Os Jardins de Perséfone escrita por Nanquim


Capítulo 1
Jardins de Perséfone




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Draco Malfoy não conseguia se imaginar uma vida sem Theodore Nott.

Desde que ele conseguia se lembrar, Theodore havia sido uma parte de sua vida. Lucius e Aurelius tinham frequentes reuniões de negócios – quaisquer que estes fossem – e por alguma razão, Nott sempre levava o filho consigo. Nos encontros e bailes dos Sagrados 28, também, Theodore sempre podia ser encontrado no canto mais vazio do cômodo, ignorando todo o mundo enquanto brincava com as próprias mãos no colo, ou lendo algum livro que ele havia conseguido levar clandestinamente.

Ele era uma figura um tanto sinistra, Draco havia sempre achado, com seus olhos escuros como poços e seu jeito tímido. Seu sorriso era raro e ele às vezes conseguia se sentar tão absolutamente quieto que era fácil esquecer que ele estava ali; a maioria das pessoas frequentemente se esquecia. Mas Draco nunca se esquecia por completo; ele tinha um sensor, parecia, para Theodore. Se o Nott estava por perto, ele sabia.

Não muitas pessoas gostavam de Theodore Nott, entretanto. Ele notou isso quando eles foram para Hogwarts pela primeira vez. Os olhares, os sussurros. Eles o descreviam como esquisito, sinistro, sombrio. Ele parava imóvel demais, era bem-comportado demais, falava baixo demais, sorria muito pouco.

Seu sorriso era meio assustador, Draco tinha de concordar. Torto, ambíguo, nunca transmitindo muita emoção. Parecia-se com o tipo de sorriso que seu pai dava quando ele dizia algo estúpido. Mas ele sabia que Theodore nunca o acharia estúpido. E este não era o único sorriso que ele dava.

Havia outro. Tímido, secreto. Um sorriso que Draco nunca havia visto por completo; ele só ocorria à noite, sob a meia-luz das estrelas e da lua.

Eles sempre se encontravam na Torre de Astronomia. Nenhum dos dois conseguia dormir bem, não importava o quanto eles tentassem. Pesadelos e insônia constantemente tomavam conta de suas mentes assim que eles fechavam os olhos para dormir, eles geralmente acabavam desistindo de descansar e saíam para uma caminhada.

Então, se a Torre de Astronomia não estivesse sendo usada, Draco a ocupava e olharia as estrelas por um tempo. Não demorou muito para que ele notasse que não era o único que a usava – uma noite, ele simplesmente se deparou com Theodore, e pensou que ele não se importaria com um pouco de companhia. E de fato, ele não se importava.

Então, as noites eram passadas em uma calma quieta; um garoto em cada canto da Torre, meio ignorando a presença do outro, meio apreciando o fato de que não precisavam mais estar sozinhos. Logo, isso virou um hábito sem o qual Draco não conseguia dormir. De poucas noites por semana, ele começou a ir para a Torre todo dia, mesmo quando Theodore parecia estar dormindo em sua própria cama. No fim, ele sempre aparecia também.

As coisas começaram a mudar no terceiro ano.

Eles ainda se encontravam toda noite, mesmo contra todas as recomendações e ameaças apresentadas pelos professores e criminosos foragidos, mas algo havia mudado, mesmo que Draco não conseguisse exatamente entender o quê. Havia algo no sorriso de Theodore, algo no modo com que ele começara e não se isolar tanto na Torre, a chegar um pouco mais perto do que ele costumava, algo no modo com que ele olhava para Draco, quase como se não tivesse certeza de que deveria. Algo no modo como o coração do Malfoy começava a bater esquisito sempre que o Nott estava por perto.

Algo havia mudado, mas ele nunca poderia deixar alguém descobrir.

— Sabe, – Theodore disse uma noite, naquele tom de voz quieto que ele sempre usava. Sua voz começara a ficar mais profunda, e esse fato sempre mandava um arrepio percorrer a espinha de Draco. – Eu nunca consegui propriamente reconhecer uma constelação na minha vida inteira.]

Draco olhou-o com uma expressão incrédula.

— Você é o segundo melhor aluno de Astronomia.

Ele deu de ombros.

— Encontrá-las com um mapa em mãos é fácil. Encontrá-las do nada, sem nenhuma indicação ou direcionamento é... Bom, não tão fácil.

Malfoy passou uma mão pelo cabelo, chegando um pouco mais perto.

— Bom, para a sua sorte, o seu melhor amigo é o melhor aluno de Astronomia do terceiro ano...

— Eu achava que o Blaise odiava Astronomia. – Theodore disse. Draco paralisou-se por um momento, até notar a curva em seus lábios.

— Muito engraçado, Theodore Nott. Você tem outros dois melhores amigos, porém, deixe-me te lembrar.

Theodore riu – Draco não se lembrava de ter jamais ouvido sua risada em todos os seus treze anos de vida. Seu coração bateu um pouco mais alto do que deveria, e ele silenciosamente implorou às estrelas que não deixassem Theodore ouvi-lo.

— Ok, Professor Malfoy. – Theodore brincou – Mostre-me as estrelas.

***

Quando Theodore começou a fumar, no próximo ano, Draco sabia que as coisas não estavam boas para ele em casa.

Seu avô costumava fumar. Ele dizia que o acalmava. Era terrível para a saúde, e ele havia dito que Draco nunca deveria fazê-lo. Mas era a única coisa que o acalmava, às vezes.

— Te acalmar do quê? – Draco perguntara. Abraxas nunca respondera.

Então, quando Theodore começou a aparecer na Torre com um maço de cigarros – mentolados, ele havia especificado – e um isqueiro, Draco soube que as coisas estavam provavelmente ficando tensas em sua casa. Ele podia imaginar como e por quê; estava começando a ficar difícil na Mansão Malfoy, também.

