Jornada nas Estrelas: Iguaçu escrita por Laertes Vinicius


Capítulo 6
Um Incidente de Transporte




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O bar panorâmico estava bastante movimentado no dia seguinte ao incidente com os Manmes, pois muitos tripulantes ansiavam por um momento de lazer após o trabalho árduo que tiveram ao remover toda a espuma e revisar os sistemas da nave. Para animar a noite, um concurso de karaokê foi organizado pelo pessoal de operações e, felizmente, havia muitos talentos a bordo, incluindo a oficial de comunicações da nave. Sob os olhares atentos dos colegas, Giulia interpretava, com sua voz doce e melódica, uma canção clássica de Nyorratchc, intitulada ”Quando as dores se vão”. No espaço superior do bar, Shion e Da’Far dividiam uma garrafa de refrigerante chimarrita.

— Fica gostoso após o segundo copo, devo admitir. – Disse Shion, sorvendo o líquido azul escuro. – Mas o cheiro de peixe é muito desagradável.

— Este é um dos mais suaves. – Disse Da’Far, cheirando seu copo. – Deveria experimentar o sabor pepino-do-mar. Ele é conhecido por deixar os vizinhos com água na boca toda a vez que uma garrafa é aberta.

— Lembre-me de avisar ao barman para criar um campo de força nível 5 ao redor da mesa de alguém que pedir uma dessas. – Riu Shion, olhando para baixo por cima da proteção que delimitava a varanda interna do bar. Sentados em frente ao balcão principal estavam Hashimoto e Kwa, que parecia extremamente interessada no que o engenheiro dizia.

— No meu planeta chamamos isso de “caranguejo que faz o ninho na rede”. – Comentou Da’Far, acompanhando o olhar de Shion.

— Se isso significa que o interesse dela em ouvir as histórias dele é proporcional à vontade de Hashimoto em contá-las, seu ditado é válido. – Disse Shion.

A andoriana estava correta em sua interpretação e, para a piloto, ouvir as histórias contadas por Emilian Hashimoto era uma forma muito prazerosa de passar o tempo. Como a espécie de Kwa tinha uma vida muito breve, da perspectiva dela era como se o engenheiro tivesse vivido séculos de grandes aventuras, as quais ele, sem embaraço, contava de maneira quase teatral.

— ... e quando enfim eu vi aquele homem todo deformado pela explosão de plasma catalítico, tive apenas um instante para decidir se era ou não uma duplicata biocinética do tenente Andreoni. – Dizia Hashimoto, levantando as sobrancelhas e agitando a mão esquerda. – Todavia, como eu havia calculado o tempo de oxigênio restante no módulo de fuga, olhei rapidamente para o monitor e vi que os níveis tinham baixado proporcionalmente ao consumo de apenas uma pessoa. Logo, tive um segundo de vantagem e, antes que ele pudesse recuperar a consciência, transportei-o diretamente para o espaço e impedi que continuasse com seu plano de tomar a nossa nave.

— Impressionante! – Disse Kwa, com um largo sorriso. – Eu jamais teria pensado em monitorar o suporte de vida.

— Isso não foi nada. – Disse Hashimoto, claramente satisfeito em ter conquistado uma ouvinte tão interessada. – Foi apenas meu primeiro encontro com uma duplicata biocinética durante as incursões de 2432.

— Mais sidra, comandante? – Perguntou o barman, aproximando-se. Tratava-se de um homem muito alto, seguramente com mais de dois metros, cuja cor de pele era muito branca. Seus olhos eram vermelhos e seu cabelo de um preto profundo, como as unhas de sua mão esquerda. No lugar da mão direita, havia uma garra arredondada, semelhante a uma concha e, em seu queixo, havia três pontas ósseas, uma delas ostentando um anel de brilhantes ricamente trabalhado.

— Obrigado, Pepe, mas por hoje chega. – Disse Hashimoto.

O barman fez uma leve reverência com a cabeça e olhou para Kwa, como forma de encorajá-la a fazer um pedido, caso desejasse.

— Eu gostaria de outro café gelado. – Disse ela. – Com muito açúcar.

— Como desejar. – Disse o Barman, com sua voz melosa, e se afastou lentamente, quase como se deslizasse.

— Gente interessante, os arexemonianos, não acha? – Comentou Hashimoto.

— Pepe é o primeiro que eu conheço. – Respondeu Kwa, enquanto observava o barman terminando de preparar seu café gelado. – Não sei muita coisa sobre seu povo.

