Eclipse Lunar escrita por jujuba


Capítulo 3
A rotação da Terra




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Não teve jeito. Nem o melhor surto de Sarah demoveu o meu pai de cancelar a mudança para La Push. O que quer que meu avô (que eu nunca conheci, aliás) falou para o meu pai na noite passada o fez firme como uma rocha na decisão da mudança. É claro que para o resto dos meus irmãos a mudança era só algo chato, só perder alguns amigos por um tempo e essas coisas triviais. Para Finn e eu era muito maior do que isso. Provavelmente a mudança para nós seria permanente. Chuck e Sarah ainda iam finalizar o ano escolar – foi o único pedido que minha mãe fez, que todos os outros pelos menos ficasse nos próximos dois meses para finalizar tudo uma vez que Finn e eu estávamos indo na frente.

Eu dobrava as minhas roupas enquanto escutava o terceiro surto de Sarah no térreo por conta da perspectiva remota de nos próximos meses se mudar de Seattle. Tinha tentado ligar para Veronica eu mesma para explicar que não a veria, que na segunda-feira meu pai iria até o Sr. Lewis entregar a minha carta de demissão, mas não tinha conseguido contato com ela ainda. Não me surpreendia, era domingo de manhã. Aos domingos Veronica não acordava antes das três da tarde. Eu tinha muita roupa, principalmente por conta do frio severo que faz em Seattle – e que agora eu não precisaria mais usar -, mas só levaria as roupas principais. Mamãe vai levar o resto no dia da mudança deles, dali dois meses.

Eu não tinha ideia do que colocar na mala, uma vez que correr por ai como uma grande loba não precisava de uma roupa específica; então estava separando coisas simples e necessárias, minhas calças jeans, camisas e camisetas preferidas, tênis e botas, algumas saias e todos os meus vestidos. Coloquei os vestidos porque parei um minuto para racionalizar sobre o que tinha acontecido na noite anterior. Além da perda inestimável da minha camiseta e coturno favoritos, seria muito mais fácil ter um vestido à mão do que ficar tirando e colocando roupas pesadas. Pelo menos ia economizar nas roupas. Olha só como eu podia ser econômica!

O cartão de crédito de mamãe poderia respirar livremente de agora em diante. 

O dia passou como um grande alvoroço e mais de uma vez as minhas mãos sangraram com as unhas machucando a palma conforme eu tentava me controlar. Não era nada relacionado a algo específico e acho que esse era o problema. Eu sempre fui uma pessoa calma, direta e objetiva sim, mas relativamente calma. É claro que Finn ganhava de lavada, mas sair por aí gritando com todo mundo, explodindo por coisas pequenas não fazia parte de quem eu era – embora aponte o dedo quem nunca gritou porque alguém escovou os dentes e deixou a pia do banheiro cheia de pasta! Passei um tempo refletindo sobre essa nova persona, sobre essa falta de controle que agora eu me encontrava. Tudo era um gatilho. Tudo me fazia tremer beirando o descontrole. Foi por isso que logo após o almoço eu me mantive em meu quarto, utilizando a arte de organizar uma mala com mais roupa do que espaço dentro da dela para me acalmar.

Às quatro horas fui me arrumar para partir. Dessa vez o banheiro estava em ordem. Não limpo, mas pelo menos em ordem. Demorei no banho, deixando a água morna cair no meu corpo e desmanchar os nódulos de estresse que eu sentia acumulando em meus ombros. Quando o processo para me acalmar deu certo, desliguei o chuveiro.

Limpei o espelho do banheiro enquanto escovava os dentes e parei por um momento. Não havia uma mudança tão brusca como a que tinha acontecido com Finn, mas ela estava lá. Eu estava alguns centímetros mais alta, mas nada muito diferente porque sempre tive uma estatura mediana. Mas algo no meu olhar, algo na minha pele passava um ar de selvageria que não importava o que eu fizesse eu não conseguia mudar. Sentia os meus músculos mais firmes também. Não tinha parado para reparar antes, mas quando joguei a toalha de lado percebi linhas mais visíveis dos meus músculos em um geral, eram suaves, mas estavam lá; como se eu tivesse praticado exercício físico durante alguns meses. Os olhos estavam mais febris, mas mais atentos também.

