Eclipse Lunar escrita por jujuba


Capítulo 8
Apostas abertas: lobo branco ou lobo cinza escuro?


Notas iniciais do capítulo

Meus amores,
Obrigada mais uma vez pelos lindos comentários no capítulo anterior, feliz com as novas leitoras aqui!



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Ao mesmo tempo que essa tinha para ser a melhor semana para mim, pois não tinha um momento do dia em que eu não tinha Jacob por perto, foi a mais pesada. Sam dobrou as rondas de todos por conta de Victoria, mas ao mesmo tempo tínhamos que dar conta das aulas e da nossa vida pessoal. Finn estava feliz por mim e surpreso com tudo aquilo, ele via que antes Jacob me afetava de alguma forma, mas não imaginava que era nesse nível. No fim, o aliviava me ver tão bem. Morar com o Velho Quil também não estava sendo tão ruim quanto eu imaginei que seria no início. De uma forma reservada e de poucos gestos, cuidávamos uns dos outros – no caso, Velho Quil mais do que nós, pois desde o aumento das horas em rondas Finn e eu chegávamos em casa mortos de sono; se não fosse por Velho Quil quase enfiando comida por nossa goela, essa seria uma história bem diferente.

Sam continuou com os treinamentos, mas dessa vez com todos os novatos. Ele não forçou mais Finn em busca de um lutador que ele talvez nunca seria, mas soube aproveitar bem o instinto de defesa de Finn. Quando eu não treinava com Sam, treinava com Jacob – o que não era nem remotamente o mesmo, era mais uma provocação entre nós dois do que qualquer outra coisa. Jacob não conseguia me ver dessa forma e eu também não. Mas isso estava causando um pouco de irritação em alguns membros do bando, mais precisamente Paul e Leah.

Leah por ser... Bom, por ser Leah. E Paul estava me dando um tempo difícil com piadas sugestivas demais para o meu gosto e sempre falando sobre o tratamento especial que eu recebia de Jacob.

Isso aqui está ficando muito meloso pro meu gosto, Leah disse. 

Cuide de sua própria vida, Leah. Jacob respondeu enquanto eu tirava as duas patas de cima do torso dele. Ele me olhava deitado no chão (tendo me deixado ganhar) com uma expressão de carinho.

Eu estou tentando, mas vocês pombinhos não estão deixando. Ela respondeu.

Ligação rara uma ova. Primeiro Sam, depois Jared. Agora não só Jacob, mas Raven na mesma tacada. Eu vou é me isolar em casa de agora em diante. Paul disse.

Faça isso. Vai poupar a pobre coitada que você colocar os olhos. Eu disse com um sorriso sarcástico.

Uhhh, é isso aí! Quil disse caindo na risada.

Podia ter ido dormir sem essa, Paul. Embry uivou de rir.

Paul rosnou para mim em sua mente. Ele estava distante, correndo pelo Sul com o Jared. Ele parou sua corrida e refez seu caminho para onde Jacob e eu estávamos.

Vamos resolver isso, lobinha. Ele disse rosnando.

Paul, sai dessa. Jacob disse rolando os olhos ao se levantar e chacoalhar o pelo para limpar as folhas secas que estavam presas nele.

Deixa ele vir, falei rosnando de volta.

Eu já vou te avisando, não sou como Sam e muito menos como Jacob. Você não vai ter tratamento especial. Paul riu com animação.

Eu virei meu corpo para onde sabia que ele surgiria, conseguia sentir em minhas patas a vibração de sua corrida vindo em minha direção. Jacob sentou-se um pouco mais distante de onde eu estava, esperando pacientemente pela chegada de Paul.

Não vai ficar bravo comigo depois, não é Jake? Paul perguntou com ironia.

Por que eu ficaria? Ela vai chutar sua bunda gorda de qualquer jeito. Jacob disse com simplicidade e então piscou um grande olho para mim. Acabe com ele.

Paul estava mais próximo agora e eu firmei as minhas pernas, pronta para o ataque.

Vai jogar justo ou vai chamar o irmãozinho pra te ajudar? Paul perguntou.

Eu não participaria nem se quisesse. Não é como se ela precisasse da minha ajuda para te ensinar uma lição, Finn respondeu rindo.

Ha-ha-ha. Quil gargalhou. Eu aposto cinco pratas que Raven faz Paul deitar e rolar.

Aposto cinco que Paul ensina pra ela o que é lutar de verdade. Jared contrapôs, fiel a seu amigo.

Aposto em Paul. Leah disse. Nada contra garota, mas eles só têm passado a mão na sua cabeça até então. Você não vai conseguir.

Eu subo para dez pratas a aposta em Raven. Jacob disse confiante. Eu o olhei surpresa e ele sorriu. Estou apostando meu suado dinheiro em você, anjo. Faça valer a pena. Então ele parou por um momento, preocupado. Mas tenha cuidado, Paul não vai segurar os golpes.

Não vale dar dicas, Jake. Fique na sua. Paul disse irritado.

A forma cinza escura de Paul era visível agora, correndo a toda velocidade para cima de mim. Eu me preparei, mostrando os dentes para ele. Paul ia fazer um ataque direto óbvio, a sua forma era maior que a minha e eu sabia que ele poderia ser mais forte se quisesse, e ele seria. Paul então saltou por uma árvore caída e ia cair bem em cima de mim, mas agilmente pulei para o lado, deixando-o cair exatamente onde eu estava antes. Enquanto ele freava e controlava o movimento para se virar e correr na minha direção, eu ataquei.

Meu corpo trombou com o de Paul em um som alto que repercutiu pela floresta. Ele caiu de lado, mas não o suficiente para que eu conseguisse alcançá-lo no pescoço. Paul contorceu sua forma e tentou fechar os dentes próximo do meu tórax. Eu os senti arranharem minha carne, mas não machucar de fato. Jacob se remexeu onde estava, mas ele não ia interferir, não quando lhe mandei um alerta para ficar onde estava. Dei um pulo para trás para poder analisar melhor.