— Levou quase duzentos anos para que eles aderissem à Federação. – Explicou Hashimoto. – A sociedade deles possui uma das culturas mais sistemáticas e complexas do quadrante alfa.

O barman voltou com a taça de café e a colocou diante de Kwa, com um leve sorriso.

— Um momento, Pepe. – Disse Hashimoto, antes que o barman os deixasse. – A alferes Kwa não conhece muita coisa sobre seu povo, poderia dizer seu nome completo e o nome de seu planeta? Tenho certeza que ela achará interessante.

— Como quiser, comandante. – Disse o barman, com a sua habitual reverência. – Me chamo Pepecimariksalsuparmanemenon, vigésimo terceiro primo da quarta família do povo da terra da areia vermelha, do planeta Arexemoniatilktamarivasalrativimanitsaklsabathraportanikselaniferatucaniepremoviamlatrioparamtirudodraksolmeuteria.

Enquanto o barman recitava solenemente o nome de seu planeta natal, Kwa arregalou os olhos. Seu povo, os miresitas, acreditava que nomes com sete letras ou mais, além de serem considerados enfadonhos, traziam má sorte.

            – Eu não disse? – Riu Hashimoto. – Muito obrigado, amigo.

            – Disponha. – Falou Pepe, e se afastou.

            – A esposa e filha dele também trabalham aqui. – Disse Hashimoto para Kwa. – Ambas têm nomes tão grandes quanto o dele e eu soube que cada um tem um significado muito específico, mas confesso que não sei qual é.

            – Sorte a minha que posso chama-lo apenas de Pepe. – Disse Kwa, tomando um gole do café exageradamente doce que ela tanto gostava.

A USS Iguaçu passou uma semana estudado um aglomerado de estrelas anãs azuis, pois novamente não havia sinal de algum planeta Classe M nas proximidades. Contudo, assim que deixaram o aglomerado e marcaram um curso para um sistema binário, captaram um sinal de socorro vindo de uma nave alienígena. Giulia transmitiu a tradução, mas a mensagem estava cortada, contendo apenas um pedido desesperado por ajuda e a informação de que a nave havia sofrido um ataque e estava irreversivelmente danificada.

— Srta. Kwa, marque um curso. Dobra 9. – Ordenou o capitão Vernon.

— Sim, senhor. – Disse Kwa.

Em poucos minutos a USS Iguaçu chegou ao ponto de origem do sinal de socorro, encontrando um campo de destroços e uma grande nave seriamente avariada. Ela era de um azul profundo, com formato semelhante ao de uma concha, tendo também duas naceles cilíndricas na parte inferior traseira do casco.

— Qual é a situação? – Perguntou Shion.

— O reator de dobra deles está colapsado. – Informou Sinel Da’Far Sinel. – Sistemas de suporte de vida em nível crítico, restritos à uma seção à estibordo da proa.

— Biosinais? – Perguntou o capitão.

— Oito, cinco deles irregulares. – Informou a alferes Harman.

— Faça contato. – Disse o capitão.

— Temos apenas áudio. – Disse Giulia.

— Eu sou o capitão Víbio Vernon, da nave estelar da Federação Iguaçu. – Disse o capitão, levantando-se. – Recebemos seu sinal de socorro e estamos dispostos a ajudar.

Sou o comissário Aeauomi.— Ouviu-se uma voz aflita, grave e rouca, como se fosse alguém muito velho. – Nossa nave foi atacada por duas naves wrtomlke. Tivemos sorte de conseguir sobreviver, mas nosso reator está comprometido e vai explodir a qualquer momento! Redirecionamos tudo o que restou do suporte de vida para o hangar de atracação, por favor mande uma nave auxiliar para nos resgatar antes que seja tarde demais, é vital que os embaixadores sobrevivam!

— Não há tempo para enviar uma nave auxiliar, nossas leituras indicam que seu reator vai explodir em menos de dois minutos. – Disse o capitão. – Vamos transportá-los a bordo.

Transportar?—Falou o comissário, confuso.

— Vernon para sala de transportes 1. – Chamou o capitão. – Tenente Alfredsson, trave nos alienígenas e os transporte imediatamente.

Sim, senhor.— Ouviu-se a voz da oficial de transportes.

Houve um momento de silêncio, seguido pela explosão da nave alienígena, cujos destroços se juntaram aos restos das naves que a haviam atacado.