No geral era eu quem encarava de volta, mas ao mesmo tempo não era. O alívio era que um rosto humano estava refletido ali – por um terrível momento achei que o grande lobo branco apareceria.

Liberei o banheiro para Lorelai usar e voltei ao meu quarto para me trocar. Coloquei um vestido preto simples de cetim, um cardigã creme por cima e botas pretas de cano curto. Estava colocando os meus diversos brincos quando ouvi a aproximação dos passos sussurrados de Finn. Antes mesmo que ele batesse à porta eu o mandei entrar.

— Nosso ônibus sai em uma hora. Papai vai nos dar uma carona até a estação de ônibus. – Finn disse.

— Minhas malas estão prontas, já vou descer.

Finn ficou na porta com a mão na maçaneta. Eu tentava não olhar para ele através do espelho da penteadeira, mas chegou uma hora que se tornou impossível. Ele parecia bem mesmo com todas aquelas circunstâncias. Parecia... Suave como sempre.

— Sei que está tendo um tempo difícil para entender tudo isso, eu também, só se passou um dia... Mas eles estão fazendo o que podem para nos ajudar. – ele disse.

— Sei disso. – foi a minha resposta.

Finn suspirou. Ele mais do que ninguém sabia quando eu não queria conversar e nem receber palavras de conforto. Nesse momento, eu não estava muito interessada em entender o lado deles. Estava presa nesse sentimento de injustiça e estava tentando fazer o meu melhor para controlar isso. O fato de não ter explodido em um grande lobo branco quando Lorelai começou a praticar no violino logo cedo era prova viva disso – eu ainda estremecia só de lembrar dela arranhando as cordas daquele jeito.

Música ruim devia ser o nosso calcanhar de Aquiles ao invés da prata.

As despedidas foram rápidas, até porque todo mundo se veria daqui dois meses. Antes de ir embora, no entanto, sussurrei no ouvido dos trigêmeos: “Botem pra quebrar”, o que garantiu sorrisos maliciosos dos três enquanto eu me afastava. Pelo menos isso eu podia fazer sem perder o controle.

A estação de ônibus era relativamente perto, apenas uns trinta minutos de casa. Fui quieta durante todo o trajeto. Parecia que qualquer coisa que eu falasse seria um motivo para me estressar, então optei por evitar a fadiga.  Finn acertava alguns detalhes com papai sobre a escola e o nosso avô, ele estava mais curioso do que eu para chegar lá. Acho que grande parte disso se deve ao fato de Finn nunca ter realmente se encaixado em Seattle. Ele tinha uma natureza mais leve, mais despreocupada que não o fazia criar raízes profundas na cidade. A mudança para ele não era mal vista, muito pelo contrário, por mais que estivesse com medo por conta de tudo que isso abrangia. No meu ponto de vista, Finn estava romantizando uma situação que, quando de fato a gente encarasse com os nossos próprios olhos, a reação seria diferente.

O nosso ônibus estava no horário, então assim que chegamos logo guardamos as malas pesadas – ou pelo menos pareciam pesadas pelo “uff” que meu pai fez ao levantar a minha – e nos despedimos.

— Vamos nos ver em breve, eu irei para La Push assim que conseguir para ver como vocês dois estão indo. – meu pai disse, ele tinha a expressão fechada em severidade. – Quando menos perceberem, estarão com a gente novamente.

— Fica tranquilo, pai. – Finn disse o abraçando.

— Cuide um do outro, hein. – meu pai disse me puxando para um abraço também. – Permaneçam sempre unidos, não importa o que aconteça quando chegarem lá. Ter um ao outro é a maior vantagem que vocês possuem.

