandeado. Não havia sido fácil dançar com James colado em si, encarando-a com os olhos castanhos brilhantes. Havia sim muita intensidade ali, mas paixão? Não era provável, era? 

Quando sua mente começou a rodar mais do que ela há poucos minutos na pista de dança, Lily pensou que era uma boa hora de afastar-se, pois estava começando a contar as pintas no rosto de James e interessando-se particularmente por uma muito próxima à boca, mais especificamente abaixo do lábio inferior que, de repente, parecia muito mais carnudo, rosado e macio do que ela se lembrava.

Enquanto tentava retomar o fôlego perdido, sentiu duas mãos grandes em sua cintura e teve a impressão de que seu estômago havia se revirado totalmente em expectativa. A última coisa que percebeu foi quando juntou os lábios, muito menos macios e carnudos do que ela havia prestado atenção, mas estava tão bêbada que não lhe pareceu importante. Apenas precisava aproveitar o momento. 

Lily ficou duplamente chocada ao abrir os olhos e perceber que não estava beijando James, como inesperadamente havia pensado, mas sim Amos, e que a ideia de estar beijando seu melhor amigo havia sido estranhamente satisfatória. Afastou-se com um sorriso amarelo, tentando não tropeçar no meio do caminho enquanto se afastava do garoto sorridente, entretanto seus pés traidores a fizeram cair antes que pudesse chegar até o banheiro. Ao menos havia sido em um canto escuro do salão. O problema foi que James estava, poucos segundos depois, de pé ao lado dela, socorrendo-a. 

Foi o segundo choque da noite. Estava escrito na testa de James que ele havia visto tudo, porém a preocupação genuína tomava conta de suas feições e ela não conseguiu evitar sentir-se um pouco culpada. Ou muito culpada.

— Você está bem, Lils? 

Os olhos verdes de Lily se dirigiram para os lábios de James pelo que deveria ser a quinta vez na noite. Mas aquilo não estava certo. Não deveria ficar pensando em como seria beijá-lo de verdade. Engolindo em seco ela apenas assentiu levemente, os fios de cabelo ruivos caindo sobre seus olhos, e ficou de pé com a ajuda dele. Entretanto, estava claro que, por mais que não sentisse tanta dor por conta do efeito anestésico do álcool, seu pé, o mesmo que havia quebrado anos atrás, estava torcido e, provavelmente, doeria muito no dia seguinte. 

— Acho que podemos dizer que isso encerrou com chave de ouro a noite? — James arriscou uma risadinha, mas Lily sabia que ele não estava, de fato, achando graça alguma. Ele não hesitou em mantê-la junto dele, em um aperto forte contra o peito, o que a deixou atônita. Lily inalou o já tão conhecido perfume de sândalo e sorriu. O que importava é que James estava ali, protegendo-a, como sempre fizera desde que viraram amigos. A possibilidade de não tê-lo mais em sua vida a deixava desconfortável, mais do que isso, a deixava assustada. 

— Vamos esperar você ficar sóbria o suficiente para irmos embora. — comentou sério ao chegarem até o carro. — Enquanto isso, passamos na farmácia e depois na conveniência pra pegamos alguma coisa gelada para colocar no seu tornozelo. 

Quinze minutos depois ela estava com uma tala improvisada no pé, enquanto saboreava um sorvete de baunilha, seu favorito, para desgosto de James, que julgava o sabor extremamente sem graça. Era óbvio, ela pensou, que ele não gostasse de baunilha.  

James era, em muitos pontos, excêntrico. Gostava de sabores mais únicos, como pistache ou passas ao rum, ou qualquer outro que não fosse muito convencional. Napolitano provavelmente deveria ser o cúmulo do comum para ele. James gostava de experimentar coisas novas, enquanto Lily preferia não arriscar e manter-se no que já era conhecido. Por que tentar descobrir um novo restaurante, por exemplo, que poderia ser potencialmente ruim quando já conheciam dezenas de outros extremamente bons? O Potter sempre rebatia, dizendo que, em algum ponto, em todos aqueles estabelecimentos, Lily teve suas primeiras vezes, então o argumento era absolutamente infundado. Era irônico pensar que, para alguém que nunca gostou de arriscar em coisas bobas como escolher um prato ou um restaurante diferente, pudesse estar tão disposta a se mudar para o outro lado do oceano. Entretanto, ela sabia que precisava daquilo. Sentia em todos os cantos de seu corpo, embora tivesse vacilado em alguns momentos, pensando tudo que deixaria para trás. 

—  De todas as coisas congeladas, tinha que ser sorvete. — resmungou ela, apenas para ter algo para dizer, desistindo de tentar colocar o pequeno pote sobre o local machucado.

— Não tinha muitas opções. — James deu de ombros, tamborilando os dedos no volante, claramente sem vontade para fazer piadinhas ou qualquer coisa do tipo e Lily se colocou a observá-lo enquanto The Kooks ecoava pelo automóvel. 

Gostava da companhia de James e, talvez mais ainda, de observá-lo. Os cabelos negros rebeldes viviam para todos os lados e, mesmo naquela noite tão pomposa, não faziam a mínima questão de ficarem no lugar. Era familiar. E Lily gostou daquilo. Os olhos castanhos, tão diferentes que o dela em cor e tamanho, pareciam conter as respostas para todos os problemas. E Lily também gostou daquilo. Os lábios, sempre formando uma linha um pouco torta, apresentando um sorriso de canto que parecia nunca abandonar as feições de James, pareciam extremamente convidativos. E Lily adorou aquilo. 

Mal percebeu quando fechou os olhos e, por alguma razão, esperou que ele tomasse a iniciativa. Não soube se ele percebera quais eram as intenções dela e muito menos como ele reagiu a isso, pois o comando que James deu no instante seguinte para irem embora foi curto, livre de qualquer emoção, e quando Lily finalmente abriu os olhos os dele já estavam colados na estrada. 

Agradeceu aos céus pelo melhor amigo ter ficado extremamente ocupado com qualquer coisa que fosse nos dias após o baile, entretanto não fez menção de arriscar colocar o pé para fora de casa e ser arrastada pela Sra. Potter para jantar com eles. 

Foi no quarto dia de isolamento que ela ouviu batidas na porta de seu quarto. Em um primeiro instante ficou aliviada ao ver Remus parado ali, mas logo soube que, se fosse Peter ou Sirius, saberia lidar melhor com a situação, já que ele a conhecia bem demais, o que implicava que talvez fosse impossível que saísse dali sem saber exatamente o que estava acontecendo com a melhor amiga. 

— E então? — indagou com uma sobrancelha erguida, com sua melhor expressão “é melhor contar logo, porque eu sei que algo está acontecendo”. 

Lily apenas bufou, abrindo espaço para que o amigo entrasse em seu quarto. Enquanto fechava a porta para que sua irmã enxerida não ouvisse nada, a ruiva tentava, sem sucesso, arranjar uma forma de aliviar sua angústia com Remus sem entregar demais, afinal ele também era amigo de James, o que certamente complicava as coisas. 

Não poderia esperar simplesmente que ele confirmasse que o Potter de fato sentia algo por ela e tinha certeza que ele não falaria nada sobre os impulsos dela em beijá-lo naquela noite, porém não se sentia exatamente confortável em verbalizar algo que não tinha certeza. Parecia assustador tornar tudo aquilo real, por que, afinal, o que era real? O que aquilo significava? Ela não fazia ideia. E tinha medo de descobrir.   

— É só que… Teve um momento estranho entre James e eu… — falou calmamente, tentando obter algum tipo de informação pelas micro expressões do amigo, sem sucesso. — Não foi nada demais. — mentiu, esperando que ela mesma se convencesse de que tudo não havia passado de um momento estranho. Afinal, era normal que melhores amigos eventualmente considerassem a respeito de se beijarem, certo? E aquilo não necessariamente indicava a presença de sentimentos, certo? Apenas uma… Curiosidade. — Só que em um momento ridículo eu me peguei fechando os olhos e esperando… Esperando… Um… — ela não conseguia verbalizar. Não poderia. Porque talvez não quisesse realmente um beijo, mas estivesse apenas aberta à possibilidade, o que não era a mesma coisa, definitivamente. — Alguma coisa. — completou, descrevendo tudo o que aconteceu naquela noite, deixando de fora apenas o detalhe importantíssimo de Emmeline Vance praticamente esfregando em sua cara que James sempre foi apaixonado por Lily. Não queria ver a confirmação ou a negação nos olhos do amigo, queria apenas saber como agir diante de tudo aquilo, afinal quase beijar seu melhor amigo não era algo bobo, por mais que pudesse parecer.  

O amigo suspirou pesadamente, coçando o queixo e analisando-a com os olhos amendoados. Se conheciam há ainda mais tempo do que Lily conhecia Sirius e James, já que suas mães eram melhores amigas da faculdade e eles faziam absolutamente tudo juntos. Foi ela a primeira pessoa a saber da bissexualidade de Remus, cerca de dois anos antes. Foi ele o primeiro a saber da ideia de Lily em cursar moda em Nova Iorque e também ele a ajudar a convencer os pais dela de que poderia ser uma boa ideia. Estavam sempre ali um pelo outro e ela realmente esperava que a distância não influenciasse tanto na dinâmica dos dois. 

