Holmes e Watson: A Lenda do Homem de Chifres escrita por Max Lake


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Essa história eu escrevi ano passado (2019) para um grupo de amigos e segurei ela por um bom tempo. Quis publicar aqui porque sim.

Mas ela é especial por ser a primeira fic protagonizada pelo Sherlock Holmes que escrevi.



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A América cresceu muito desde a última vez em que eu e meu sócio, Sherlock Holmes, a visitamos. E considerando que o intervalo é sempre de um ano, sempre na mesma época, a primavera, era uma mudança deveras interessante. Não sei, a estética acinzentada dessa cidade dava um ar melancólico e sujo, pouco próspero. Não à toa Sherlock adorava visitá-la

—Olhe para o céu, Watson - ele alertou. Uma imensa torre estava em (re)construção, bem reta e gigantesca, aparenta ter uma letra sendo criada, algo com três pontas para cima.

—Magnífico - proferi. - Jamais imaginei que veria algo tão grande quanto a Torre Big Ben.

Sherlock riu do meu comentário e olhou para mim, ajeitando sua boina quadriculada.

—Não há nada tão grande quanto a Big Ben - retrucou.

Há de se explicar que jamais visitamos a América para aproveitar férias. Ao contrário, sempre há um caso a ser resolvido. Segundo rumores, há seis meses um homem chifrudo vem aterrorizando Gotham City. Interrogamos várias potenciais testemunhas. Holmes usou seu charme britânico, suas infalíveis técnicas de dedução e, admitiu, um pouco do golpe de sorte para arrancar informações. Tivemos muitos interrogatórios e descrever todos aqui seria desgastante, por isso escolhi dois que mais me chamaram a atenção.

O primeiro escolhido foi com Victoria Vale, jornalista do Gotham Gazette. Uma moça jovem, de longo cabelo ruivo, facilmente confundido com uma cor alaranjada. Usava um blazer amarelo por cima de uma camisa branca, ela apresentaria um telejornal dentro de 30 minutos, mas garanti que conversaríamos por menos da metade do tempo. Eu iniciei o diálogo.

—Como é o tal homem de chifres?

—Homem de chifres? - Descrever a reação facial que veio com a resposta seria redundante, já que a frase seguinte esclarecia perfeitamente o que eu descreveria. - Que tipo de absurdos vocês estão lendo na Inglaterra?

—Ele não tem chifres, então?

—Tem. E capa. E roupa preta. Um símbolo amarelo no peito. Ele é alto...

—Senhorita Vale, você sabe quem ele é - O tom da frase de Sherlock era incerto, não sei dizer se foi uma pergunta ou uma afirmação. Por isso não pontuei a frase.

—Se soubesse, seu nome estaria em todos os jornais.

Holmes assentiu com a cabeça, o mais interessante foi o olhar que me lançou após a resposta. Aquele olhar clínico que conheço há anos.

—Ele tem um nome oficial?

—A polícia o chama de Batman.

Victoria - ou Vicki, como nos pediu para chamá-la - nos conduziu ao acervo após a breve conversa. Separou várias cópias de jornais que mencionavam o tal Batman. O detetive Holmes não parou de olhar para uma manchete intrigante e, devo dizer, pouco reveladora. Era irônico que o título não mencionava um homem-morcego, mas sim um tenente do Departamento de Polícia de Gotham.

—Esse é o Tenente Gordon - explicou Vicki, também notando o interesse de meu sócio no jornal. - Chegou há alguns meses, tem trabalhado para capturar o Batman. Porém há quem diga que são parceiros.

Sherlock sorriu mais uma vez.

—Obrigado, senhorita Vale. Foi assaz útil.

O rosto dela demonstrou confusão. Expliquei-lhe o significado de assaz - bastante - e aí ela agradeceu também.

Não demoramos a ir para o Departamento de Polícia de Gotham a fim de conhecer a segunda testemunha mais importante da história e o segundo relato sobre o Batman aqui presente.

Foi interessante notar como as palavras "Scotland Yard" agitaram os policiais no DPGC. Curiosamente, o único sem agitação com nossa presença foi o tenente James Gordon, homem um pouco mais velho que Sherlock, de bigode castanho combinando com seu cabelo desarrumado. Seus óculos eram tão limpos que era possível ver nosso próprio reflexo. O tenente mastigava chiclete.