Uh, quase. Jared disse animado.

Ainda dá tempo de mudar a minha aposta? Quil perguntou, preocupado.

Então era uma briga real, sem conter. Bom, que seja. Parti em uma pequena corrida para cima de Paul, que fez o mesmo na minha direção. Ele levantou a parte superior do seu corpo ao mesmo tempo em que eu fazia o mesmo. Até então, eu nunca tinha usado toda a minha força antes, sempre segurava os golpes, mas agora sabia que ia precisar usá-la. É claro que ele tinha a vantagem de ser mais alto que eu, eu sabia disso, e por isso eu cai na relva abaixo dele, mas sem antes levar uma arranhada no peito que conseguiu passar pelos grossos pelos e atingir minha carne. Aquilo doeu, mas aqui eu tinha acesso a parte do pescoço interna dele. Paul poderia estar em cima de mim, mas tinha aberto a sua guarda achando que eu não o atacaria da mesma forma que ele atacou.

Doce engano. Fechei a poderosa mandíbula na parte debaixo do pescoço dele e segurei. Senti meus dentes passando pelo grosso pelo e então pela carne suave, o cheiro de sangue me invadiu. Paul ganiu e tentou sair de cima de mim, eu utilizei a minha vantagem em estar mais abaixo e contorci meu pescoço, fazendo com que ele perdesse o equilíbrio e caísse parcialmente de lado.

Esquece, continuo apostando nela. Quil falou excitado com a briga.

Eu soltei o pescoço de Paul quando ele terminou de cair no chão e me chutou com as patas traseiras. Recuei um pouco, travando as garras, causando sulcos na terra fofa, e então parti para um novo ataque, dessa vez pulando em cima do torso de Paul, pelo flanco dele. Foi muito rápido, ele mal tinha acabado de se levantar do último golpe.

Cara, ela é rápida. Embry pontuou.

Ela está agindo por instinto. Leah observou.

Consegui mordê-lo de novo, mas não estava tão bem posicionada quanto eu gostaria. Paul conseguiu se erguer e, por ser maior do que eu, tive que soltar. Ele partiu para cima, jogando o peso de seu corpo em mim, me forçando para baixo. Avancei com o corpo para o lado para evitar os dentes afiados dele, que passaram raspando em meu rosto. Ao invés, foquei em sua parte traseira. Paul era muito mais alto que eu, eu não teria chance se ele continuasse com essa vantagem sobre mim. Então mordi o seu tornozelo, escutando o ganido de dor dele.

Sua filha da mãe, ele disse e puxou a perna. Eu a soltei e voltei a ficar de frente para ele, esperando para ver qual seria o próximo movimento que ele ia fazer.

Paul mancava com a perna traseira e tinha o pelo cinza escuro manchado de sangue, assim como eu tinha o meu pelo branco manchado do corte no peito que ele tinha provocado. Ele fez uma nova investida, mas eu me ergui nas patas traseiras para o acertar com as garras no rosto. Percebendo que estava mais vulnerável, ele freou o próprio movimento e eu só consegui acertar de raspão. Agora que ele não podia se erguer também por conta da perna machucada, ele estava mais limitado em seu ataque.

Hey, o que foi que eu perdi?! Seth disse se juntando ao bando quando sua ronda começou.

Raven está ensinando boas maneiras para Paul. Finn disse despreocupado. Estamos apostando dez pratas nela, com exceção de Leah e Jared. Quer entrar?

Com certeza! Dez pratas em Raven. Seth disse animado. Pera... Mas ela que tá ganhando, né?

Por enquanto. Paul disse rosnando.

Qual o problema, Paul? Achei que você não ia pegar leve. Eu provoquei.

Ficamos nos rodeando por um tempo, analisando um ao outro. Paul agora parecia perceber que não ia ser tão fácil quanto ele imaginava. Ele agora estava cauteloso em seus movimentos. Por mais de uma vez eu quase consegui pegar a sua outra perna, que o faria ainda mais limitado e mais vulnerável, mas ele sabia que esse era o meu foco e rapidamente se ajustava para evitar isso. Ao mesmo tempo a maioria dos movimentos agora passavam a ser quase evitados pelo conhecimento que tínhamos da mente um do outro.

Já chega, Sam disse.

Eu nem tinha visto que ele tinha se transformado. Houve um murmúrio de desanimo ao redor do bando, que queria saber como isso ia terminar. A maioria concordava, no entanto, que eu tinha levado a melhor.

Paul recuou a contragosto, ainda mancando. Com seu ego ferido, ele me deu as costas e voltou a correr em direção ao sul, mais irritado do que antes e me xingando o tanto quanto podia. Eu não me incomodei com isso. Tinha ganhado minha primeira luta!

Trotei feliz ao lado de Jacob, que tinha se deitado para assistir a tudo. Seus pensamentos estavam contentes por eu ter me saído tão bem, por mais que ele franzisse o cenho para a enorme mancha vermelha que cobria do pescoço para baixo. O contraste do sangue com o pelo branco era meio bizarro.

Eu esfreguei meu rosto ao seu e ele lambeu de leve o meu focinho. Está doendo?

Não, estou bem, falei. E mesmo se estivesse eu provavelmente nem ia sentir de tão animada que estava.

Jacob deu risada e se levantou. Vamos lá, Rocky, vamos checar o nosso perímetro antes que Sam se irrite ainda mais.

Boa decisão, Sam disse, mas ele parecia divertido com a situação também.