— Você não vai mesmo passar os últimos dias aqui sofrendo por algo que nem chegou a acontecer, não é? 

Ela esperava tudo menos isso da parte de Remus. Ele não estava errado, no entanto, só era difícil aceitar isso e seguir em frente, pois significaria que ela precisaria enfrentar James

O melhor daquela situação era perceber que não foi preciso nenhum questionamento. Remus havia entendido o que Lily tinha quase feito e talvez até mesmo compreendesse o porquê e as razões pela qual ela estava tão desesperada. Tudo por meio de um único olhar. Era assim que eles funcionavam, mais olhares do que palavras. 

Ela o encarou profundamente, sentindo os olhos marejarem. De fato sentiria mais falta dele do que talvez pudesse suportar. Percebendo o terreno emocional que entravam, Remus pigarreou, olhando para outro canto do quarto, mas Lily flagrou algumas lágrimas teimosas. 

— Vou sentir sua falta. Muito. — ele falou com a voz baixa, fazendo Lily fungar alto, já incapaz de conter a emoção. — E sei que você vai sentir a minha falta também. — virou-se para lançar-lhe uma piscadela marota, a qual sempre fazia Lily revirar os olhos e rir. Gostava daquele lado de Remus. — Mas também sei que você vai sentir muita falta do James também e tentar fugir dele por um constrangimento que, sinceramente, envolveu mais álcool do que impulsos de verdade, só vai fazer com que você se arrependa de não ter aproveitado até o último minuto. 

E Remus estava certo, como sempre e em menos de uma hora ambos estavam na porta de James, com mochilas enorme nas costas.

— Nós vamos acampar! Uma última vez, como um grupo. 

O sorriso que James abriu para ela fez com que todas as inseguranças fossem embora. Era somente James, seu melhor amigo James, que estaria ali sempre por ela. E ela por ele. E eles iriam aproveitar, juntos, os últimos dias antes da grande guinada na vida de cada um. 

Agora, sob a luz das estrelas, envoltos por uma brisa gelada que apenas servia para juntá-los ainda mais no sofá estreito, Lily o via como nunca de fato havia feito antes, nem mesmo na noite do baile. 

E ele estava vindo até ela, pronto para um beijo, o qual Lily, estranhamente, estava pronta também, algo absolutamente assustador, mas ao mesmo tempo incrível. 

Exceto pelo fato de que o beijo não aconteceu. 

James parou, os olhos castanhos fixos nas imensidões esverdeadas que eram os olhos de Lily. Vacilou por míseros segundos para os lábios, mas logo desviou o olhar para algum ponto distante ao lago. Lily arfou, sem entender o que havia acontecido, ou melhor, não havia acontecido. 

Restou para ela oferecer ajuda para Peter, que havia começado a assar alguns petiscos para ele, que de bom grado, aceitou. James juntou-se à Sirius, que afinava seu violão, enquanto Remus tentava montar a última barraca.

Na manhã seguinte, mais sóbria e menos imersa pela atmosfera do local, Lily viu James sentado sozinho, no mesmo ponto em que quase cruzaram os limites da amizade. Mordeu os lábios, perguntando-se se deveria ir até lá. Era engraçado pensar em como ficaram amigos, algo que sua versão de doze anos jamais teria imaginado. Automaticamente seus olhos caíram sobre a cicatriz em seu tornozelo e as palavras tranquilizadoras do garotinho de cabelos espetados a fez sorrir. É claro que ela deveria ir até lá. 

— Você não respondeu a minha pergunta ontem. — observou ela, percebendo que James claramente não tinha consciência de não estar mais sozinho, pois saltou de leve, rapidamente se recompondo e abrindo um sorriso.

— Acredito que eu respondi, sim. 

— Em relação ao casalzinho ali sim. — ela indicou Sirius e Remus dormindo juntos na traseira da caminhonete de Peter, não querendo imaginar os motivos que os levaram a ir dormir lá. — E eu não concordo. Eles são orgulhosos demais para se casarem em cinco anos. Mas em dez...

O comentário fez James gargalhar com vontade, pendendo a cabeça para trás. Se havia uma visão melhor que aquela, a ruiva não conseguia se lembrar.

— Quer apostar, Evans?

— Uma cerveja, Potter. 

— Duas, para ser mais interessante. 

Com um aperto de mão eles selaram a aposta e Lily sentou-se ao lado dele, observando o lago. James pigarreou, olhando para ela. 

— Sobre sua pergunta… Acho que estaremos onde deveríamos estar. Independente de como isso seja.

Lily não parou de pensar naquela afirmação, em partes porque se perguntava o que seria “onde deveriam estar” e se até lá saberia a resposta, mas também muito porque esperava ansiosamente que o destino não ousasse mantê-los separados, pois aquela resposta talvez fosse exatamente o que ela precisava naquele momento, e muito provavelmente o que teria respondido se fosse ele quem tivesse feito a pergunta. 

O que a ruiva veio a descobrir depois que se mudou é que nem sempre a vida segue pelos caminhos que esperamos, algo que, por mais óbvio que pareça, só entendemos de fato quando acontece conosco. 

Ela não conseguiu retornar para Bristol o tanto de vezes que gostaria no primeiro ano de faculdade e quando estava na cidade seu timing nunca batia com o dos amigos. Conseguiu ver Peter e Sirius apenas uma vez, antes de irem para Londres, e apesar de fazer chamadas de vídeo com a maioria do grupo em datas importantes como aniversários e tentar manter uma conversa de atualização mensal, a frequência ia diminuindo cada vez mais.

Em certo ponto as mensagens de aniversário se resumiam a poucas linhas e não mais ligações, isso quando a data era lembrada. As atualizações obtidas eram exclusivamente por meio de redes sociais. As conversas aconteciam em postagens de interesses em comum, mas nunca evoluindo a ponto de irem para o privado e serem desenvolvidas de fato. 

Então, as viagens para casa ficaram cada vez mais escassas, com o estágio no ateliê ocupando quase todas as horas do dia de Lily. O primeiro Natal longe dos pais e dos amigos foi um pouco chocante, mas não menos agitado, afinal estava em Nova Iorque e nunca ficava realmente chato ou entediante. Depois, a demanda do primeiro emprego aumentou e quando conseguiu vaga dos seus sonhos, não parecia a melhor hora para viajar. 

E assim sete anos se passaram. 

Até que aconteceu algo que Lily não esperava: Remus estava propondo uma chamada de vídeo com Sirius e James. Ela atendeu rapidamente, sentindo seu coração saltar em expectativa. Mal se lembrava da última vez que havia conversado com os três.

Sirius ainda mantinha os cabelos compridos, mas agora uma barba completava o conjunto. Os olhos e o sorriso maroto ainda eram sua marca registrada, pelo visto. Remus começara a usar óculos e tinha os cabelos mais curtos do que na época do colégio. James, por outro lado, parecia completamente outro homem. Não havia mais sinal de seus fios desgrenhados, pois o corte era ainda mais curto que o de Remus e uma barba bem mais rala que a de Sirius preenchia seu rosto.

— Isso é uma reunião de emergência! — anunciou, com Sirius ao lado, assim que terminaram de se cumprimentar. — Mas primeiro, Lily do céu, estou morrendo de saudade de você.

Os outros dois homens concordaram e, de repente, foi uma zona completa, como costumava ser quando estavam juntos. Foi inevitável não sorrir, mas controlou as lágrimas enquanto dizia também ter sentido falta deles. 

— Cadê o Peter? — ela perguntou após algum tempo e todos ficaram em um silêncio desconfortável. — Aconteceu alguma coisa? 

— Ele é um desgraçado, isso que ele é. — Sirius bufou e os outros dois concordaram. — O canalha roubou minhas músicas. 

O queixo de Lily foi ao chão. Ela sabia que ambos estavam tentando fazer música em Londres após montarem uma banda e, apesar de não ter visto mais vídeos dos dois, acreditou que as coisas estivessem bem. Não acreditava que Peter, que sempre pareceu tão inofensivo, havia feito algo tão podre quanto isso, pois todos sabiam o quão Sirius era um excelente compositor. 

— Que filho da puta. 

— Minhas palavras exatas. — James grunhiu. 

— E por isso precisei procurar o aluado. — Sirius esclareceu com um sorriso. — quero dizer, na época, para um cara que não era nem formado, eu realmente botei muita confiança nele para advogado. Só que ele me salvou. Ou melhor salvou a pele do filho da puta, porque se eu não conseguisse minhas músicas de volta ele iria perder a maldita língua.

— É claro que eu não fiz muita coisa de fato, só indiquei alguém que pudesse cuidar do caso. — Remus abanou a mão, humilde como sempre diante de elogios. 

— Mas fez toda a diferença. — Sirius acrescentou e Lily percebeu como ambos estavam complementando a história de maneira harmônica até demais.