— Tenente Alfredsson, reporte. – Chamou Shion.

Eu os transportei, senhor.— Disse ela, com um tom de perplexidade e surpresa na voz. – Mas estão todos mortos.

Os tripulantes da ponte se entreolharam, e o capitão disse:

— Chelaar, Da’Far, comigo. Shion, a ponte é sua.

Os três deixaram a ponte e, no caminho, o capitão requisitou a presença do doutor Horvat, que os encontrou pouco antes de entrarem na sala de transportes 1.

— O que houve, tenente? – Perguntou o capitão, assim que pôs os pés na sala, deparando-se com um amontoado de corpos na plataforma de transporte.

— Não sei explicar, senhor. – Respondeu ela, perturbada. – O transporte aconteceu normalmente. Eu os trouxe antes da explosão.

— Algo em nosso ar que fosse tóxico para eles? – Perguntou o capitão.

— Nossas leituras indicavam que a atmosfera da nave deles era semelhante à nossa. – Respondeu Chelaar, balançando a cabeça.

— Eles estavam vivos quanto vieram a bordo? – Perguntou Horvat, examinando os corpos com um tricorder.

— Por um instante eu poderia jurar que sim. – Respondeu Melissa Alfredsson. – Mas eles caíram logo em seguida, como se tivessem sido desligados.

— Qual é a causa da morte? – Perguntou o capitão ao doutor Horvat.

— Aparentemente, morreram por uma falência múltipla dos sistemas, desde o renal ao nervoso. – Respondeu o médico, intrigado. – Contudo, não posso explicar a causa até fazer o exame de necropsia.

— Certo, leve-os à enfermaria e descubra o que puder. – Disse o capitão, acenando também para Da’Far, indicando que este deveria convocar ajudantes para o transporte manual dos corpos. Em seguida, virou-se para a tenente Alfredsson. – Execute um diagnóstico nível 5 nos sistemas de transporte, quero saber se houve alguma falha. Peça ajuda ao comandante Hashimoto, se precisar. Até segunda ordem, qualquer transporte sem minha autorização direta está proibido.

— Sim, senhor. – Disse a tenente Alfredsson, pesarosa.

— E, tenente. – Disse o capitão, abrandando a voz. – Estou certo de que nada disso é sua culpa.

— Obrigado, senhor. – Disse ela, embora ainda estivesse visivelmente abalada pelo ocorrido.

Durante as quatro horas seguintes a USS Iguaçu permaneceu parada em meio ao campo de destroços, buscando entender o que havia acontecido na batalha que destruíra as três naves, e como os alienígenas, cujos corpos jaziam na enfermaria, teriam morrido. Eram seis homens e duas mulheres, todos da mesma espécie, de pele grossa e sem pelos, com cristas nas laterais da cabeça e pele craquelada, em diferentes tonalidades de marrom claro e amarelo queimado. Diversos pedaços de metal retorcido foram trazidos a bordo para análise mais aprofundada, assim como os poucos componentes eletrônicos que ainda estavam parcialmente intactos. Nenhum deles, no entanto, ofereceu respostas ou continha informações sobre quem eram seus tripulantes e quais eram seus objetivos.

— Pelos materiais que compõe os cascos das naves destruídas e pelas assinaturas de energia residuais, suponho que ambos os combatentes possuíam o mesmo nível tecnológico. – Explicou Hashimoto à Shion, quando ela foi à engenharia acompanhar o andamento das análises. – E ambos estão pelo menos dois séculos, talvez três, defasados em relação à nossa tecnologia. Duvido que essas naves alcançassem dobra 5.

Shion assentiu, examinando um pedaço de metal que estava sendo submetido a um escaneamento quântico.

— Alguma ideia se as outras naves eram tripuladas por indivíduos da mesma espécie que trouxemos a bordo? – Perguntou Shion. – Não encontramos resíduos orgânicos nos destroços.

— Acho improvável. – Disse o engenheiro-chefe. – Embora fossem semelhantes, as ligas metálicas utilizadas e o formato de alguns anteparos indicam que as naves foram fabricadas por duas culturas diferentes.

Sala de transportes 1 para engenharia.— Ouviu-se a voz da tenente Alfredsson.

— Prossiga, tenente. – Disse Hashimoto, abaixando a cabeça.