Leah, Finn, Jared e Paul foram liberados da ronda. O resto de nós ainda tinha longas horas pela frente. Antes de se transformar de volta, Finn me lembrou que nossos pais chegavam amanhã na parte da tarde para passar o final de semana em La Push. Eu tinha me esquecido completamente! Como aumentamos a nossa vigília para as terras dos Makahs, pois a ruiva tinha sumido através do mar deles, o peso da ronda estava por consequência maior. Era uma corrida mais longa, a do Norte. Jacob e eu tentamos recuperar o tempo perdido. Ocasionalmente parávamos quando um cheiro chamava a atenção, mas então era só o cheiro quase inexistente da Fria que tinha ficado para trás. A noite já estava alta enquanto corríamos lado a lado, e eu tentava me concentrar no que fazia, mas minha mente estava longe.

Eu estava finalizando a minha terceira semana em La Push e, embora parecesse muito mais tempo do que isso, me surpreendeu essa visita. Eu não estava preparada para estar com a minha família depois de tudo o que tinha acontecido e, pior ainda, em mentir para eles. Não só sobre o bando, mas também sobre a escola. Dizer que eu estava tendo dificuldades era eufemismo. As aulas avançadas cobravam muito mais e mais de três vezes tive que faltar por conta da ronda, isso quando não chegava atrasada por perder a hora de tão cansada. Como consequência, perdi o prazo de algumas tarefas, minha participação em aula tinha caído e só Deus sabia como eu tinha me saído no teste surpresa de Inglês e História. Eu sentia que estava equilibrando muitos pratos de porcelana e que, eventualmente, algum deles ia cair e se quebrar.

Minha mãe ia ter um enfarto quando soubesse disso tudo. Provavelmente ia empacotar tudo e nos mandar de volta pra Seattle.

Minha angústia chegou até Jacob, naturalmente, que me olhou durante a corrida.

Vai dar tudo certo, ele disse suavemente. Ela vai entender eventualmente.

Claro, pensei comigo mesma. Ela ia super entender que o meu futuro, o futuro tão brilhante que ela e meu pai planejaram durante um bom tempo, provavelmente não ia acontecer tão cedo quanto ela pensava... Isso se de fato acontecesse. E essa era a diferença entre mim e o resto do bando. Para os meus pais, a prioridade não era apenas finalizar os estudos e conseguir um emprego estável local ou não. Era uma Ivy League, Yale ou Columbia provavelmente, e uma carreira sólida e próspera. Pelo menos a minha mãe mantinha esse pensamento já que meu pai deve ter entendido nas últimas semanas a mudança de foco. E como eu ia explicar para ela que as coisas mudaram sem falar sobre a mudança em si? Ela ia ter um enfarto. Eu já podia ver daqui o choro, o olhar de desolação e as comparações entre Camille e eu.

Ela vai achar que eu e Finn nos tornamos o Chuck, deduzi.

O seu irmão mais velho? Jacob perguntou confuso. O que ele tem a ver com isso?

Meus pais desistiram de lutar por um futuro para Chuck quando ele tinha dez anos de idade e foi pego nos fundos da escola fumando maconha com os meninos do último ano, eu disse. Depois disso foi uma sequência de más decisões, que envolveram brigas na escola, drogas leves e álcool. Agora, Chuck pode fazer o que quiser que não vai surpreender meus pais em nada. Ele tem quase vinte anos e está concluindo o terceiro ano ainda. Já era para ele estar na faculdade, mas ele falta tanto na escola que o estão segurando. Entende de onde minha mãe vai ver a comparação?

Mas é diferente, você não está repetindo, não está envolvida com drogas e essas outras coisas. Jacob disse, pensando em suas próprias notas e nas notas de Quil e Embry, que praticamente estavam no mesmo barco que ele: notas baixas. Não baixas o suficiente para repetir de ano, pelo menos não em todas, mas mesmo assim não eram boas.

Mas não é como se ela fosse saber, não é mesmo? Eles vão vir amanhã por um motivo. Mamãe vai querer conversar com o diretor sobre Finn e eu, saber como está a nossa adaptação. E eu não acho que o diretor vai passar pano, eu o lembrei. Se havia uma pessoa que eu aprendi que o diretor era contra, era Sam e o bando. Como ninguém de La Push realmente entendia o que a gente fazia, a suposição de um culto ou gangue era constantemente levantada.

Cara, mas só fazem três semanas que vocês estão aqui. O que sua mãe esperava? A melhor da classe em três semanas? Quil disse cético.

Eu dei uma risada sem humor. É exatamente isso o que ela espera. Para ser sincera, não acho que seria muito difícil se não tivesse todo esse cenário envolvido. Eu era a melhor da minha turma em Seattle e as aulas lá eram bem mais avançadas do que as daqui.

Isso é meio loucura. Para que pressionar você e Finn assim por causa dos estudos? Embry disse um pouco indignado, mas não muito surpreso. Ele se lembrou de sua própria mãe, que sempre o pressionava por melhores notas e mais presença nas aulas.

Porque não existe plano de carreira em correr por aí como lobisomem, eu falei rindo.

O que vocês vão fazer então? Quil perguntou.

Estou entre enfrentar de cabeça erguida ou sabotar o encontro com o diretor amanhã, falei pensativa e mais inclinada para a segunda opção. Se o carro deles quebrar e eles perderem a hora, não vão poder se encontrar com o diretor, eu refinei meus planos.

Quil riu. Se quiser alguma ajuda é só falar. A gente bola alguma coisa. Mas a mente dele agora estava com uma imagem visual demais do carro do diretor destruído, o que o impediria de ir para a escola como um todo.

Vocês não vão danificar o carro do diretor, Sam falou severo.

Quil pensou então só em alguns pneus furados ou talvez um para-brisa quebrado.

Quil, se você chegar perto do carro do diretor amanhã eu faço você fazer três rondas seguidas, Sam o ameaçou. As rondas do Norte.