 — MEU DEUS, VOCÊS ESTÃO JUNTOS? — berrou sem cerimônia alguma, fazendo James gargalhar alto.

— Eu disse que ela iria perceber antes de vocês falarem qualquer coisa.

Aquele comentário a incomodou um pouco. Ou talvez muito. Sabia que era injusto, porque ela estava longe e James muito mais perto deles, mas não gostava de ser a última a saber. Dava a impressão que, de certa forma, ela estava sendo deixada de lado na amizade e não que tenha sido um afastamento conjunto por conta da vida. Significava que ela agora era peça descartada. 

— Na verdade… — Sirius começou, abrindo um sorriso. — Estamos mais do que juntos.

— Ao menos é o pretendemos ficar, mais ou menos daqui uns seis meses. — Rem completou, comprimindo os lábios em expectativa. — Vamos nos casar. 

A euforia foi completa e Lily achou que talvez fosse acordar o prédio inteiro, mas pouco se importou. Seus melhores amigos no mundo iriam se casar! Um misto de felicidade e nostalgia a atingiu em cheio.

— Alguém me deve uma cerveja. — James cantarolou depois que pararam de comemorar e Lily se sobressaltou. Os olhos dele pareciam divertidos e o clássico sorriso de canto estava lá, perfeito como sempre. Como ele poderia lembrar daquilo? Entretanto, não conseguiu conter um sorriso largo.

— Não acredito que vocês apostaram que iríamos nos casar. — Remus soltou, tão indignado quanto Sirius. 

— Lily Evans, como pôde achar que isso não aconteceria? — todos riram diante da constatação de Sirius e Lily logo se justificou:

— Apostei que não aconteceria em cinco anos. Talvez levasse mais tempo, tipo uns dez anos. E realmente levou! Sete anos. Meio que é um empate.

— Lily, sete está muito mais perto do cinco do que do dez. — James ergueu uma sobrancelha, encarando-a por cima dos óculos e ela apenas bufou.

— Se ajuda a melhorar seu humor por ter perdido a aposta, você ficou bem perto de ganhar a aposta. — esclareceu Remus, apoiando o rosto na mão. — Estou… Pensando em fazer outro curso e… Largar a área do direito. Na verdade, estou praticamente certo disso, porque vocês sabem que eu sempre quis ser professor de História. E a vida no escritório… Bem, é sufocante. Resolvemos nos casar agora porque, bem, se eu realmente quiser uma segunda graduação, talvez eu precise viver uns bons anos sem muitos gastos. E lá na frente, com um salário de professor, as coisas não vão ser exatamente mais fáceis do que agora. — soltou um riso nervoso. 

— Além do mais, os pais dele ficaram estranhamente super empolgados com o casamento e disseram que iriam ajudar em muita coisa e, bem, eu não recuso uma boquinha de graça, ainda mais sendo um músico que ainda não estourou de verdade, mas está prestes, é claro. — acrescentou Sirius.

— Estou muito feliz por vocês. — Lily não conteve a emoção ao falar. — Seis meses… Isso é… Em dezembro?  

— Minha mãe acha que casamentos no inverno são perfeitos. 

— E meus pais estarão fora da cidade, o que vai evitar dores de cabeça. — Sirius emendou com um sorriso amarelo. — Mas pelo menos Regulus vai estar lá. 

— Essa chamada, além de servir para matar a saudade e fazer o anúncio, também tem outro objetivo. — Remus olhou para Sirius, que assentiu sorrindo, então voltou a encará-los pela câmera. — Vocês gostariam de ser a madrinha e o padrinho do nosso casamento?

Ambos precisaram de alguns segundos de compreensão, mas soltaram um sonoro sim. 

Lily não poderia estar mais animada, mas devido às exigências em seu emprego, no qual tentava uma promoção há quase dois anos, não conseguia se manter tão ativa nas decisões sobre o casamento ou mesmo em conversar com os três, apesar de terem conseguido manter certo contato mais aos fins de semana. 

Foi em novembro, faltando um mês para o casamento, que Lily teve o que chamou de break down. O estresse pelas altas demandas havia chegado ao limite e a última coisa que se lembrava daquele dia era o imenso vaso de lírios que ela havia destruído - o que era uma ironia engraçada, em sua opinião. Por recomendação médica teria duas longas e dolorosas semanas de descanso, mas se soubesse o que estava por vir, não teria nem feito questão de voltar.. 

— Como é? Vou precisar trabalhar na semana do Natal? 

Sua chefe mal a encarou quando assentiu, focada em escrever em uma prancheta. 

— Mas eu disse que tiraria minhas férias nesse período. O RH já tinha até concordado. Vou ser madrinha de casamento. — falou com a maior calma que poderia, mas a mulher sequer ergueu os olhos, o que estava irritando-a profundamente.

— Isso foi antes das suas pequenas férias, querida.

Não era possível que estivesse ouvindo aquilo, não depois de tudo que aquela mulher a havia feito passar. Mary Wilson era o diabo em pessoa. Então, antes que pudesse dizer algo que lhe rendesse algum processo, a ruiva pensou no que James havia lhe dito sete anos atrás. “Acho que estaremos onde deveríamos estar. Independente de como isso seja.” Era ali que ela deveria estar? Certamente não. 

E por isso, estava a caminho de Bristol mais cedo do que o previsto. Ter pedido demissão foi a coisa mais louca que havia feito, considerando que não havia pensado nas consequências muito bem. Não receberia nada, mas ao mesmo tempo não conseguiria se sujeitar mais alguns meses esperando ser mandada embora. Que Mary Wilson e sua corja se explodissem. Ela tinha sua saúde mental para zelar, um casamento para comparecer e uma vida para retomar.

Não estava totalmente confiante, no entanto, principalmente a respeito do que faria depois daquilo. Tentaria algo em Bristol? Iria para Londres? Voltaria para Nova Iorque? As possibilidades eram imensas e a única certeza que tinha era que precisava de uma luz, algo que provavelmente não encontraria sozinha, mas esperava que conseguisse algum sinal nessa estadia. 

Assim que pisou os pés no aeroporto de Bristol já podia sentir as energias renovadas, com a sensação de que havia se libertado de um peso nos ombros. Estava de volta e se sentia bem, apesar de não conseguir controlar a sensação de que estava mais perdida do que gostaria de admitir, no entanto isso ninguém precisava saber, ao menos não de imediato. 

Quando viu seus pais e Remus juntos, esperando-a com uma placa que tinha “Lily” escrito em verde neon, ela nem ao menos tentou conter as lágrimas. Um misto de alegria, saudade e nostalgia a atingiram no peito e antes que pudesse perceber já dizia o quanto os amava e estava feliz por estar ali. 

— Nós também, querida. Nós também. — assegurou a mãe em meio a um abraço caloroso.  

No caminho para casa foi se surpreendendo ao ver o quanto as coisas tinham mudado, muito embora a cidade parecesse a mesma. Petunia só não estava casada oficialmente, porque estava juntando dinheiro para uma cerimônia enorme, mas Lily sequer soube que ela havia sequer ficado noiva. Seu pai aparentemente estava com problemas de colesterol alto, o que ninguém quis se dar ao trabalho de preocupa-la contando. Como se não bastasse, sua mãe estava tendo problemas de vista, o que implicava que, dali uns meses, talvez não pudesse mais fazer os bordados que sempre amara e que começara a fazer com mais frequência depois da aposentadoria. 

Foi um choque perceber que, de certa forma, não se encaixava mais na rotina deles, o que, ela tentava se lembrar a todo instante, era resultado de sete anos de diferença, mas não conseguia deixar de pensar que queria fazer parte novamente. Queria se ajustar, queria ser uma filha presente, queria levar os pais às consultas médicas em Londres, se necessário, queria ajudar com tudo o que fosse possível.

Tentava não pensar muito no assunto enquanto Remus ia lhe atualizando sobre o que havia acontecido com ele nos últimos sete anos, mas a sensação de angústia de ter piscado e uma parte de sua vida ter sido desperdiçada não ia embora. 

— Vou dar o benefício da dúvida e assumir que você está com essa cara de enterro pelo jet lag, mesmo que não seja tanta diferença assim. — ele comentou depois do segundo drink de Lily chegar à mesa em menos de vinte minutos. Ela apenas suspirou pesadamente, apoiando o rosto na mão. 

— Só me sinto um pouco mal de ficar por fora de tantas coisas. Meus pais, Petunia, você e Sirius e… James.

Remus pegou sua mão, sorrindo minimamente enquanto a encarava no fundo dos olhos. 

— Não fique se culpando por isso e nem culpando os outros. É só a vida agindo com o curso natural das coisas. Se te deixar um pouco animada, eu fiquei dois anos sem falar com o Sirius direito depois que ele foi para Londres, mas foi instantâneo quando nos reencontramos. Só que às vezes não funciona assim. Eu e você, por exemplo, foi instantâneo. Estamos juntos e parece que nunca houve um gap de sete anos. Mas, para outras pessoas, talvez não seja exatamente a mesma coisa e é preciso aceitar isso e… Deixar rolar. 