Mas ele nunca perguntou. Ele sabia que estava ruim. Não sabia quão ruim, ou como Theodore havia conseguido aqueles cigarros – apesar de que, a bem da verdade, Theodore conseguia praticamente tudo o que quisesse, porque Aurelius e Agatha Nott simplesmente não se importavam muito; contanto que não os aborrecesse, ele podia fazer o que bem entendesse.

Portanto, Draco nunca perguntou. Ele simplesmente parava ao seu lado – eles ficavam ombro a ombro agora, seus braços se tocando – e aproveitava o cheiro esquisito que lembrava-lhe de seu avô, e uma das únicas três presenças naquele maldito castelo que o faziam se sentir bem.

— Quer um?

A voz o tirou de seus pensamentos. Ele se virou e inesperadamente encontrou a escuridão das íris de Theodore olhando bem dentro das suas próprias. Engraçado; ele nunca havia reparado, mas havia uma certa cor interna a elas, uma luz sombria que parecia quase roxa. E elas refletiam a luz das estrelas mesmo que ele não estivesse mais olhando para elas. Eram tão profundas, como dois poços refletindo o distante céu noturno. Ele poderia olhá-las para sempre.

— Hã... Sim. Valeu. – ele forçou sua voz a sair. Soava pequena e patética, quase infantil. De súbito, ele estava dolorosamente consciente que a voz de Theodore já havia começado a mudar, e a de Blaise, e até a de Potter. E ele ainda tinha aquela voz pequena e infantil; ele se sentia tão patético.

Theodore entrgou-lhe o cigarro, e ele o pegou com algo que era quase medo – do quê, ele não sabia. Mas sua garganta pareceu fechar quando ele o levou as lábios e acendeu.

Engasgou-se.

Fumaça tinha um gosto tão estranho. Tão mais amargo do que o gosto. Ele imediatamente engasgou, tossiu, e tinha certeza de que parecia um perfeito idiota. Seu instinto era de pular da Torre só para evitar ter de olhar para Theodore. Mas o outro apenas sorriu. Não o sorriso torto e zombeteiro que o fazia parecer um psicopata, mas um sorriso tímido e encantador que ele dava... Bem, nunca. Draco nunca o havia visto – o que era uma pena, porque ele tinha certeza de que era a coisa mais bela no Universo.

— Aqui. Deixe-me mostrar.

A fumaça tinha um gosto bem mais doce quando soprada dentro de sua boca.

Ela logo se tornara incapaz de dormir sem um cigarro. Toda noite, depois do jantar, ele e Theodore subiam diretamente para a Torre e acendiam um cigarro cada. Quando ele lhe oferecia um, seus dedos sempre se tocavam, e Draco tinha certeza de que estava vivendo por aquele milissegundo quando podia sentir o toque de Theodore sem se sentir culpado por isso.

Ele se perguntava como poderia viver sem isso durante as férias de verão.

***

Acabou que ele não precisou sobreviver muito.

Aquele-Que-Não-Deveria-Ser-Nomeado – ou ele deveria chamá-lo de Lorde das Trevas, agora? – estava agora vivendo na Mansão Malfoy. Nenhuma explicação fora dada; ele apenas chegara em casa para encontrar aquela cria de humano e serpente, careca, cruel e sem nariz, parada em sua sala de estar como se fosse o rei do Reino Unido.

Ele já sabia que ele estava de volta, é claro. Potter havia feito questão de contar a todos sobre isso, e sua mãe havia mencionado algo sobre “o antigo mestre de seu pai” estando de volta, mas ele havia pensado que ele tinha algum covil maligno em algum outro lugar, onde ele poderia se esconder e planejar o assassinato de um míope de quinze anos em paz.

Aparentemente, não. Ele não tinha um covil do tipo. Ou melhor, tinha. E ele só acontecia de ser sua casa.

Havia um lado bom, entretanto. Enquanto os rumores do retorno deo Senhor das Trevas se espalhavam, algumas pessoas haviam começado a investigar os nomes que Potter havia insistido estarem no cemitério.  Assim, Aurelius Nott estava tendo dificuldades em fazer o que quer que o Lorde das Trevas queria que ele fizesse em segredo. A solução foi mudar a família Nott para a Mansão Malfoy, onde eles poderiam ser supervisionados, e ninguém poderia segui-los.

Sua vida estava se tornando um verdadeiro inferno, mas pelo menos Theodore estava lá para vivê-lo com ele.

Eles passavam os dias em seu quarto, conversando, lendo, ou – quando não tinham mais palavras – fumando em silêncio, assistindo os pavões lá embaixo.

— Por que vocês têm pavões?

Era na verdade uma boa pergunta.

— Bem, pavões são caros.

— Então, apenas para ostentar?

— Esses têm dentes afiados e poderiam matar um intruso em, tipo, dez minutos. Mas é, mais para ostentar.

— Seu pai é patético.

— O seu também.

Havia algo inerentemente bom em falar a verdade sobre as suas famílias em um tom tão leviano. Como tirar uma mochila pesada que havia sido carregada por tanto tempo que havia sido esquecida. Draco havia sempre pensado que Lucius era cruel e em geral uma pessoa horrível, mas nunca havia permitido-se vê-lo como alguém superficial e, sim, patético, até Theodore apontá-lo como tal. Talvez fosse apenas uma questão de pensar sobre isso do exterior.

Enquanto os dias de verão passavam, a presença de Theodore se tornou menos uma coisa da qual Draco estava sempre consciente, e mais algo que parecia apenas certo, como o som de seu coração batendo. Era impossível encontrar um sem o outro, e os adultos pareciam achar o fato maravilhoso – o Lorde das Trevas não tinha paciência para lidar com ninguém que não estivesse diretamente envolvido em seu plano para matar Potter, Aurelius e Agatha odiavam crianças, Lucius odiava todo mundo que não fosse o Lorde, e Narcissa raramente expressava qualquer emoção.

Draco sentia-se mal por sua mãe, mas sempre que ele tentava passar tempo com ela, ela o mandava embora, dizendo que ele deveria encontrar algo melhor para fazer do que tentar tomar conta dela. Ele sabia que ela tinha medo de algo, mas simplesmente não conseguia pensar no que poderia ser tão assustador sobre eles passarem tempo juntos.