— Não se preocupe, não tem como Finn largar do meu pé nem se eu quisesse – murmurei trombando em Finn de leve, que riu.

— E sejam bons para o seu avô. Ele é um homem de idade, não fiquem aprontando lá. – ele disse à guisa de adeus.

Entramos no ônibus junto com várias outras pessoas e nos sentamos no fundo, nas duas últimas poltronas. Da mochila que eu carregava nas costas tirei os fones de ouvido e no discman coloquei o meu CD favorito. Aconcheguei-me melhor no acento e me preparei para quatro horas de viagem. O tempo em Seattle estava aberto, com poucas nuvens depois da tempestade de ontem, mas aparentemente estava mais frio. Logo saímos da estação e começamos a viagem.

Eu tentava controlar a ansiedade que me assolava toda vez que pensava no que nos aguardava em La Push. A chegada na cidade só tornaria tudo ainda mais real e eu não sabia como isso ia me afetar. Tinha medo de estar caminhando para uma mudança na qual no final eu não me reconheceria mais. Finn pegou em minha mão e apertou gentilmente meus dedos. Eu deitei minha cabeça em seu ombro enquanto olhava pela janela. Papai tinha razão, enquanto estivéssemos juntos tudo ficaria bem.

A paisagem logo mudou de cenário assim que passamos por Tacoma. As ruas largas, edifícios modernos, estabelecimentos de fachada pomposa de Seattle logo foram substituídos por uma mais simples, mas não menos estruturada. Tacoma parecia estar naquela faixa de uma quase cidade grande só que com montanhas muito mais próximas. Então logo estávamos em uma estrada larga cercada por vegetação dos dois lados, era uma vegetação densa que trazia um cheiro diferente. O cheiro de terra molhada, grama e madeira tomou os meus sentidos. Finn também olhou para a janela, interessado no cheiro que sentia.

Quase duas horas já tinham se passado quando estávamos chegando próximo a Sequim. O som dos animais dentro da floresta, lá no fundo, era fascinante. Eu podia ouvir os passos cautelosos do que pareciam ser cervos, com seus cascos afundando suavemente na terra fofa; podia ouvir a movimentação dos pássaros no topo das árvores em uma rotina intrínseca com a natureza; o som de corujas e esquilos vivendo a sua vida normalmente.

Era estranho dizer isso, mas um sentimento de pertencer me atravessou. As amarras dessa emoção se agarrando suavemente em torno do meu coração, do meu íntimo, construindo ali uma morada. Inevitável lutar contra essa maré, eu ia perder se tentasse. Eu estava mais em paz, mais segura do ambiente onde me encontrava. Aqui eu não era diferente, eu pertencia. Essa sensação fez com que toda a minha perspectiva fosse alterada, vista sob um novo sol. Sentia dentro de mim que minhas mãos talvez não precisassem ficar constantemente machucadas como ficaram de ontem para hoje. Era como se eu estivesse mais em controle de quem eu era uma vez que encontrava em um lugar em que minha natureza não era abominável.

Quando emergi desse sentimento, olhei para Finn para saber se ele tinha passado pela mesma mudança que eu. Ele sorria para mim, parecia mais animado. Eu não podia dizer se ele sentia o mesmo ou não, mas ele parecia satisfeito que a grande carranca que eu colocara desde ontem agora tinha se desfeito.

Uma hora e meia depois estávamos saindo de Port Angeles, onde algumas pessoas desembarcaram, e no final da nossa viagem. A mudança de cenário era impressionante, quase sufocante. Nós nunca tínhamos vindo à La Push, muito por conta dos conflitos familiares que o meu pai teve com o meu avô há muitos anos (problemas esse que eu desconhecia). Eu o conhecia por foto só, mas posso dizer com certeza de que a foto estava desatualizada, porque nela meu pai era só um adolescente ao lado do meu avô.