Ela sabia que, naquela observação, Remus não falava apenas sobre a relação de Lily com a família. De certa forma ele sabia que ela estava aflita em rever James e estava indicando que, talvez, ocorresse tudo naturalmente, da mesma forma que talvez não ocorresse. 

Respirando profundamente Lily apenas assentiu, tentando esboçar um sorriso. Queria perguntar sobre James, saber como ia sua carreira como arquiteto, quando ele chegaria a Bristol e se já estava estabelecido de alguma forma, fosse com casa própria ou alguma namorada. Antes que o fizesse, no entanto, decidiu que, faltando apenas duas semanas para o casamento, o melhor que poderia fazer era começar a ser a madrinha que prometera. Talvez isso a ajudasse a não pensar no fato de que agora era uma desempregada que muito provavelmente precisaria voltar a viver com os pais, enquanto todos seus amigos pareciam estar seguindo com a vida.

Foi na despedida de solteiro de Remus e Sirius, uma semana após sua chegada, - que seria conjunta e reuniria basicamente todos os amigos do colégio e alguns de Londres e Cambridge - que Lily soube que precisaria encarar todos aqueles de quem ela vinha fugindo. Foi tortuosamente perguntada sobre sua vida e tentou ser o mais evasiva possível sem levantar suspeitas. Preferia insistir para que os outros a atualizassem em detalhes sobre suas vidas pessoais, pois ouvir parecia muito melhor do que falar. 

Enquanto conversava com Marlene McKinnon, que agora era uma jornalista muito adorada na cidade, foi surpreendida por um abraço apertado de Sirius, que havia acabado de chegar na cidade, e sentiu que seus problemas não existiam. 

— Meu Deus, ruiva! — o tom grave de Sirius, seguido de uma gargalhada alta, fez com que ela se sentisse transportada para quando estavam na escola e, por qualquer motivo, o amigo parecia querer agarrá-la e tirá-la do chão, como havia acabado de fazer. Gostava desse ar afetuoso de Sirius, que não era mostrado para muitos. 

— Sabe, eu sei que depois que saímos do colégio sempre ficamos naquela baboseira de “é, deveríamos marcar mesmo de nos ver”, quando na real nunca fazemos isso de fato, mas eu nunca imaginei que você fosse fazer isso conosco. — fingiu colocar a mão no coração, como se estivesse ferido. 

— Pare de encher o saco dela, Sirius. — Remus o repreendeu, aproximando-se para beijá-lo de leve. Sirius, entretanto, revirou os olhos e puxou o noivo para um beijo de verdade, que fez com que Lily e Lene, rindo de nervoso, começassem a procurar qualquer outro lugar para olhar. 

Nesse instante Lily sentiu o ar esvair-se de seu pulmão. Lá estava James, os cabelos mais longos do que da última chamada de vídeo que fizera com ele, apresentando o clássico ar desgrenhado que era sua marca registrada, a barba agora aparada, demarcando perfeitamente seu maxilar bem definido. O sorriso, encantador como sempre, não parecia ter mudado nada, assim como o olhar maroto que ele sempre ostentava.

E quando ele a olhou do outro lado do bar… Ah, não parecia que sete anos haviam se passado. Ela podia ver a mesma intensidade tão familiar nos olhos dele, mesmo a metros de distância, misturada com emoção, alegria e… Algo que ela não conseguia identificar e fazia seu estômago revirar. 

Lily foi quem deu o primeiro passo e James não hesitou em fazer o mesmo, abrindo um largo sorriso, o sorriso que costumava destinar somente a ela. Conhecia quase todos - senão todos - os sorrisos de James e aquele, certamente, era seu

Se abraçaram com força sem dizer uma única palavra, bastando apenas aquele gesto repleto de carinho e saudade para suprir a falta de contato nos últimos anos. Como ela havia conseguido ficar tanto tempo longe? Como havia simplesmente deixado para lá uma amizade tão linda como a deles? Como poderia viver sem aquele abraço novamente? Era impossível, Lily soube no momento em que inalou o perfume, já não mais de sândalo, mas igualmente inebriante, que definitivamente não conseguiria viver mais nenhum segundo sem James em sua vida novamente.

— Me deixe olhar direito para você. — ele sussurrou, a voz carregada de emoção. Lily se afastou, arfando de leve. Era ainda mais surreal vê-lo frente a frente, reparar em seus traços tão familiares. 

Agora James tinha uma cicatriz pequena abaixo do olho, que ela estava particularmente louca para saber do que se tratava, mas de resto era absolutamente o mesmo de antes. O sorriso espalhou-se por seu rosto imediatamente, enquanto o Potter corria os olhos por ela, parecendo gravar cada detalhe de seu rosto.

— Seu cabelo está diferente. — observou parecendo surpreso e ela riu, automaticamente levando a mão até os fios. 

— Estar no mundo da moda também significa testar algumas tendências um pouco radicais no cabelo. 

— Tipo…

— Tipo ficar loira. E desistir na semana seguinte.

James ficou estupefato. 

— Você está brincando! 

Como prova, Lily sacou o celular para mostrar que, uns oito meses antes, estava completamente platinada, mas detestou tanto a experiência que logo voltou a cor original, ou o tom mais próximo que conseguiu encontrar em uma tinta de cabelo. Era um pouco surpreendente que ele tivesse reparado que seu tom de ruivo não era mais o mesmo. Ninguém mais havia notado, nem mesmo sua mãe que havia, literalmente, lhe conhecia há mais tempo que qualquer um. 

Conversar com James era fácil, entretanto seria mentira dizer que era a mesma coisa e Lily sentia em cada célula de seu corpo que algo estava diferente. Havia uma expectativa maior, uma emoção mais intensa… 

— Suas previsões foram realmente muito boas. — comentou enquanto se afastavam para pegar algumas bebidas no bar. — O que me lembra que eu tenho que te dar uma cerveja. 

— Duas. — corrigiu ele rindo, enquanto se sentava no banco. De repente James a encarou com um sorriso de canto, aquele sorriso que costumava dar quando estava flertando, e Lily franziu o cenho. — Mas pensei em você me pagá-la outro dia. Afinal, quem está bancando tudo aqui são os dois, então você estaria burlando a premissa de que seria preciso pagar uma cerveja. 

Lily resmungou apenas por diversão, pois também estava pensando em chamá-lo para uma saída mais… reservada. Céus, talvez ela tivesse bebido shots demais. 

— Sou uma pessoa desempregada agora, James, precisamos considerar isso. — falou sem pensar muito. Era James e, de certa forma, sentia que queria compartilhar aquele segredo com ele. A informação pareceu pegá-lo em cheio, pois suas feições divertidas e galantes foram substituídas por uma expressão de preocupação genuína que fez com que Lily, pela primeira vez, quisesse simplesmente chorar e colocar tudo para fora de verdade. 

— Está tudo bem? O que aconteceu? — a mão de James agora estava sobre a dela no balcão e Lily manteve os olhos ali por alguns instantes, tentando se recordar da última vez que estivera tão perto dele e o porquê de estar pensando naquilo com tanta importância. Balançou a cabeça e concentrou-se em olhar nos olhos dele. Um erro, ela percebeu depois, pois tudo o que ela conseguia pensar era em como quase o beijara no carro, na volta da formatura. Será que ele havia percebido e a ignorado de propósito? Ou seria possível que ele não tivesse percebido? E se ele tivesse percebido e tivesse beijado-a de fato? O que teria acontecido? 

— É um mundo muito mais abusivo do que bonito, se quer saber. — falou, tentando afastar os pensamentos que lhe deixavam confusa e levemente desconfortável. Por Deus, não fazia sentido estar revivendo meros impulsos adolescentes. 

— E você foi demitida? 

— Claro que não. Pedi demissão. — ergueu o queixo enquanto falava, de repente sentindo-se orgulhosa por finalmente dizer aquilo em voz alta, mesmo que não fosse exatamente algo para se orgulhar. 

James se surpreendeu com a reação de Lily e riu, balançando a cabeça. 

— Sabe Lily, todo mundo sempre disse como você era alguém que gostava de coisas seguras, mas eu sempre a vi como alguém que sabe exatamente a hora de agir. — ele tombou a cabeça levemente para o lado, sorrindo, e ela pôde sentir a respiração começar a ficar entrecortada. O que diabos estava acontecendo com ela naquela noite? — Acho que fez bem. Mesmo. 

— É a primeira pessoa que me diz isso. — ela sibilou, mas logo acrescentou: — Não que signifique muita coisa, porque você foi a primeira pessoa que eu contei. 

Aquilo pareceu ter surtido efeito em James, que engoliu em seco de leve antes de sorrir. Aí estava algo que ela adorava nele: sorrisos lhe eram fáceis demais. Talvez fosse por isso que ela enxergasse uma beleza incomum na forma em como James permanecia sério, com os olhos semicerrados e a testa unida formando um pequeno vinco. 

