Eu nasci no relógio. Ou pelo menos acho que nasci, já que não me lembro de já ter saído daqui. Vivíamos apenas eu e minha mãe, juntas, trabalhando no relógio, fazendo ele continuar a funcionar todo santo dia. Minha mãe me ensinou tudo o que eu deveria saber sobre o maquinário e porque eu deveria mantê-lo funcionando. Era a máquina mais antiga da Nova América, não era autômata como as outras.

Após a Grande Guerra das Nações, em 1838, o mundo foi redividido e após anos de ressaca por conta da guerra, o mundo passou por uma revolução industrial realmente revolucionária, utilizando da tecnologia à vapor para mudar o mundo e moldá-lo. Pela torre do sino eu podia ver a cidade, cheia de prédios enormes, fábricas expelindo fumaça, zepelins voando pelos céus, autômatos brilhando em cobre fazendo o trabalho pesado, tudo automatizado em pouquíssimos anos e o relógio sobrevivera a tudo isso. E eu nunca pude ver nada de perto.

Minha mãe me alertou desde que eu pude entender o que ela dizia, que eu não deveria sair da torre do relógio, ou eles me achariam. Quem são eles? Eu não sei bem, mas minha mãe tinha muito medo dele, por isso quando ela saiu e não voltou mais, eu decidi ficar. Eu poderia dizer que ninguém sabe de minha existência, mas toda semana chega um pacote de suprimentos para me manter bem. Quem manda? Eu também queria saber.

Eu também poderia dizer que sou uma garota inocente que não sabe nada do mundo , mas se pode ver muita coisa pelas janelas e frestas da torre, ricos festejando, pobres buscando peças para sobreviverem, jovens planejando uma revolução, homens bem vestidos com um broche contendo um símbolo estranho, mas que aparece em alguns cantos da cidade… Eu via tudo, sabia tudo, mas não podia agir.

Mas ao completar cinco anos desde que minha mãe se foi e ver um grupo de jovens marchando para uma possível batalha eu me perguntei: será que não posso ajudá-los com as informações que tenho? Sabendo da corrupção correndo entre os ricos e das armas de batalha sendo criadas, eu deveria ficar quieta e apenas ver a história acontecer? Sinto muito mãe, mas eu pretendo fazer parte da história, por isso estou na frente da porta da torre, com meu monóculo e tudo o que é importante, pronta para sair e ajudar.