—Detetive Holmes. Doutor Watson - cumprimentou, cordialmente apertando nossas mãos. - Li muito sobre seus casos. O cão de Baskerville, um estudo em vermelho, aquele escândalo da Boêmia. A que devo a honra da visita?

—Batman - respondi, bem direto. - O que pode nos dizer sobre ele?

Gordon olhou para mim e deu de ombros.

—É só um maluco fantasiado de morcego. Se acha acima da lei. Um baderneiro.

—A criminalidade tem diminuído nos bairros com ações dele.

—Sim, a polícia está mais atuante.

—Tem certeza? - interferiu Holmes. A partir daqui, eu não falei mais. - Com homens tão corruptos?

Gordon o olhou intrigado, curioso com a acusação de meu parceiro.

—Como disse?

—Assim que entramos e nos apresentamos, os policiais se agitaram. Só há dois motivos para isso: Ou são fãs dos relatos do doutor Watson ou são corruptos e têm medo que a Scotland Yard venha interferir no departamento. Ninguém veio pedir autógrafo para nós dois, portanto são corruptos. Mas não são todos. Você, por exemplo, parece alguém bastante... Correto. E isso se concretizou quando disse que leu nossos casos.

—Obrigado. - Gordon parecia impressionado e, ao mesmo tempo, incomodado. Admito que às vezes Sherlock é bem intrometido com suas deduções. - É, tivemos problemas com policiais corruptos, mas já estamos resolvendo isso. Novos policiais estão sendo admitidos e outros são transferidos, assim desafoga o departamento e afastamos as maçãs podres.

—Compreendo. E também compreendo que, neste caso, o mal não surge da raiz, mas sim do topo. Acredito que o comissário responsável também seja corrupto.

Gordon não respondeu. Consegui notar alguns movimentos na face, como se quisesse confirmar a teoria de Sherlock, mas não pudesse.

—Li alguns jornais a caminho do DPGC e conheço dois nomes. - Holmes prosseguiu. - Sal Maroni e Carmine Falcone. É só um palpite, mas a julgar pela quantidade de Restaurante Maroni's que vimos pela cidade, é justo dizer que ele controla o comércio. Pelo menos, parte dele. O outro, Falcone, deve controlar a polícia, os políticos. Me baseei na placa lá fora dizendo que o departamento foi reformado com dinheiro do Falcone.

Sherlock fez uma pausa, analisando o rosto de Gordon. O tenente estava impressionado, admirado, qualquer adjetivo sinônimo a essas palavras que poderia imaginar. Não era para menos, ele estava testemunhando as famosas deduções de Sherlock Holmes.

—Continue. - Gordon cruzara os braços.

—Aí entra o Batman. Um baderneiro, maluco fantasiado, o que for, mas, acima de tudo, um cidadão cansado da corrupção de Gotham. De um lado, Maroni. Do outro, Falcone. Podemos julgar Maroni como um peixe médio, responsável pelo armamento ilegal. Pode ser detido depois. Gotham precisa ser salva de cima para baixo. Ou seja, políticos. Mais precisamente, Falcone, o chefe dos chefes. Derrubando Falcone, como fez há pouco tempo, muita coisa viria a público. O comissário seria descoberto, o departamento também. Vereadores, o prefeito, parte da promotoria.

—Onde quer chegar?

—Em você, tenente. - Gordon arregalou os olhos, surpreso. - Policial correto, sem sujeiras, comprometido. O anel denuncia essa parte. Largou o cigarro. Percebi por mascar chiclete e pelo jeito que segura a caneta. É pai de uma garota, super-protetor, está exalando um perfume feminino e infantil demais, levou ela para a escola e a abraçou na porta. Você não é contra o Batman. Pode não aprovar seus métodos de vigilantismo, mas prendê-lo não é sua prioridade, e sim do seu comissário. Se deixá-lo fugir, vai lamentar porque não sairão do seu pé, mas haverá outra oportunidade.

Ficou um silêncio depois que terminamos a conversa. Gordon pediu para que o acompanhássemos até o telhado. Já estava de noite, o tempo passa depressa quando estamos nos divertindo. Ventava bastante e conseguia ver uma parte considerável da cidade. O tenente nos apresentou a algo interessante. Era um holofote grande, circular, possuía algo preto no centro. Sem muitas cerimônias, Gordon o ligou e o céu se iluminou. Apesar de meio borrado, era possível ver um morcego iluminando a noite de Gotham. Por fim, apenas disse para esperarmos.