— Significa bastante coisa. — falou em voz baixa, despertando em Lily um arrepio na espinha que a fez empertigar-se no banco, enquanto buscava o cardápio de bebidas para se ocupar em fazer outra coisa a não ser olhar para James. Não estava confiando em si mesma naquela noite, não com tantos pensamentos estranhos a respeito de seu melhor amigo, não mesmo.

— Me fale sobre você! — empurrou-o com o ombro, tentando trazer uma atmosfera mais descontraída para a conversa, antes que pudesse fazer alguma coisa da qual fosse ficar se remoendo no dia seguinte.

— Não há muito o que dizer. — deu de ombros logo depois que finalmente fizeram o pedido. Ela, um sex on the beach, ele um cosmopolitan, em homenagem à vida dela em Nova Iorque. — Às vezes acho que preciso voltar e pensar no que eu realmente queria. 

— Construir casas como as nossas. — ela sorriu nostálgica. Mal se lembrava de quando James tivera aquela vontade, mas era, pelo menos, desde que ela o conhecera, senão antes. Havia algo nas construções do antigo bairro que o fascinava e uma beleza particular na construção de um lar, algo que o jovem Potter não cansava de falar a respeito. Era mais do que um amontoado de tijolos e cimento. Uma casa em construção era um futuro lar. E James falava com tanta paixão que Lily tinha certeza que, em menos de vinte anos, toda Bristol teria uma casa aconchegante a cada quarteirão assinada por James Potter. 

— Exatamente. — sorriu com certa amargura, bebericando sua bebida. — Mas a vida acontece e… — ele suspirou pesadamente. — Acredito que você não sabia sobre meu pai. 

O sangue de Lily gelou. Não, não, não. Não Fleamont Potter. A reação dela de desespero deve ter sido intensa, pois James logo tratou de segurar sua mão e negar com a cabeça.

— Não é nenhuma tragédia, calma. Isso eu teria contado à você se tivesse acontecido.

Isso. A ênfase na palavra fez com que Lily refletisse sobre as coisas que James quis dizer à ela nesses sete anos e quantas vezes deixara para lá. Além disso, ela não parava de pensar em tudo que perdera. Já não eram jovenzinhos. Estavam mais para os trinta do que para os vinte, estavam mudados, estavam mais maduros. Era incoerente da parte dela se sentir irritada por desejar que ele tivesse lhe ligado para relatar um mínimo resfriado, ao passo que ela mesma não tinha esforçado-se o suficiente para manter contato. Entretanto, era inevitável não pensar em todos “e se?”. 

— Ele sofreu um acidente e precisou se aposentar mais cedo do que previa. Os gastos com adaptações na casa e tratamentos foram altos, então eu ajudo como posso. O que significa que talvez eu precise ficar em uma empresa que consome minha mão de obra para desenhar prédios para grandes corporações. — ele riu pelo nariz, ajeitando os óculos. — Não tem porque mentir para você. Às vezes sequer desenho. Só ajudo em alguns detalhes. E já estou lá há quase três anos. 

— Essa fase da carreira consegue ser um verdadeiro limbo. — comentou enquanto colocava o cabelo atrás da orelha. Na verdade, se sentia em um limbo praticamente o tempo todo desde que saíra da escola. — Três anos podem ser muitos para uns, mas pouco para outros, ainda mais quando estamos falando de experiência.

— Essa idade é um limbo. — acrescentou ele, lançando um olhar para o casal e amigos que dançava na pista, completamente apaixonados e prestes a se casarem. — Nossos melhores amigos estão se casando, Lils. 

— E eu estou desempregada. — riu amargurada, dando goles grandes em sua bebida. Se fosse encarar a realidade, precisaria de mais drinks logo. 

— E eu sou um vendido. — ele sorriu abertamente, olhando para a amiga novamente. — Nem sempre estamos onde devemos estar. 

Então novamente as memórias lhe invadiram. James, o piér, o cobertor, a brisa gelada, as bochechas coradas de frio, os lábios entreabertos, prontos para um beijo que nunca aconteceu. 

— Um brinde aos caminhos estranhos que a vida nos leva. 

No decorrer da semana Lily não teve muito tempo para garantir a tal cerveja de James, pois Sirius e Remus estavam com um atraso sério nas lembrancinhas, então ambos se certificaram de fazer uma força tarefa para não ouvirem mais os chiliques da mãe de Remus. 

— Foi uma ideia genial ter feito a despedida de solteiro semana passada, — observou Sirius enquanto se espreguiçava. — porque realmente não teríamos o mínimo de ânimo essa semana. Mas por outro lado… — ele se aninhou no ombro do noivo, fazendo um beicinho. — Eu bem que poderia usar um descanso de toda essa parafernalha de casamento.

— É comovente saber como meu noivo se sente em relação ao próprio casamento. — ironizou Remus, mas claramente não falando muito sério, pois logo deixou as embalagens de lado para aninhar-se com Sirius também. 

Lily e James também aproveitaram a deixa e recostaram-se na cadeira.

— Eu adoro a ideia do casamento e sinceramente teria arrastado você para casar comigo muito antes. Simples, rápido. 

Remus não conteve um sorriso enquanto ouvia o amado atentamente. 

— Mas assim está excelente também. Gosto de deixar sua mãe feliz, porque isso significa mais lasanhas quando volto para Londres. E acho que você merece um casamento com tudo que há direito. 

— Ok, agora eu realmente estou preocupado. — Remus empertigou-se na cadeira, forçando Sirius a olhá-lo com uma sobrancelha erguida. — Quem é você e o que fez com Sirius Black? 

— Você está olhando para o futuro Sirius Lupin, se quer saber, e ele é muito mais amável do que parece, mas se começar a reclamar eu posso simplesmente não ser.

Os três ficaram petrificados diante da afirmação de Sirius, em especial Remus. Eles não haviam falado sobre a troca de sobrenomes, então era curioso - além de completamente adorável - que Sirius tivesse aquilo tão certo em si. 

— Não poderia ser diferente. — murmurou baixinho e antes que pudesse dizer qualquer coisa a mais seu lábios foram tomados pelos de Remus, que segurava seu rosto com firmeza. 

Lily deixou um suspiro pesado escapar e James a encarou divertido. 

— Acho que é nossa deixa. Já fizemos o bastante por hoje, de qualquer forma. E se eu precisar dar mais algum nó hoje, acho que vou ficar com meus dedos travados. — ele exibiu a mão enquanto tentava esticar os dedos e Lily sorriu, assentindo. 

— Talvez eu possa pagar as cervejas. 

— Finalmente! — exclamou soltando um suspiro enquanto levantava-se e pegava o casado. — Achei que daria o calote em mim, Evans. 

— Jamais, Potter. — sorriu de canto, também juntando suas coisas. 

Após se despedirem do casal que, apesar de ter garantido que terminariam as lembrancinhas, claramente iriam se ocupar com outra coisa, Lily e James se dirigiram a um pub próximo.

— Bem, Potter, você tem direito a duas cervejas. Vai querer as duas de uma vez, como nos velhos tempos, ou vai querer apreciar cada uma um pouco mais? — Lily deslizou o cardápio pela mesa, indicando com o dedo a clássica cerveja amarga que James gostava, o que o fez sorrir abertamente.

— Na verdade, eu estava pensando em você pegar uma agora e segunda em outro dia. — ele lançou um olhar rápido para ela antes de desviar a atenção para chamar o garçom e Lily se sentiu como uma adolescente idiota, vibrando internamente por ter garantido mais um encontro com alguém que, pelo amor de Deus, era seu melhor amigo, ou algo parecido. 

Ela não tirou os olhos dele, percebendo que talvez estivesse mais rendida do que gostaria de admitir. Talvez tivesse sido a quantidade exacerbada de álcool que ambos consumiram, ou ainda toda a aura nostálgica da noite, além da excitação de redescobrir o outro, os novos gostos, os novos hobbies, mas o fato era que Lily estava cada vez mais sorridente, como se fosse possível, assim como James, e ela simplesmente não conseguia tirar os olhos daqueles lábios. 

— Qual a chance de encontrarmos sorvete de baunilha à meia noite e meia em uma quarta feira? — perguntou de repente e James ergueu uma sobrancelha.

— Não acredito que você, Lily Evans, ainda não tem coragem de arriscar coisas novas. Você, que cruzou o oceano para estudar. Você

— Talvez eu possa experimentar algo que você me indicar. — deu de ombros, sorrindo de canto. — Se deixar que eu te indique um sabor. 

James semicerrou os olhos, mas seus lábios ostentavam um pequeno sorriso. Ele estava gostando daquela ideia tanto quanto ela. 

Menos de quinze minutos depois estavam de frente à casa dele. Ela o encarou com curiosidade. 

— Lily, não estamos em Nova Iorque, onde você encontra literalmente qualquer coisa aberta depois da meia noite. — ele soltou uma risada baixa enquanto saíam do carro. — Mas acredito que eu tenha uma variedade bem grande de sorvete no meu congelador. — James teve dificuldade em colocar a chave na fechadura, resultado de muitas canecas de cerveja, o que fez Lily gargalhar um pouco alto. — Você não quer acordar a vizinhança inteira, quer? — repreendeu, mas rindo um pouco alto também.