Repeti o diagnóstico duas vezes e não encontrei nenhuma falha.— Disse a oficial de transportes. – O armazenador de padrão consolidou 100% da matéria transportada, os biofiltros funcionaram normalmente e não foram registradas variações de campo ou interferências durante a realização do procedimento.

— Examine os registros captados até o momento da explosão e veja se encontra qualquer leitura que explique uma interferência potencial originária da nave alienígena. – Disse Hashimoto. – Faça também uma sondagem em banda horizontal nos biofiltros. É pouco provável que encontremos algo de errado, mas não podemos descartar nenhuma hipótese.

Sim, senhor.— Respondeu a tenente Alfredsson.

Hashimoto virou-se para Shion.

— O doutor Horvat conseguiu descobrir alguma coisa? – Perguntou ele.

— Nada. – Disse Shion, mexendo as antenas. – Segundo ele, é quase como se tivessem morrido de morte natural.

— Muito estranho. – Comentou Hashimoto. – É como quando estávamos transportando os colonos em Nova Titã, e uma nuvem de gás ionizado irrompeu da exosfera, provocando um...

Vernon para comandante Shion.— Ouviu-se a voz do capitão.

— Shion falando. – Respondeu a andoriana.

Retorne à ponte, imediato. Adaptamos duas naves alienígenas se aproximando em dobra.— Continuou o capitão. – Elas possuem as mesmas características da nave concha, e possivelmente vieram seguindo o sinal de socorro.

— Estou indo, capitão. – Disse ela, despedindo-se de Hashimoto com um aceno de cabeça.

Na ponte, os tripulantes aguardavam a iminente chegada das duas naves alienígenas, e Chelaar e Shion foram as últimas a assumir seus postos.

— Não é assim que eu gostaria de fazer o primeiro contato, mas poderemos obter algumas respostas. – Disse o capitão.

— Existe a possibilidade de eles pensarem que nós fomos os responsáveis pela destruição das naves. – Disse o conselheiro Nhefé, calmamente. – Ou então, que nos culpem pela morte de seus embaixadores, vítimas do transporte malsucedido.

— Também tenho essa impressão. – Concordou Shion. – Para nossa sorte, segundo o comandante Hashimoto, eles não devem ter poder de fogo suficiente para nos ameaçar.

— De qualquer forma, se eles carregarem as armas, quero nossos escudos levantados no mesmo instante. – Disse o capitão.

— Naves saindo de dobra, senhor. – Informou a alferes Harman.

— Frequências de saudação. – Disse Vernon. – Não vou dar tempo para que tirem conclusões equivocadas.

— Canal aberto. – Disse Giulia.

— Aqui é o capitão Víbio Vernon da nave estelar da Federação Iguaçu. – Anunciou ele. – Viemos em resposta ao sinal de socorro de uma de suas naves.

Na tela principal apareceu a imagem de um alienígena com as mesmas características dos que haviam perecido durante o transporte: pele grossa e craquelada, de tonalidade marrom e com cristas nas laterais da cabeça.

— Sou o comandante Oaefuai, da nave Iaoei, da República Estelar Eioiotai. – Disse ele, com uma voz grave e rouca, incompatível com a idade que ele aparentava ter. – Nunca ouvi falar de nenhuma Federação.

— Nós somos da Via Láctea, estamos aqui em uma missão de exploração científica. – Explicou o capitão.

— Via Láctea?! – Exclamou o alienígena, assombrado. – Isso é impossível!

— Eu garanto que é possível, comandante, mas creio que esta não seja nossa principal questão no momento. – Disse o capitão Vernon. – Lamento informar que a nave de seu povo responsável por enviar o sinal de socorro foi destruída.

— Nós já percebemos isso. – Disse Oaefuai. – Esperávamos chegar a tempo de salvar nossos compatriotas da explosão, mas nossas naves não foram rápidas o suficiente.

— Há uma coisa que preciso dizer. – Disse Vernon, consternado. – Nós chegamos poucos minutos antes da explosão, mas como não havia tempo para resgatá-los por meio de uma nave auxiliar, decidimos transportá-los a bordo.

— Transportá-los? – Perguntou o comandante Oaefuai, confuso.

— Nós possuímos uma tecnologia que converte matéria em energia vice-versa, permitindo o transporte instantâneo de pessoas e objetos. – Explicou o capitão.

— Então os embaixadores estão vivos? – Perguntou Oaefuai, esboçando um sorriso.