Não havia muito a conversar, a não ser sobre a Scotland Yard e nossa vida pessoal. O tenente se interessou pela polícia inglesa, mas interesses pessoais, não. Depois de cinco minutos de silêncio após o assunto da Yard, Sherlock fez uma pergunta deveras interessante sobre o 'Bat-Sinal'.

—Não se preocupa que criminosos possam vir aqui, se apossem do holofote e convoquem o Batman para uma armadilha?

—Nunca pensei nisso - comentou Gordon, que logo emendou uma pergunta. - Como conseguiu deduzir tudo aquilo?

Sherlock sorriu.

—Detalhes elementares, meu caro Gordon.

Ele concordou, quase sorriu também, mesmo que não tenha entendido o que significava a frase.

—Vou pegar um café. Querem?

Como bons ingleses, rejeitamos. Chá é a melhor escolha, sempre. Assim que a porta rangeu para fechar-se, Holmes me cutucou. Lá estava nosso caso, parado, imponente, aproveitando-se do vento para mostrar-se como uma figura misteriosa. Sherlock manteve um sorriso e eu quase soltei um "Uau".

—Sherlock Holmes, eu presumo - disse o Batman, com a voz rouca, bem mais alto pessoalmente do que as fotos de jornal indicavam.

—Como descobriu? - questionei, inconscientemente.

—O chapéu.

—Olá, Batman. - Sherlock esticou a mão para ele, mas foi ignorado e a recolheu. - Escolha interessante de fantasia. Preta, como a noite, útil para camuflar-se nas sombras e surgir sem ninguém notar. Acredito que a capa seja para planar, nenhum relato indica que tenha poderes como aquele Super-Homem de Metropolis.

O homem permaneceu sisudo e calmo, parecia nos analisar também. Sherlock não escondia a empolgação, parecia tão admirado quanto em suas atividades peculiares em Londres.

—Fantasiar-se de morcego também é uma escolha interessante - prosseguiu meu amigo. - Animal noturno, assustador. Pode ser uma escolha aleatória, mas acredito que seja a partir de algum trauma de infância. Quer impor medo começando pelo seu próprio medo. Interessante. A máscara é para proteger as pessoas ao seu redor? Ou para esconder sua tristeza por perder as pessoas ao seu redor? Tipo um órfão. Desesperançoso, que perdeu a inocência infantil juntamente com os pais. Hum... Essa fantasia e seus utensílios não são baratos, portanto um órfão bilionário, com treinamento em diversas artes marciais, para poder lutar contra o crime, ágil e silencioso como um ninja.

Novamente um silêncio frio como resposta. Definitivamente me convenci que Batman não gostava de falar, a não ser que o interessasse. Enquanto isso, o detetive Holmes se divertia.

—Sabendo quem eu sou, Batman, você também sabia que eu deduziria estas informações, por isso esperou o tenente sair para poder aparecer. Pode ser um homem com nada a perder, mas ainda precisa viver uma vida e o tenente é confiável, mas não o suficiente.

Holmes balançou a cabeça, confiante. Já Batman permaneceu quieto. Cinco palavras contra sei lá quantas, este foi o saldo da conversa. Sherlock olhou para o horizonte, não sei exatamente para onde. Tentei achar o que via, mas sem sucesso. Quando voltei o olhar, Batman desaparecera como viera: Silenciosamente.

—É, isso foi intrigante - comentei.

—Mais do que intrigante, caro Watson. Vamos.

O tenente retornou com um copo de café, mas já estávamos de saída. Gordon ficou confuso.

—Só uma pergunta antes de irmos. A quem pertence aquela torre? - Sherlock apontou para o prédio com a letra de três pontas.

—Pertence ao Bruce Wayne e à Wayne Enterprises. Por quê?

—Obrigado, tenente.

Pedi explicações assim que saímos do departamento. Estava tão confuso quanto o tenente. Holmes apenas sorriu.

—É mais fácil do que parece, John. O Bat-sinal não é a única forma que o Batman tem de expor sua identidade secreta. Ah, e corrija algumas coisas do seu texto. Morcegos têm orelhas, não chifres.

Assim encerramos o caso.


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Notas finais do capítulo

É isso! Espero que tenham gostado.

A intenção era para ser uma história curta, rápida e divertida, sem muita complexidade narrativa. Se quiserem uma história do Sherlock escrita por mim, mas um pouco mais elaborada e igualmente divertida, recomendo que leiam O Assassino da Meia-Noite :)

Até a próxima!