— Mais especificamente a senhora Smith? — indagou tentando controlar a risada e o tom da voz, indicando uma das casas vizinhas. — Eu perdi a conta de quantas vezes ela chamou a polícia afirmando ter certeza que estávamos fazendo alguma atividade ilícita na sua garagem. 

— Ela só queria um pouco de atenção, você sabe. Eu sou um charme, ela simplesmente não conseguia resistir e precisava ver meu rosto com frequência. — James se aproximou sorridente do rosto de Lily e piscou encantadoramente, o que a fez ficar ligeiramente atordoada, o coração dando saltos irregulares.

Não teve tempo de reagir propriamente, pois ele finalmente acertou o buraco da fechadura e, no instante seguinte, estavam andando nas pontas dos pés, segurando o riso, sem sucesso, a caminho da cozinha.  

Quando o homem abriu o congelador Lily quis chorar de emoção.

— Desde quando você tem uma mini sorveteria na sua casa? — indagou animada enquanto pegava vários mini potes para checar os sabores disponíveis. 

— Desde o acidente do meu pai, minha mãe anda bastante… Boazinha. — ele riu um pouco sem emoção. Não era um assunto confortável e Lily podia ler em cada micro expressão dele, portanto logo tratou de pegar um dos potinhos e esconder atrás de si.

— Combinado é combinado. Eu escolhi um sabor para você, agora você escolhe o meu.

Ele a encarou por alguns instantes, parecendo ponderar, mas logo agarrou um potinho sem que ela visse de qual se tratava. 

— Ok, eu primeiro. — a ruiva cambaleou um pouco para frente, ficando a poucos centímetros de James, que de repente parou de sorrir, ficando sério, exatamente da forma que Lily adorava. 

Ela não fazia muita ideia do que estava fazendo, seu cérebro parecia não funcionar da maneira adequada, então quando ela estendeu o potinho sabor baunilha, e mal percebeu quando começou a tropeçar nas próprias palavras.

— É um clássico, é confortável, é… Conhecido. Mas, ao mesmo tempo, nem todo sorvete de baunilha é a mesma coisa, acredite em mim, já provei mais na vida do que provavelmente qualquer pessoa. Cada um tem sua particularidade e… — ela molhou os lábios, de repente sentindo-se com sede e quase sem ar. O que diabos ela estava fazendo e por que James não conseguia abrir um sorriso? Facilitaria tudo se ele estivesse sorrindo como sempre e não instigando-a com aquele olhar penetrante e o maldito vinco na testa. — Pode parecer uma idiotice completa… — sussurrou se aproximando mais, o coração prestes a sair pela boca. — Mas naquela noite… — não fez menção de explicar qual noite era, ele claramente sabia muito bem. Então ele tinha percebido que ela havia fechado os olhos para beijá-lo na noite do baile. — Eu meio que dei uma deixa para você me beijar. 

E lá estava, sete anos depois, a verdade exposta. Lily queria beijar James, mas, mais do que isso, queria saber se ele havia percebido e se quisera também, apesar de não tê-lo feito. 

— Eu sei. — respondeu baixinho, a voz rouca, o semblante ficando ainda mais sério, a testa agora totalmente franzida. — Mas não seria justo… Você não estava totalmente sóbria. 

Aquilo fez o coração dela disparar. James também queria. Ele viu que ela queria beijá-lo, mas sendo a excelente pessoa que era, não o fez, sabendo que ela não estava em perfeitas condições - muito embora ela tivesse plena consciência de que queria aquilo, mesmo que tivesse levado um tempo para admitir para si mesma. 

Ainda haviam algumas perguntas a serem feitas, porque ele poderia tê-la beijado na noite em que foram acampar, mas, novamente, não o fez. No entanto, tudo o que Lily queria naquele momento era finalmente sentir os lábios dele contra os seus, e por isso deu o passo final de encontro a James, que não tardou em largar o pote que segurava - também de baunilha - para envolvê-la. 

Não foi um beijo gentil, muito pelo contrário. Havia urgência, curiosidade, expectativa, alívio e muitas outras sensações que Lily tentava processar enquanto seu cérebro tinha uma placa neon piscando “eu estou beijando James Potter, meu melhor amigo, depois de sete anos!”. Em determinado ponto ficou impossível tentar racionalizar qualquer coisa, então a ruiva apenas se entregou, percorrendo as mãos pelos cabelos rebeldes do amigo.

James ainda parecia sério, com a testa franzida, exalando mais angústia e urgência do que Lily, mas suas mãos passeavam certeiramente pelas costas e pelos cabelos da mulher. Afastaram-se minimamente para retomarem o ar e nesse meio tempo James a prensou contra o balcão da cozinha, segurando sua cintura com força. Ela arfou, cravando as unhas no ombro dele e inclinando-se para voltar a beijá-lo, entretanto, James desviou o rosto levemente para o lado, de modo que ela atingiu sua bochecha. Confusa com a reação dele, Lily se afastou um pouco, franzindo o cenho.

— Na noite do baile eu queria ter beijado você. — confessou, mesmo que todas as células de seu corpo berrassem para que ela deixasse James refletir sobre aquilo em silêncio. — Na realidade, talvez por isso eu tenha exagerado na bebida e confundido Amos com você… 

— Você beijou o Amos pensando que era eu?

— Bem, mais ou menos. — deu de ombros, constrangida. Era mais difícil do que ela havia pensado, mesmo estando bêbada e sem filtro. — Levei um choque ao perceber que não era você e outro maior ainda quando notei que queria que fosse você, ainda mais depois do que Emme disse… — o olhar faiscante que ele lhe dirigiu fez com que Lily comprimisse os lábios. Havia falado demais. 

— O que exatamente Emmeline te disse? 

O tom grave fez Lily gemer em frustração por precisar se explicar, o que ela tentou disfarçar com uma risada rouca. 

— James, isso faz sete anos, não tem importância agora. 

— Se não tem, por que trouxe à tona o assunto?

Apesar de ser verdade, a ruiva não conseguiu deixar de sentir-se levemente irritada com a rispidez de James. Não sabia porque ele estava tão atordoado com aquilo tudo. Sabendo que ele não iria desistir de saber a verdade, mesmo que suas mãos estivessem ainda grudadas em sua cintura e fosse muito mais conveniente que eles voltassem a se beijar, Lily suspirou e começou a contar:

— Ela me contou que você gostava de mim. Alguns dias antes da formatura. 

James a soltou no ato, deixando-a ligeiramente atordoada com a reação. 

— Foi por isso que você estava estranha. — concluiu sem realmente olhá-la. — E por isso sumiu por quase uma semana inteira… 

— Sim, mas isso não vem ao caso…

 — Novamente, é incoerente da sua parte dizer que não vem ao caso, quando você está claramente trazendo tudo isso à tona com uma riqueza de detalhes. 

Foi a vez dela ficar irritada. Por que ele estava reagindo daquela maneira?

— Só estou dizendo o que senti.

— O que poderia muito bem ter sido dito anos atrás. — retrucou respirando fundo. Lily fez uma careta, percebendo que ainda não sabia de uma coisa. 

— Você tentou me beijar no píer. Eu sei que sim, eu senti que sim. Você queria, mas não o fez. 

— Porque não queria estragar a amizade, já que você parecia estar petrificada com o simples fato de eu ter só me inclinado. — rebateu aumentando ligeiramente o tom de voz, mas na sequência olhando por cima do ombro e voltando a falar baixo. — Você não deu indicativo nenhum que queria ser beijada. 

— Eu não desviei. 

— E eu sequer de fato tentei. — justificou. — Mas sinceramente, Lily, o que você esperava com tudo isso? — gesticulou irritado, deixando as mãos caírem ao lado do corpo, fazendo um som abafado. — Você sabia que eu gostava de você e não disse ou fez nada. Esperava que voltando para cá depois da porra de sete anos tudo iria continuar igual? Que um beijo e umas lembranças bastariam?

— Do que é que você está falando? — agora ela estava realmente irritada. O que diabos James estava esperando dela? Era um beijo, pelo amor de Deus!

— Estou falando que você claramente não sabe o que está fazendo. Levei anos, Evans, anos, para superar o que sentia por você. E você ajudou muito nesse processo, devo dizer. Agora você chega aqui, falando sobre todas essas coisas que você claramente pensou bastante a respeito nos últimos anos, querendo que as coisas partam do mesmo ponto… Lily, você sequer está percebendo? Você não está encantada por mim, ao menos não o eu de agora, está encantada pela ideia de quem eu era quando adolescente. Do cara que era caidinho por você. 

— O que importa? — Indagou exasperada, tentando alcançá-lo. — Eu quis beijá-lo e pronto! É simples!