A cidade seguinte, Forks, parecia quase abandonada. Não estava mal cuidada ou desabitada, mas seus estabelecimentos eram tão pequenos e simples que me chocou de primeira. Não havia prédios, nem condomínios de cinco andares. Tudo era praticamente térreo ou de dois andares. Havia um certo charme nas construções, algo na simplicidade como foram levantadas traziam tranquilidade.

E então entramos em La Push, a última parada.

Era... Diferente. Desde que passamos por Tacoma uma concentração de densas nuvens parecia fazer morada nessa região. Eu não vi nenhum espaço azulzinho sequer. Ao descer e pegar as malas, olhei ao redor, encarando a minha nova realidade. La Push era plana, com exceção de sua enorme e vasta floresta, mas toda a cidade era plana, as casas e estabelecimentos não pareciam ter mais do que dois andarem – quando muito! – e a movimentação era razoável. Mas a primeira vista era o mar. E parecia meio irônico e cheio de humor negro existir uma praia no meio de um lugar tão chuvoso e de tempo fechado, mas estava lá e era lindo mesmo com o dia nublado.

— Vocês cresceram.

Tanto Finn como eu olhamos para trás e encontramos um senhor, que já devia ter seus 60 e poucos anos, mas que parecia melhor do que muita gente jovem por aí. Tinha os cabelos grisalhos lisos como uma cortina lhe cobrindo parte do rosto moreno e marcado de rugas. As roupas eram largas e pareciam ser quentes, mas sobrepostas umas as outras. Ele não era muito mais alto do que eu, mas trazia uma imponência em sua postura.

Finn pigarreou. – Er... Vô Quil?

Eu evitei franzir o cenho. Era um pouco forçado demais chama-lo de vovô quando nem o conhecia direito. Parecia estranho e fora de contexto. Ele pareceu notar.

— Sim. – disse, seus olhos castanhos fixados em mim por um breve momento – Mas pode me chamar de Velho Quil se vô for muito.

— Não, vô está ótimo – Finn disse e me cutucou nas costelas.

— A caminhonete está estacionada logo ali. A reserva é um pouco para o leste. – ele disse indicando uma caminhonete velha preta.

Joguei minha mochila por cima dos ombros e peguei a minha mala, passando por Velho Quil. Enquanto eu andava, as pessoas olhavam para nós como se fossemos a atração do lugar. Olhei para baixo algumas vezes, checando se estava vestida ou suja para me encararem tanto.

— É uma cidade pequena, poucas pessoas se mudam para cá. – Velho Quil disse enquanto acompanhava o nosso passo sem esforço.

Coloquei a mala na caçamba da caminhonete, junto com a de Finn, e então entrei no carro. Tinha cheiro de charutos baratos, pinheiro, couro envelhecido e alguma comida velha. Olhei para o assento da frente. Lá estava, um pacote marrom fechado, mas parecia ter pizza velha dentro dele.

— Você deveria jogar isso fora. Está estragado – eu disse indicando o pacote com a cabeça.

Velho Quil olhou para onde eu indiquei e resmungou – Vou pegar aquele moleque qualquer dia desses...

Finn, sem dúvida nenhuma, sempre foi mais sociável do que eu. Ele logo iniciou uma conversa com o Velho Quil sobre a cidade, querendo saber mais sobre quem vivia ali, como funcionava a reserva e até onde as pessoas sabiam que lobisomens existiam. Eu percebia que cada vez mais ele estava se familiarizando com a palavra, mas ela ainda me deixava sensível.

A casa do Velho Quil não era muito longe do “centro” da cidade. Era uma casa térrea de madeira branca, que já estava com a pintura envelhecida e gasta em algumas partes. As janelas eram quadradas e simples, com suas molduras também brancas. Não tinha garagem, mas sim um anexo coberto onde ele deixava o carro e outras coisas como o cortador de grama, por exemplo. Velho Quil parecia estar mais à vontade com Finn quando chegamos à casa – porque Finn tinha esse dom mesmo. A casa estava completamente silenciosa e percebi que ele morava sozinho. Ao olhar ao redor, não se viam muitas outras casas próximas, cada uma parecia ter uma boa distância entre elas.