— Infelizmente não. – Disse o capitão. – As oito pessoas que transportamos acabaram falecendo no instante em que foram rematerializadas em nossa sala de transportes, por alguma razão que ainda nos é desconhecida.

O alienígena estreitou o olhar, demonstrando um princípio de desconfiança.

— O senhor é bem-vindo a bordo para examinar nossos registros. – Disse o capitão, buscando evitar um possível desentendimento. – Meu oficial médico chefe está tentando encontrar a causa da morte de seus embaixadores, mas, com sua ajuda, certamente essa tarefa será resolvida rapidamente.

— Meus sensores indicam que há destroços de uma nave wrtomlke. – Disse o comandante Oaefuai, parecendo ainda mais desconfiado. – Poderia explicar isso, capitão Vernon?

— Na verdade, as evidências apontam duas naves. – Explicou Vernon. – Supomos que houve uma batalha entre elas, que resultou em danos irreparáveis à nave de seus embaixadores.

— Nós estamos em guerra com os wrtomlke há mais de 90 anos. – Disse Oaefuai, com uma voz ainda mais grave e rouca. – Os embaixadores estavam viajando até o planeta natal inimigo para negociar uma trégua. Não havia razões para que eles fossem atacados. Além disso, tudo o que vejo aqui são destroços ao redor de uma única nave com grande poder de fogo: a sua! – E fechou o canal.

— Estão carregando as armas. – Informou o tenente Rose.

— Escudos ao máximo, senhor. – Disse Da’Far.

— Manter posição. – Ordenou o capitão. – Não vamos devolver fogo.

As duas naves dos Eioiotai iniciaram uma série de manobras ofensivas, disparando seus canhões de fase e lançando algumas ogivas nucleares contra a USS Iguaçu, que resistiu sem maiores problemas.

— Escudos a 96%. – Informou Da’Far.

— Subtenente Naggi, abra um canal. – Disse o capitão.

— Aberto, senhor. – Disse Giulia.

— Não fomos os responsáveis pela destruição de nenhuma dessas naves. – Disse o capitão. – Cancele o ataque e venha a bordo, poderemos esclarecer a situação juntos.

— Sem resposta. – Disse Giulia.

— Senhor, duas outras naves estão se aproximando em dobra. – Informou a alferes Harman. – Suas configurações coincidem com as outras que já estavam destruídas quando chegamos.

— Parece que a turma toda está aqui. – Disse Shion.

— Vamos continuar onde estamos, eles não têm escolha a não ser dialogar conosco. – Disse o capitão.

Aparentemente os eioiotai também haviam detectado a aproximação das outras naves, pois pararam de atirar e se posicionaram perpendicularmente à USS Iguaçu, mantendo as armas e os escudos carregados. Dentro de alguns minutos as outras naves saíram de dobra, deslizando por entre os destroços, certamente fazendo sua própria leitura da situação. Elas eram menores que as naves dos eioiotai, inteiramente negras e com formato de prisma triangular, possuindo três naceles paralelas na popa.

— Estão chamando, senhor. – Disse Giulia.

— Na tela. – Disse o capitão.

A imagem que apareceu era quase indistinguível, pois a iluminação da ponte de comando da nave alienígena era mínima, e tudo que podia se ver era o vulto de um humanoide usando uma roupa roxa que cobria o corpo todo exceto seu rosto redondo, com grandes olhos e uma boca diminuta.

— Sou o capitão Drtoplnov, da nave Kbxlawrt, do grande Reino Caliginoso de Wrtomlke. – Disse o alienígena em um chiado agudo. – Exigimos explicações sobre quem são vocês e o que fazem na zona fronteiriça em meio aos destroços de duas de nossas naves.

— Sou o capitão Víbio Vernon, da nave estelar da Federação Iguaçu. – Disse novamente o capitão. – Viemos para atender o sinal de socorro de...

O alienígena fez um gesto com a mão e a transmissão foi encerrada.

— Eles também estão carregando as armas, senhor. – Informou Rose. – Parece que decidiram que nossos somos o inimigo em comum.

— Tenente Rose, acionar bancos fêiseres. – Disse o capitão, respirando fundo. – Mire nos sistemas de propulsão, armas e geradores de escudos das quatro naves. Quero danos mínimos, apenas o suficiente para mantê-los incapacitados por algumas horas. Talvez assim eles se sintam mais propensos a escutar o que temos a dizer.