— Talvez ela tenha medo que a Cobra vá te usar para chegar a ela, po algum motivo. Ao te afastar e fingir que não se importa, ela está te protegendo. – Theodore sugeriu. Ele chamava o Lorde das Trevas de “a Cobra” porque ele se parecia com uma, e eles não queriam ninguém ouvindo a conversa e percebendo que eles estavam falando merda do bruxo sombrio mais poderoso da Europa.

— Mas não é óbvio que ela se importa comigo? Tipo, não é automático – que toda mãe ama seu filho?

— Nem sempre. – a voz de Theodore soou baixa e amarga; Draco mordeu o lábio inferior, xingando-se internamente e tentando não olhar para a cicatriz fina e pálida em seu rosto, de todas as vezes que Agatha o havia acertado com seu anel e cortado sua pele.

— Sabe, eu acho que a gente tem passado muito tempo dentro de casa. – ele comentou, tentando mudar de assunto depois de uma pequena pausa – É verão, afinal de contas.

Theodore ergueu uma sobrancelha.

— Onde você quer que a gente vá? Eu sei que você gosta de dizer que vive em Londres, mas não é como se a cidade estivesse na esquina.

— Ainda é considerado território londrino. – Draco o calou – Mas eu estava pensando, sabe, nós temos uma mata no quintal. E tem uma... Clareira... Lá. Não é muito, mas os elfos domésticos não vão ficar entrando a cada cinco minutos perguntando se precisamos de algo. E tem sol. Nós poderíamos ir depois do café e voltar pela hora do almoço. Aí já é quente demais para ficar lá fora, de qualquer jeito.

Nott pareceu considerar a ideia por um momento. Como se estivesse pensando em todas as coisas que poderiam dar errado. Então deu de ombros.

— Parece um plano.

O céu estava escuro e frio e uma brisa irritante pssava pelas folhas, entrando em suas vestes e lembrando-lhes de que estavam na Inglaterra, e que o tempo não fazia muito sentido.

Para Draco, o dia estava perfeito.

Theodore caminhou ao seu lado enquanto eles percorreram o um quilômetro que separava a entrada do bosque e o seu centro. A trilha era muito estreita, e seus braços se tocavam, seus dedos ficavam se entrelaçando quando eles se moviam. Seus passos ecoavam nas orelhas de Draco tão alto quanto seu próprio coração e o farfalhar das folhas.

Quinze minutos depois, eles pararam nos limites do Jardim.

Estava terrivelmente abandonado, é claro, e as plantas eram uma bagunça sobrecrescida. Mas ainda era o jardim.

As tulipas estavam altas como uma parada de sinos atrás das – por enquanto – rosas cor-de-rosa, e a lavanda se erguia no meio dos laços da rainha Anne. Sementes de dentes-de-leão derramavam-se ao vento sob debaixo do alto tapete de flores. De lado, o banco estava um pouco mais enferrujado do que ele se lembrava, mas ainda posicionava-se orgulhosamente no meio da bagunça arco-íris, uma árvore de jasmins logo atrás dele.

Sua análise mental do Jardim foi cortada pela metade pelo suspiro de Theodore.

— É lindo. – disse, respirando fundo. Malfoy sorriu e assentiu em concordância.

— Vovô costumava me trazer aqui quando a casa ficava muita coisa. – ele disse, ainda olhando as flores que haviam colorido sua infância e o assistido crescer – É encantado, eu acho, para que as plantas nunca morram. Ele o chamava de Jardins de Perséfone. O só o Jardim.

— Perséfone, que nem sua avó?

Ele assentiu. Sua avó havia morrido muito tempo antes de Lucius sequer chegar a Hogwarts, mas ele quase sentia como se a conhecesse, de todas as histórias que seu avô o havia contado sobre “a mulher mais impressionante que já existira”.

— Ele o construiu para ela quando eles noivaram. Eles se casaram aqui.

— Parece o cenário de um conto de fadas.

Draco riu, concordando. Theodore andava em volta, tentando não pisar em nenhuma planta, olhando as milhões de cores que o rodeavam. Malfoy não conseguiu evitar perceber quão adorável ele parecia, tentando olhar para tudo ao mesmo tempo – quase como ele próprio na primeira vez que fora ali.

— Vovô costumava dizer que as flores eram mágicas. Elas assegurariam que qualquer casal que as visitasse seria feliz para sempre.

Theodore se virou. Pétalas e sementes haviam se pegado às suas calças, e agora havia um besouro em seu ombro. Seus olhos refletiam todas as cores como um espelho escuro, criando um arco-íris sombrio que só poderia ser descrido como hipnotizante. Seus lábios se curvaram em um sorriso doce, e Draco sentiu seu coração derreter.

— Tem uma borboleta no seu cabelo. – Theodore lhe informou

**

Falar com Theodore estava rapidamente se tornando desnecessário.

Draco havia sempre entendido suas expressões e humores bastante bem, mas na medida em que os dias passavam e eles se mantinham sempre imersos em sua pequena bolha privada, palavras se tornavam um desperdício de fôlego, já que um simples olhar ou gesto já parecia transmitir tudo o que havia para dizer. Não havia necessidade de verbalizar nenhum pensamento quando seus olhos já diziam tudo. Antes da metade de agosto, a única coisa que eles falavam um para o outro era “bom dia” e “boa noite”, e apenas porque eles sentiam falta de suas vozes.

Qualquer segundo passado sozinho parecia vazio, quase sem sentido, e Draco sempre se encontrava ansioso por sentir a presença de Theodore de novo. Ele nunca havia notado quão faminto estava por qualquer forma de afeto até que Theodore lhe dera um pouco. Às vezes, ele temia ser muito patético, carente. Que tudo estivesse apenas em sua mente e Nott nunca se sentiria da mesma forma. Ele estava quebrado, pensava, sentindo coisas que ninguém jamas deveria sentir.