Ao entrar, fui assolada pelo cheiro de madeira, óleo de cozinha, couro, charutos baratos e um pouco de mofo. Dentro a mobília era tão simples quanto a fachada da casa, sem nada de muito chamativo a não ser a grande televisão de tela plana.

— O quarto de vocês é no final do corredor, nos fundos. Podem escolher qualquer um dos dois. – ele disse enquanto batia a bota na entrada da casa para tirar a lama da sola. – Deixem suas coisas lá e então vamos até a casa de Billy. Os outros estão reunidos lá e querem falar com vocês.

Um arrepio desceu pela minha coluna. Era isso, estava batendo na minha porta, já entrando na verdade, toda a loucura que seria daqui em diante. Eu gostei da energia da cidade, gostei de estar tão próxima da natureza que se quisesse faria parte permanente dela, mas encarar de novo o que quer que a gente era me dava um frio na barriga.

Coloquei minhas coisas no quarto pequeno e simples e sai. Meu estomago roncou alto de fome. Desde ontem eu tinha devorado quase tudo em casa, como se estivesse em uma constante larica. A viagem de quatro horas pareceu só abrir ainda mais o meu apetite. Dei dois tapinhas na minha barriga, mandando mentalmente o meu estomago se acalmar. Era melhor mesmo, se eu comesse algo agora era capaz de vomitar de nervosismo durante a apresentação.

A casa de Billy, fosse ele quem fosse, era uns dez minutos de carro. A casa era pequena, de madeira pintada de vermelho com janelas emolduradas em branco. Ao contrário da casa do Velho Quil, essa parecia cheia de vida e movimento. Estava com as luzes todas acesas, inclusive da pequena varanda, vozes altas e risadas saiam de todos os cantos. A noite já tinha caído e a floresta atrás da casa parecia quase entrar dentro dela. O som de risadas e conversas cessaram quando o carro parou. Trinquei meu maxilar, controlando meu nervosismo. Minhas mãos tremiam de leve, por isso as fechei em duas bolas firmes e as enfiei dentro do bolso do longo cardigã creme.

Contenha. Contenha. Ganhe autocontrole, não deixe te dominar.

Era o meu mantra desde ontem.

Finn pegou minha mão enquanto caminhávamos pela fina garoa que começava a descer, desfazendo o nó que eu pressionava. Ele parecia nervoso, mas não tanto quanto eu. A porta já estava aberta e parecia ter gente espremida lá dentro da pequena casa. Eu sabia que meu rosto estava travado em uma expressão séria, mas meu coração parecia mais acelerado do que nunca.

Ao entrar na casa – de fato as pessoas ali pareciam espremidas – várias informações foram assimiladas ao mesmo tempo. Primeiro foi a quantidade de homens sem camisa e músculos definidos. Intimamente uma diversão cruzou o meu humor tenso e o abrandou um pouco. Se Veronica visse onde eu estava agora... Tenho certeza de que largaria a cidade grande para viver aqui. Todos eram bem mais altos do que eu e um pouco mais do que Finn. De uma forma estranha eles pareciam todos semelhantes, quase parentes. A maioria tinha cabelos castanhos ou pretos lisos longo ou curto, pele marrom-avermelhada, olhos castanhos e abdomens sarados. Era um pré-requisito essa última parte?

A única mulher presente estava no canto mais afastado, a expressão fechada em profundidade. Era muito bonita. Tinha linhas do rosto suaves e proporcionais, cabelos cortados na altura do queixo e era mais alta do que eu, talvez uns dez centímetros a mais.

O silencio durou muito pouco. Um dos homens mais altos deu um passo a frente. Tinha o cabelo cortado rente à cabeça e uma expressão grave. Algo nele me fez estar alerta e preparada, ele tinha uma autoridade na postura e olhar. Se olhasse bem, não parecia ser muito mais velho do que Finn e eu, mas era preciso olhar bem, porque toda a sua expressão lhe davam mais idade. 