Quil pesou os prós e os contras entre fazer e correr por três dias seguidos o perímetro Norte e a satisfação em danificar o carro do diretor. Decidiu, por fim, que não valia tanto a pena assim.

Foi mal, prima. Fica para a próxima.

Eu dei risada. Acho que vou encarar de frente, então. Pelo menos não vou levar a bronca toda sozinha. Finn está tão ferrado quanto eu... Nessas horas, é ótimo ter um gêmeo tão decepcionante quanto você.

Você não é decepcionante. Jacob pontuou.

Minha mãe vai me achar decepcionante, eu assinalei.

Não é tão ruim quanto você pensa, Embry disse depois de um momento de comparação com a sua própria realidade em casa. Chega uma hora que elas reclamam mais por hábito mesmo e você se acostuma com o olhar.

Eu suspirei, solidária a Embry. Essa vida no bando era mais difícil do que as pessoas poderiam pensar. A quantidade de responsabilidade que tínhamos em nossas costas já era o suficiente para suprir uma vida inteira, adicionando a isso as responsabilidades da sociedade como um todo era quase sufocante... E todo mundo ainda era adolescente basicamente, ou jovem adulto. Ninguém ali tinha mais de 30 anos e poderia nos dizer qual é a luz ao final do túnel. O trabalho como lobisomem é um trabalho para a vida toda.

Se precisar, pedirei para o conselho falar com os seus pais, Sam sugeriu.

Obrigada, mas não precisa. Velho Quil já vai conversar com a minha mãe e meu pai vai apoiá-lo. A final de contas, toda essa loucura é por causa dos genes deles, eu ri sem humor. Eles que se resolvam.

A sexta-feira chegou rápido demais. Eu terminei a ronda por volta das seis da manhã, então tive que tomar banho e me trocar para ir à escola. Estava morrendo de sono, mas se deitasse a cabeça no travesseiro eu dificilmente ia acordar a tempo, por mais que ultimamente Jacob vinha dando uma carona para Finn e eu, o que era bom porque como não podíamos correr pela cidade na velocidade máxima – o que ia ter diminuído muitos atrasos – pelo menos de carro era mais rápido.

Lavei bem os cabelos e pensei pela terceira vez naquela semana que precisava encontrar um salão para cortar a juba que eu tinha no lugar do cabelo. O fio agora descia abaixo dos meus seios em cachos abertos. Jacob tinha dito que o motivo por eu ser um dos lobos com mais pelos era exatamente por conta do meu cabelo. Eu não ia cortar como Leah, até porque nunca ia ficar tão bonita como ela com um corte tão curto, mas diminuir alguns centímetros já ia me ajudar bastante.

Coloquei um colan de algodão verde claro de alcinhas, minha mom jeans azul clara e um cardigã oversize cinza por cima. Amarrei meus tênis – que agora ao invés de brancos estavam quase cinza pelo tanto de chuva que já tinha pegado. Passei um cinto marrom claro na calça quando percebi, um pouco surpresa, que ela estava um pouco mais frouxa na cintura. Não parecia que eu tinha perdido peso. Analisei meu corpo no reflexo do box do banheiro, já que não tinha nenhum espelho de corpo na casa. Bom... É, na verdade eu tinha secado um pouco, minha cintura estava mais fina pela perda de gordura magra. Esperava que meus pais não notassem tanto.

Tomei café da manhã sozinha, já que Finn e Velho Quil estavam acordando naquele instante. Deixei café pronto para eles e então fui juntar as minhas coisas da escola, pegando todos os livros que ia precisar para o dia e checando se todas as tarefas que tinham pedido estavam prontas. Aproveitei o breve tempo que me restava para tentar adiantar a lição de casa acumulada. Eu precisava resolver essa rotina, precisava de um sistema que me ajudasse a dar conta de tudo. Estava fazendo o dever de cálculo quando escutei o carro de Jacob a alguns quilômetros.

— Finn! Está pronto? – perguntei.

— Quase! Droga, perdi meu trabalho de Biologia... Você viu por aí um calhamaço de papel com umas ilustrações que fiz sobre Neodarwinismo? – ele perguntou do quarto dele.

— Era um monte de coisa estranha com um monte de letras e números dentro de desenhos estranhos? – Velho Quil perguntou quietamente.

— Isso! Onde está?!

— Hm... Eu acho que joguei no lixo. Achei que eram rabiscos – ele disse.

— No... No lixo?! – Finn disse surgindo do corredor com a expressão em pavor.

Eu comecei a rir e joguei tudo dentro da mochila correndo.

— Acho que o caminhão de lixo não passou ainda, eu vou lá fora ver se consigo resgatar. – falei.

Sai de casa quando Finn, em uma voz muito calma – mas claramente tentando se manter calmo – explicava para Velho Quil que qualquer coisa que ele encontrasse em papeis, por mais estranho que parecesse, ele não podia jogar fora.

Eu só esperava que Velho Quil tivesse de fato aderido às minhas tentativas em fazer uma reciclagem do lixo e separar tudo certinho. Se sim, então talvez não seria tão nojento revirar o lixo, afinal eu tinha pedido para ele não juntar o papel sulfite com os outros. Abri o grande latão e analisei os vários sacos pretos. Eu não queria fazer isso, mas não tinha outro jeito... Aproximei meu rosto e cheirei um pouco. Recuei com o cheiro do lixo.

— É... É isso. Eu não vou enfiar meu nariz ou minha mão nisso daí – eu falei baixo, mas sabia que Finn conseguia me ouvir de onde estava.

— Ah, qual é. É só lixo! – ele disse saindo de casa com as nossas mochilas.

— Faça as honras, então – eu apontei para o lixo. – Quil finalmente aderiu à reciclagem... Mais ou menos. Ele não separa papel sulfite dos demais, então eu é que não vou colocar a minha mão dentro do saco de papel. Você bem pode imaginar que tipo de papel tem aí.