Mas então Theodore sorria, ou ria, ou lhe entregava um cigarro e permitia que seus dedos se demorassem em sua pele, e borboletas enchiam seu estômago todas as dúvidas se desfaziam.

A perfeição de Theodore lhe confundia. Ele era inteligente demais, bonito demais, bondoso demais. Draco simplesmente não entendia como alguém tão perfeito poderia existir. Mas lá ele estava, bondoso e doce e inteligente e sombrio e gentil. Theodore Richard Nott.

— ‘Tá  pronto pra amanhã? – ele perguntou, interrompendo os pensamentos de Draco. Sua voz não era mais do que um sussurro, como sempre, mas ele podia senti-la ecoando em suas veias.

Era a noite de 31 de agosto. No dia seguinte, eles acordariam cedo e pegariam o Expresso de Hogwarts para outro ano de... Ele nem sabia o que esperar da escola, mais.

— Eu não sei se eu jamais estarei pronto para Hogwarts. – respondeu com um suspiro – Odeio deixar mamãe sozinha. E pra ser sincero, ter que conviver com outras pessoas não é um pensamento legal, também.

Era bastante tarde. Eles haviam se esgueirado para fora depois do jantar, e isso havia sido duas horas e meia antes. Ele se perguntava se eles voltariam para dentro antes do raiar do dia, ou se simplesmente cairiam no sono no Jardim e ficar por lá. Se dependesse dele, nunca deixariam o Jardim de novo.

O silêncio havia se instalado ao seu redor novamente, como se nenuma palavra houvesse sido pronunciada. Distraído, observava uma mariposa branca rastejando sobre as rosas – bordô, agora – como uma sombra passa diante da lua. Ele tinha deitado a cabeça sobre o ombro de Theodore, e o cheiro misto de morango e café preenchia seus sentidos. Ele provavelmente cheirava igual; ambos haviam comido muito bolo na sobremesa.

— Se nós fôssemos morrer amanhã... – Theodore começou, em um tom pensativo. Draco riu e ergueu a cabeça, encarando-o.

— Pelo vestido de cetim de Nimue, Nott, você está com um bom humor...

— Se nós fôssemos morrer amanhã, – ele insistiu. Malfoy assentiu e acendeu um cigarro, deixando-o continuar – e você só tivesse hoje à noite, o que você faria?

— Como assim? – perguntou enquanto assoprava a fumaça, só para ouvir sua voz de novo. Nott não pareceu perceber, ou desviar seu olhar das estrelas.

— Bem, você só tem, tipo, oito horas de vida. Como você passa elas?

Beijando você, Draco pensou, mas não disse. Tomou outro longo trago e tentou pensar em outra coisa.

— Me despediria de Mamãe. E então... Não sei... Passaria o resto da noite tocando piano, acho. É um bom jeito de dizer “adeus” à vida, penso.

— É, suponho que sim. – Theodore suspirou, encarando as lilases roxas como se estas tivessem quebrado seu coração. Draco o encarou pensando, só pensando, no que se passavam em sua mente. E como diabos alguém poderia parecer tão lindo e tão triste ao mesmo tempo.

— E você? – finalmente juntou coragem o suficiente para perguntar – O que você faria com as suas últimas oito horas de vida?

— Me juntaria a você na sala de música, acho. – ele respondeu em voz baixa, quase um sussurro – Eu poderia tocar o violino; nós poderíamos compor um triste “adeus” ao mundo juntos.

Draco queria dizer algo, mas não havia nada mais a ser dito. Nada que importava. O problema com Theodore era que não importava quão próximos eles fossem; ele ainda podia ser um bastardo misterioso e ilegível quando queria, e isso às vezes era um problema. Mas Draco sabia que algo o incomodava – e ele ia descobrir o quê.

— Nenhuma despedida? – perguntou, engolindo saliva antiga.

— De quem eu me despediria? – ele exalou, pesadamente, soprando fumaça para seus sapatos – Meus pais adorariam me ver partir. Pansy e Blaise estão distantes demais para serem alcançados a tempo. Não, não. O mundo é o úncio de quem eu poderia me despedir. Bem, além de...

Gesticulou vagamente com seu cigarro. Draco se perguntou se ele estava falando sobre o Jardim ou outra coisa. A pergunta ficou em sua garganta por um longo tempo antes que ele conseguisse fazê-la.

— Além do quê?

Theodore olhou-o, soprando fumaça pelo canto da boca. O cigarro estava quase apagado, agora, e ele tomou o tempo de apagá-lo completamente em sua bota antes de responder.

— Você. Obviamente.

Ah.

Seus olhos se encontraram. Draco permitiu-se admirar aqueles olhos que haviam visto tanto. A velha cicatriz que ele havia assistido sangrar tantas vezes no passado. Ele olhou para a escuridão de seus olhos, suas mãos inconscientemente procurando as dele, segurando-as firmemente.

O ar cheirava a cigarro e menta. As frágeis nuvens que haviam resistido a semana inteira finalmente desistiram, gotas frias explodindo de leve contra sua pele. As folhas farfalhavam com um punhado de borboletas e uma dúzia de mariposas se arrastando freneticamente sobre elas, incomodadas pela chuva. Os lábios de Theodore tinham gosto de café.

**

Hogwarts foi um caos ainda pior do que o esperado.

Umbridge conseguira transformar o que já era um pesadelo em um inferno na terra. Regra sobre regra, ela havia tornado impossível para os estudantes terem qualquer liberdade. Sua nova posição como Monitor da Slytherin garantiu a Draco um lugar na Brigada Inquisitorial – um posto que ele não queria realmente, mas pareceu-lhe errado recusar. Os N.O.M’s estavam se aproximando um pouco rápido demais, e eles estavam totalmente despreparados, porque sua professora de Defesa Contra as Artes das Trevas – a própria Umbridge – era o mais inútil sapo rosa existente.