— Sejam bem-vindos. O meu nome é Sam. – ele disse, a sua voz era muito parecida com a que ouvi na noite anterior, só que mais grave. – Espero que tenham feito uma boa viagem.

— Foi sim, obrigado. – Finn disse com leveza na voz e um sorriso para acompanhar. A tensão mesmo estava vindo toda de mim. Gentilmente ele massageou meus dedos. Eu me senti relaxar um pouco mais. Ele estava ali, então tudo estava bem.

— Esses são Billy Black e Sue Clearwater, membros do conselho tribal quileute. – Sam disse nos apresentando a um homem de meia idade em uma cadeira de rodas que assentiu de forma simples para nós e então uma mulher que eu não tinha visto, pois ela estava escondida atrás de um rapaz troncudo.

— É um prazer, como vai? – Finn disse se adiantando e apertando a mão dos dois. Eu me mantive ao seu lado e apenas assenti, incapaz de tirar a minha outra mão do bolso porque eu podia sentir os cortes das unhas.

— Ficamos contentes com a chegada de vocês. – Billy disse, a voz era profunda e potente como o trovão. Combinava com ele. – É claro que ficamos quase uma noite sem dormir por estarem tão longe, mas que bom que deu tudo certo.

— É, nem parece que foi ontem que tudo aconteceu – Finn disse me olhando e sorrindo.

— Aqui estão apenas alguns membros da matilha. – Sam disse – Os demais estão em rondas. Esse é Quil, primo de vocês. Embry, Jared, Leah, filha de Sue e Jacob, filho de Billy.

Acompanhei cada um conforme eles foram mostrando sinais de quem era quem. Ao olhar para o último, Jacob, tudo pareceu parar e entrar em caos. Ele me encarava com olhos castanhos profundos, uma expressão severa e fechada em reflexões. Mas não foi isso que me fez parar, não foi o rosto bonito, foi... Algo a mais.

Era como se o mundo estivesse girando mais rápido, como se as pessoas ao nosso redor fossem apenas borrões e borrões tão indistintos que parecia que existia apenas nós dois na pequena sala. Eu não consegui mais ouvir a conversa que se seguia, não conseguia mais olhar para nada que não fosse ele. De repente, a mão de Finn era a única coisa que me segurava em meu lugar e me evitava de ir de encontro a ele. Eu o conhecia. Havia uma estática no ar que estalava ao meu redor. Eu o estava reencontrando, mesmo que nunca o tivesse visto antes. Era um sentimento avassalador, entorpecente. Os meus propósitos mudaram da água para o vinho, o mundo tomou novas cores enquanto uma pequena, quente e perpétua chama crescia dentro do meu peito.

Eu sentia como se estivesse prendendo o ar durante toda a minha vida e agora podia finalmente respirar, finalmente aproveitar o ar em meus pulmões. Um alívio.

Emergi dessa nova descoberta um pouco sem chão, perdida de onde estava. As pessoas na sala não pareciam diferentes em nada, com exceção de Billy Black e Sam Uley que lançavam olhares surpresos de mim à Jacob, ninguém mais parecia ter observado a mudança conforme começavam a se aproximar mais dos novos integrantes.

Eu me contive em seguir o meu desejo de estar ao lado dele. Tinha acabado de chegar, o sentimento era tão puro e bom quanto confuso e caótico. O meu lado racional não me deixou livre para seguir o meu coração.

Então deixei que Finn me levasse pela mão sem ver realmente aonde estava indo ou com quem estava conversando. Minha visão periférica estava sempre se ajustado a ele, que parecia estar fazendo o mesmo. Jacob não se aproximou e eu não me aproximei. Ao mesmo tempo em que o sentimento criava raízes profundas em meu coração, eu o temia. Nunca reagi a ninguém assim, nunca tive essa certeza de ter encontrado o que procurava mesmo nunca tendo de fato procurado. Era uma batalha sem fim dentro de mim. Meu corpo e coração imploravam para estar próxima dele, mas minha mente me impedia. Então eu deixei que Finn conduzisse o caminho, deixei que ele tomasse a liderança porque eu não era capaz de fazer isso no momento.