Finn passou um tempo olhando a lata de lixo junto comigo. Eu podia deduzir que ele estava tentando encontrar uma forma de recuperar o trabalho de volta sem enfiar a mão em um dos sacos de papel.

Enquanto isso, o carro de Jacob encostou no meio-fio e ele saiu para ver o que estávamos fazendo. Seus braços envolveram minha cintura por trás e ele me beijou no pescoço.

— O que que é que vocês estão fazendo? – perguntou.

— Analisando as possibilidades – respondi.

Jacob olhou para a lata de lixo e então para mim. Seus lábios reprimiram o humor que eu sabia que ele estava sentindo.

— As possibilidades da lata de lixo? Eu acho que ela fica melhor mais para a direita. Esteticamente muda o ambiente como um todo – ele brincou. Eu o acotovelei, rindo. 

— Vô Quil jogou o meu trabalho de Biologia no lixo. – Finn disse desolado – Estou tentando entender se vale a pena enfiar minha mão aí para recuperar. Eu tentei fazer com que Raven me ajudasse, mas ela deu pra trás.

— Qualquer coisa que envolva papel sujo de cocô e comida estragada pode sempre me considerar fora – eu avisei. – Só para referências futuras.

— Você sempre pode fazer o trabalho de novo. – Jacob disse.

— Não dá! É para hoje e eu levei quase duas horas para fazer esse. – Finn jogou os braços para cima. – Não tenho tempo de fazer de novo.

— Quem leva quase duas horas para fazer um trabalho de Biologia? – Jacob sussurrou em meu ouvido.

— Finn é obcecado por perfeição – eu sussurrei de volta – Se ele vai fazer um trabalho de Biologia sobre Neodarwinismo, vai, além de explicar, desenhar todos os exemplos de estrutura e translocação.

— Vocês dois têm problemas – Jacob riu e me apertou mais próximo, o rosto afundado na curva do meu pescoço. – Hm, você cheira bem.

— Isso se chama banho. – falei rindo.

Os lábios de Jacob traçaram um caminho perigoso do meu pescoço até abaixo da minha orelha. Eu estava começando a ter palpitações cardíacas. Ele riu baixinho ao ouvir o som do meu coração.

— Eu odeio interromper a contemplação de vocês, mas se não sairmos agora vamos nos atrasar – Jacob disse.

— Droga – Finn suspirou e então fechou o lixo. – Acho que vou fazendo no caminho. Biologia é a minha última aula, eu ainda posso usar o intervalo para fazer.

— Você pode fazer igual a Quil, ele só faz os deveres durante a aula. – Jacob sugeriu rindo.

— Mas como é que eu vou prestar atenção na aula se estou fazendo o dever da aula passada? – Finn perguntou confuso.

Eu acotovelei meu irmão nas costelas. – Ele está te zoando, cabeção.

Jacob riu ainda mais enquanto entrava no carro e dava a partida. Finn foi o caminho inteiro pedindo para Jacob tomar cuidado com os buracos no caminho, pois ele precisava desenhar tudo de novo. Eu não sabia se Jacob estava fazendo de propósito para a sua própria diversão ou não, mas ele pegou todos os buracos da estrada. Não sei nem como a suspensão do carro já não tinha quebrado.

Quando olhei para ele, ele sorria travesso na minha direção. Eu abri um sorriso malicioso para ele de volta, me divertindo com isso mais do que eu deveria. Eu mesma não estava em melhor situação que Finn, deveria nesse momento estar fazendo o dever atrasado de Inglês, mas preferi ficar de mãos dadas com Jacob durante o caminho.

Chegamos cinco minutos adiantados. Saí do carro e esperei por Finn, que continuava dentro, a língua entre os dentes tamanha era a concentração para fazer o esboço do primeiro desenho. Eu sabia que ele não ia sair daquele carro enquanto o sinal não mandasse. Jacob deu a volta e se encostou na porta também esperando. Ele me puxou para ficar à sua frente, as mãos quentes se infiltrando por dentro do cardigã e pressionando a minha cintura. Eu o abracei pelo pescoço, embora ele fosse muito mais alto do que eu, mas não me importei. Fiquei na ponta dos meus pés enquanto encostava meus lábios nos dele. Jacob deu mais um sorriso travesso enquanto me beijava de volta.

Eu acho que nunca ia me acostumar com a sensação de beijar Jacob. Era sempre extasiante, embora desde a nossa conversa tivemos pouquíssimos momentos juntos por conta das rondas e da escola – e uma vez que não tínhamos nenhuma aula juntos, não ajudava muito. Entrelacei meus dedos em seu cabelo e o puxei para mais perto, aprofundando o beijo enquanto a gente ainda tinha tempo. Eu amava o cabelo dele comprido, o deixava ainda mais bonito, mais... Selvagem. 

— E lá se vai mais um guerreiro abatido – Quil disse, mas ainda estava longe de nós.

Eu ia me virar para lhe dar uma resposta afiada, mas Jacob não permitiu. Sua mão subiu para a minha nuca e ele me manteve no beijo, seus lábios cheios se movendo habilidosamente contra os meus. Eu sentia o calor do corpo dele me atingir em ondas e senti o meu próprio corpo reagir com isso.

Meu Deus, a gente estava dando um show na frente da escola inteira, mas eu não poderia me importar menos. Todo mundo podia explodir que eu não ia me mover daqui. Um vampiro poderia aparecer aqui e agora que eu não ia fazer nada a não sei continuar beijando Jacob.

— Alô-ô! – Quil disse, agora quase do nosso lado – Vocês vão ser presos por atentado ao pudor.

— Cale a boca, Quil – Jacob disse entre os meus lábios e então voltou a me beijar.

— O que é atentado ao pudor? – Seth perguntou.