Ao menos ele sabia que não era o único tendo problemas com isso. Pansy havia sido nomeada Monitora com ele, então ela estava presa na Brigada ao seu lado – ele tinha, portanto, ao menos um amigo para quem se voltar quando algo terrivelmente estúpido era dito ou feito. Blaise não havia sido convidado e era grato por isso. Tentar conseguir N.O.M’s suficientes para uma carreira política já era difícil o suficiente sem ter que seguir Potter por aí para tentar desmascarar seu grupo de estudos “ilegal”

Theodore havia sido ofertado uma boa posição na Brigada – capitão da coisa toda, na verdade – por nenhuma razão aparente além do fato de que Umbrdige parecia gostar muito dele. Ela lhe oferecia a posição constantemente, então ele encontrara tantas crianças quanto possível que precisassem de ajuda – em todas as quatro Casas – para não poder aceitar qualquer posição na qual ela quisesse enfiá-lo. Ele tinha, por sua vez, quase nenhum tempo para estudar por si mesmo, mas estava muito dedicado a evitar e irritar Umbridge para se importar.

Mesquinheza Slytherin em seu auge, como Pansy havia brincado.

Como se Hogwarts não estivesse ruim o suficiente, Draco sabia que havia problemas em casa, também. Piores que o usual. Em suas cartas, sua mãe sempre lhe assegurava que não havia nada com o que se preocupar, e que tudo ia bem. Nenhum problema. Mas ele podia ver em sua caligrafia que sua mão estava trêmula. E sua despedida estava sempre borrada e manchada com lágrimas. Dormir estava rapidamente se tornando ainda mais impossível do que antes.

Theodore era a única coisa boa em todo aquele caos. E mesmo isso lhe partia o coração.

Seus sorrisos eram sombrios e tortuosos de novo, tão diferentes dos tímidos e caloroses aos quais ele se acostumara durante o verão. Seus olhos eram poços fundos e escuros que refletiam apenas a luz das estrelas. Era tão lindo quanto sempre, mas Draco sentia falta do arco-íris que ele refletia no Jardim.

Seus lábios sempre tinham gosto de café.

Draco ainda sentia-se culpado, às vezes. As palavras de Lucius ecoavam no fundo de sua mente, sussurrando à noite, lembrando-lhe do quanto ele estava manchando o nome da família, a vergonha que ele era para os Sagrados 28, e portanto para toda a sociedade bruxa. Ela murmurava palavras cruéis em um tom vil e fazia a culpa borbulhar na boca de seu estômago até ele sentir que ia vomitar.

Até que Theodore o tocava, ou sussurrava algo doce em seu ouvido, ou beijava sua bochecha; o mundo então se tornava um borrão e Theodore virava a única coisa que realmente importava. Ele logo tinha mais e mais certeza de que uma vida sem Theodore Nott não era uma que valia a pena viver.

O verão foi ainda pior que a escola, o que parecera impossível.

Luicius estava na prisão. Draco queria culpar Potter, mas ele sabia que não deveria. Não podia. A única pessoa que ele podia realmente culpar era o próprio Lucius – ele e sua estupidez em seguir ordens cegamente. Ele não deveria se surpreender, é claro. Seguir ordens era a única coisa na qual Lucius era realmente bom, além de ser um covarde.

Draco não teria se importado muito com isso, se “ser um Comensal da Morte” não fosse uma ocupação familiar que passava de pai para filho. Lucius havia falhado em servir bem Lorde das Trevas, então agora era a vez de Draco tentar – e certamente falhar.

Todos faziam aquilo parecer uma escolha e uma honra, mas Draco sabia melhor do que isso. Lucius havia se provado demasiadamente fraco e inútil, então agora Draco precisava compensá-lo. Ele tinha de aceitar a Marca, se não sua família – ou seja, sua mãe – pagaria o preço.

Aquele havia sido seu pior pesadelo há anos. Ele havia assistido a reação de Lucius quando a Marca começara a doer, e visto como ela se arrastava e contorcia em seu antebraço, como uma verdadeira serpente sob sua pele. Ele não queria aquilo em seu braço. Não queria matar Dumbledore. Ele só queria pegar sua mãe e seus melhores amigos e sair da droga do país.

Ao invés disso, ele se manteve ereto e orgulhoso em sua própria casa. Dobrou sua manga e deixara-os Marcaram-no como um deles. E ele assistiu a tinta queimar suas veias e causticar sua pele, e sua pele coçou e se revirou ao ser machada para sempre. E ele fingiu orgulhar-se dela. Como se não doesse. Como se ele não quisesse vomitar apenas ao olhar para ela.

 Foi apenas horas mais tarde que ele se permitiu chorar. Permitiu-se afundar o rosto nos travesseiros, confiando que eles abafariam o som opressivo de seus soluços, e a serprente se contorcia e se enroscava e queimava.

— Shh, ‘tá tudo bem. – a voz de Theodore parecia acalmar a cobra. Seu toque fazia a dor se desvanecer. E seu calor familiar parecia certo quando tudo mais parecia errado. – Eu estou contigo. ‘Tá tudo bem. Eu sei que dói. Eu estou bem aqui, meu anjo. Pode chorar. ‘Tá tudo bem.

Nenhum dos dois dormiu aquela noite.

**

O lado bom em serem as duas únicas crianças na Mansão era que ninguém parecia ligar para o que eles faziam. O Lorde das Trevas queria que ele matasse Dumbledore, mas ele podia se importar menos se Draco estava ou não nas reuniões, então eles fugiam para o Jardim e passavam o dia inteiro lá, fumando mentolados e queimando luz do dol em beijos tímidos e promessas semi-vazias.

— Você acha que algum dia vai melhorar? – Theodore perguntou numa noite. Estava frio e tempesteado do lado de fora, então depois do jantar eles haviam de enfurnado no quarto de Draco com chá e chocolate quente e só observaram os olhos um do outro como eles costumavam fazer.

— Não. – Draco encolheu os ombros, tomando um gole de chá. Não havia sentido mentir.