Algum tempo depois Jacob saiu da casa em um rompante que talvez só quem estava prestando atenção nele tão atentamente, como eu, tivesse percebido. Resisti ao impulso de ir atrás. O que eu falaria? Nem o conhecia. Era loucura me sentir assim por um completo estranho.

— Vocês vão viver com o vovô? – Quil perguntou, atraindo a minha atenção que ainda estava na porta que acabara de ser fechada.

— Sim, pelo menos por um tempo – eu me vi murmurando em resposta. Então voltei a olhá-lo. – Nossos pais se mudam para cá em dois meses mais ou menos.

— Acho que nunca conheci o meu tio... Estranho isso, não é? – Quil disse. Ele era mais baixo que os outros homens, mas mais robusto e musculoso, um pouco mais atarracado.

— Sabe o porquê disso? Papai nunca falou nada. – perguntei.

— Não, meu avô também não e meu pai morreu quando eu era pequeno, então não tenho como perguntar.

Percebi o movimento de Sam saindo da casa também e me questionei se ele estaria indo atrás de Jacob.

— Você é um pouco mais baixa do que eu imaginei – Quil disse rindo. – Sem ofensas, mas acho que você vai ser a menor do bando... Bom, com exceção de Seth, Colin e Brady, claro, mas só porque eles ainda são muito novos.

— É nos menores frascos que estão os piores venenos. – respondi – Ou assim dizem.

Quil e Embry riram. Embry parecia ser mais tímido, mais na dele. Era mais alto que Quil, mais esbelto que os outros integrantes.

— Então... Esse negócio de bando... Como que funciona isso? – perguntei. – Todo mundo corre junto tirando gatinhos de árvores?

Alguns riram, mas foi Embry quem respondeu com sua voz baixa. – A gente defende o território. Sam é o alfa, ele cuida de outras coisas junto com o conselho, como algumas questões da comunidade... Se alguém tá fazendo algo que não deve a gente intervém. Na maioria dos dias fazemos rondas para garantir que nenhum sanguessuga entre em nossas terras.

Eu estremeci. Ainda achava difícil de acreditar que vampiros andavam por aí.

— Há muitos... Deles por aí? – perguntei.

— Não muitos. – Quil respondeu – Tem um clã deles que mantém base fixa, fica próximo a Forks, são os Cullen. É com eles que temos o tratado. Sam vai explicar tudo para vocês amanhã, mas eles são... Diferentes. É por isso que permitimos a residência deles aqui.

Estremeci de novo, o que fez Quil sorrir animado – Não se preocupe, quando você menos perceber vai rosnar para um deles.

Graças a Deus tinha comida na casa de Billy e comida o bastante para alimentar todo mundo, que parecia no mesmo estado constante de fome que eu e Finn. Devia ser uma coisa nossa. Fazia sentido. O tanto de calorias que queimamos precisava ser reposto. Sam voltou um pouco depois que todo mundo estava satisfeito. Havia algo no olhar dele para mim que parecia turbulento, como se ele estivesse satisfeito e ao mesmo tempo preocupado com a minha presença. Fiquei esperando que Jacob voltasse também, mas ele não apareceu até a hora que fomos embora.

Combinamos com Sam de encontrar com ele na manhã seguinte na floresta próximo da casa do Velho Quil. Como nossa transferência ainda não havia sido feita, teríamos quase uma semana de folga da escola até tudo estar pronto.

Fui para a minha nova casa com o pensamento profundo dentro dos meus sentimentos do dia, principalmente em relação a Jacob. Aquela emoção, aquela... Força do sentimento ia me deixar acordada de noite. Tentei encontrar razão para ela, um fundamento dentro de mim que a explicasse, mas não existia nenhuma. Ela estava lá e lá ficaria.

Como eu ia lidar com isso, no entanto, era um mistério.


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