Como o poder de fogo da USS Iguaçu era muitas vezes superior ao das naves alienígenas, bastaram alguns tiros para que elas ficassem à deriva, sem armas ou sistemas de propulsão.

— Estão nos chamando senhor. – Disse Giulia. – Todos eles.

A comandante Shion sorriu.

— Transmita uma mensagem pedindo para que enviem representantes em naves auxiliares e passe as coordenadas do hangar. – Disse Vernon. – Diga que vamos discutir os acontecimentos recentes na sala de conferências da Iguaçu. – O capitão fez um gesto com a cabeça para Shion, que se levantou e, juntamente com Da’Far, deixou a ponte em direção ao hangar.

Não demorou muito para que os alienígenas chegassem em duas pequenas naves auxiliares, sendo recepcionados por Shion e uma equipe de segurança fortemente armada. A nave que trouxe os representantes do povo eioiotai era azul e arredondada, exceto pela parte de baixo, e dela saíram quatro alienígenas, todos usando o mesmo macacão alaranjado. A nave que trouxe os representantes do povo wrtomlke tinha um formato semelhante ao das utilizadas pela Frota Estelar, era preta com detalhes cor de chumbo, e dela saiu apenas um alienígena, cujas vestes roxas o cobriam dos pés à cabeça. Seu rosto estava oculto por uma espécie de máscara negra, refletindo a luz ambiente.

— Sou a comandante Kan Shion, primeiro oficial da nave estelar da Federação Iguaçu. – Disse a andoriana, aproximando-se dos alienígenas, seguida de perto por Da’Far. – Espero que não se incomodem com nossos protocolos de segurança, eles se tornam bastante rígidos quando recebemos convidados que demonstraram hostilidade recente.

— Percebi que, diante de sua superioridade bélica, nossa opinião se torna irrelevante. – Disse o eioiotai mais baixo da comitiva, com voz lenta e rouca. – Sou o senador Ueocoiei, e serei o representante do meu povo neste impasse.

— E eu sou o capitão Drtoplnov, da nave Kbxlawrt, do grande Reino Caliginoso de Wrtomlke. – Disse o outro alienígena, com a voz aguda abafada pela máscara. – E, a menos que o objetivo deste encontro seja nos torturar, peço que diminua a intensidade de suas luzes.

Shion assentiu com a cabeça e disse:

— Sigam-me, o capitão Vernon os aguarda.

A equipe de segurança escoltou os alienígenas até o deque 15, onde se encontraram com o capitão Vernon, o conselheiro Nhefé e o doutor Horvat, na sala de conferências que ficava abaixo da infraponte. Todos se cumprimentaram e ocuparam lugares ao redor da mesa oval, sendo que os representantes eioiotai e wrtomlke se sentaram em lados opostos, demonstrando visível antipatia. A luz foi reduzida a um terço do normal, para que o capitão Drtoplnov pudesse tirar sua máscara e revelar seu rosto redondo e seus olhos enormes.

— Sei que os senhores estão aqui a contragosto, mas espero sinceramente que entendam os meus motivos para tê-los “convocado”. – Começou o capitão. – Nós somos parte de uma federação composta por milhares de espécies e planetas, situada na Via Láctea, que tem como objetivo a exploração científica e o contato pacífico com novas civilizações.

— Atacar nossas naves não é o que eu compreendo como “contato pacífico”. – Disse Drtoplnov.

— Eu lhes garanto que nossas intenções são, unicamente, esclarecer a situação e estabelecer boas relações com seus povos. – Continuou o capitão Vernon, cruzando os dedos.

— Assassinando nossos embaixadores? – Disse o senador Ueocoiei irritado. – Eles representavam a esperança de uma trégua nesta guerra detestável que dizimou milhões de vidas ao longo do último século.

— Acreditem em mim quando digo que tudo isso não passou de um lamentável infortúnio. – Disse o conselheiro Nhefé, com voz firme. – Nossas intenções foram as melhores possíveis desde o princípio.

— Decidimos responder ao chamado de socorro que sua nave transmitiu, mas quando chegamos, ela estava prestes a explodir e não havia nada que pudéssemos fazer para impedir. – Continuou o capitão Vernon. – Fizemos contato com os oito tripulantes que ainda estavam vivos, que pediram para serem resgatados com uma nave auxiliar. Mas, como não havia tempo para isso, tomei a decisão de transportá-los a bordo.

— Transportá-los? – Perguntou Drtoplnov, estreitando a sua pequena boca.