— Você acha que é isso, então? Nenhum futuro para nós, só... Continuar assim, nos encontrando pelas costas de todo mundo, até nos casarmos com garotas sangue-puro pré-aprovadas pelos nossos pais? Ou ter um caso? Nunca tendo um futuro de verdade, só o aqui e o agora?

— É. – a palavra pareceu queimar seus lábios ao deslizar por entre eles.

O silêncio caiu como um pesado tapete de neve ao seu redor. Draco continuou encarando os olhos de Theodore, sentindo os seus próprios arderem. Theodore enxugou suas lágrimas, cuidadosamente; seu toque e sua voz sempre tão gentir, seus olhos sempre tão profundos.

— Sabe, a gente poderia só... Fugir. Pegar as nossas coisas e sair pela janela. Não é como se ninguém fosse perceber – ou se importar. Você poderia acordar sua mãe, ela poderia vir com a gente. Poderíamos passar na casa dos Parkinsons e pegar a Pansy, é claro. Encontrar Blaise – sabe, Athena tem um plano para tirar os dois do páis sem ninguém notar. Ou a gente podia ir para a França – seu avô não te deixou uma casa lá? A gente podia ir lá. Podia viajar o mundo. Você não sempre quis ver coisas? Vamos ver coisas. Vamos fugir e viver. Só nós. Vamos ser felizes ao menos uma vez.

Draco deu um sorriso. Triste e amargo como apenas os sorrisos de Theodore costumavam ser. Ele sentiu uma necessidade absurda de abraçá-lo firmemente e beijá-lo até a noite acabr, mas não o fez. Apenas soluçou, em silêncio. Seu chá estava certamente salgado, agora, pois suas lágrimas caíam diretamente dentro da xícara, apesar dos esforços de seu namorado em secá-las todas.

— É isso o que você quer fazer? Fugir e ver o mundo?

— Não seria perfeito? Poderíamos ficar juntos para sempre, e ninguém nunca poderia nos parar. Poderíamos ser livres. Poderíamos ser felizes.

— Você acha que existe felicidade para pessoas como nós?

Sua voz, ele sabia, soava maravilhada. Ser feliz – especialmente com Theodore – nunca cruzara sua mente como uma possibilidade real. Ele sempre achara que sua vida estava condenada a ser tão chata e cinzenta quanto a de seus pais; quase sem vida. A ideia de que alguém poderia pensar diferente soava quase absurda.

Theodore o encarou com uma expressão confusa e olhos magoados. Suas próximas palavras foram bastante quietas.

— O que você quer dizer?

— Você sabe. – Draco olhou para baixo, para o líquido escuro em sua xícara. A próxima palavra custou a sair por seus lábios; a vergonha a estava impedindo. – Quebradas.

Theodore permaneceu em silêncio por um tempo. Quando seus dedos gentilmente tocaram o queixo de Draco, eles estavam mornos. E ele olhou para cima.

— Nós não estamos quebrados, meu anjo. – ele disse em uma voz suave. Seus olhos não estavam mais magoados; apenas gentis. Seu polegar acariciou gentilmente sua bochecha, quase nervoso. – Nós somos apenas... Livres. Eu sei que é difícil acreditar nisso, mas eu te prometo, meu anjo, que vai ficar tudo bem. Nós vamos ficar bem.

Seus lábios tinham gosto de chocolate quente, desta vez.

Draco afundou-se em seus braços, sentindo cada célula em seu corpo queimar sob seu toque, cada fôlego ser tomado em beijos. A pele de Theodore parecia quente demais contra a sua própria, sua respiração alta em seus ouvidos. Caiu no sono ainda sentindo o gosto de sua pele contra seus lábios, e acordou com seu peso confortável em seu peito.

**

Aquele ano se passou como um borrão.

Cada segundo era de agonia, enquanto a cobra se arrastava sob sua pele e fazia seu corpo inteiro queimar. Cada tentativa de matar Dumbledore e completar sua missão se revelava um fracasso, e resultava em ele se escondendo na Sala Precisa, soluçando e assistindo o Lorde das Trevas tortursr sua mãe por horas a fio.

“Não falhe de novo”, ele sussurrava antes de libertá-lo.

Mas ele o fez. Falhou de novo e de novo e de novo e ele nunca parecia conseguir. Uma maldição imperdoável, um colar amaldiçoado, uma garrafa envenenada... Nada. Nada parecia chegar a Dumbledore, nada parecia funcionar.

Quando Potter o acertou com o Sectumsempra, ele pensou que ia morrer. E a única coisa na qual conseguiu pensar foi “justo”. Não um jeito nobre de morrer, mas provavelmente melhor do que ele merecia. E mais misericordioso. O mundo escureceu ao seu redor e ele caiu até a Mansão Malfoy.

O Duelo do Banheiro, como Blaise o havia chamado, havia sido muitos meses antes, mas às vezes ele se esquecia disso. Tantas coisas haviam acontecido desde então – Dumbledore havia morrido, por exemplo –, mas às vezes sua mente simplesmente se entorpecia e apavaga tudo aquilo. Sempre que ele se olhava no espelho e notava as cicatrizes cruzando seu peito, sua mente se entorpecia, e subitamente, e estava caindo de novo. De volta ao banheiro feminino do segundo andar de Hogwarts. Caindo. Sempre caindo. Alguém estava gritando – Elizabeth? – e mãos frias estavam pressionadas contra seu peito, tentando estancar o sangue. Mas como alguém poderia estar pressionando seu peito? Ele estava caindo. Estava sempre caindo.

Falhando.

E ele continuou a cair até estar de volta a Hogwarts.

Desta vez, ele arrastava seu corpo pelos corredores, sentindo o peso do mundo em seus ombros. Seu braço continuava a doer, mas ele estava tão entorpecido que quase não o sentia. Mantinha-se acordado à noite, ouvindo os grtios das crianças que estavam sendo torturadas nas masmorras ao redor, e sentindo-se culpado por tudo aquilo.