— Não, não é. — rebateu, afastando-se antes que ela o tocasse. Aquilo foi como uma facada no coração dela. — Sabe por que, Lily? Porque você está se sentindo perdida, eu sei que está. Eu te conheço, mesmo que em sete anos as pessoas mudem, eu conheço sua alma. E, sinceramente, daqui duas ou três semanas talvez você já não esteja tão perdida e consiga uma nova proposta de emprego, lá em Nova Iorque, e você não vai hesitar em voltar, porque é claro que não faria sentido ficar aqui tendo algo excelente esperando por você lá. Mas o problema, Lily, é que sou eu quem precisa ficar para trás, com migalhas de lembranças de um sentimento que cultivei por muitos anos, sendo que para você é só mais uma aventura, só uma forma de se certificar que você continua com tudo. Eu, por outro lado, talvez fique revivendo a droga desse beijo que, para você, não significou absolutamente nada, enquanto para mim, pode ter significado mais do que eu gostaria de admitir. 

Quando terminou de falar James arfava e tremia, olhando diretamente no fundo dos olhos de Lily, que não sentia-se capaz de respirar normalmente. Uma faca teria doído menos, pois todo aquele discurso havia uma mescla de razão e injustiça. Era péssimo ele concluir tudo aquilo sobre ela, pois indicava um nível de egoísmo que ela simplesmente não gostava de ver em si. Ao mesmo tempo, aquilo fazia com que ela se questionasse: o que de fato havia sentido? 

— Não é justo você dizer tudo isso. 

— Não é justo você, sabendo de tudo que eu senti, agir como se não fosse nada demais. Se você acha isso tão injusto, me diga, então, que droga você sente. De verdade, não o que pensou que sentiu lá atrás. 

Ela não conseguia responder. Era impossível pensar em qualquer coisa boa com James jorrando tantas verdades e distorções em cima dela. E, além do mais, nem ela estava ciente do porquê de estar fazendo aquilo.

Ao invés de tentar elaborar uma resposta coerente, apenas começou a ajeitar a roupa, tentando conter as lágrimas.

  — Com você falando desse jeito fica impossível. — murmurou raivosa, buscando o pote de sorvete com os olhos e agarrando-o com força. Poderia estar brava com ele, mas provavelmente precisaria de umas boas colheradas.  — Não posso falar com você agora. 

Lily ia saindo da cozinha quando parou de repente, pegando o outro potinho que James havia derrubado no chão. Talvez fosse precisar de uma dose dupla, afinal. 

 No dia seguinte desejou ter bebido menos cervejas no pub e menos vinho enquanto estava largada no chão de seu antigo quarto, olhando recordações de quando ela não tinha concretizado o estúpido impulso de beijar seu melhor amigo. Não que fosse culpa dela toda a briga, afinal James havia claramente tido uma reação exagerada sobre o assunto, entretanto ela poderia facilmente considerar que a bebida potencializara o estrago da coisa, fora a opressão de sentimentos guardados em segredo por tanto tempo.

Apesar de conseguir racionalizar o motivo da briga, não queria olhar para ele e sabia que ele teria a mesma ideia, o que talvez complicasse a logística para o casamento de Remus e Sirius, que aconteceria pela manhã no dia seguinte. No início da semana, quando concordou ir de carro com James e as lembrancinhas no dia anterior à cerimônia, não imaginava que eles possivelmente não gostariam de estar no mesmo lugar. Lhe restavam duas alternativas: ir de ônibus, o que transformava uma viagem de duas horas em três ou, na pior das hipóteses, em quatro - já que, evidentemente, a senhora Lupin não poderia aceitar nada menos que um belo casamento no campo, onde ela mesma havia se casado anos antes - ou enfrentar a tortura de duas horas em um silêncio e desconforto opressores com James?

A acidificação no estômago a fez pegar o celular e telefonar para Remus, que atendeu no primeiro toque. 

— Vou ser rápida, juro. — falou apressadamente quando ouviu os gritos da mãe dele ao fundo. — Se eu quiser ir de ônibus até o hotel que vamos ficar hospedados, qual linha eu teria que pegar, que horas eu precisaria sair e o quão irritado você ficaria comigo?

O que ela obteve em resposta foi um longo suspiro, seguido de:

— O que vocês fizeram?

E Lily explicou, ciente de que as lágrimas voltavam aos seus olhos, mesmo que ela ainda se sentisse extremamente irritada. Não era egoísta, não beijara James para se sentir desejada e… Menos fracassada, de alguma forma. Aquilo era ridículo. Absurdo. James não tinha aquele direito. 

Então Remus disse algo que fez com que ela refletisse por muito depois que desligou o telefone:

— Vocês foram dois idiotas bêbados. Talvez se focassem em ter essa conversa sóbrios, as coisas finalmente se resolvessem como deveriam. Caso não tenha percebido, esse tipo de reação não é comum para quem superou o outro totalmente. E, pelo amor de Deus mulher, não espere outros sete anos para admitir que quer beijá-lo. Ele não te superou em sete, mas mais sete podem ser decisivos. E mande ele tomar no cu se disser alguma coisa idiota para você. Ele só está com medo de enfrentar a realidade que você mesma ainda não conseguiu admitir. Você sabe porque o beijou, Lily, e porque quis beijá-lo esse tempo todo. Nós somos melhores amigos, mas você sabe que sempre foi diferente com James. Você pode até dizer que não, mas no fundo você sabe.

E talvez Lily realmente soubesse. Só não sabia se estava pronta para admitir.  

Estava arrumando distraidamente sua mala para o final de semana, refletindo sobre o que Remus dissera, quando ouviu batidas fortes na porta da frente. Ao abrir, deparou-se com um James muito mal humorado, embora com ligeiros traços de vergonha surgindo aqui e ali. 

— Você não está mesmo pensando em pegar um ônibus só para me evitar, não é? Foi tão horrível assim? 

E ela percebeu que James perguntava genuinamente, talvez por não se recordar de muitas coisas. Era um fato que sempre a fez contar vantagem, mas naquele momento em específico ela desejava não ser a única a lembrar palavra por palavra. Se James já estava envergonhado com o que fosse que tivesse de lembranças ou informações que Remus provavelmente havia lhe passado, imagine como ele não estaria caso se lembrasse de absolutamente tudo. 

— Foi. — admitiu cruzando os braços. — Mas eu entendo seu lado. — bufou, resignada, falando um tanto quanto da boca para fora. Não queria dar o braço a torcer tão facilmente, no entanto. — Com muita dificuldade, mas eu entendo.

— Eu acho que não entende. — rebateu ele, apoiando-se no batente da porta. — Se entendesse, não estaria agindo assim. — ela quis socá-lo por aquela suposição, mas ficou de boca fechada e concordou em saírem juntos dali uma hora, após tomarem café da manhã. 

Quando desceu com suas coisas avistou James terminando de colocar as lembrancinhas no carro e suspirou. Seriam longas horas de viagem com ele, mas ao menos chegariam antes do almoço. 

— Eu não quis dizer nada antes, porque suspeitei que, embora minhas intenções fossem as melhores, talvez as coisas desandassem e você decidisse mesmo ir de ônibus. — comentou quando entraram na estrada, após tortuosos minutos de silêncio. Os olhos dele estavam fixos na direção, talvez pela atenção, ou talvez pelo simples fato de ele não querer encará-la. Lily tinha certeza de que era a segunda opção. — O fato é que eu me lembro de quase tudo. Talvez eu não consiga repassar palavra por palavra, mas eu definitivamente sei como me senti. Acredite, ainda está doendo bastante. 

Foi inevitável não sentir uma leve pontada no peito com a afirmação de James, entretanto não o interromperia até que ele dissesse tudo o que precisava. Com um suspiro pesado, ele abriu um pequeno sorriso, girando o dedo ao redor dos dois.

— Achei que talvez a atmosfera da coisa pudesse funcionar. 

A roadtrip, é claro, pensou Lily, sorrindo minimamente. Sempre que podiam, pegavam o carro e iam para cidades próximas em busca de outras coisas para fazerem. Muitas vezes iam em grupo, mas uma ou duas vezes foram sozinhos. Foram as melhores viagens de sua vida, ousava dizer.

— O que eu quero dizer... — engoliu em seco, suspirando em seguida. — Primeiro, me desculpe por ter agido como agi. É que você estava lá sendo você. O que implica que você estava sendo encantadoramente você. — dirigiu o olhar para ela pela primeira vez. — E sei lá… Eu demorei muito para superar. — comprimiu os lábios, balançando a cabeça. — Que se foda. Eu não superei, ficou bem claro quando vi você de novo. E eu estava feliz por você parecer estar me vendo finalmente com outros olhos. Até você começar a falar do passado e… Eu não me orgulho de muitas atitudes que eu tive lá atrás. Talvez eu tivesse que ter sido mais corajoso e ter te chamado para sair e deixar claro que era um encontro. Talvez… Bom, são muitos “talvez”. Só que porra, Lily… — ele a encarou por alguns segundos, os olhos suplicantes. — Eu sei que fui um idiota, é só que me pareceu muito injusto que tudo isso não tivesse acontecido antes. Você sabendo e eu totalmente alheio… Era mais fácil imaginar que você não fazia ideia, porque seria só algo que não aconteceu e pronto. Você saber e mesmo assim não ter rolado nada implica que eu falhei. Falhei em não ter percebido as deixas. Falhei em não ter me arriscado. Porque se eu soubesse, não, se eu desconfiasse que existisse uma chance, mesmo que mínima, de você ao menos querer corresponder ao meu beijo, bom, os céus sabem como eu não teria desperdiçado essa oportunidade. 