— Eles alegam possuir uma tecnologia capaz de converter matéria em energia e depois novamente em matéria, permitindo o transporte instantâneo de pessoas. – Explicou o senador Ueocoiei, sem olhar diretamente para o capitão Drtoplnov. – Mas ao que me parece é um meio de transporte pouco seguro, pois custou a vida de oito pessoas do meu povo.

— Nós utilizamos os transportes há séculos e eles se mostraram confiáveis e seguros. – Disse Shion, mexendo as antenas.

— A ocorrência dessa fatalidade foi uma surpresa para nós e, por várias horas e sem sucesso, buscamos uma explicação para o fato. – Disse o capitão Vernon. – Contudo, esse mistério foi resolvido assim que os senhores vieram a bordo, e é por isso que meu oficial médico chefe, o doutor Rohit Horvat, foi convidado a se juntar a nós. Doutor, se puder explicar aos nossos convidados o que descobriu.

— Claro, senhor. – Disse Horvat. – Tudo começou quando desabilitamos seus escudos e pudemos efetuar algumas sondagens mais detalhadas da sua espécie. Eu buscava algo que não pude encontrar enquanto fazia o exame de necropsia, algo que explicasse a razão da morte aparentemente natural sofrida por eles após o transporte.

Os representantes do povo eioiotai ouviam atentamente, embora seus rostos expressassem desconfiança, e Drtoplnov apenas observava, sem demonstrar qualquer interesse especial.

— Inicialmente as leituras indicavam que todos os tripulantes das suas naves estavam infectados com algum tipo de patógeno contagioso, no entanto, curiosamente, todos pareciam em perfeita saúde. – Continuou o médico. – O que me levou a cogitar a hipótese de que este patógeno fosse, na verdade, um componente essencial para sua sobrevivência, o que pude confirmar quando os senhores vieram a bordo e eu repeti o estudo utilizando o conjunto interno de sensores.

— Os patógenos foram eliminados pelos biofiltros. – Disse Shion, entendendo o que havia acontecido.

— Precisamente, comandante. – Assentiu Horvat. – Nossos transportes são equipados com uma tecnologia de filtragem, responsável por eliminar qualquer ameaça biológica que possa ter sido transportada acidentalmente ou que tenha contaminado algum membro da tripulação. Infelizmente, embora seja essencial para o funcionamento de seus sistemas vitais e seja contagioso apenas para sua própria espécie, o patógeno em questão tem uma composição idêntica à de inúmeros micro-organismos nocivos em nossa galáxia. De fato, não há precedentes dessa forma de simbiose, e nossos transportes não são programados para reconhecê-la.

— Quer que eu acredite que nossos compatriotas morreram porque tiveram suas caoeai arrancadas acidentalmente? – Disse um dos representantes eioiotai.

— O que o doutor diz é a verdade, e eu peço que aceitem nossas desculpas pela fatalidade. – Disse o capitão Vernon, abrandando a voz. – Neste momento os corpos deles estão sendo levados ao hangar, para que vocês possam tratar deles como é o costume de seu povo. Além disto, meu engenheiro-chefe está atualizando nosso sistema de transportes enquanto conversamos, para que seja viável transportar indivíduos da sua espécie.

— Não sei se eu aceitaria ser desmaterializado pelo seu equipamento de transporte, capitão, mesmo que seu engenheiro-chefe diga que é seguro. – Disse o senador Ueocoiei. – E ainda que eu aceite sua versão dos fatos, resta pendente de explicação a destruição das três naves.

— Este é um mistério mais fácil de solucionar. – Disse Shion, com tranquilidade. – O sinal de socorro foi claro em dizer que sua nave estava sob ataque e, diante do cenário que encontramos e das assinaturas de energia, tudo leva a crer que as duas naves wrtomlke foram responsáveis pelo ataque. Ambas foram destruídas durante a batalha, é claro, mas não antes de provocar danos suficientes para condenar também a sua nave.

— Inaceitável! Não ouvirei acusações mentirosas contra meu povo. – Bradou o capitão Drtoplnov. – Também era de nosso interesse que os embaixadores chegassem ao grande Reino Caliginoso de Wrtomlke, pois muitos de nós anseiam pela trégua e até mesmo por um acordo de paz que dê fim à guerra.

— Um mal-entendido, talvez? – Sugeriu Nhefé. – Não é raro que informações desencontradas acabem levando a tragédias. Em situações de guerra é comum avistar uma nave inimiga e abrir fogo sem antes discutir quais eram suas reais intenções.