— Eu te explico quando crescer pelos debaixo do seu braço – Embry disse rindo.

O sinal tocou em seguida, o que nos impediu de continuar. Eu me agarrei a ele por mais um tempo, aproveitando os últimos segundos, e então me separei com um suspiro. Sentia o meu rosto corado e meus lábios levemente inchados do beijo. Jacob me encarou, os olhos castanhos escuros indo dos meus olhos para a minha boca. Eu podia ver que ele estava batalhando entre me soltar e me beijar de volta.

— Eu não posso mais me atrasar – sussurrei para ele, adivinhando qual foi a decisão vencedora.

Jacob sorriu de lado. – Eu te vejo no refeitório, então.

Pressionei meus lábios mais uma vez nos dele e fugi rindo quando suas mãos tentaram me fazer ficar.

O café me ajudou a ficar atenta até a última aula antes do intervalo, mas já no final dela eu estava forçando a minha concentração. Eu tinha recebido tanta tarefa até aquele momento que não tinha ideia de como ia realizar tudo. A aula de Ciências Políticas se arrastou para mim. Finn dessa vez não prestava muita atenção por causa do trabalho de Biologia que ele rabiscava em seu joelho, longe dos olhos de águia da professora. Quando sinal bateu, recolhi minhas coisas ansiosa, como sempre, para o intervalo. Eu carregava mais livros e cadernetas que poderia aguentar se fosse humana – embora hoje não tinha nenhum peso significativo para mim.

O bando estava sentado na mesa de sempre, nos fundos e próximo à janela. Quando cheguei, joguei tudo na mesa e me sentei ao lado de Jacob. Mal consegui falar com ele, no entanto, pois abri meu caderno e comecei a adiantar o trabalho de Economia enquanto Finn se sentava ao meu lado e fazia o seu de Biologia.

— O que é que vocês dois pensam que estão fazendo? – Quil perguntou, olhando boquiaberto a quantidade de livros e cadernetas que eu e Finn espalhamos pela mesa - O intervalo existe exatamente para não fazer nada além de comer e falar besteira. 

— Eu preciso entregar para semana que vem dois trabalhos de no mínimo duas páginas cada sobre a minha visão do mercado de capitais, que era para ser entregue essa semana aliás, e sobre as teorias de desenvolvimento e crescimento econômico. Um artigo de História sobre o Ocidente e suas influências no mundo. Preciso ler até semana que vem dois textos do Dostoievski e fazer um resumo, sem falar na produção de um texto atrasado sobre as influências de Shakespeare na literatura moderna. E eu nem vou entrar na quantidade de tarefas atrasadas que tenho de Matemática, Biologia e Ciências Políticas – eu falei.

— Eu até te responderia, mas preciso finalizar esse trabalho sobre Neodarwinismo. – Finn disse com o cenho franzido. Ele parou apenas para levantar o olhar para mim – A translocação acontece aqui ou mais acima? – ele apontou.

Larguei a minha caneta o suficiente para olhar para o papel dele – É mais abaixo.

— Valeu – ele murmurou e voltou ao trabalho.

— Vocês... – Quil começou e então balançou a cabeça – Vocês precisam de uma folga.

— Quando o dia tiver mais de vinte e quatro horas você me avisa que vejo uma folga – murmurei. – Ei, acha que posso colocar o meu ponto de vista sobre o capitalismo? – perguntei a Finn.

— Se você vai falar sobre como a sociedade ascendeu ao capitalismo nas custas dos direitos das mulheres, não. Pelo menos eu não acho que o Sr. Takoda vai querer saber disso.

— Eles não precisam de uma folga, precisam de uma ajuda médica urgente – Embry, que estava sentado do outro lado de Jacob, se içou em sua cadeira para ver o que eu estava escrevendo. – Hey, Finn, acho que ela não te ouviu. Está escrevendo que “para construir uma sociedade capitalista de sucesso o mundo precisou pisar nos direitos das mulheres e lhes prender dentro de casa com o único propósito de reproduzir e garantir uma nova geração de fortes trabalhadores...”, o que é que você está querendo dizer?

— Que a sociedade patriarcal escravizou o útero das mulheres na revolução industrial, só que com palavras mais bonitas – murmurei.

O intervalo passou quase como um borrão por mim. Eu sentia a mão de Jacob acariciando suavemente o meu pescoço enquanto estava debruçada em meu caderno e ele conversando animadamente com os outros sobre como a aula de Educação Física deles tinha sido e como um tal de Robert Olathe tinha ficado para trás no jogo de basquete. Quando o sinal tocou eu parei de escrever com um pequeno “uff”, guardei a caneta e estiquei os dedos, que estavam doloridos pela pressão que eu fazia. Tinha conseguido adiantar uma boa parte, mas não estava perto do que o professor tinha pedido. Voltei a jogar tudo na bolsa e o que não coube empilhei.

— Deixa eu te ajudar com isso – Jacob disse pegando a pilha ele mesmo.

— Sabe que eu não preciso de ajuda – eu disse, mas sem fazer menção de pegar os meus livros e textos de volta.

— Que tipo de namorado eu seria se deixasse você carregar tudo isso por aí? Você quase não consegue enxergar os próprios pés – ele brincou.

— Engraçadinho – respondi rolando os olhos. Não estava tão exagerado assim, muita coisa eu tinha feito entrar na bolsa (e sim, quando digo “feito entrar” eu literalmente forcei dois corpos no mesmo espaço e os mandei lidar com isso).

— Qual a sua próxima aula? – ele perguntou.

— Argh, Educação Física – reclamei desviando de algumas meninas que faziam corpo mole na nossa frente – Eu não tenho tempo pra fingir não saber jogar handball.

— Você sempre pode jogar – Jacob aconselhou sorrindo aberto.