Uma parte dele queria voltar no tempo quando seu maior medo era ser pego namorando um cara. Este ainda era meio que o seu maior medo, mas agora ele se encontrava em um constante estado de alerta, tentando se certificar de que ninguém dissesse a coisa errada durante a aula. Ajudando os alunos do primeiro ano a aprenderem como fingir serem torturados para que os mais velhos pudessem apenas fingir torturarem-nos sob a vigia dos Carrow. Ensinando aqueles que estavam tendo dificuldades para que eles pudessem se recuperar e não serem torturados no fim da aula. Distraindo os Monitores que estavam chegando muito perto da nova Armada de Dumbledore.

Mas os gritos contirnuavam a ecoar pelas masmorras, mantendo todos os sonserinos acordados. Enfurnados na sala comunal, prontos para receber e ajudar aqueles que haviam sido mandados para o castigo. Ele sempre se certificava de estar próximo dos amigos, sempre temendo o dia em que seria seus gritos que ele ouviria. Arranhando seu antebraço à noite durante os pesadelos, ele arrancava sua pele e acordava coberto de sangue, sempre temendo descobrir que não era o seu próprio.

Os rumores sobre Potter eram discutidos a meia-voz. Ninguém falava sobre isso em voz alta, mas todos sempre sabia sobre quaisquer notícias que haviam sido reveladas sobre O Escolhido; eles se reuniam em partes escondidas do castelo para escutar o Observatório Potter e impedir uns aos outros de desistirem. Draco certificou-se de discretamente revelar para toda a escola de que ele havia escapado aos Comensais da Morte naquela Páscoa e estava agora agindo em um plano para derrubar o Lorde das Trevas de vez. A esperança nos olhos de seus colegas era a única coisa que o mantinha vivo.

Até mesmo pensar em Theodore era um peso em seu estômago, agora. Eles ainda estavam juntos, e geralmente dividiam a cama à noite, mas cada dia que passava era um dia mais próximo do fim de tudo aquilo. Theodore havia recebido uma carta em outubro; seus pais estavam felizes em lhe dizer que já haviam acertado seu noivado com Daphne Greengrass. Quanto a Draco, o próprio Snape lhe informara que Lucius e Patrick Parkinson haviam chegado a um acordo, e seu casamento com Pansy ocorreria no dia primeiro de julho, na Mansão Parkinson.

Ele não tinha ilusão alguma sobre o motivo para tanta pressa – eles haviam sido muito óbvios. As pessoas haviam percebido o longo tempo passado atrás de portas fechadas, os sorrisos, talvez alguma marca que eles não tivessem notado. Eles sabiam. Provavelmente sobre Pansy e Blaise, também. E agora se apressavam em fazê-los todos terminarem e mostrar ao mundo – e ao Lorde das Trevas – como eles eram bons garotos, normais, e como Pansy era uma mulher honrada que nunca mancharia sua linhagem perfeita – e ela própria – com um homem mestiço, bastardo e negro.

Lá se vai o “felizes para sempre”, ele pensou. Lá se vai “ser feliz ao menos uma vez”.

— Talvez serpentes não tenham finais felizes. – Pansy murmurou com olhos secos.

**

As palavras de sua melhor amiga continuavam a ecoar no fundo de sua mente enquanto ele corria pela escola, tentando não tropeçar nos corpos caídos no chão.

“Talvez serpentes não tenham finais felizes”.

Ele sabia que eles provavelmente não teriam. Talvez eles encontrariam seu fim ali, na escola que haviam aprendido a odiar tanto, dentre tantas pessoas que mereciam algo melhor, e tantas outras que não mereciam nada. Ele se perguntava qual dos dois eles eram.

“Talvez serpentes não tenham finais felizes”.

Isso significava que o Lorde das Trevas não teria, também? Ou Snape? Ou nenhum dos Comensais da Morte? Apenas para eles, ele desejava que fosse verdade. Mas pensou no sorriso caloroso de sua mãe, e em Astoria Greengrass ajudando as crianças para que não se perdessem na matéria, ou Mila Bulstrode colocando curativos em crianças à noite, depois de uma sessão de tortura, ou Timothy Davies contando piadas idiotas e ridículas para manter o moral de todo mundo elevado, mesmo depois de uma aula de Artes das Trevas, e desejou que houvessem exceções à regra. Talvez ele não fosse uma delas, e estava okay com isso. Mas se houvesse um Deus, ele desejou que Ela soubesse diferenciar uma serpente de outra, e que algumas delas tivessem um final feliz.

**

Ele viu o corpo cair, e então estava soluçando nos braços de sua mãe.

A guerra estava terminada, o salão parecia sussurrar ao seu redor. A guerra estava terminada, e o mundo estava mudado para sempre.

— Estou aqui. – ela murmurou para ele ao beijar sua testa e acariciar suas costas, e deixar suas próprias lágrimas caírem em seus cabelos – Eu estou aqui, Mon Cher, e tudo vai ficar bem, agora. Você vai ver. Nós vamos ficar bem. Tudo vai ficar bem.

Ele tentou acreditar nisso mesmo durante os julgamentos.

Estes consistiram em uma ansiedade sem fim e consntante, na medida em que cada Comensal da Morte do qual o Ministério tomava conhecimento era arrastado para a corte. Toda uma investigação foi feita sobre suas vidas. Famílias grandes e antigas que já haviam sido um pilar da sociedade bruxa desabaram, seus tronos tendo sido construídos em trevas e mentiras, e agora levados embora enquanto eles eram arrastados para Azkaban, um por um.

Tantos de seus colegas pararam no corredor para assistir seus pais serem levados embora. Alguns deles choraram. Alguns contiveram suas lágrimas. Alguns apenas assistiram, frios e distantes, indiferentes. Alguns sorriram; uma menina riu e disse que eles mereciam. Alguns enfrentaram julgamento eles mesmos, mas Gregory Goyle foi o único a ser realmente levado a Azkaban. O único verdadeiro Comensal da Morte daquela geração. Draco se perguntou se teriam havido dois, se Crabbe tivesse sobrevivido.