— Esta rota era a única, dentro de toda nossa grade fronteiriça de vigilância, que permitia passagem livre para naves da República Eioiotai, e unicamente para este fim. – Explicou Drtoplnov, com sua voz ainda mais aguda. – Acusar-nos de termos intencionalmente atacado a nave que nós mesmo convidamos é ofensivo e intolerável!

Enquanto o alienígena falava, Nhefé observou a reação dos representantes eioiotai e percebeu que o conflito entre aquelas duas espécies era tão profundo, que a desconfiança que tinham pelo seu inimigo era maior do que a que tinham pelos tripulantes da USS Iguaçu.

— Capitão, se me permite. – Disse Nhefé. – Eu tenho uma proposta a fazer.

— A vontade, conselheiro. – Falou o capitão.

— Pois bem. – Disse ele, em tom polido. – Posto que temos nesta mesa representantes de ambos os lados do conflito, inclusive um embaixador da República Eioiotai, o senador Ueocoiei, e que os senhores demonstraram genuíno interesse nos diálogos pela paz, proponho que nós escoltemos a comitiva do embaixador até o planeta natal do grande Reino Caliginoso de Wrtomlke, como demonstração de nossa boa vontade e como forma de prevenir que este incidente frustre as negociações de uma trégua entre seus dois povos.

Houve um longo silêncio na sala de conferencias, e o capitão teve que conter um sorriso que nascia no canto de sua boca. Por fim, o senador Ueocoiei falou:

— É uma oferta razoável.

— Razoável? – Retrucou o capitão Drtoplnov, irritado. – É evidente que estas pessoas ocultam suas intenções verdadeiras. Embaixador Ueocoiei, insisto que o senhor não deve confiar em nada do que dizem.

— Em momento algum ocultamos nossas intenções. – Disse o capitão Vernon, com firmeza. – Estamos aqui em uma missão de fazer contato amigável com outras espécies, e não vejo melhor maneira de cumprir essa missão do que contribuindo para o fim de uma guerra violenta. Eu aprovo inteiramente a proposta do conselheiro Nhefé e gostaria que a considerassem.

— E se não aceitarmos? – Perguntou Ueocoiei, embora fosse claro estava inclinado a aceita-la. – Atirarão em nossas naves e nos levarão à força?

— Se este for o caso, tem minha palavra que partiremos e os deixaremos em paz. – Disse o capitão Vernon.

— Não posso acreditar que esteja dando ouvidos a este alienígena! – Exasperou-se Drtoplnov.

— Se o interesse de seu povo pela paz for real, capitão Drtoplnov, então o senhor entenderia que não há mais motivos para hostilidades nesta sala, e que a proposta deste homem é perfeitamente válida – Retrucou Ueocoiei, com a voz ainda mais grave e rouca. – Pois, se estiverem mentindo, apenas minha vida e a de meus assessores estarão em perigo e, ao meu ver, nossas vidas são um preço baixo a se pagar na luta pela paz. Estou disposto a correr o risco se isso nos permitir manter a data das negociações como se nada tivesse acontecido. Nós sabemos que qualquer atraso levaria o senado de Wrtomlke a adiar o encontro por outros dois anos, o que custaria inúmeras vidas de ambos os lados.

Drtoplnov contraía sua boca diminuta freneticamente, visivelmente contrariado.

— Está bem, – Disse ele, por fim. – Mas esta nave deverá ser escoltada por uma frota assim que alcançar nosso sistema, pois, com o poderio que possuem, é vital para a segurança do grande Reino Caliginoso de Wrtomlke que eles sejam mantidos sob vigilância constante.

O senador Ueocoiei olhou para o capitão Vernon, esperando uma resposta.

— De acordo. – Disse o capitão, com um pequeno sorriso. – Agora que tudo foi acertado, ofereço minha equipe de engenharia para auxiliar no conserto dos danos que provocamos em suas naves, se assim desejarem.

— Não será necessário, capitão. – Disse Drtoplnov, ríspido.

— Agradeço, mas prefiro deixar os reparos à cargo dos meus próprios engenheiros. – Disse Ueocoiei, educadamente.

A reunião foi encerrada e assim que os reparos nas naves alienígenas foram finalizados, a USS Iguaçu partiu em direção ao planeta natal wrtomlke, carregando as comitivas dos dois povos.


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