— E chamar a atenção da professora? De jeito nenhum. Se eu de fato jogar ela vai comentar com os meus pais. O que vai ser muito estranho porque a última vez que eu me propus a algo na antiga escola foi ficar de fora do futebol.

Jacob me ajudou a guardar tudo no meu armário do ginásio. As pessoas passavam nos olhando e cochichando assim que acham que a gente não poderia ouvir. A surpresa de todas as meninas por Jacob estar namorado era quase palpável. Se eu tivesse tempo para isso, ia rir. Antes que eu pudesse sair afobada para a próxima, e penúltima, aula do dia, Jacob me segurou por um momento com um sorriso de sol para mim.

Estreitei os meus olhos.

— O que você está aprontando? – perguntei.

— Sam te liberou da ronda agora de tarde, não foi? Para você ver os seus pais – ele disse baixo.

— Hm, sim. Faço só de noite. Por quê?

— Porque eu também não tenho nenhuma ronda na parte de tarde – ele disse e então seu sorriso se alargou – E se, ao invés de ir para a sua casa enfiar a cara nos livros, você fosse para a minha?

Droga, não era justo ele me pedir desse jeito! Cada neurônio responsável do meu cérebro me alertava de que isso era muito imprudente, eu deveria usar desse tempo, que seriam umas duas ou três horas até encontrar com os meus pais, com sabedoria para adiantar o máximo de trabalho escolar possível. Mas... A que se dane!

— Tudo bem – eu disse abrindo um sorriso largo.

Jacob me beijou brevemente e então me deixou ir.

Como eu previra, a aula de Educação Física foi um enorme e amontoado de tédio. Eu gostaria muito de arremessar aquela bola com a máxima força, só para desestressar um pouco das pressões do dia, mas sabia que não podia. Então ao invés disso ficava quase que parada no meio do ginásio fingindo não saber pegar na bola e, quando pegava, passava imediatamente para a menina ao meu lado (sendo do meu time ou não). A aula de Biologia, que tinha com Finn, passou tão rápido quanto o dia. Finn tinha conseguido terminar em tempo recorde, mas pareceu ter exigido muito dele. Ele tinha o rosto cansado.

Quando o sinal finalmente soou anunciando o fim das aulas, eu respirei aliviada. Jacob nos esperava na frente do carro com os outros meninos. Hm, talvez não seria bom falar isso na frente deles.

— Eu vou para a casa de Jacob agora de tarde, só até os pais chegarem – sussurrei o bastante para apenas Finn ouvir.

Finn me olhou por um tempo enquanto andava, surpreso. Então seu rosto se tornou meio reservado, meio contido. Os lábios pressionados juntos. Ele não aprovava isso.

— Só... Tome cuidado, certo? – ele sussurrou de volta.

— Oh, pelo amor de Deus! Nada disso vai acontecer – eu disse um pouco alto demais. Não ia, certo? Quero dizer, não ia! Não era uma dúvida, era uma afirmação. Meu coração acelerou com esse pensamento.

Ele não pode fazer nenhum comentário, pois agora estávamos muito próximo dos outros, mas seu olhar era divertido e eu sabia que ele estava pensando que eu era ingênua. Não consegui responder nada de volta.

Jacob deu uma carona para Finn, Quil e Embry até a casa de Emily por ser caminho da dele. Quando todo mundo desceu menos eu, Quil e Embry assoviaram brincalhões e eu, infelizmente, corei. Oh, por tudo que é mais sagrado! Quantos anos eles tinham? Evitei olhar para Jacob por estar envergonhada demais.

— Não liga para eles, só estão sendo barulhentos – Jacob disse apertando a minha mão suavemente, a sua voz trazia desconforto também. Se era pelos amigos barulhentos ou pelo clima que se instalou, eu não sabia.

Quando chegamos em sua casa havia barulho dentro. Algum jogo na televisão. Billy estava em casa com Velho Quil. Eles assistiam algum campeonato e pareciam animados com quem quer que estivesse ganhando. Quando entramos de mãos dadas, os dois nos olharam por um momento.

Será que tinha alguém nessa cidade que não ia saber que Jacob e eu íamos ficar sozinhos no quarto dele? Senhor tenha piedade!

— Porta aberta – eu escutei Velho Quil ordenar enquanto passávamos por eles em direção ao quarto. Fingi não escutar.

O quarto de Jacob parecia mais aconchegante do que antes, talvez fossem as roupas jogadas no chão de qualquer jeito ou a cômoda com roupas caindo para fora, mas parecia mais com ele do que da última, e única, vez que eu tinha visitado.

— Foi mal pela bagunça – ele disse coçando a nuca.

Eu ri.

— Tudo bem, o meu quarto não está melhor do que isso também – estava, mas ele não precisava saber.

Coloquei minhas coisas em um canto do quarto, reparando que a alça da bolsa marcou a minha pele por conta do peso do material que eu carregava. Eu me sentei na borda da cama e olhei para Jacob, que continuava em pé. Meu coração estava acelerado enquanto eu o olhava me observar.

— Eu não sabia que hoje tinha jogo – ele disse indicando com o polegar para a sala.

— E se não tivesse, o que você ia querer fazer? – eu me escutei perguntar. Droga, isso soou indecente. Eu esperava que ele tivesse entendido o que eu queria dizer. 

Jacob deu de ombros, embora seus olhos escurecessem um tom. – Só um tempo sozinho com você. Parece que a gente nunca consegue ter um pouco de privacidade.

Eu abri um sorriso calmo. Era verdade. Se não estávamos na escola, estávamos na ronda – onde era ainda mais embaraçoso dividir tudo com o bando inteiro sem ter a intenção de o fazer.

— Estamos sozinhos... Mais ou menos – falei - Acho que o Velho Quil vai vir checar em alguns minutos se a porta está realmente aberta.