Ele se manteve ao lado de Theodore enquanto seus pais eram levados embora. Diferentemente de Lucius, eles haviam sido permitidos um último adeus, mas o recusaram friamente. Não tinham um filho, disseram à corte. Não mais. Theodore simplesmente assentira, concordando, sua expressão ilegível a todos menos a Draco. Ele sabia o que se passava em sua mente – o mesmo se passara na sua quando fora a vez de Lucius.

Eles não se importam. Nunca se importaram. Por que eu deveria?

E simples assim, eles estavam livres. Sua mãe perdera o direito a carregar uma varinha e eles não poderiam viver na Mansão Malfoy enquanto esta estivesse sendo investigada pelo Ministério, mas era apenas isso. Nenhum casamento ia acontecer. Não aqueles. Daphne fizera questão de deixar o Reino Unido com sua namorada; Astoria ficara para trás apenas por Hogwarts e Timothy Davies. Todos aqueles planos, aqueles contratos já assinados, eram subitamente sem valor, tão bons quanto se fossem inexistentes. Draco não tinha futuro certo.

Quando a carta de Hogwarts chegou, ele quase não conseguia acreditar. Depois de tudo o que acontecera, ele não conseguia pensar em uma única razão pela qual eles o quereriam de volta; ele já se acostumara à ideia de nunca voltar à escola – talvez ele pudesse conseguir um diploma trouxa ou algo do tipo. Mas ali estava, em letras verdes e pergaminho branco, convidando-o de volta e assegurando-lhe de que todos os estudantes eram bem-vindos para retomar o ano anterior, para que pudessem ter uma educação decente.

— Vá. – sua mãe disse, quando ele lhe mostrou a carta – Eu estou com Andrômeda, vou ficar bem. Você deve ir, tirar seus N.I.E.M’s. Ou você não quer mais ser um curandeiro?

Então, ele foi.

**

Aquele ano foi, talvez ironicamente, o melhor que já tivera.

Os alunos a quem ele tinha ajudado o defendiam, agora. Alguns a quem ele havia ensinado como fingir uma maldição Cruciatus acenavam-lhe nos corredores. Luna Lovegood sentava-se ao seu lado no jardim só para conversar, ou assistir aos quatro conversarem. Lentamente, mas não tanto assim, ele deioxu de ser o “cara mau”. Também deixou de ser o “Príncipe da Slytherin”, mas não queria sê-lo. Ele só queria conseguir tantos N.I.E.M’s quanto possível para poder se tornar um curandeiro.

— Você tem um plano? – Thoeodore perguntou certa noite, enquanto eles esperavam pelo jantar – Digo, eu sei que você quer ser um curandeiro e tal, mas você sabe onde você quer estudar?

— Élysée. – respondeu, em um segundo – França.

— Hora de reabrir a antiga casa da família, então?

— Suponho que sim.

Quase como um reflexo, Draco pegou sua mão e apertou-a gentilmente.

— E quanto a você? Você tem um plano?

Theodore deu de ombros.

— Mais ou menos. Digo... Vou ser um magiarqueólogo, é claro. Mas não parei realmente para pensar onde eu vou estudar. Eu sempre tive um pouco de medo de pensar nisso, sabe? Odeio fazer planos.

— Bom... – Draco começou, tentando soar casual – Élysée tem um ótimo currículo de Magiarqueologia. O melhor na Europa, na verdade.

— Ah, sério? – Theodore se vitrou para ele com um sorriso torto e ergueu uma sobrancelha – Mas Élysée é na França.

— É, sim.

— E então,  onde eu iria morar, enquanto estivesse na França? Você não calharia de ter um quarto sobrando na sua casa que poderia me dar, teria? Ou apenas um espaço na sua cama?

— Nós podemos conversar sobre isso.

**

Draco Lucius Malfoy-Nott não conseguia imaginar uma vida sem Theodore.

Desde que podia se lembrar, ele fora uma parte dela; seu melhor amigo, sentado ao seu lado e confortando-o com sussurros baixos e toques gentis. Ele podia sempre ser encontrado bem ao seu lado, sempre que Draco precisava dele, sempre pronto para se certificar de que todo mundo estava bem.

Ele era a coisa mais linda no mundo inteiro, Draco sempre havia pensado, com seus apaziguadores olhos escuros e seu jeito gentil. Seu sorriso era caloroso e às vezes ele se focava tão completamente em alguma coisa que era fácil esquecer que ele estava ali. Mas Draco nunca se esquecia; ele tinha um sensor, parecia, para Theodore. Se seu marido estava por perto, Draco sabia.

Ele assistiu enquanto uma borboleta caminhava sobre as rosas brancas, acompanhada de perto por Scorpius. Cassiopeia estava muito ocupada estudando a mariposa em sua mão para notar qualquer outra coisa – e isso incluía a borboleta subindo em seus cabelos a partir dos dentes-de-leão. Ao seu lado, sua mãe lia um livro. Ao seu outro lado, seu marido estudava o desenho de algum artefato que estava atualmente pesquisando, mordendo sua pena.

“Talvez serpentes não tenham um finais felizes”, a voz de Pansy ecoou no fundo de sua mente, uma memória opaca da guerra.

Draco pegou a mão de Theodore e apertou-a, fazendo-o erguer a cabeça e olhá-lo; um arco-íris sombrio em seus olhos e um claro nas lentes grossas de seus óculos. O curandeiro deu-lhe um rápido selinho antes de se levantar para ajudar sua filha a tirar uma borboleta de seus cabelos bagunçados, enquanto Sorpius ria da irmã, sem saber que a mesma coisa estava prestes a acontecer com ele.

Você está errada, Pan, pensou, com um sorriso que o seu eu de catorze anos nunca pensaria que ele seria capaz de ter; um sorriso feliz. Às vezes, serpentes têm finais felizes.


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