Um silêncio ensurdecedor tomou conta do veículo e Lily sentia que a qualquer momento poderia chorar, já que o nó em sua garganta parecia aumentar a cada instante. 

— Eu sei que é uma droga eu ter começado a falar isso sendo que temos uma hora e meia de viagem pela frente, mas eu simplesmente precisava tirar isso do sistema. Explicar porque reagi daquela forma e garantir que você soubesse que no fundo eu só estava irritado comigo mesmo. — respirou fundo, apertando o volante até os dedos atingirem uma coloração esbranquiçada. — Não foi justo com você. Não é justo com você. Eu não deveria descontar meus medos como se fossem verdades absolutas, sem considerar que, bem, você só quis me beijar e pronto. Não deveria significar nada demais, porque um beijo é só um beijo, certo? Eu só… — ele pigarreou, empertigando-se. — Talvez tenha me deixado levar demais pelas emoções de antes. E queria te pedir desculpas. Mesmo. 

Lily simplesmente não sabia o que dizer. Respirar estava difícil. Sua mente estava a mil por hora. Se ela estava enlouquecendo, James provavelmente já perdera a sanidade há tempos. Não fazia ideia de como ele tinha tantas coisas guardadas em si, algo que ele fez questão de deixar claro pelo menos por mais vinte minutos.

Em meio ao discurso de James, Lily finalmente conseguiu enxergar nas ações dele os claros indícios de que ele deveria gostar dela há um bom tempo, mais do que ela achava que de fato era. Sem tirar os olhos das feições dele, Lily tentou gravar cada palavra, cada expressão, cada sentimento, cada lembrança. Seu melhor amigo estava abrindo o coração para ela e tudo o que ela conseguia pensar era em como ela era extremamente sortuda. 

— Por que você… — pigarreou, incerta de como perguntaria aquilo. — Quando você começou a gostar de mim? 

Ele lançou um olhar intenso, o nervosismo transparecendo, mas ao mesmo tempo exalando muita certeza.

— Eu simplesmente soube. Mas se você estiver procurando alguma resposta mais concreta, foi mais ou menos quando aquele carinha estúpido que era nosso veterano te chamou para sair. 

Lily arfou, tentando conter uma risada. 

— Eu nem sequer lembro o nome dele!

— Justin Wilson! Eu me lembro muito bem. Ele não tinha boas intenções, se quer saber. 

— E suponho que sua versão de quinze anos tinha as melhores das intenções comigo. — Lily sabia a resposta e James sabia que ela sabia, pois a encarou com ceticismo.

 — Ok, agora você só está querendo ouvir sobre o quanto era amada. 

O uso daquela palavra fez seu coração saltitar, completamente descompassado. Ela sabia que ele gostava dela, mas amar? Parecia irreal. 

— Talvez eu tenha um pouco de necessidade de atenção. — deu de ombros, olhando pela janela e tentando disfarçar as bochechas coradas. 

Antes que pudessem continuar a conversa, o telefone de Lily tocou, com a mãe de Remus surtando pelas flores não serem as certas. Enquanto se ocupava em tentar resolver os problemas das flores, James parecia que iria ter um infarto no banco do motorista pela ansiedade em saber se estavam de bem ou não. 

Logo chegaram até o hotel sem trocarem nenhuma palavra sobre a conversa e ela não teve a oportunidade de ficar à sós com James pelo restante da tarde, já que todos estavam ocupados com os preparativos para o jantar de ensaio que aconteceria à noite e, claro, a cerimônia pela manhã. 

Durante todo o evento Lily cumpriu seu papel como madrinha, assim como James o de padrinho, mas sua mente vagava para longe quase que a todo instante. Não dera seu melhor discurso, fazendo, portanto, uma nota mental de trabalhar melhor no que diria na cerimônia de fato. Foi uma das últimas a ir embora, arrastando um Remus extremamente bêbado e um Sirius irritado, o que definitivamente era uma grande inversão de valores ali. Tentou buscar James com os olhos, mas não o encontrou. 

— Eu espero que vocês se resolvam e não estraguem meu casamento. — Remus murmurou antes de cair na cama e Sirius apenas revirou os olhos, jogando o cobertor em cima dele. 

— Ele está bêbado, mas tem razão. — Sirius comentou baixinho enquanto saiam do quarto e Lily empertigou-se. 

— Nós nos resolvemos. — defendeu-se, mas Sirius pareceu não acreditar.

— Você sabe do que eu estou falando.

E sabia mesmo. Por isso não conseguiu pregar o olho depois que foi para seu quarto. E, também por isso, que levantou-se, os pés guiando-a para o quarto que James estaria. Não fazia ideia de que horas eram, muito menos se ele já estaria dormindo. Entretanto, acreditava que ele estaria tão acordado quanto ela e, de qualquer forma, precisava tentar

Bateu suavemente na porta, sentindo uma gota de suor escorrer pela testa e, enquanto alisava o robe preto para ter o que fazer, James abriu a porta lentamente, ainda com a camisa social. Os botões superiores abertos quase a distraíram. James não parecia surpreso com a presença dela, o que lhe conferiu mais confiança para começar seu discurso.

— Eu não tive a oportunidade de dizer nada, então achei que deveria vir aqui. — começou um pouco incerta de onde aquilo iria dar, mas mesmo assim seguiu em frente. — Eu não considerei que você se importaria tanto com a minha volta e me arrependo disso. Sei que, como amigos, era óbvio que você se importaria, é claro, mas não pensei em como alguém que… Que um dia sentiu algo por mim. Ter falado todas aquelas coisas, na situação em que estávamos, também não foi a coisa mais inteligente que eu fiz. Só me pareceu… Inevitável. — assentiu, orgulhosa da escolha da palavra, porque era a mais pura verdade. Nem se quisesse teria conseguido resistir. — Eu fiquei irada com o que você disse, não vou negar, e me irritou ainda mais o fato de você não lembrar de tudo. 

— Minhas palavras podem ser cruéis, eu sei. Novamente, desculpe. — ele suspirou pesadamente, encostando-se no batente da porta e cruzando os braços. 

— Mas se não fosse assim, não seria você, não é? E por isso eu digo que está tudo bem, acho que nós dois erramos e acertamos em certos pontos. E por mais que você tenha razão em dizer que eu estou perdida, porque sim eu estou, beijar você não foi um ato desesperado de tentar reviver meus momentos de glória ou coisa do tipo. Eu vou ser sincera e admitir que não sei ao certo o que foi, mas posso te garantir que não foi pelos motivos que você me acusou. Eu simplesmente sei que não foi. Só não sei o que foi. — ela fez uma careta. — Eu estou soando confusa, provavelmente, mas… — Lily respirou fundo, cruzando os braços e abaixando os olhos. — Pelo menos estou aqui… Tentando… Tentando fazer o certo. Mesmo que eu não saiba exatamente o que dizer ou… Até mesmo fazer. — eis uma mentira. Lily sabia o que queria fazer, só não tinha certeza quanto a realmente fazê-lo. Aquilo não passou despercebido por James, que semicerrou os olhos e sorriu de canto. — Eu estou… Tentando. 

Ele a encarou intensamente por alguns instantes, assentindo lentamente enquanto sustentava o pequeno sorriso que, a cada segundo, se transformava mais em algo maroto. Como ele. 

— Só vou fazer uma pergunta. — informou erguendo o dedo indicador. Lily respirou fundo, assentindo, sem desviar os olhos dele. — Você está tentando retomar nosso posto de melhores amigos ou… Descobrir algo novo? 

Não foi necessário nenhum tipo de reflexão quando ela respondeu em um sussurro, os olhos já vacilando em direção aos lábios entreabertos dele:

— Algo novo. 

Esboçando o sorriso que pertencia somente à Lily, James respirou aliviado, puxando-a para si, envolvendo-a com os braços e colando os lábios, dessa vez em um beijo mais calmo, intenso e aliviado. E Lily percebeu que sabia. Simplesmente sabia que aquele seria o primeiro de muitos beijos e que muitos outros seriam necessários para compensar a demora. 

Mas, além de tudo, ela sabia que finalmente estava onde deveria estar. E ela não poderia estar mais feliz. 


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Notas finais do capítulo

Espero que a história tenha feito jus ao ship e que você tenha gostado! Meu coração sofreu muito escrevendo essa fic, porque eu não queria fazê-los sofrerem demais, já que SETE ANOS é muito tempo de espera kkkk
Eu adorei escrever essa fanfic porque saí muito da minha zona de conforto por se tratar de uma Jily e também por envolver uma carga emocional mais densa - obrigada Taylor por isso!!!
Gostaria de terminar dizendo que você é uma pessoa muito maravilhosa que eu tive o prazer de ter conhecer esse ano! Você é extremamente talentosa e adoro ler suas histórias, sempre me deixam com o coração quentinho ♥
Beijos e até! ♥