Jacob sorriu para mim e então se sentou ao meu lado na cama. A fim de quebrar um pouco do embaraço que nós dois estávamos sentindo, eu virei meu corpo para ele e me aproximei, apoiando e dobrando uma das pernas na cama. Acariciei seu rosto acobreado, observando as linhas fortes do queixo, o calor dos olhos, a curvatura provocante da boca, a ponte do nariz. Os cabelos compridos emolduravam o rosto e lhe davam um ar mais adulto, mas mais intenso também por estarem desalinhados.

Ele me puxou para um beijo calmo e tímido, mas presente. Eu tinha consciência de sua mão na minha nuca e outra na minha cintura, pressionando por dentro do cardigã. Nossos lábios roçavam um no outro sem pressa, aproveitando a sensação que o beijo causava em nossos corpos. Aos poucos, o sentimento foi aprofundando e encontrei a minha respiração tão acelerada quanto a dele, o coração batendo rápido e preenchendo o quarto com o seu som ritmado e forte.

Entrelacei meus dedos em seus cabelos e senti o cardigã escorregar do meu ombro esquerdo, revelando o ombro quase desnudo se não fosse pela alça fina do colan. Jacob parou de me beijar e me observou com olhos ardentes, duas chamas negras que estavam consumindo todo o meu ar. Sua mão acariciou o meu pescoço e então ele afastou o meu cabelo do ombro, seus olhos ainda grudados nos meus. Jacob abaixou o rosto e beijou suavemente o topo do meu ombro. Minha respiração ficou presa na garganta enquanto meu coração voava ainda mais rápido. Ele então moveu os lábios para o arco do meu pescoço e eu arfei. Fechei meus olhos, aproveitando a sensação do seu beijo em minha pele exposta. Ele subiu o beijo lentamente pelo meu pescoço em uma carícia íntima, deixando um rastro de fogo na minha pele já em chamas. Então beijou logo abaixo da minha orelha.

— Você é tão linda – ele sussurrou para mim. – Tão macia.

Era isso. Essa seria a minha morte. Eu não achava que meu coração pudesse acelerar ainda mais, mas ele se provou capaz disso. Eu movi minhas mãos para o meu cardigã e o deixei escorregar até o retirar. Eu gostava da sensação das mãos de Jacob em mim. Não era algo que eu pudesse comparar com qualquer outra coisa que já tinha sentido.

Jacob se afastou o suficiente apenas para me olhar, a centímetros do meu rosto. Seu olhar ardia, mas também trazia cautela.

— Sabe que não vamos fazer nada, não sabe? – ele sussurrou.

Eu abri um sorriso vacilante – O que? E perder o romantismo de ter o meu avô e o seu pai na sala? Mas isso era tudo o que eu sonhava.

Jacob sorriu mais aberto para mim, diversão cruzando o seu olhar.

— É só que... É meio difícil me concentrar em não fazer nada com você assim – ele disse, seus dedos traçando um caminho provocante nas minhas costas agora.

— A gente encontra um equilíbrio – murmurei rouca. Apoiei-me mais nas minhas pernas, ficando um pouco mais alta que ele, e então voltei a beijá-lo.

A respiração de Jacob bateu quente em meu rosto, ele segurou minha cintura com mais firmeza enquanto aprofundava o beijo. Meu cabelo caiu para frente, criando uma cortina de cachos ao redor do nosso rosto. Eu entendia o que ele queria dizer, era difícil me concentrar em qualquer outra coisa que não fosse esse contato físico entre nós.

Escutei passos próximo do quarto, assim como Jacob, e nos separamos um pouco afobados. Dois segundos depois, Velho Quil colocava a cabeça para dentro do quarto, checando. Eu o encarei brava.

— Precisa de alguma coisa? – perguntei.

— Hm, daqui a pouco vamos encontrar os seus pais lá em casa – ele disse.

— Eu sei.

— Bom, bom. – e então saiu.

Jacob e eu trocamos um olhar e então começamos a rir sussurrado. Ele passou a mão nos cabelos longos, colocando atrás da orelha.

— Acho melhor a gente fazer outra coisa – ele disse – Por que eu não te ajudo com o seu dever de casa.

Eu limpei a garganta, tentando me recompor. – Certo, vamos lá.

Sentamo-nos no chão e usamos a cama dele de apoio para escrever. Quando Jacob terminou de ler a primeira parte do meu texto sobre Economia, admitiu que não tinha muito no que me ajudar nesse quesito. Eu apenas dei risada, sinalizando que só de fazer aquilo junto dele já estava bom.

Passamos o restante do tempo envolvidos em nossos próprios deveres, de vez em quando levantando um olhar ousado um para o outro, tocando as mãos levemente, provocando quando possível para depois dar risada e voltar a tarefa. Não demorou muito para o Velho Quil voltar da sala e avisar que precisávamos ir para casa, meus pais já tinham chegado – e já tinham tido a reunião com o diretor – e estavam me esperando.

Isso azedou um pouco o bom humor que eu estava sentindo.

— Vai dar tudo certo. Se precisar, me liga – Jacob disse à porta, me dando um beijo suave.

— Tchau, Raven. Vê se aparece mais vezes – Billy disse sorrindo. – E, er... Boa sorte.

Eu quase me encolhi com isso. Se Billy estava me desejando boa sorte é que ele devia saber mais do que eu qual era o estado dos meus pais; o que não era nada reconfortante.

— Obrigada, Billy. Até mais – e entrei na picape do Velho Quil.

Quando estávamos chegando perto de casa, resolvi quebrar o silencio.

— Como ela estava ao telefone? – perguntei.

— Hm. – foi a resposta dele.

Droga, pensei. 


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Notas finais do capítulo

Como puderam perceber, prolonguei um pouco mais a história em Eclipse, mas espero que tenham gostado!



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